Corinto – Capítulo 24



por Ellen White
Atos dos Apóstolos ou O Embaixadores
Este capítulo é baseado em João 12: 32;  Atos 18:1 – 18; Romanos 1: 14; 1 Coríntios 1: 23; 2: 2 , 4, 6 – 13; 2 Coríntios 4: 10; Gálatas 2: 20
Durante o primeiro século da era cristã, Corinto foi uma das principais cidades, não somente da Grécia, mas do mundo. Gregos, judeus e romanos, juntamente com viajantes de todas as terras, apinhavam-se nas suas ruas, intensamente entregues às atividades e aos prazeres. Grande centro comercial, situado com fácil acesso a todas as partes do império romano, era um importante lugar para o estabelecimento de monumentos para Deus e Sua verdade.
Entre os judeus que haviam fixado residência em Corinto, achavam-se Áquila e Priscila, que se distinguiram posteriormente como zelosos obreiros de Cristo. Vindo a conhecer o caráter dessas pessoas, Paulo “ficou com eles” 
Logo no princípio de seu trabalho nesse ponto de sua viagem, Paulo viu de todos os lados sérios obstáculos ao progresso de sua obra. A cidade estava quase inteiramente entregue à idolatria. Vênus era a divindade favorita e, com a adoração de Vênus estavam relacionados muitos ritos e cerimônias degradantes. Os coríntios tinham-se tornado notáveis, mesmo entre os pagãos, por sua grosseira imoralidade. Parecia que sua preocupação ou cuidado não ia além dos prazeres e passatempos do momento. 
Em sua pregação do evangelho em Corinto, o apóstolo seguiu um sistema diferente do que assinalara seu trabalho em Atenas. Neste lugar procurara ele adaptar seu estilo ao caráter de seu auditório; à lógica opusera lógica, respondera à ciência com ciência, à filosofia com filosofia. Considerando o tempo assim gasto, e concluindo que seu ensino em Atenas fora pouco produtivo, decidiu seguir outro plano de trabalho em Corinto, nos seus esforços para atrair a atenção dos descuidados e indiferentes. Decidiu evitar discussões e argumentos elaborados e nada se propor saber entre os coríntios, “senão a Jesus Cristo, e Este crucificado” Estava disposto a pregar-lhes, não com “palavras persuasivas de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito e de poder”. 1 Coríntios 2:2, 4.
Jesus, a quem Paulo estava prestes a apresentar perante os gregos em Corinto como o Cristo, era um judeu de origem humilde, criado em uma cidade proverbial por sua perversidade. Havia sido rejeitado por Sua própria nação, sendo afinal crucificado como malfeitor. Os gregos criam na necessidade do reerguimento da raça humana, mas consideravam o estudo da filosofia e da ciência como o único meio de atingir a verdadeira elevação e honra. Poderia Paulo levá-los a crer que a fé no poder desse obscuro Judeu elevaria e enobreceria cada faculdade do ser? 
Para o entendimento de multidões que vivem no presente, a cruz do Calvário está cercada de sagradas recordações. Santas associações estão relacionadas com as cenas da crucifixão. Mas nos dias de Paulo, a cruz era olhada com sentimentos de repulsa e horror. Exaltar como o Salvador da humanidade Aquele que havia encontrado a morte sobre a cruz poderia, naturalmente, despertar o ridículo e a oposição. 
Paulo bem sabia como sua mensagem seria considerada tanto pelos judeus como pelos gregos de Corinto. “Nós pregamos a Cristo crucificado”, admitiu ele, “que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos”. 1 Coríntios 1:23. Entre seus ouvintes judeus havia muitos que ficariam irados com a mensagem que ele estava para proclamar. Na avaliação dos gregos, suas palavras seriam absurda loucura. Ele seria considerado como um débil mental ao tentar mostrar como a cruz poderia ter alguma relação com o reerguimento da raça ou a salvação da humanidade. 
Mas para Paulo, a cruz era o único objeto de supremo interesse. Desde que fora detido em sua carreira de perseguição contra os seguidores do crucificado Nazareno, jamais cessara de se gloriar na cruz. Nesse tempo, fora-lhe dada uma revelação do infinito amor de Deus, como revelado na morte de Cristo; e maravilhosa transformação tinha-se operado em sua vida, pondo em harmonia com o Céu todos os seus planos e propósitos. Desde esse momento tornara-se um novo homem em Cristo. Ele sabia por experiência pessoal que quando um pecador uma vez contempla o amor do Pai, como se vê no sacrifício de Seu Filho, e se rende à divina influência, tem lugar uma mudança de coração e, desde então, Cristo é tudo em todos. 
