Estes artigos foram traduzidos para o português, a partir do livro em francês “Lire Ellen White”, por Ruth Mª C. Alencar. Título do original em inglês, Reading Ellen White: How to Understand and Apply Her Writings (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997, escrito pelo pastor George Knigh
No capítulo 12, estudamos o quanto é importante compreender os ensinos de Ellen White em seu contexto histórico de origem. Neste capítulo, examinaremos a importância que existe ao ler suas declarações em seu quadro literário. Sempre as pessoas fundamentam sua compreensão dos ensinos de Ellen White a partir de um fragmento de um parágrafo ou sobre uma declaração isolada, extraída de seu contexto literário.
Assim, ela escreve que “muitos estudam as Escrituras com a finalidade de provar que suas próprias ideias são corretas. Alteram o sentido da Palavra de Deus para que corresponda a suas próprias opiniões. E procedem também assim com os testemunhos enviados por Ele. Citam metade de uma frase, e omitem a outra metade, a qual se fosse citada, mostraria que o seu raciocínio é falso. Deus tem uma controvérsia com os que torcem as Escrituras, fazendo com que se ajustem a suas ideias preconcebidas.” (Mensagens Escolhidas vol. 3, 82) Ela se exprime ainda com relação aos que “extraindo […] frases de seus contextos e as associando à raciocínios humanos, dão a impressão de que meus escritos sustentam o que eles na verdade condenam.” (Lettre 208, 1906)
Ellen White foi constantemente chocada pelos que tomavam “pegando uma sentença aqui e ali, tirando-a de sua devida ligação, e aplicando-a segundo sua ideia.Assim ficam pobres almas perplexas quando, pudessem elas ler em ordem tudo quanto foi dado, veriam a verdadeira aplicação, e não ficariam confundidas.” (Mensagens escolhidas vol. 1, 44) Em outra ocasião, ela observa que os “extratos” de seus escritos “poderão dar uma impressão diferente daquela que dariam, fossem eles lidos em sua relação original.” (Mensagens Escolhidas vol. 1, 58)
Willie White sempre enfrentou o problema de pessoas empregando os documentos fora do contexto literário. Em 1904, ele disse: “que surgiu muito mal-entendido e uso indevido de passagens isoladas dos Testemunhos, enquanto se tivesse lido sobre o testemunho ou a totalidade do parágrafo, teria tido uma impressão diferente sobre a mente da que foi obtida através do uso de frases isoladas.” (Willie C. White à W. S Sadler, 20 de janeiro de 1904)
Em 1911, ele fez uma das suas mais claras declarações. Ele escreveu ao irmão Brisbin, que tinha feito uma compilação dos escritos de Ellen White sobre a reforma sanitária. Brisbin tinha escrito em maio deste ano para perguntar por que ele não tinha recebido resposta de uma carta que havia escrito, na qual ele fazia “a questão de saber se os Testemunhos para a Igreja proibiam de fazer compilações dos escritos da irmã White.” Willie C. White respondeu em outubro que uma das razões de sua resposta tardia vinha do “pouco interesse manifestado por sua mãe de ler documentos que ele tinha reunido a partir de seus escritos” sobre a reforma sanitária.
Sobre a atitude de sua mãe com relação a uma seleção de seus escritos para fazer uma compilação particular, Willie White declara ainda isto: “Irmã White mantém que para serem convenientemente compreendidos, seus escritos deveriam ser lidos em seus contextos. Ela disse não ter sido encarregada por Deus para escrever provérbios. Ela estima primeiramente que é trazer prejuízo à causa da verdade selecionar aqui e acolá extratos de seus escritos, para apresentar suas mais fortes declarações sobre um aspecto de um tema deixando de lado outras passagens esclarecedoras, ou apresentações de um outro aspecto do tema que são essenciais à uma visão geral equilibrada de seus ensinos. Ela argumenta dizendo: ‘Se aqueles que defendem a reforma sanitária vissem meus livros onde todos os aspectos do tema são apresentados, ou se eles querem estudar meus artigos, na sua totalidade, eles encontrarão verdades valiosas. […] Mas, se tomam uma frase aqui, um parágrafo acolá e algumas linhas mais além, eles podem trair meus ensinamentos e dar aos outros uma visão deturpada da reforma sanitária ou de qualquer outro assunto que eles tratarem.’ ” (W. C. White à W. L. Brisbin, 10 de outubro de 1911)
A questão de comer legumes e frutas na mesma refeição é um caso da escola sobre a maneira como podemos retirar frases do seu contexto. Lemos no livro Ciência do Bom Viver, p.299 que “Não é bom comer verduras e frutas na mesma refeição.” Alguns, tirando essa declaração do seu contexto, fizeram dela uma regra universal. Eles deveriam ter continuado a leitura. A frase seguinte diz: “Se a digestão é deficiente, o uso de ambas ocasionará, com frequência, perturbação, incapacitando para o esforço mental. Melhor é usar as frutas numa refeição e as verduras em outra.” (A Ciência do Bom Viver, p.299 – 300) Em outra ocasião, ela declarou que “devemos evitar comer verduras e frutas na mesma refeição. Caso o estômago seja fraco, haverá perturbação, o cérebro ficará confuso, e incapaz de exercer esforço mental. Comam-se frutas em uma refeição e verduras na seguinte.” (Conselhos Sobre o Regime Alimentar 295)
Arthur White, antigo diretor da Fundação White, ressalta, comentando essas declarações, que “seria ir longe demais fazer uma regra rígida e definitiva e aplicar em todos os casos, principalmente porque Ellen White menciona uma digestão difícil como um fator de teste. Na verdade, ela afirma que em matéria de sobremesa, as ‘frutas, caso possam ser obtidas, são o melhor artigo de alimentação’ (Conselhos Sobre o Regime Alimentar 333-334). Na mesma página, ela propõe o emprego das frutas no lugar das ricas tortas, de bolos e de sobremesas, etc.”
