por Ellen White
Atos dos Apóstolos ou O Embaixadores
Este capítulo é baseado em Atos 19:21 – 41; 20:1; 1 Coríntios 4: 13; 2 Timóteo 4: 14;
Por mais de três anos, Éfeso foi o centro do trabalho de Paulo. Uma florescente igreja foi estabelecida ali, e dessa cidade o evangelho se espalhou através da província da Ásia, tanto entre judeus como entre gentios.
O apóstolo estivera planejando por algum tempo outra viagem missionária. Ele “propôs, em espírito, ir a Jerusalém, passando pela Macedônia e pela Acaia, dizendo: Depois que houver estado ali, importa-me ver também Roma” Em harmonia com esse plano, enviou “à Macedônia dois daqueles que o serviam, Timóteo e Erasto”; mas sentindo que a causa em Éfeso ainda requeria sua presença, decidiu permanecer até depois do Pentecostes. Logo, entretanto, ocorreu um acontecimento que apressou sua partida. Atos 19:21, 22.
Uma vez ao ano, eram realizadas em Éfeso cerimônias especiais em honra da deusa Diana. Estas atraíam grande número de pessoas de todas as partes da província. Durante esse período, festividades eram conduzidas com a maior pompa e esplendor.
Essa ocasião de gala era um tempo de prova para os que haviam recentemente aceitado a fé. O grupo de crentes que se reunia na escola de Tirano estava em evidente desarmonia com o coro festivo, e o ridículo, zombaria e insulto eram-lhes livremente atirados. Os trabalhos de Paulo haviam produzido sobre o culto pagão um golpe de morte, em consequência do que houve uma sensível queda na assistência à festividade nacional, e no entusiasmo dos adoradores. A influência dos seus ensinos alcançava muito além dos atuais conversos à fé. Muitos que não tinham abraçado abertamente as novas doutrinas, tornaram-se esclarecidos bastante para perder toda a confiança em seus deuses pagãos.
Existia ainda outra causa de descontentamento. Um extenso e lucrativo negócio havia-se desenvolvido em Éfeso pela manufatura e venda de nichos e imagens modelados segundo o templo e a imagem de Diana. Os que estavam empenhados nessa indústria e comércio sentiram que seus lucros estavam diminuindo, e foram unânimes em atribuir aos trabalhos de Paulo a prejudicial mudança.
Demétrio, fabricante de nichos de prata, convocando uma reunião dos artífices, disse-lhes: “Varões, vós bem sabeis que deste ofício temos a nossa prosperidade; e bem vedes e ouvis que não só em Éfeso, mas até quase toda a Ásia, este Paulo tem convencido e afastado uma grande multidão, dizendo que não são deuses os que se fazem com as mãos. E não somente há o perigo de que a nossa profissão caia em descrédito, mas também de que o próprio templo da grande deusa Diana seja estimado em nada, vindo a majestade daquela que toda a Ásia e o mundo veneram a ser destruída” Essas palavras despertaram as paixões do povo. “Encheram-se de ira e clamaram, dizendo: Grande é a Diana dos efésios”. Atos 19:25-28.
A notícia desse discurso circulou rapidamente. “Encheu-se de confusão toda a cidade” Saíram em busca de Paulo mas o apóstolo não foi encontrado. Seus irmãos, recebendo um aviso de perigo, tinham-no levado às pressas para fora do lugar. Anjos de Deus haviam sido enviados para guardar o apóstolo; ainda não havia chegado seu tempo para sofrer a morte de mártir.
Não conseguindo encontrar o alvo de sua ira, a turba apanhou “a Gaio e a Aristarco, macedônios, companheiros de Paulo na viagem”; e com eles “unânimes correram ao teatro”. Atos 19:29.
O local do esconderijo de Paulo não era muito distante, e ele logo soube do perigo de seus amados irmãos. Esquecendo sua própria segurança, quis ir imediatamente ao teatro para falar aos amotinados. Mas “não lho permitiram os discípulos” Gaio e Aristarco não eram a presa que o povo buscava; nenhum dano sério os ameaçava. Mas se a face do apóstolo, pálida e desfigurada pelo cuidado, fosse vista, despertaria desde logo as piores paixões da turba, e não haveria a menor possibilidade humana de salvação para a sua vida.
Paulo estava ainda ansioso para defender a verdade perante a multidão; mas foi, afinal, dissuadido por uma mensagem de advertência vinda do teatro. “Alguns dos principais da Ásia, que eram seus amigos, lhe rogaram que não se apresentasse no teatro”. Atos 19:31.
O tumulto no teatro crescia continuamente. “Uns… clamavam de uma maneira, outros de outra, porque o ajuntamento era confuso; e os mais deles não sabiam por que causa se tinham ajuntado”. Atos 19:32. O fato de Paulo e alguns de seus companheiros serem de ascendência judaica tornou os judeus ansiosos para mostrar que não eram simpatizantes com ele e sua obra. Impeliram, pois para diante a um de seu próprio número, para expor o assunto diante do povo. O orador escolhido foi Alexandre, artífice que trabalhava em cobre, a quem Paulo mais tarde se referiu como lhe tendo feito muito mal. 2 Timóteo 4:14. Alexandre era um homem de considerável habilidade, e usava todas as suas energias no sentido de dirigir a ira do povo exclusivamente contra Paulo e seus companheiros. Mas a turba, vendo que Alexandre era judeu, empurrou-o para o lado, “clamando por espaço de quase duas horas: Grande é a Diana dos efésios”. Atos 19:34.
