por Ellen White
O Desejado de Todas as Nações
Este capítulo é baseado em Isaías 57:15; Hebreus 1:9; Colossenses 2:9 -10; João 1:29 ; 5:30
Durante algum tempo, a influência do Batista sobre a nação fora maior que a de seus principais, sacerdotes e príncipes. Houvesse ele se anunciado como Messias, e fomentado um levante contra Roma, sacerdotes e povo se teriam reunido em torno de seu estandarte. Todas as atenções que falam à ambição dos mundanos conquistadores, Satanás se apressara em dispensar a João Batista. Mas, tendo embora diante de si as provas de seu poder, permanecera firme em recusar o deslumbrante preço do suborno. As atenções nele fixadas, encaminhara para Outro.
Agora, via a onda de popularidade a desviar-se de si para o Salvador. Dia a dia, diminuíam as multidões em torno dele. Quando Jesus foi de Jerusalém à região adjacente ao Jordão, o povo aglomerou-se para O ouvir. Diariamente, crescia-Lhe o número dos discípulos. Muitos iam em busca de batismo, e conquanto o próprio Cristo não batizasse, sancionava a ministração dessa ordenança pelos discípulos. Punha assim o selo sobre a missão do Seu precursor. Os discípulos de João, porém, olhavam com ciúmes a crescente popularidade de Jesus. Estavam prontos a criticar-Lhe a obra, e não tardou muito que se lhes deparasse ocasião. Surgiu entre eles e os judeus uma questão quanto ao batismo, se este servia para purificar do pecado; afirmavam que o batismo de Jesus diferia essencialmente do de João. Em breve, travaram discussão com os discípulos de Cristo acerca das palavras próprias para serem usadas no batismo e, afinal, quanto ao direito deles de batizar.
Os discípulos de João foram ter com ele com suas queixas, dizendo: “Rabi, Aquele que estava contigo além do Jordão, do qual Tu deste testemunho, ei-Lo batizando, e todos vão ter com Ele”. João 3:26. Por meio dessas palavras, tentou Satanás a João. Conquanto a missão deste parecesse prestes a concluir-se, ser-lhe-ia ainda possível prejudicar a obra de Cristo. Houvesse ele se doído por si mesmo, ou expressado desgosto ou decepção, por ser sobrepujado, e estariam lançadas as sementes da dissensão, incitados o ciúme e a inveja, tornando-se sério obstáculo ao progresso do evangelho.
João tinha por natureza as faltas e fraquezas comuns à humanidade, mas o toque do amor divino o transformara. Pairava numa atmosfera não contaminada pelo egoísmo e a ambição, e muito acima do miasma do ciúme. Não manifestou nenhuma condescendência com o descontentamento de seus discípulos, mas mostrou quão claramente compreendia suas relações com o Messias, e a alegria com que saudava Aquele para quem preparara o caminho.
Disse ele: “O homem não pode receber coisa alguma, se lhe não for dada do Céu. Vós mesmos me sois testemunhas de que disse: Eu não sou o Cristo, mas sou enviado adiante dEle. Aquele que tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que lhe assiste e o ouve, alegra-se muito com a voz do esposo”. João 3:27-29. João apresentou-se como o amigo que serviu de mensageiro entre os noivos, preparando o caminho para o enlace. Quando o esposo houvesse recebido a esposa, estava cumprida a missão do amigo. Ele se regozijaria na felicidade daqueles cuja união promovera. Assim João fora convidado a encaminhar o povo a Jesus, e seu prazer era testemunhar o êxito da obra do Salvador. Disse ele: “Assim pois já este meu gozo está cumprido. É necessário que Ele cresça e que eu diminua.”
Olhando com fé ao Redentor, João erguera-se às alturas da abnegação .Não buscava atrair os homens a si mesmo, mas erguer-lhes o pensamento mais e mais alto, até que repousasse no Cordeiro de Deus. Ele próprio não passara de uma voz, um clamor no deserto. Agora, aceitava com alegria o silêncio e a obscuridade, para que os olhos de todos se pudessem voltar para a Luz da vida.
Os que são fiéis à vocação de mensageiros de Deus, não buscarão honra para si mesmos. O amor do próprio eu será absorvido pelo amor a Cristo. Nenhuma rivalidade manchará a preciosa causa do evangelho. Reconhecerão que sua obra é proclamar, como João Batista: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. João 1:29. Exaltarão a Jesus, e com Ele será a humanidade exaltada. “Assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade, e cujo nome é santo: Num alto e santo lugar habito, e também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e para vivificar o coração dos contritos”. Isaías 57:15.
