Título do original em inglês (5ª edição inglesa, 1997) : How to Understand The End-Time Prophecies of the Bible – FIRST IMPRESSIONS, 1997.
Tradução: Carlos Biagini
A aplicação que Jesus fez dos termos simbólicos tirados do livro do Daniel – tais como “reino”, “Filho de Homem” e “abominação desoladora” – indicam que manifestou um profundo interesse nas profecias apocalípticas de Daniel. Aplicou as expressões daniélicas a sua própria missão messiânica. Por esse meio Cristo ensinou que a descrição das visões de Daniel eram de importância fundamental para sua igreja.
Sua própria perspectiva segue o esboço da história da salvação de Daniel. É conhecido como Discurso do Monte das Oliveiras ou discurso escatológico de Jesus, porque o pronunciou enquanto estava sentado no monte das Oliveiras, ao oriente de Jerusalém (Mateus 24; Marcos 13; Lucas 21).
O quadro que Cristo pintou dos acontecimentos futuros para Jerusalém e para seus seguidores em todo mundo é similar ao que foi esboçado primeiramente pelo profeta Daniel. O discurso do monte das Oliveiras foi chamado por alguns como “os comentários ou Midrash* de Jesus sobre o livro do Daniel”.
[*Nota do Tradutor: Midrash é uma mera transliteração do substantivo hebraico midräs, que é um termo cunhado na última época bíblica e que no período rabínico toma o sentido preciso de “interpretação e exposição” do texto bíblico.]
É amplamente reconhecido que as profecias de longo alcance de Daniel – com sua predição da apostasia, a perseguição, o juízo e a vindicação final dos fiéis – deram forma ao discurso escatológico de Cristo. Esta conexão pode ver-se sem dificuldades da seguinte lista comparativa:
Daniel | Jesus |
“Quando se cumprirão estas maravilhas?” (Dan. 12:6) O anjo respondeu que quando acabe a dispersão do poder do povo santo, “estas coisas todas se cumprirão” [na LXX: suntelesthénai pánta táuta] (Dan. 12:7). | “Dize-nos quando sucederão estas coisas, e que sinal haverá quando todas elas estiverem para cumprir-se?” [méle táuta sunteleísthai pánta] (Mar. 13:4). |
“O que há de ser nos últimos dias” [na LXX: ti dei genésthai metá táuta: O que deve suceder no futuro] (Dan. 2:28). | “É necessário assim acontecer” [dei genésthai] (Mar. 13:7). |
“Mas o povo dos que conhecem o seu Deus se tornará forte e ativo … Alguns dos sábios cairão … até ao tempo do fim, porque se dará ainda no tempo determinado. … mas, naquele tempo, será salvo o teu povo” (Dan. 11:32, 35; 12:1). | “Sereis odiados de todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo” (Mar. 13:13; Mat. 24:13). |
“Até quando durará a visão do sacrifício diário e da transgressão assoladora, visão na qual é entregue o santuário e o exército, a fim de serem pisados?” (Dan. 8:13). | “Quando virdes a abominação da desolação instalada onde não deve estar” (Mar. 13:14, BJ). |
“Sobre a asa das abominações virá o assolador” (Dan. 9:27). | “Quando , portanto, virdes a abominação da desolação … instalada no lugar santo” (Mat. 24:15, BJ). |
“tirarão o sacrifício diário, estabelecendo a abominação desoladora” (Dan. 11:31; cf. 12:11). | |
“E haverá tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo” (Dan. 12:1). | “Porque aqueles dias serão de tamanha tribulação como nunca houve desde o princípio do mundo” (Mar. 13:19; Mat. 24:21). |
“E eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do Homem […] Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino” (Dan. 7:13,14). | “Então, verão o Filho do Homem vir nas nuvens, com grande poder e glória” (Mar. 13:26; cf. Mat. 24:30). |
Dos paralelos citados, chega a ser evidente que Jesus seguiu a sequência dos eventos futuros de Daniel em seu próprio discurso. Cristo aplicou o esboço de Daniel ao futuro imediato de Israel e de seus discípulos. Portanto, cada uma das declarações de Cristo deve entender-se contra o transfundo da profecia de Daniel da história da salvação. Daniel apresentou o drama de um conflito religioso que se concentra em um que invade a terra santa, profana o templo de Israel estabelecendo sua própria “abominação” ou objeto de adoração falsa, em lugar da verdade de Deus, e persegue os santos, cuja “angústia” durará por “três tempos e meio”. A reação de Deus chega na forma de “um semelhante a um filho de homem”, a quem é ordenado no céu que execute o juízo de Deus sobre esse intruso maligno. Restaura a verdadeira adoração no templo de Deus e vindica os adoradores tratados injustamente.
