Ellen White e os Remédios

Clacir Virmes Junior

Professor de Novo Testamento no curso de Teologia do SALT – Sede Bahia


Daniella Cláudia Barbosa Ângelo Virmes
Médica de Família e Comunidade pela Universidade Federal da Paraíba


Ellen G. White fala muito sobre as drogas (remédios) e normalmente o faz de maneira negativa [1]. Em 15 de agosto de 1893, Edgar Caro, então estudante de medicina, após ler o livro Health: or how to live [2], escreveu a Ellen White perguntando se ao usar o termo “droga/drogas” ela se referia à estricnina e ao mercúrio, chamados “remédios fortes”, ou se referia também ao potássio e ao iodo, considerados então “remédios simples”, em contraposição a aquelas outras substâncias [3]. A resposta de Ellen White foi: 

“Vossas perguntas, digo, são em grande parte, se não definitivamente, respondidas em How to Live. Os tóxicos das drogas querem dizer os artigos que mencionastes. Os remédios mais simples são menos danosos, na proporção de sua simplicidade; mas em muitíssimos casos são eles usados quando não são absolutamente necessários. Há simples ervas e raízes que qualquer família pode usar por si mesma, não sendo preciso chamar um médico mais depressa do que chamariam um advogado. Não penso vos poder dar uma linha definida de remédios compostos e receitados por médicos, que sejam perfeitamente inofensivos. Entretanto, não seria sábio empenhar-se em polêmica sobre esta questão” [4].

De acordo com Hardinge, a “condenação de Ellen White às drogas estava direcionada a esta classe de agentes: fortes, desagradáveis e venenosos [como a estricnina e o mercúrio, entre outros]. Hoje eles não são mais usados” [5]. Então, quando vemos a mensageira referindo-se às drogas, ela estava fazendo menção a esse tipo de remédio, comum no século 19, mas não mais existente. Ao que parece, a ênfase dela é que há muita coisa que pode ser evitada tomando-se cuidado com a saúde antes que sobrevenha a doença e que muitas delas podem ser tratadas com remédios naturais, simples. Mas ela não se opunha ao uso daquilo que nós, hoje, no século 21, chamamos de remédio.

Inclusive, ela usa a expressão “drogas venenosas” [6] e é a elas que se refere quando diz que “as drogas não curam as doenças” [7]. É importante lembrar algumas coisas: há doenças, como hipertensão e diabetes, que, uma vez diagnosticadas, não têm cura, sendo usadas medicações para mantê-las sob controle. Isso não quer dizer que a medicação para nada serve, ela cumpre o papel a que se propõe (que é o de controlar a progressão da doença). Isso se dá em outras situações, em que ainda não se descobriram medicamentos capazes de fazer a doença desaparecer, sendo usados apenas para controlar os sintomas mais incômodos. Também cumpre esclarecer que, ainda hoje, há sim medicamentos que são vendidos e que têm inúmeros efeitos colaterais, fazendo mais mal do que bem a várias pessoas que os utilizam. Não podemos ignorar que a indústria farmacêutica está muito interessada no lucro, o que a faz produzir remédios que, se por um lado aliviam, por outro acabam prejudicando. Mas é temeroso rejeitar tudo e “jogar o bebê fora, junto com a água do banho”, quando sabemos que há várias medicações hoje que trazem alívio e conforto duradouros – e até mesmo a cura – a tantos que sofrem com as mais variadas patologias. Lembremo-nos de que, na época em que Ellen White escreveu seus textos, não tínhamos ainda os antibióticos, por exemplo. E quantas doenças foram combatidas por eles, quantas pessoas curadas de males que, na época dela, eram sentenças de morte? Não é sábio negar esse fato. Cremos que Deus deu e dá inteligência a homens e mulheres que podem ser instrumentos dEle, seja cuidando dos enfermos, seja pesquisando a cura de doenças, seja pesquisando substâncias que podem trazer, senão a cura, mas o alívio.

O que Ellen White escreveu, assim como os textos bíblicos (visto que cremos que tudo foi inspirado pelo mesmo Espírito, embora com funções diversas), deve ser levado em conta dentro do contexto em que foi escrito, atentando para o público-alvo dos escritos e de suas necessidades. Somente assim, a leitura tanto da Bíblia como dos textos inspirados pode ser feita de forma proveitosa a nós hoje.


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[1] O que se segue é um destaque, com algumas adaptações e outras informações, de HARDINGE, Mervyn G. Drugs. In: FORTIN, Denis; MOON, Jerry (Eds.). The Ellen G. White encyclopedia. Hagerstown: Review and Herald, 2013. p. 788-790. Esse livro já está publicado em português, mas só tive acesso ao texto em inglês.

[2] Série de seis panfletos sobre saúde com artigos escritos por vários médicos e reformadores de saúde, além de artigos de Ellen White, em 1865. O conteúdo escrito por ela nesses panfletos aparece em Mensagens escolhias, v. 2, p. 409-479, no apêndice intitulado “Doenças e suas causas” (disponível aqui: https://goo.gl/8LFuMV).

[3] A pergunta feita pelo estudante está na nota introdutória da seção 7 do livro Mensagens escolhidas, v. 2, p. 276-278, intitulada “O uso de remédios” (disponível aqui: https://goo.gl/K6rYmn).

[4] Mensagens escolhidas, v. 2, p. 279 (disponível aqui: https://goo.gl/5ifj94).
[5] HARDINGE, Mervyn G. Drugs. In: FORTIN, Denis; MOON, Jerry (Eds.). The Ellen G. White encyclopedia. Hagerstown: Review and Herald, 2013. p. 790.

[6] A ciência do bom viver (condensado), p. 41.5 (disponível aqui: https://goo.gl/Q4Ywdc).

[7] A ciência do bom viver (condensado), p. 42.1 (disponível aqui: https://goo.gl/Q4Ywdc).

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