Introdução
Dentre as mais úteis passagens do livro de Daniel, encontra-se o texto de Daniel 11:6. À primeira vista, o versículo soa mais como um texto ininteligível de história. antiga. Na verdade, ele contém uma história dos opressivos interesses humanos, a qual revela grandes lampejos acerca de Deus.
“Mas, depois de alguns anos, eles se aliarão um com o outro. A filha do rei do Sul casará com o rei do Norte, para estabelecer a concórdia. Ela, porém, não conservará o seu poder, e ele não permanecerá, nem manterá o seu poder. Porque ela será entregue, juntamente com os que a trouxeram, o seu pai e aquele que a tomou por sua naqueles tempos.”
O que significa tudo isto?
– …. os reis Ptolomeu Filadelfo do Egito e Antíoco Theos da Síria intentaram garantir a paz entre seus países mediante o casamento de Antíoco com Berenice, a filha de Ptolomeu.
Antíoco já possuía uma esposa, chamada Laodice. Uma parte do tratado entre os dois reis, previa que Antíoco se divorciaria de sua primeira esposa.
Desta forma o divórcio foi arranjado, celebrado o novo casamento, e no devido tempo nasceu um garoto do casamento de Antíoco com Berenlce, o qual viria futuramente a tornar-se rei. Infelizmente, em breve Antíoco descobriu que não apreciava muito Berenice. Fazia frequentes comparações entre ela e Laodice. Quando faleceu Ptolomeu, o pai de Berenice, Antioco divorciou-se dela e fez de Leodice outra vez sua esposa.
Mas Laodice tornara-se amargurada. Ela temia, igualmente, os próximos passos que seu esposo poderia dar. Portanto, utilizando os seus poderes reais de uma forma que era muito comum naqueles dias, ela tomou providências para que Antíoco, Berenice, o filhinho desta e todas as suas servas fossem assassinados.
Não é uma história muito bonita, por certo! Pense nas lágrimas que estas mulheres derramaram. Pense na rejeição, insegurança e hostilidade que tiveram de enfrentar.
Lembre-se, então, que o anjo apresentou toda esta situação ao profeta Daniel quase trezentos anos antes que os fatos ocorressem.
“Jesus Cristo ontem e hoje é o mesmo, e o será para sempre.” Hebreus 13:8
Cristo conhece tudo a respeito de cada coração partido e de cada lar desfeito. Ele conhece a excruciante dor que a hostilidade humana pode produzir. E em Daniel 10 a 12 Jesus aparece tanto no início quanto no fim da profecia, a fim de dizer-nos que, se nós Lhe permitirmos, Ele nos confortará, encorajará e guiará através de todas as tragédias pessoais.
A hostilidade da raça humana.
Mas Daniel 11 trata de outros assuntos além da tragédia pessoal. O capítulo dá cobertura à História, como se o anjo que está falando fosse um dos nossos grandes apresentadores jornalísticos da TV, que analisa os principais fatos do período, e depois dissesse: ‘Assim foram os fatos ocorridos hoje’. Melhor que isto, na verdade, o nosso anjo-apresentador apresenta os fatos sob a forma profética, como que concluindo: ‘Assim serão os acontecimentos do futuro’. E tal como ocorre com as manchetes do jornal vespertino, quase todos os fatos antecipados neste noticiário do futuro, constituem também relatos de hostilidades. Todos os atores aparecem sob o pior aspecto, lutando ou preparando-se para fazê-lo. Com a exceção de que, próximo ao fim da História, aparece um pequeno grupo de pessoas ‘sábias’, que se mantêm firmemente apegadas a Deus, mesmo sob as mais pesadas provocações.
Deus conhece tudo a nosso respeito; e aquilo que Ele conhece, em sua maior parte não representa coisas ‘boas’, ‘pois todos pecaram e carecem da glória de Deus’ Romanos 3:23. O pecado é sempre cometido contra alguém, quer seja o nosso próximo ou o próprio Senhor. Neste capítulo, seres humanos hostis são retratados como estando a fraudar, a enganar e a matar outras pessoas, volvendo depois seu orgulho ativo e sua ira contra o próprio Deus.