O tema de Daniel é descrito em 2 visões que formam um paralelismo progressivo e complementar (caps. 7 e 8). Os capítulos finais de Daniel (9 e 10-12) consistem em notas explicativas do anjo quanto às duas visões. Entretanto, o tema principal do livro de Daniel é a segurança da restauração da verdade do santuário de Deus e a libertação de seu povo fiel do pacto por meio do Filho do Homem, que vem nas nuvens do céu. Ele executa o juízo sobre o “chifre pequeno”, o desolador que está na terra.
Do mesmo modo, Jesus conecta o templo e sua profanação futura com uma “abominação da desolação” ou sacrilégio. Depois assegura a seus seguidores que voltará no poder e a glória do celestial Filho do Homem (de Daniel 7) para resgatar a seus fiéis e reuni-los no reino messiânico de Deus. Dessa forma, Cristo anula a sentença de morte tão injustamente imposta aos fiéis pelo anticristo.
Segundo os Evangelhos sinóticos, Jesus adotou algumas frases-chave apocalípticas de Daniel e as aplicou a si mesmo como Messias, e outras frases aplicou a Jerusalém e a seus seguidores:
Daniel 7:13 (Um filho de homem que vem nas nuvens do céu para vindicar os santos acusados) é aplicada a Cristo em Marcos 13:26.
Daniel 8:13 (O santuário seria pisoteado) aplica-se a Jerusalém em Lucas 21:24.
Daniel 9:27 (O desolador porá seu sacrilégio dentro do templo) aplica-se à área do templo de Jerusalém no Mateus 24:15.
Daniel 11:31 (O sacrilégio profanará o templo) aplica-se a Roma imperial em Marcos 13:14.
Daniel 11:45 (O monte glorioso e santo será assediado) aplica-se a Jerusalém no Mateus 24:15 (“o lugar santo”).
Daniel 12:1 (Seguirá um tempo de tribulação sem comparação) aplica-se aos seguidores de Jesus em Marcos 13:19.
Jesus mencionou que a fonte literária de seu discurso era o livro de Daniel: “Quando, porém, virem a abominação da desolação, de que fala o profeta Daniel, instalada no lugar santo – que o leitor entenda!” (Mateus 24:15, BJ). Isto indica que o esboço apocalíptico de Daniel dos 4 impérios mundiais sucessivos (Babilônia, Medo pérsia, Grécia e Roma) devem colocar-se como o marco histórico atrás da perspectiva do futuro apresentada por Cristo. Isto exige interpretar que o Império Romano que no tempo do Jesus governava Israel, cumpriu a profecia de Daniel. O general romano Pompeu sujeitou os judeus a Roma no ano 63 a.C. Os expositores judeus anteriores a Cristo, especificamente os macabeus, acreditaram que sua vitória militar sobre o opressor sírio Antíoco IV Epifânio, no ano 164 a.C., era a vitória de Deus sobre o profanador do templo descrita em Daniel 8-12 (ver 1 Macabeus 1:54-59; 6:7). Os fariseus viram na morte de Pompeu (48 a.C.) o triunfo de Deus sobre o profanador da cidade santa.1
Logo depois de Cristo, Josefo, o historiador judeu do século I, expressou sua convicção de que a profanação do templo levada a cabo pelos zelotes e a desolação de Jerusalém pelos exércitos romanos (no 70 d.C.) eram um cumprimento da predição de Daniel.2 Entretanto, poucos judeus pareceram ter entendido a razão real para a destruição de Jerusalém que se levou a cabo 40 anos depois da crucificação de Cristo.
