Estes artigos foram traduzidos para o português, a partir do livro em francês “Lire Ellen White”, por Ruth Mª C. Alencar. Título do original em inglês, Reading Ellen White: How to Understand and Apply Her Writings (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997, escrito pelo pastor George Knigh
Chegamos a um assunto muito importante para uma boa leitura dos escritos de Ellen White. Um poema bem conhecido de Jonh Godfrey Saxe ilustra meu propósito. Ele conta a história de seis cegos que experimentavam a descoberta sobre os elefantes. O primeiro tocando-o em de seus lados conclui que o elefante era comparável a um muro. O segundo tocando sua presa diz que o elefante era comparável a uma lança. O terceiro agarra a tromba e o percebe comparável a uma serpente. O quarto toca sua pata e o compara a uma árvore. O quinto toca sua orelha e o compara a um avental. O último, agarrando a cauda, se convence que o elefante é apenas uma corda. O poema conta que eles durante muito tempo discutem, apegados às suas próprias opiniões, quando na verdade todos estão errados, mesmo tendo parcialmente a razão.
Este poema ilustra uma armadilha na qual é muito fácil cair quando lemos a importante produção literária de Ellen White e quando examinamos o conjunto de informações disponíveis sobre um assunto proveniente de sua pluma. Arthur White declara que “muitos se enganaram utilizando declarações isoladas dos testemunhos, extraídos de seu contexto, para fundamentar suas crenças. Alguns o fizeram, embora outras passagens, examinadas com atenção, mostrem que sua posição é indefensável. […] Não é difícil encontrar sentenças ou parágrafos particulares, seja na Bíblia ou nos escritos de Ellen White, que possam vir a dar apoio a idéias pessoais ao invés de realçar o pensamento de seus autores.” (Ellen G. White: Messenger to the Remnant, p. 88)
Esta situação me lembra uma experiência que vivi quando era jovem pastor na região da baia de San Francisco. Estava ligado em amizade a um grupo de adventistas zelosos e sinceros que queriam seguir a Bíblia e os escritos de Ellen White de todo o seu coração. Se Ellen White dizia uma coisa, eles faziam. Poderíamos discutir um problema a partir do momento em que tinham a sua declaração sobre o assunto. Eles se mostravam fiéis ao que eles chamavam de “testemunhos bem claros”.
Lembro-me ainda de minha primeira visita a uma pequena comunidade que meus amigos tinham organizado. O que me chamou a atenção foi o fato deles se ajoelharem para cada oração. Assim a congregação cantava um cântico, depois se ajoelhava para a oração; escutava um pedaço de música, recolhia as ofertas depois se ajoelhava para a ação de graças; cantava um cântico e se ajoelhava para a oração pastoral; escutava a introdução do orador depois se ajoelhava para a oração do início do sermão; escutava o sermão, cantava o hino de fechamento e se ajoelhava para a benção.
Como orador do dia e convidado, segui a congregação e seus responsáveis nas repetitivas flexões de joelhos ao longo de todo o serviço. Mas, um pouco perplexo em relação à experiência, um pouco após o culto, perguntei ao fundador da comunidade (que tinha a reputação de ser expert nos escritos de Ellen White) as razões pelas quais se ajoelhavam para cada oração.
Em resposta, ele leu para mim citações do segundo volume de Mensagens Escolhidas, pág. 311-316: “Tenho recebido cartas perguntando-me sobre a posição que deve ser assumida pela pessoa ao fazer oração ao Soberano do Universo. Onde obtiveram nossos irmãos a ideia de que deviam ficar em pé quando oram a Deus?” (Mensagens Escolhidas vol 2, pág. 311) Meu amigo ressalta que Ellen White continuou dizendo: “Prostre-se de joelhos!” Esta é sempre a posição apropriada. (idem) “Tanto no culto público como no particular é nosso dever prostrar-nos de joelhos diante de Deus quando Lhe dirigimos nossas petições. Este procedimento mostra nossa dependência de Deus.” (Idem) Assegurei a meu amigo que eu cria na importância da reverência e do ajoelhar-se para a oração, mas eu o disse também que sua interpretação das passagens de Ellen White me parecia exagerada e em desacordo com o conteúdo geral de seus escritos.
Ele discordou terminantemente da observação, pois ele tinha sua palavra e isto era suficiente para ele. Se ela dizia “sempre”, eles se ajoelhariam sempre para orar. Não havia a menor possibilidade de discutir sobre o assunto ou de ler mais. Afinal de contas, quando se tem “a verdade” sobre um ponto, tudo o que resta a fazer é colocá-lo em prática. E foi isto que ele fez. Lembro mesmo de ter-me ajoelhado antes de almoçar.
Não estava convencido de que meu amigo detinha “a verdade” sobre o assunto. Ele se apoiava em qualquer “citação” de Ellen White para alimentar sua prática. Mas existe uma diferença entre um bocado de citações e a verdade.
Como, talvez você pense, posso estar certo quanto aos meus atos? Não é complicado. Eu simplesmente tomei cuidado de ler sobre o que Ellen White escreveu sobre o assunto da posição que convém para a oração. Neste caso, não tenho necessidade de ir muito longe. Sobre a última página da seção intitulada “A Posição Apropriada na Oração”, no Mensagens Escolhidas, obra que meu amigo havia citado, li que: “Para orar não é necessário que estejais sempre prostrados de joelhos. Cultivai o hábito de falar com o Salvador quando sós, quando estais caminhando, e quando ocupados com os trabalhos diários.” (Mensagens Escolhidas vol. 2, pág. 316).
Esta é uma das três citações que a Fundação White (que realizou a compilação do Mensagens Escolhidas) deliberadamente colocou no fim da seção sobre a oração para evitar aos leitores o tipo de leitura tendenciosa que meus amigos escolheram, um tipo de leitura que pode facilmente conduzir ao fanatismo.