Afinal, de pura exaustão, cessaram, e houve um silêncio momentâneo. Então, o escrivão da cidade chamou a atenção da turba, e em função de seu ofício conseguiu que o ouvissem. Enfrentou o povo em seu próprio terreno, mostrando-lhes que não havia causa para aquele tumulto. Apelou-lhes à razão: “Varões efésios,” disse, “qual é o homem que não sabe que a cidade dos efésios é a guardadora do templo da grande deusa Diana e da imagem que desceu de Júpiter? Ora, não podendo isto ser contraditado, convém que vos aplaqueis e nada façais temerariamente; porque estes homens que aqui trouxestes nem são sacrílegos nem blasfemam da vossa deusa. Mas, se Demétrio e os artífices que estão com ele têm alguma coisa contra alguém, há audiências e há procônsules; que se acusem uns aos outros. Mas, se alguma outra coisa demandais, averiguar-se-á em legítimo ajuntamento. Na verdade, até corremos perigo de que, por hoje, sejamos acusados de sedição, não havendo causa alguma com que possamos justificar este concurso. E, tendo dito isto, despediu o ajuntamento”. Atos 19:35 – 41.
Em suas declarações, Demétrio afirmou: “Há o perigo de que a nossa profissão caia em descrédito” Essas palavras revelam a real causa do tumulto de Éfeso, e também de grande parte da perseguição que acompanhava os apóstolos em sua obra. Demétrio e seus colegas de ofício viram que o negócio de fabricação de imagens estava em perigo por causa do ensino e disseminação do evangelho. A renda dos sacerdotes pagãos e dos artífices estava em risco; essa era a razão por que se levantaram em terrível oposição contra Paulo.
A atitude do escrivão e de outros que exerciam funções de autoridade na cidade, tinha apresentado Paulo perante o povo como inocente de qualquer ato ilegal. Esse foi outro dos triunfos do cristianismo sobre o erro e a superstição. Deus despertara um grande magistrado para defender Seu apóstolo e fazer calar a turba. O coração de Paulo se encheu de gratidão a Deus por ter sido a sua vida preservada, e porque o cristianismo não fora desonrado pelo tumulto de Éfeso.
“E, depois que cessou o alvoroço, Paulo chamou a si os discípulos e, abraçando-os, saiu para a Macedônia. E havendo andado por aquelas terras, e exortando-os com muitas palavras, veio à Grécia”. Atos 20:1. Nessa viagem, ele se fez acompanhar por dois fiéis irmãos efésios, Tíquico e Trófimo.
O trabalho de Paulo em Éfeso estava concluído. Seu ministério ali tinha sido uma época de incessante labor, de muitas provas e profunda angústia. Havia ensinado o povo em público e de casa em casa, instruindo-os e advertindo-os com muitas lágrimas. Enfrentara contínua oposição da parte dos judeus, que não perdiam oportunidade de acirrar contra ele os sentimentos populares.
E enquanto assim batalhava contra a oposição, impelindo para a frente com incansável zelo a obra do evangelho, e cuidando dos interesses de uma igreja ainda jovem na fé, Paulo levava sobre si o pesado fardo de todas as igrejas.
Novas de apostasia em alguma das igrejas por ele estabelecidas causaram-lhe profunda tristeza. Temeu que seus esforços em benefício deles tivesse sido em vão. Muitas noites de insônia havia ele passado em oração e fervorosa meditação, quando ouvira que medidas estavam sendo tomadas para contrariar sua obra. Quando tinha oportunidade e quando as condições o requeriam, escrevia às igrejas reprovando, aconselhando, admoestando e encorajando. Nessas cartas, o apóstolo não se deteve sobre suas próprias lutas, embora houvesse vislumbres ocasionais de seus labores e sofrimentos na causa de Cristo. Açoites e prisões, frio, fome e sede, perigos por terra e por mar, nas cidades e no deserto, da parte de seus patrícios, dos pagãos e dos falsos irmãos — tudo isto ele sofreu por causa do evangelho. Foi “difamado”, “injuriado”, feito “a escória de todos”, “angustiado”, “perseguido”, “em tudo atribulado”, “a toda a hora em perigo, sempre entregue à morte por amor de Jesus”. 1 Coríntios 4:13.
Em meio a constantes tempestades de oposição, o clamor de inimigos e a deserção de amigos, o destemido apóstolo quase perdia o ânimo. Mas, lançando um olhar retrospectivo ao Calvário, com novo ardor prosseguia disseminando o conhecimento do Crucificado. Ele estava palmilhando a trilha sangrenta pela qual Cristo tinha passado antes dele. Procurava não abandonar a luta até que pudesse depor a armadura aos pés de seu Redentor.