Os profetas anteriores, incluindo Jeremias (cap. 7) e Ezequiel (cap. 24), tinham anunciado a destruição iminente do templo e da cidade como a maldição divina do pacto sobre um povo rebelde ao pacto. Mas isto já ocorrera no próprio tempo de Daniel, quando Nabucodonosor, rei de Babilônia, destruiu Jerusalém em 586 a.C. (ver Daniel 9:17). Entretanto, a nova predição de Daniel foi a espantosa verdade de que o templo futuro que seria reedificado após o cativeiro babilônico também seria destruído, tudo como resultado do assassinato que Jerusalém faria do Messias (Daniel 9:26, 27)! Esta profecia é um novo desenvolvimento na tradição profética de Israel. Daniel 9 chegou a ser mais específico com respeito ao tempo do Messias que a predição anterior do servo sofredor de Isaías 53.
Jesus aplica a predição de Daniel da destruição futura da “cidade e o santuário” (Daniel 9:26) ao tempo da geração de seus contemporâneos, quando declarou com toda solenidade: “De certo vos digo que tudo isto virá sobre esta geração” (Mateus 23:36; ver também o v. 35 e 24:34). A advertência adicional, “que lê, entenda” (Marcos 13:14), é o conselho de Cristo aos que podiam ler as Escrituras hebraicas para que estudassem cuidadosamente o livro de Daniel como o contexto de seu próprio discurso profético. O vocábulo “entendam” já era uma palavra-chave no livro de Daniel (Daniel 9:23; ver também 8:27; 9:2; 10:1; 12:8-10). Por esta razão, o conselho de Jesus aponta inequivocamente ao livro de Daniel para entender sua própria predição profética e a aplicação histórica da profecia de Daniel.
Por muito tempo se deu por sentado que o Evangelho de Marcos foi escrito primeiro e que Mateus e Lucas o tomaram como sua pauta básica, produzindo cada um sua própria versão modificada de uma perspectiva teológica ligeiramente diferente. Entretanto, estudos recentes sugerem que os três escritores dos Evangelhos sinóticos extraíram de um documento comum anterior aos sinóticos que continha todos os elementos essenciais da tradição oral do discurso de Jesus no monte dos Oliveiras.3
O discurso de Jesus no monte dos Oliveiras também constituiu uma fonte vital para o conselho pastoral de Paulo com respeito ao futuro e para seu método ao aplicar o esboço apocalíptico a seu próprio tempo e ao futuro. Isto será tratado no capítulo seguinte.
Tanto o discurso profético de Jesus como o esboço profético de Paulo constituem as cabeceiras de ponte mais importantes que conectam os livros de Daniel e Apocalipse. O discurso escatológico de Jesus nos Evangelhos sinóticos e o esboço profético de Paulo em 2 Tessalonicenses 2 nos ensinam autoritativamente como se devem aplicar as profecias de Daniel à era cristã. São a preparação necessária para entender o livro do Apocalipse.
A Estrutura Cronológica do Discurso Profético de Jesus em Marcos 13
Alguns observaram um estilo literário em Marcos 13 que demarca os versículos 5-23 como uma unidade literária. Isto se insinua pela advertência contra a profecia falsa tanto ao começo como ao final: “Olhem [blépete]…” (vs. 5, 23). Esta seção descreve os acontecimentos que devem preceder ao fim, especificamente os dias de tribulação (vs. 19, 20). Assim forma também uma unidade temática. A seção seguinte, do 24 ao 27, apresenta a segunda vinda de Cristo como o próprio fim. Sugere uma progressão definida no tempo: “Mas naqueles dias, depois daquela tribulação…” (V. 24).