Quando apresentei ao meu amigo a declaração que tinha encontrado, perguntei-lhe porque ele insistia no “sempre”, quando também é mencionado um “nem sempre”. Ele respondeu rapidamente que a declaração sobre o “nem sempre” concerne o público em geral e não o povo particular de Deus no fim dos tempos.
Disse para mim mesmo que esta postura do meu amigo era uma maneira bem curiosa de “ter a verdade”. Uma vez a tendo, você pode tranquilamente esquecer a outra metade do que Ellen White (ou a Bíblia) disse sobre um assunto e prosseguir na maneira estreita de pensar.
Assim, meu amigo estava absolutamente convencido que o resto fiel de Deus, no fim dos tempos, devia mostrar o caminho restaurando a oração no que ela deveria ser. Ele era o homem providencial para levar o povo de Deus à verdade que consiste em se colocar de joelho para orar.
Reconheço como ele que a reverência em relação a Deus tinha necessidade de ser melhorada em numerosas Igrejas. Mas não podia aceitar o que me parecia uma conclusão tendenciosa. Que deveria então fazer? A resposta era simples. Tinha duas missões a cumprir. A primeira era continuar a me documentar sobre a questão. A segunda era escrever à Fundação White, na sede da Conferência Geral para ver se eu podia conseguir maiores informações sobre o tema.
As duas estratégias trouxeram uma maior compreensão sobre o assunto. E me adianto em dizer que todas as duas são acessíveis a quem quer que tenha questões concernentes a Ellen White e seus escritos. Não tenham receio de colocar suas questões à Fundação White. Ela pode fornecer excelentes informações sobre a posição geral de Ellen White sobre este ou aquele assunto, bem como sobre este que você lê para completar sua compreensão.
Rapidamente, cheguei a uma ideia mais completa quanto à posição a tomar quando em oração. Não somente descobri que a Bíblia aprova orações as quais nos pomos de forma diferente do ajoelhar-se (ver, por exemplo, marcos 11:25 e Êxodo 34:8), mas também que Ellen White tinha confiado a um amigo que lhe acontecia às vezes de orar longas horas, quando ela estava deitada em sua cama (Lettre d’Ellen White 258, 1903). Isto dificilmente concordava com a ideia do “sempre” se ajoelhar, “tanto no culto público como no particular”.
Finalmente, tomei consciência de uma carta escrita de longas datas por um dos seus associados na qual ele dizia: “Estive freqüentemente presente em assembleias sob tendas e nas sessões da Conferência Geral nas quais Ellen White orou enquanto a assembléia estava em pé, estando ela mesmo em pé.” (D. E. Robinson à W.E.Daylish, 4 de março de 1934).
Encontramos mesmo, nos escritos de Ellen White, referências a orações pronunciadas em pé. Por exemplo, na sessão da Conferência Geral de 1909, após seu discurso, Ellen White concluiu solicitando a assembléia de se por “em pé”, para se consagrar a Deus. Depois, quando todos estavam assim, ela orou ao “Senhor Deus de Israel” (Mensagens Escolhidas vol 1, pág. 152). Você encontrará outra citação igual em Mensagens Escolhidas, vol. 3, p. 266-270.
Quando lemos este conjunto de conselhos dados por Ellen White sobre o assunto, a imagem que fazemos é muito diferente da que nos vem à mente quando lemos somente uma parte de seus escritos ou de citações isoladas. Após ter lido tudo o que podia facilmente encontrar sobre a posição que convém à oração, cheguei à conclusão de que meu amigo defendia um ponto de vista extremista que precisava de uma visão de conjunto do assunto.
Tendo examinado todos os conselhos disponíveis sobre o tema, cheguei a pensar que Ellen White estava preocupada pela falta de respeito na Igreja adventista. Esta irreverência se expressava em certos casos por congregações que não se ajoelhavam durante a oração principal do dia. É conveniente de se colocar “sempre” de joelhos para esta oração, quando fosse possível. Mas ela não fez em nenhuma parte, em seus escritos, a defesa da oração de joelhos para a benção, a invocação, a ação de graças para a refeição, etc. Seu ensinamento geral precisa que “não é sempre” necessário ajoelhar-se para cada oração. Era isto não somente seu ensino, mas também sua prática.
Sempre, durante seu ministério, Ellen White teve problemas com estes que levavam em conta somente uma parte de seus conselhos. “Quando serve ao vosso desígnio”, escreveu ela, “tratais os Testemunhos como se neles crêsseis, citando trechos deles para reforçar qualquer declaração em que desejais prevalecer. Como é, porém, quando o esclarecimento é dado para corrigir-vos os erros? Aceitais a luz? Quando os Testemunhos falam contrariamente às vossas idéias, então os tratais com desprezo.” (Mensagens Escolhidas vol. 1, p 43) É importante escutar o conjunto de seus conselhos.
Nesta ordem de idéias, encontramos duas abordagens dos escritos de Ellen White. Uma engloba todas as suas declarações pertinentes a um tema. Outra seleciona dos seus escritos somente os parágrafos, declarações ou capítulos mais importantes, que sustentam o que se quer particularmente ressaltar. A única abordagem fiel é a primeira. Para respeitar a intenção de Ellen White, é importante ler abundantemente o que ela escreveu sobre a questão.
Mas nossa conclusão não deve somente está fundada sobre o conjunto do seu pensamento sobre o assunto. Ela deve também se harmonizar com o conteúdo do conjunto de seus escritos. Não somente o preconceito, mas também os raciocínios falsos, ou outro uso inadequado de seus escritos podem levar a conclusões errôneas.