Por ocasião de sua conversão, Paulo foi inspirado com o incontido desejo de ajudar seus semelhantes a contemplar a Jesus de Nazaré como o Filho do Deus vivo, poderoso para transformar e para salvar. Desde então, sua vida fora inteiramente dedicada ao esforço para retratar o amor e o poder do Crucificado. Seu grande coração de simpatia abrangeu todas as classes. “Eu sou devedor”, declarou, “tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes”. Romanos 1:14. O amor para com o Senhor da glória, a quem tão implacavelmente perseguira na pessoa de Seus santos, era o princípio que atuava em sua conduta, o motivo que o impelia. Se acontecia afrouxar o seu amor no caminho do dever, um olhar à cruz e ao amor admirável ali revelado, era suficiente para fazê-lo cingir os lombos de seu entendimento e impeli-lo na senda da renúncia de si mesmo. 
Eis o apóstolo pregando na sinagoga de Corinto, argumentando com os escritos de Moisés e dos profetas, e levando seus ouvintes até ao advento do prometido Messias! Consideremos como ele tornou clara a obra do Redentor como o grande Sumo Sacerdote da humanidade — Aquele que, mediante o sacrifício da Sua própria vida, fez expiação pelo pecado de uma vez por todas e assumiu Seu ministério no santuário celestial. Os ouvintes de Paulo foram levados a compreender que o Messias, por cujo advento haviam eles estado a suspirar, tinha já vindo; que Sua morte fora o antítipo de todas as ofertas sacrificais, e que Seu ministério no santuário do Céu era o grande objeto que projetava sua sombra para o passado, e tornava claro o ministério do sacerdócio judaico. 
Paulo testificou aos judeus que Jesus era o Cristo. Baseando-se nas escrituras do Antigo Testamento, mostrou que, de acordo com as profecias e com a universal expectativa dos judeus, o Messias seria da linhagem de Abraão e de Davi; então, traçou a descendência de Jesus do patriarca Abraão ao salmista real. Leu o testemunho dos profetas referentes ao caráter e obra do prometido Messias, e a maneira como seria recebido e tratado na Terra; mostrou, então, que todas essas predições tinham sido cumpridas na vida, ministério e morte de Jesus de Nazaré. 
Paulo mostrou que Cristo tinha vindo para oferecer salvação antes de tudo à nação que aguardava a vinda do Messias como a consumação e glória de sua existência nacional. Mas essa nação havia rejeitado Aquele que lhes teria dado vida, e tinha escolhido outro líder cujo reino terminaria em morte. Ele procurou impressionar seus ouvintes com o fato de que somente o arrependimento poderia salvar a nação judaica da ruína impendente. Revelou-lhes a ignorância do significado dessas passagens de que principalmente se orgulhavam e se gloriavam de entender profundamente. Recriminou-lhes o mundanismo, o amor a posições, títulos e ostentação, e seu anormal egoísmo. 
No poder do Espírito, Paulo relatou a história de sua própria miraculosa conversão, e de sua confiança nas Escrituras do Antigo Testamento, que tão completamente se haviam cumprido em Jesus de Nazaré. Suas palavras foram faladas com solene fervor, e seus ouvintes não podiam deixar de compreender que ele amava com todo o coração o Salvador crucificado e ressurgido. Viam que sua mente estava centralizada em Cristo, que toda a sua vida estava unida a seu Senhor. Tão impressivas foram suas palavras, que somente os que estavam cheios do mais amargo ódio contra a religião cristã não se deixaram mover por elas. 
Mas os judeus de Corinto fecharam os olhos às provas tão claramente apresentadas pelo apóstolo, e recusaram atender seus apelos. O mesmo espírito que os havia levado a rejeitar a Cristo, encheu-os de ira e fúria contra Seu servo. Não o houvesse Deus especialmente protegido, para que ele pudesse continuar levando a mensagem do evangelho aos gentios, e teriam posto fim a sua vida. 
“Mas resistindo e blasfemando eles, sacudiu os vestidos, e disse-lhes: O vosso sangue seja sobre a vossa cabeça; eu estou limpo, e desde agora parto para os gentios. E, saindo dali, entrou em casa de um homem chamado Tito Justo, que servia a Deus, e cuja casa estava junto da sinagoga”. Atos 18:7. 