Voltando para a primeira seção (vs. 5-23), pode notar-se um progresso cronológico dentro desta parte. A predição de guerras, fomes e terremotos não tem o propósito de anunciar sinais dos acontecimentos finais porque se diz que não devem ser causa de alarme: “É necessário que aconteça assim; mas ainda não é o fim…” Estes são princípios de dores (literalmente, dores de parto; Marcos 13:7, 8; cf. Mateus 24:8).
Depois se mencionam os sofrimentos dos discípulos de Cristo e sua pregação mundial do evangelho: “E é necessário que o evangelho seja pregado antes a todas as nações” (Marcos 13:10, cf. Mateus 24:14). Esta porção da Escritura conclui com o conselho de Jesus: “Mas o que perseverar até o fim, este será salvo” (v. 13; Mateus 24:13). A demora da parousia (o advento) está claramente presente neste contexto. Quando Jesus disse que o evangelho “primeiro deve” ser pregado, enfatizou o fato de que o fim não viria até que o evangelho tenha sido levado a cada nação na terra (ver Marcos 13:10).
Na subdivisão seguinte, Marcos 13:14-20, Cristo volta a atenção à geração de seus contemporâneos ao concentrar-se sobre a “abominação da desolação”. Este fenômeno já não é parte “do princípio de dores”. A predição de Cristo do “sacrilégio” como um indicador visível da imediata destruição de Jerusalém é o sinal decisivo que responde a pergunta dos discípulos: “Qual será o sinal de que está para acabar-se tudo?” (Marcos 13:1-4, NBE; Mateus 24:1-3).
Mas Cristo não continua o relato com uma descrição de sua gloriosa vinda como os discípulos esperavam. Mas procede enfatizar que o sacrilégio trará um período de angústia sem igual, um período de tribulações para seus seguidores (Marcos 13:19-23; Mateus 24:16-21). Tudo isto, reitera Jesus, acontecerá antes que os sinais nos céus introduzam o Redentor que retorna (Marcos 13:24; Mateus 24:29). Em outras palavras, a desolação de Jerusalém está separada com toda claridade do segundo advento pelo intervalo de tempo conhecido como “dias de tribulação” [thlípsis] para os seguidores de Cristo em todo mundo.
Este período de aflição é deixado em forma indefinida por Cristo, mas é uma alusão clara às predições de Daniel de um período de aflição e apostasia depois que se estabeleceu a abominação desoladora como se depreende de Daniel 7-12. O primeiro tempo de aflição no livro de Daniel dura “três tempos e meio” (Daniel 7:25), e deve entender-se como um símbolo apocalíptico para um longo período, mencionado em forma reiterada em Apocalipse 11-13 com respeito à era da igreja […]. Mas Daniel antecipa, além dos 3 ½ tempos de aflição (em Daniel 7:25), um tempo posterior de angústia sem precedentes no tempo do fim (Daniel 11:40- 45; 12:1), da qual Miguel libertará seu povo. Este tempo final de tribulação, diz Daniel, será “qual nunca houve desde que houve nação até então” (Daniel 12:1; LXX, thlípsis).
Tanto Mateus como Marcos declaram que a angústia será tão severa que “ninguém escaparia com vida” se o Senhor não abreviasse esses dias por amor a seus “escolhidos” (Marcos 13:20; Mateus 24:22). Este anúncio sugere não uma crise local pequena em Jerusalém, e sim um período prolongado de angústia universal para o povo de Deus. A referência adicional a respeito dos falsos cristos e os falsos profetas (Marcos 13:21-23; Mateus 24:24) indica um período estendido de apostasia. Podemos concluir sem risco que Cristo previu um período extenso de desolação religiosa depois que o sacrilégio abominável predito nas profecias de Daniel tivesse aparecido entre seus seguidores. Cristo não ensinou que a queda de Jerusalém e o fim do mundo eram acontecimentos idênticos, mas sim que a queda de Jerusalém introduziria um período de apostasia e tribulação. Parece que Cristo combinou todos os períodos de angústia para seu povo em uma só declaração, tirada de Daniel 12:1.