No contexto de tanta hostilidade humana, a quinta visão de Daniel nos ensina que Deus Se encontra presente para restaurar-nos sempre que O procurarmos.
Ela também nos ensina que Deus Se acha presente para fazer soar o apito durante nossas mais acirradas disputas. Os versos 27, 29 e 35 fazem referência ao ‘tempo determinado’. O apóstolo Paulo percebia igualmente disposição divina em interromper o ‘jogo’ no momento oportuno, ao dizer em Atos 17:26-27:
‘De um só homem fez todas as nações para habitarem sobre a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem Deus se, porventura, tateando, o possam achar, ainda que não esteja longe de cada um de nós;’
A linguagem de Daniel 11
A linguagem de Daniel 11 é considerada ‘literal’, no sentido de não ser simbólica na modalidade em que o é a linguagem dos capítulos 2,7 e 8. Aqui não existem imagens formadas por múltiplos elementos, nem bestas ou chifres. Cada sentença opera a condensação de muitas informações. Numerosas metáforas são empregadas. Muitos pronomes não parecem, à primeira vista, ter sido previamente mencionados. O hebraico subjacente ao texto apresenta problemas.
Nossa primeira reação é sentir o desejo de que Deus houvesse tornado mais clara a História. Então nos apercebemos de que Ele contou a História desta maneira, exatamente em nosso benefício. A profecia se destina a nós, e Ele decidiu expô-la do modo como o fez, por saber que esta era a melhor maneira.
Numerosas Interpretações
A natureza enigmática de Daniel 11, fez com que surgisse ampla variedade de interpretações. Contudo, ao omitir intencionalmente os nomes das pessoas envolvidas e as datas dos principais eventos, Deus nos estimula a estudarmos a História e a fazermos comparações entre o que Ele antecipou e aquilo que encontramos nos registros posteriores. Para alguns cristãos, associar os fatos históricos com esta profecia particular, tornou-se uma espécie de diversão religiosa, ou até mesmo uma paixão aplicada ao longo de toda a existência, muito mais fascinante e vastamente mais compensadora que fabricar brinquedos de madeira ou preencher palavras cruzadas.
A interpretação mais popular do capítulo afirma que o cerne do mesmo, especialmente os versículos 21 a 39) tem a ver com Antíoco Epifânio, […]. Josefo, o famoso historiador judeu, sustentava este ponto de vista no primeiro século da era cristã. É possível que os discípulos tenham realmente sustentado semelhante ponto de vista, devem ter-se sentido muito surpresos quando ouviram Jesus dizer que a ‘abominação desoladora’ traduzida como ‘abominável da desolação’ em Mateus 24:15), da qual falara o Profeta Daniel (em Daniel 8:13 e 11:31), era um acontecimento ainda situado no futuro em seus dias.
Leia Daniel 8: 13- 14:
“Depois, ouvi um santo que falava; e outro santo lhe perguntou:
— Até quando vai durar a visão do sacrifício diário suprimido e da transgressão desoladora? Até quando o santuário e o exército ficarão entregues, para que sejam pisados aos pés?
Ele me disse:
— Até duas mil e trezentas tardes e manhãs. Depois, o santuário será purificado.”
“O chifre pequeno de Daniel 8 representa Roma em suas duas fases: (1) O Império Romano pagão e (2) a Igreja Cristã (falaremos um pouco sobre isto amanhã). Necessariamente a ‘transgressão assoladora’ (Daniel 8:13) também é cumprida através de duas fases: (1) o ataque militar dos soldados romanos pagãos a Jerusalém em 70 dC., o que levou à completa destruição do Templo, e (2) os ensinamentos espirituais da Igreja Romana, que por longos séculos fizeram com que Cristo deixasse de ser corretamente adorado, e o sacerdócio celestial de Cristo fosse obscurecido por um sacerdócio terreno instituído pela igreja. A frase ‘transgressão assoladora’ encontra seus paralelos nas frases ‘sobre a asa das abominações virá o assolador’ (Daniel 9:27), ‘abominação desoladora’ (Daniel 11:31 e 12:11) e ‘abominável da desolação’ (Mateus 24:15). Todos esses termos: transgressão, abominação ou sacrilégio (segundo aparece em algumas versões bíblicas, referem-se, neste caso, a um errôneo sistema de adoração, que na presente condição foi instituído pela igreja cristã romana. Para exemplos paralelos nas Sagradas Escrituras, veja 1 Reis 11:5-7; 2 Reis 23:13.