Silas e Timóteo “desceram da Macedônia”, para ajudar Paulo, e juntos trabalharam pelos gentios. Aos pagãos, bem como aos judeus, Paulo e seus companheiros pregaram a Cristo como o Salvador da raça caída. Evitando o arrazoado complicado e sutil, os mensageiros da cruz demoraram-se nos atributos do Criador do mundo, o supremo Governador do Universo. Coração inflamado com o amor de Deus e de Seu Filho, eles apelavam aos pagãos para contemplarem o infinito sacrifício feito em favor do homem. Sabiam que, se os que tinham por tanto tempo estado a tatear nas trevas do paganismo pudessem apenas ver a luz a jorrar da cruz do Calvário, seriam atraídos para o Redentor. “E Eu, quando for levantado da terra”, declarou o Salvador, “todos atrairei a Mim”. João 12:32. 
Os obreiros do evangelho em Corinto reconheceram os terríveis perigos que ameaçavam aqueles por quem estavam trabalhando; e foi com o senso de responsabilidade que sobre eles repousava que apresentaram a verdade como é em Jesus. Límpida, clara e decidida foi sua mensagem — um cheiro de vida para vida ou de morte para morte. E não apenas em suas palavras, mas em sua vida diária, era o evangelho revelado. Anjos cooperavam com eles, e a graça e poder de Deus eram vistos na conversão de muitos. “E Crispo, principal da sinagoga, creu no Senhor com toda a sua casa; e muitos dos coríntios, ouvindo-o, creram, e foram batizados”. Atos dos Apóstolos 18:8. 
O ódio com que os judeus haviam sempre olhado os apóstolos foi, então, intensificado. A conversão e o batismo de Crispo tiveram o efeito de exasperar em vez de convencer esses obstinados oponentes. Não podiam apresentar argumentos que refutassem a pregação de Paulo; e, à falta de tais provas, recorreram ao engano e maldosos ataques. Blasfemaram do evangelho e do nome de Jesus. Em seu cego ódio, palavra nenhuma era bastante feia, nenhum ardil demasiadamente vil para não ser por eles usados. Não podiam negar que Cristo havia operado milagres, mas declaravam que Ele os realizara pelo poder de Satanás; e ousadamente afirmavam que as maravilhosas obras feitas por Paulo, o eram por intermédio do mesmo instrumento. 
Embora Paulo tivesse tido certa medida de êxito em Corinto, a impiedade que viu e ouviu naquela corrupta cidade quase o desanimou. A depravação que testemunhou entre os gentios, e o desdém e insultos recebidos dos judeus, produziram-lhe grande angústia de espírito. Duvidou da sabedoria de procurar estabelecer uma igreja com o material que ali se encontrava. 
Como estivesse planejando deixar a cidade para ir a um campo mais promissor, e buscasse fervorosamente compreender o seu dever, o Senhor lhe apareceu em visão e disse: “Não temas, mas fala, e não te cales; porque Eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti para te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade”. Atos dos Apóstolos 18:9, 10. Paulo compreendeu ser essa uma ordem para permanecer em Corinto e uma garantia de que o Senhor faria germinar a semente lançada. Fortalecido e animado, continuou a trabalhar ali, com zelo e perseverança. 
Os esforços do apóstolo não estavam restringidos à pregação pública; muitos havia que não poderiam ser alcançados dessa maneira. Ele gastou muito tempo no trabalho de casa em casa, prevalecendo-se assim das relações familiares do círculo doméstico. Visitava os enfermos e tristes, confortava os aflitos, animava os oprimidos. Em tudo o que dizia e fazia engrandecia o nome de Jesus. Trabalhava assim “em fraqueza, e em temor, e em grande tremor”. 1 Coríntios 2:3. Ele tremia ao pensamento de que seus ensinos pudessem revelar mais o humano que o divino. 
“Falamos sabedoria entre os perfeitos”, declarou Paulo depois, “não porém a sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo, que se aniquilam; mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; a qual nenhum dos príncipes deste mundo conheceu, porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória. Mas, como está escrito: “As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou para os que O amam”. 1 Coríntios 2:9. Mas Deus no-las revelou pelo Seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus. Por que, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus. 
“Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus. As quais também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais”. 1 Coríntios 2:6-13. 
Paulo reconheceu que sua suficiência não estava em si próprio, mas na presença do Espírito Santo, cuja benigna influência enchia-lhe o coração trazendo cada pensamento em sujeição a Cristo. Ele falava de si como “trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no […] corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossos corpos”. 2 Coríntios 4:10. Nos ensinos do apóstolo, Cristo era a figura central. “E vivo”, declarou ele, “não mais eu, mas Cristo vive em mim”. Gálatas 2:20. O eu fora apagado; Cristo foi revelado e exaltado. 
Paulo era um orador eloquente. Antes de sua conversão havia ele muitas vezes procurado impressionar seus ouvintes com rasgos de oratória. Mas agora, pusera tudo isso de lado. Em vez de se demorar em descrições poéticas e fantasiosas representações que poderiam lisonjear os sentidos e alimentar a imaginação, mas que não encontrariam eco na experiência diária, buscava ele, pelo uso de linguagem simples, convencer os corações com as verdades de importância vital. Representações fantasiosas da verdade podem provocar um êxtase dos sentidos, mas não raro, verdades apresentadas desta maneira não suprem o alimento necessário ao fortalecimento e robustecimento do crente para as batalhas da vida. As necessidades imediatas, as provas presentes das pessoas em conflito, devem ser enfrentadas com instrução prática e sadia com base nos princípios fundamentais do cristianismo. 
Os esforços de Paulo em Corinto não ficaram sem fruto. Muitos abandonaram a adoração dos ídolos para servirem ao Deus vivo, e uma grande igreja se alistou sob a bandeira de Cristo. Alguns foram salvos dentre os mais devassos gentios e tornaram-se monumentos da misericórdia de Deus e da eficácia do sangue de Cristo para limpar do pecado. 
O crescente sucesso que teve Paulo em apresentar a Cristo despertou a mais determinada oposição da parte dos judeus incrédulos. Levantaram-se “concordemente contra Paulo, e o levaram ao tribunal” de Gálio, então procônsul da Acaia. Esperavam que as autoridades, como em ocasiões anteriores, se poriam ao lado deles; e vociferando irados, apresentaram sua acusação contra o apóstolo: “Este persuade os homens a servir a Deus contra a lei”. Atos 18:12, 13. 
A religião judaica estava sob a proteção do poder romano; e os acusadores de Paulo pensavam que, se pudessem aplicar-lhe a pecha de violador das leis de sua religião, provavelmente ele lhes seria entregue para julgamento e sentença. Assim esperavam conseguir a sua morte. Mas Gálio era um homem de integridade e recusou tornar-se instrumento da inveja e da intriga dos judeus. Aborrecido com sua hipocrisia e justiça própria, não tomou conhecimento da acusação. Como Paulo se preparasse para falar em defesa própria, Gálio lhe disse não ser necessário. Então, voltando-se para os irados acusadores, disse: “Se houvesse, ó judeus, algum agravo ou crime enorme, com razão vos sofreria, mas, se a questão é de palavras, e de nomes, e da lei que entre vós há, vede-o vós mesmos; porque eu não quero ser juiz dessas coisas. E expulsou-os do tribunal”. Atos 18:14-16. 
Tanto judeus como gregos haviam ansiosamente esperado pela decisão de Gálio; e sua imediata rejeição do caso, como sendo destituído de qualquer interesse público, foi o sinal de retirada dos judeus, mal-sucedidos e irados. A decidida atitude do procônsul abriu os olhos à vociferante multidão que estivera a incitar os judeus. Pela primeira vez durante os trabalhos de Paulo na Europa, a multidão tomou o seu partido. Diante das próprias vistas do procônsul, e sem interferência de sua parte, acometeram violentamente contra o mais preeminente dos acusadores do apóstolo. “Então todos agarraram Sóstenes principal da sinagoga, e o feriram diante do tribunal; e a Gálio nada destas coisas o incomodava”. Atos 18:17. Assim obtivera o cristianismo assinalada vitória. 
Paulo, depois disso, permaneceu “ainda ali muitos dias” Tivesse o apóstolo sido a esse tempo obrigado a deixar Corinto, e os conversos à fé de Jesus teriam sido colocados em perigosa posição. Os judeus ter-se-iam empenhado em aproveitar a vantagem obtida, até mesmo à exterminação do cristianismo naquela região. 

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