A chave para entender a perspectiva profética de Cristo é sua aplicação contínuo histórica de Daniel: primeiro ao Império Romano e à geração de seus contemporâneos em Jerusalém, e depois aos períodos de crescente angústia mundial da qual libertará a seus seguidores em sua vinda.
A Aplicação que Cristo Fez da Tipologia
Qual foi a ocasião que levou Jesus a pronunciar sua profecia de condenação sobre Jerusalém e de perseguição para seus seguidores até Sua libertação em sua segunda vinda?
Perto do fim de seu ministério terrestre, Jesus notou o repúdio decidido de cada evidência de seu messianismo por parte dos dirigentes judeus. Previu sua iminente morte violenta. Só então pronunciou a inevitável maldição do pacto: “Eis que vossa casa vai ficar deserta” (Mateus 23:38). O que Cristo quis dizer com esta predição sinistra? Declarou que o templo em Jerusalém séria privado da presença divina, e seria destruído, e acrescentou: “Não ficará pedra sobre pedra” (Marcos 13:2).
Muito pouco tempo depois, enquanto estava sentado no monte das Oliveiras, alguns de seus discípulos lhe perguntaram em particular: “Diga-nos, quando serão estas coisas, e que sinal haverá de tua vinda e do fim do mundo?” (Mateus 24:3). Estas perguntas se relacionam com dois acontecimentos diferentes. Entretanto, na mente dos discípulos, isso não estava diferenciado no tempo como “a destruição de Jerusalém” por um lado e “a segunda vinda de Cristo” para julgar o mundo por outro. Entretanto, na opinião de Cristo, o juízo iminente sobre Jerusalém e o juízo final do mundo têm um característico básico em comum: ambos os juízos são realizados pelo mesmo Deus do pacto. Esta correspondência essencial de ambos os juízos implica tipologia, algo associado com os profetas clássicos […]. Isto significa que Jesus considerou o iminente dia do Senhor para Jerusalém como um tipo de aviso do juízo do mundo.
Em harmonia com a profecia clássica de Israel, Cristo também combinou os dois juízos divinos em uma perspectiva profética bifocal:
A predição de Jesus não oferece nenhuma classe de adivinhação de acontecimentos futuros, mas sim, ao contrário, convoca a todas as pessoas a preparar-se para encontrar-se com Deus. Assim como os profetas da antiguidade, Jesus projetou como iminente o juízo sobre Jerusalém (“não passará esta geração”, Marcos 13:30; …), uma vez que colocou o juízo do mundo no distante tempo do fim (“daquele dia e hora ninguém sabe”, Marcos 13:32).
Jesus recalcou que a razão para a catástrofe iminente de Jerusalém foi seu rechaço da visitação de Deus por meio do Messias: “E te derribarão … porquanto não conheceste o tempo de tua visitação” (Lucas 19:44). Israel tinha rechaçado a seu verdadeiro Rei na pessoa de Cristo. Como resultado, Deus retirou sua presença, o que deixou só a justiça retributiva de Deus. Segundo o mesmo princípio, Jesus ordenou que “o evangelho seja pregado antes a todas as nações” (Marcos 13:10). Só então virá o juízo do mundo. Por essa razão, Cristo enviou a sua igreja com uma missão mundial:
“E será pregado este evangelho do reino em todo mundo, para testemunho a todas as nações; e então virá o fim” (Mateus 24:14; cf. 28:18-20).
Jesus também adotou o termo apocalíptico “o fim” do livro do Daniel. Em Daniel 9:26 e 27, “o fim” emprega-se como um sinônimo para uma “destruição” decretada divinamente sobre o horrível desolador. Isto faz pensar que o mundo será destruído pela mesma razão pela que foi devastada Jerusalém. Assim como Jerusalém foi destruída por rechaçar o Messias, assim o mundo será destruído por seu rechaço de Cristo como Salvador. Dessa maneira Cristo revelou a unidade da obra de Deus.