Sua surpresa [a dos discípulos] deve ter aumentado quando Jesus acrescentou: ‘Quem lê [o livro de Daniel], entenda’. ‘Entender’ ou ‘compreender’ representa uma palavra-chave no livro de Daniel.
Jesus encontrava-Se presente quando o anjo forneceu a Daniel o conteúdo do capítulo 11. Portanto, é muito significativo o fato de que Ele considerou inadequada a interpretação que aplica o capítulo a Antíoco Epifânio.
Não há dúvida de que a interpretação que aplica o conteúdo dos versículos 21 a 39 a Antíoco Epifânio, é muito antiga. Seria isso, porém, uma recomendação em seu favor? Ao encerrar-se a visão, o anjo instruiu Daniel nos seguintes termos: ‘Encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim.’ Então, outro anjo comentou: ‘Os sábios entenderão’. Daniel 12: 4 e 10.
Em outras palavras, as interpretações antigas são muito provavelmente inadequadas. Apenas as interpretações realizadas em anos recentes possuem alguma chance de atingir o ponto correto da questão. A visão deveria permanecer selada até ao tempo do fim.
Sem dúvida, Deus sentir-Se-ia feliz ao ver você tentando elaborar sua própria interpretação de Daniel 11. Você necessitaria ler livros de História, orar sincera e demoradamente e consultar outros cristãos estudiosos e piedosos. Você deveria saber também que ‘nenhuma profecia da Escritura provém de particular interpretação’. 2 Pedro 1:20.
Uma advertência: não se deixe levar por uma única tradução da Bíblia, e mantenha cautela face a breves notas de rodapé, em Bíblias orientadas para o estudo. Eruditos que se defrontam com as dificuldades linguísticas, por vezes adaptaram o idioma hebraico e ‘fabricaram’ traduções que viessem a concordar com os seus pontos de vista pessoais, o que jamais deveriam ter feito. Há vários anos o conhecido Charles H.H. Wright advertiu que ‘estas tentativas modernas de corrigir o texto de Daniel a fim de torná-lo mais harmonioso com os registros dos tempos dos Macabeus … são altamente suspeitas. Se os escritores patrísticos medievais e do pós-Reforma desfiguraram sentenças do livro de Daniel a fim de fazer com que elas expressassem o significado desejado por referidos comentaristas, todos estes escritores foram vastamente ‘sobrepujados em brilho’, neste ponto particular, pelos modernos críticos’.
Auxílios na interpretação
Antes que tentemos descobrir o que o anjo procurou ensinar a Daniel (e a nós) no capítulo 11, será útil que exponhamos uma série de observações que deveriam influenciar-nos enquanto prosseguimos na tarefa.
1- Materiais de Apoio. Em harmonia com o que dissemos há poucos parágrafos, deveríamos estar dispostos a estudar livros de História e a examinarmos mais de uma tradução bíblica.
2- Longos períodos de tempo. Daniel 11 começa com uma referência ao rei Ciro, que se achava no poder à época, e finaliza com o ‘tempo do fim’, quando Miguel Se levantará para ressuscitar os mortos. Assim deveríamos esperar que a interpretação de Daniel nos conduzisse através de longos períodos de tempo.