No seu jornal de 1872, ele ressalta: “ela descreve sua estadia em Colorado e declara que para o desjejum deles comeram ervilha, milho doce, pequenos pães e peras. Aparentemente, a combinação destes alimentos não lhe fez mal, mas é possível que este não seja o caso para algumas pessoas.”
“Na experiência alimentar, ele conclui, a aplicação dos conselhos de Ellen White pode diferenciar segundo as pessoas e isto em função da tolerância pessoal a certos alimentos ou certas combinações de alimentos. O que seria imprudente para alguns não representa problemas para outros.” (Arthur L. White a O. Willhelm, 3 de maio de 1966)
O contexto literário faz a diferença. Isto é verdade para a sua principal declaração sobre a questão de comer frutas e legumes na mesma refeição, com a menção da dificuldade de digestão.
Aqui está mais uma ilustração em relação com a declaração de Ellen White tão frequentemente citada: “Cristo aguarda com fremente desejo a manifestação de Si mesmo em Sua igreja. Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em Seu povo, então virá para reclamá-los como Seus.” (Parábolas de Jesus, 69)
Muitas pessoas leram esta declaração sem examinar atentamente seu contexto literário. Eles lhe imputaram assim uma noção de perfeição que não se encontra em seu contexto literário. Não somente eles “arrebatam” a página de Parábolas de Jesus do restante do livro, mas a isolam de seu contexto de outras declarações de livros como Conselhos Sobre o Regime Alimentar ou Testemunhos para a Igreja, elaborando uma falsa e mesmo perigosa teologia. Esta leitura tem conduzido numerosas pessoas (eu inclusive) em direção a um desvio destrutivo de sua experiência cristã.
Tais leitores teriam evitado uma quantidade enorme de problema se eles tivessem lido atentamente as duas páginas precedentes da citação do livro Parábolas de Jesus. Ellen White declara claramente que o Cristo procura reproduzir sua imagem no coração dos crentes e que os que O aceitam rejeitarão o modo de vida egocêntrico do reino de satanás. Eles se tornarão mais semelhantes a Cristo porque eles terão recebido “o Espírito de Cristo – o espírito do amor abnegado e do sacrifício por outrem.” Em consequência, diz ela, “vosso amor será mais perfeito. Mais e mais refletireis a semelhança de Cristo em tudo que é puro, nobre e amável.”(Parábolas de Jesus, 68)
Assim, a menção da reprodução perfeita do caráter do Cristo, colocada em seu contexto literário, não constitui um apelo a um isolamento monástico, mas a deixar Jesus expressar seu amor através de nossa vida cotidiana.
O contexto literário faz toda a diferença na compreensão de tais declarações. Infelizmente, mesmo as compilações “oficiais” publicam às vezes certas declarações sem sua fonte literária tão determinante (veja, por exemplo, Last Day Events 39). E, por mais que seja compreensível pelas razões dos limites aos quais toda compilação é submetida, a existência de tais exemplos salienta a necessidade de acessar os originais, a fim de alcançar um conhecimento mais próximo possível do sentido que Ellen White quis dar à suas declarações. O fato de que as compilações oficiais façam referências às fontes originais torna a coisa mais fácil. O estudo do contexto literário não é uma opção de luxo para importantes declarações, é uma parte decisiva de uma leitura fiel aos escritos de Ellen White.
É impossível superestimar a importância do estudo de artigos e livros de Ellen White em seu contexto, ao invés de ler compilações sobre um determinado tema ou declaração de citações sobre um determinado tópico ou através do índice geral (Comprehensive Index) ou do CD-Rom do White Estate intitulado The Published Ellen G. White Writings. Tais abordagens, empregadas unilateralmente, fariam do Index e do CR-Rom a pior das coisas para estudar seus escritos. Tais instrumentos têm seu lugar, mas deveríamos empregá-los em relação com a leitura mais ampla que nos ajuda a tomar conhecimento, não somente do contexto literário das declarações de Ellen White, mas também do equilíbrio do conjunto dos seus escritos.