Cristo, a Chave para Entender a Profecia
A aproximação do inimigo à área do templo foi o sinal para que os seguidores de Cristo fugissem. Esse sinal serve como uma admoestação para todos os crentes, permitindo que escapassem de Jerusalém.
“Quando virem ‘a abominação da desolação’ instalada onde não devia estar – que o leitor entenda! – então os que estiverem na Judéia fujam para as montanhas” (Marcos13:14, BJ).
“Quando, portanto, virdes a ‘abominação da desolação’, de que falou o profeta Daniel, instalada no lugar santo – que o leitor entenda! –então, os que estiverem na Judéia fujam para as montanhas” (Mateus 24:15, 16, BJ).
“Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação. Então, os que estiverem na Judéia, fujam para os montes; os que se encontrarem dentro da cidade, retirem-se; e os que estiverem nos campos, não entrem nela. Porque estes dias são de vingança, para se cumprir tudo o que está escrito” (Lucas 21:20-22).
É importante reconhecer a função complementar dos três Evangelhos sinóticos no estudo do discurso profético do Jesus. As frases idênticas ao começo de cada relato indicam firmemente que Lucas interpreta a profecia de Marcos da “abominação desoladora” como sendo cumprida na desolação histórica de Jerusalém pelos exércitos de Roma em 70 d.C. Lucas acrescenta um esclarecimento importante dele próprio: que a terrível desolação deve entender-se como um “castigo” divino em cumprimento de tudo o que haviam predito os profetas de Israel. Mateus aponta explicitamente o profeta Daniel. Na verdade, Daniel contém a única profecia das 70 semanas de anos que anuncia a morte violenta do Messias seguida pela destruição de Jerusalém:
“E depois das sessenta e duas semanas se tirará a vida ao Messias, mas não por si; e o povo de um príncipe que virá destruirá a cidade e o santuário” (Daniel. 9:26).
Quando os exércitos de Roma estavam aproximando-se da “santa cidade”, podiam ser vistos por todos os que estavam na Judéia. Enquanto que Mateus e Marcos tinham falado só de uma “abominação desoladora” que viria, Lucas explica a seus leitores gentios que esta desolação estava a ponto de vir sobre Jerusalém por meio dos exércitos romanos (ver Lucas 21:20). A data da publicação do Evangelho de Lucas é debatida, mas se crê que é cerca do ano 70 d.C. O anúncio de Lucas de que a condenação de Jerusalém eram os “dias de retribuição, para que se cumpram todas as coisas que estão escritas” (Lucas 21:22), confirma a interpretação de que a morte violenta de Cristo e a consequente destruição de Jerusalém por Roma imperial cumpriram a profecia de Daniel 9. A declaração de Lucas também confirma a predição de Jesus de que sua própria geração não passaria sem que se cumprissem suas palavras (Mateus 24:34; 23:36; Marcos 13:30, 31).
Agora podemos tirar a conclusão de que a profecia messiânica de Daniel das 70 semanas (Daniel 9:24-27) teve seu cumprimento histórico na morte de Cristo. Deste modo, Cristo é a chave para entender a profecia de Daniel. Também deve ser nosso guia para entender o cumprimento da “abominação da desolação”, ou, como traduz Cantero-Iglesias, “o sacrilégio devastador”.
O Anticristo Abominável
O termo misterioso de Jesus – “a abominação da desolação” (BJ; RV 77), “o sacrilégio devastador” (CI) ou “a abominação que causa a desolação” (NIV) [bdélugma tes eremóseos] – é uma alusão direta à figura do antimessias que aparece na profecia de Daniel. Inclusive a visão do Daniel 8 foi denominada pelo anjo interpretador: “a visão da transgressão assoladora” (Dan. 8:13), “o pecado da desolação” (JS). Esta visão se centraliza no sacrilégio de pisar o templo de Deus e seus adoradores por parte de um poder jactancioso.