3- Marcos históricos. Espalhados ao longo do período, acham-se alguns marcos históricos proeminentes, que devem nortear-nos no caminho correto, tal como as boias conduzem os navios e transmissores multidirecionais orientam os aviões. Os mais importantes dentre estes marcos são: (a) o ‘príncipe da aliança’ no verso 22 e (b) a ‘abominação desoladora’ do verso 31. A palavra hebraica para ‘príncipe’ não é a palavra comum sar, e sim nagid, bem mais rara e semelhante àquela usada para o ‘príncipe’ que ‘fará firme aliança com muitos’, em Daniel 9:24 a 27. O ‘príncipe do concerto’ é Jesus Cristo (falaremos um pouco mais sobre isto em um estudo futuro próximo que postaremos sobre Daniel 9); portanto, ao tempo em que chegamos ao verso 22 em nossa interpretação de Daniel 11, devemos haver alcançado pelo menos o tempo de Cristo. No tocante à ‘abominação desoladora’ (verso 31), Jesus indicou em S. Mateus 24:15 que, em Seus dias, representava ainda alguma coisa futura. No momento em que chegarmos ao verso 31, torna-se claro que devemos estar em plena era cristã.
4- Paralelismos. Já aprendemos anteriormente que as grandes profecias panorâmicas dos capítulos 2, 7, 8 e 9 não apenas servem de paralelo às anteriores, como também aumentam sucessivamente o escopo das mesmas. Assim, temos o direito de esperar que o capítulo 11 também introduza algum material novo, ao mesmo tempo em que corre de modo paralelo às profecias anteriores. Veja a seguinte imagem:
5- História Cristã. Vimos que os capítulos 7 e 9 de Daniel lidam amplamente com os aspectos da igreja cristã. O chifre pequeno de Daniel 7 representa Roma cristã enquanto calca a pés a lei de Deus e persegue os Seus santos durante um período especialmente designado de 1.260 anos, isto é, de 538 a 1798 d.C. O chifre pequeno de Daniel 8 representa tanto Roma Pagã quanto Roma Cristã, ambas contribuindo para distorcer o ministério celestial de Cristo – e esta distorção é retratada como chegando ao fim em 1844, no encerramento do período de 2.300 dias-anos. Antecipando-nos, podemos concluir, portanto, que o capítulo 11 provavelmente cuidará também de aspectos da era cristã.
6- ‘Teu povo’. Somos apoiados no tocante a esta expectativa quando ouvimos o anjo dizer a Daniel que a mensagem por ele trazida é aplicável ao ‘teu povo’. Daniel 10:14. Em nosso estudo de Daniel 9:19 e 24 aprendemos que o termo ‘teu povo’ significa o Israel étnico até o encerramento das setenta semanas (34 d.C.) e, depois disto o Israel cristão – a igreja que forma o completo corpo de crentes em Jesus, tanto os de origem judaica quanto os de origem gentílica (postaremos a referência futuramente).
Uma palavra de encorajamento quanto aos detalhes. Daniel 11 contém muitos detalhes, talvez prefira retomar posteriormente à leitura do capítulo. Mas não desanime. Deus ama os detalhes.
Os cientistas nos informam que cada gota de chuva que cai durante um temporal, contém pelo menos 100 bilhões de átomos. E cada átomo é composto por prótons, nêutrons e elétrons. Por sua vez, é provável que cada próton e nêutron seja composto por três partículas infinitesimalmente pequenas, que giram em alta rotação e se assemelham a um pião e são chamadas de ‘quarks’.
Existem hoje aproximadamente 6 bilhões de pessoas no mundo. Cada uma delas possui os seus próprios problemas sociais, econômicos e familiares. Quão bom é pensar que o Deus das gotas de chuva conhece tudo o que é necessário a respeito dos problemas de cada um e das hostilidades geradas pelos mesmos, e que Ele sabe de tudo isto com séculos de antecipação, e que ‘não está longe de cada um de nós’. Atos 17:27.
O fato de o homem haver andado na Lua não representa, num sentido prático, algo tão importante quanto o fato de que Deus anda na Terra.
Pense nisto enquanto você estiver lendo o capítulo 11, e sinta-se encorajado.
Você pode ler os estudos dos capítulos do Livro de Daniel aqui