Os capítulos posteriores em Daniel (caps. 9-12) aplicam a visão espantosa de Daniel 8 à era messiânica (9:24-27; 11:31-36; 12:11). Já na visão do Daniel 8 o próspero profanador desempenhou um papel proeminente como o adversário do Messias, o “príncipe dos exércitos” ou “Príncipe dos príncipes” (Daniel 8:11, 25). Isto significa que este desolador do santuário é apresentado no papel de um antimessias desde tempos tão antigos como quando Daniel escreveu seu livro! Pisoteia o santuário do Messias, o Príncipe dos exércitos: “O lugar de seu santuário foi lançado por terra” (Daniel 8:11). A explicação seguinte se estende sobre sua profanação e destruição: “Por sua astúcia nos seus empreendimentos, fará prosperar o engano, no seu coração se engrandecerá e destruirá a muitos que vivem despreocupadamente; levantar-se-á contra o Príncipe dos príncipes, mas será quebrado sem esforço de mãos humanas” (Daniel 8:25).
Esse foi o conceito hebraico da natureza e a sorte do antimessias vindouro. Em seu discurso profético, Jesus fez mais que reproduzir tão somente a predição de Daniel. Como o Messias da profecia, alertou a seus discípulos e à igreja das idades futuras contra a chegada de seu rival que, portanto, pode ser chamado “o anticristo”.
Este anticristo não só se opõe ao verdadeiro culto de adoração, mas também profana o templo de Deus e engana e persegue os seguidores de Cristo. Dessa forma, o anticristo ocasiona a grande tribulação para o povo do novo pacto de Deus (Marcos 13:14-19; Mateus 24:15-21). Só a repentina aparição de Cristo em seu poder soberano como o Filho do Homem terminará bruscamente o reinado do anticristo. Cristo prometeu intervir pessoalmente e libertar o seu povo (Marcos 13:26, 27; Mateus 24:30, 31).
Muitos expositores notaram um ponto interessante no fato de que Marcos se refere à “abominação” usando a forma masculina, como “posta (gr. estekóta, Marcos 13:14) onde não deve estar”. Esta forma pessoal geralmente se interpreta como sugerindo que a ameaça não é uma apostasia impessoal, mas sim a origina uma pessoa específica.
Cristo anunciou que depois de sua partida se levantariam muitos enganadores dizendo: “Eu sou o Cristo”. Por outro lado, os verdadeiros seguidores de Cristo seriam odiados e perseguidos de morte em todo mundo “por causa de meu nome” (Marcos 13:12, 13; Mateus 24:9-11). O conflito se intensificaria até o grau em que os falsos cristos e os falsos profetas levariam a cabo milagres e sinais sobrenaturais para insistir em sua falsa adoração (Marcos 13:19-22; Mateus 24:21-24). Jesus aplica claramente o personagem antimessias de Daniel a mais de um anticristo individual, todos os quais desempenham o papel de falsos profetas até o fim do tempo.
Por causa de sua aplicação ao tempo do fim, hoje merece nossa atenção um conselho específico de Jesus a seus discípulos em relação com a “abominação” que ia avançar contra a cidade apóstata de Jerusalém: “Então os que estejam na Judéia fujam para os montes” (Mateus 24:16; Marcos 13:14; Lucas 21:21). O conselho do Jesus foi um recordativo da ordem de Deus a Ló e sua família em Sodoma: “Escapa por tua vida… escapa ao monte, não seja que pereças” (Gênesis 19:17). Tanto Sodoma como Jerusalém tinham incorrido no juízo. Ambas as cidades tinham sido pesadas nas balanças do céu e tinham sido achadas faltas. Para ambas, tinha terminado o tempo de prova. A destruição que caiu sobre ambas as cidades foi só uma prefiguração de seu juízo futuro. Jesus tinha admoestado antes a Capernaum:
“Se em Sodoma se tivessem operado os milagres [do Messias] que em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje. Digo-vos, porém, que menos rigor haverá, no Dia do Juízo, para com a terra de Sodoma do que para contigo” (Mateus 11:23, 24).
O conselho premente de Jesus a seus discípulos a fugir de Jerusalém como o lugar de apostasia e condenação implicava, portanto, sua chamada a evitar também a condenação final do céu. Os crentes fugiram no ano 66 D.C. não aos montes literais, e sim à cidade de Pella, no vale ao outro lado do Jordão, a 25 quilômetros ao sul do Mar da Galiléia.4 No tempo indicado, os discípulos de Cristo tiveram que apartar-se da cidade condenada. Sua fuga foi uma fuga tanto da apostasia religiosa como de seu juízo.
O livro do Apocalipse ratifica a aplicação do tempo do fim do conselho de Jesus de fugir de Jerusalém. Em Apocalipse 18 uma voz celestial anuncia no tempo do fim que “caiu a grande Babilônia”, por causa de sua apostasia e posse demoníaca (Apocalipse 18:2, 3). O divino ultimato será ativado então para os que permanecem em Babilônia:
“Saiam dela, meu povo, para que não sejam partícipes de seus pecados, nem recebam parte de suas pragas; porque seus pecados chegaram até o céu, e Deus se lembro de suas maldades” (Apocalipse 18:4, 5).
Deste modo, o conselho de Jesus para fugir de Jerusalém no Mateus 24:16 encontra no tempo do fim sua aplicação universal.
Sabemos pelas epístolas de Paulo aos Tessalonicenses (especialmente 2 Tessalonicenses 2) e pelas epístolas de João, que o conceito do anticristo era um tema familiar na igreja apostólica. Portanto, podemos deduzir que a advertência contra o anticristo foi considerada desde o começo como uma parte essencial da mensagem que Cristo mesmo comissionou à igreja. Cristo e os apóstolos Paulo e João já consideraram a identificação do anticristo como um assunto de legítima importância.
Um erudito do Novo Testamento, Herman Ridderbos, comenta o seguinte sobre Mateus 24:15: “Alguns comentadores corretamente colocaram este versículo em relação com o anticristo do que se fala em 2 Tessalonicenses 2:4, quem ‘senta-se no templo de Deus como Deus, fazendo-se passar por Deus’. Embora Jesus estava falando principalmente da queda de Jerusalém, o fim do mundo e as abominações que traria consigo tinham caído dentro da esfera de seu discurso do próprio começo (ver Mateus 24:3). Por assim dizer, descreveu o fim do mundo tal como aconteceu em Jerusalém e à maneira de Jerusalém. E disse que a aparição abominável e blasfema do anticristo seria na verdade um dos sinais dos últimos dias”.5 O estudo da doutrina do anticristo nos Evangelhos e nas epístolas é uma preparação necessária para o estudo do livro do Apocalipse. O Apocalipse de João pode ser considerado como o desenvolvimento mais extenso do discurso de Cristo no monte das Oliveiras. Foi dito que João omitiu o discurso profético de Cristo de seu quarto Evangelho porque escreveu todo um livro sobre a revelação do Jesus Cristo (Apocalipse 1:1). Seja como for, um estudo cuidadoso do livro do Apocalipse é uma parte indispensável de nossa fé cristã.
Referências
1. “Salmos de Salomão”, 17, em Charlesworth, The Old Testament Pseudepigrapha, v. 2, p. 667.
2. Flavio Josefo, Obras completas… Antiguidades judias. X, 11, 7 (v. 2, pp. 213- 215).
3. Ver o livro de Wenham, The Rediscovery of Jesus’ Eschatological Discourse
4. Ver Eusébio de Cesárea, História Eclesiástica (Buenos Aires: Editorial Nova, 1950), III, 5, pp. 106, 107.
5. Herman Ridderbos, Matthew, [Mateus] (Grand Rapids: Zondervan, 1987), p. 444.
Você pode ler os estudos dos capítulos do Livro de Daniel aqui