O coração do profeta, vazio de si mesmo, encheu-se da luz do divino. Ao testificar da glória do Salvador, suas palavras eram quase iguais às do próprio Cristo em Sua entrevista com Nicodemos. João disse: “Aquele que vem de cima é sobre todos; aquele que vem da terra é da terra e fala da terra. Aquele que vem do Céu é sobre todos. […] Aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus; pois não Lhe dá Deus o Espírito por medida”. João 3:31, 34. Cristo pôde dizer: “Não busco a Minha vontade, mas a vontade do Pai que Me enviou”. João 5:30. DEle é dito: “Amaste a justiça e aborreceste a iniquidade; por isso Deus, o Teu Deus, Te ungiu com óleo de alegria mais do que a Teus companheiros”. Hebreus 1:9. O Pai não Lhe dá “o Espírito por medida”.
O mesmo se dá quanto aos seguidores de Cristo. Só podemos receber da luz do Céu, à medida que formos voluntários em nos esvaziar do próprio eu. Não podemos discernir o caráter de Deus, ou aceitar a Cristo pela fé, a menos que consintamos em levar cativo todo pensamento à obediência de Cristo. A todos quantos assim fazem, é o Espírito Santo dado sem medida. Em Cristo “habita corporalmente toda a plenitude da divindade; e estais perfeitos nEle”. Colossences 2:9,
Os discípulos de João haviam declarado que todos iam ter com Cristo; mas com mais clara visão, João disse: “Ninguém aceita o Seu testemunho” (João 3:32) assim, poucos eram os que estavam prontos a aceitá-Lo como Salvador do pecado. Mas “aquele que aceitou o Seu testemunho, esse confirmou que Deus é verdadeiro”. “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna”. Nenhuma necessidade de discussão quanto a se o batismo de Cristo, ou o de João, purificava do pecado. É a graça de Cristo que dá vida ao ser humano. Separado de Cristo, o batismo, como qualquer outro serviço, é uma forma sem valor. “Aquele que não crê no Filho não verá a vida”. João 3:33, 36.
O êxito da obra de Cristo, recebido pelo Batista com tanta alegria, foi também anunciado às autoridades em Jerusalém. Os sacerdotes e rabis haviam tido ciúmes da influência de João, ao verem o povo deixando as sinagogas e afluindo ao deserto; mas ali estava Alguém que possuía ainda maior poder de atrair as multidões. Aqueles guias de Israel não estavam dispostos a dizer como João: “É necessário que Ele cresça e que eu diminua”. João 3:30. Ergueram-se com nova determinação de pôr termo à obra que estava afastando deles o povo.
Jesus sabia que eles não poupariam esforços para criar divisão entre Seus discípulos e os de João. Sabia que se estava preparando a tempestade que arrebataria um dos maiores profetas já dados ao mundo. Desejando evitar toda ocasião de mal-entendido ou dissensão, interrompeu calmamente Seus labores, e retirou-Se para a Galiléia. Nós igualmente, conquanto leais à verdade, devemos procurar evitar tudo quanto possa levar à discórdia ou má compreensão. Pois sempre que estas surgem, trazem em resultado perda de almas. Quando quer que apareçam circunstâncias que ameacem divisão, cumpre-nos seguir o exemplo de Jesus e de João Batista.
João fora chamado para dirigir uma obra de reforma. Em razão disto, seus discípulos corriam o risco de fixar nele a atenção, julgando que o êxito da obra dependia de seus labores, e perdendo de vista o fato de ser ele mero instrumento por meio do qual Deus havia operado. A obra de João não era, todavia, suficiente para lançar as bases da igreja cristã. Havendo cumprido sua missão, fazia-se necessário outra obra, que seu testemunho não poderia realizar. Seus discípulos não percebiam isso. Ao verem Cristo chegar para tomar posse da obra, enciumaram-se e ficaram descontentes.
Os mesmos perigos existem ainda. Deus chama um homem para fazer certa obra; e ao havê-la ele conduzido até ao ponto para o qual se acha habilitado, o Senhor introduz outros, para levá-la mais adiante. Como os discípulos de João, porém, muitos sentem que o sucesso da obra depende do primeiro obreiro. Fixa-se a atenção sobre o humano em lugar de concentrar no divino, introduz-se o ciúme, e a obra de Deus é manchada. Aquele que é assim indevidamente honrado sofre a tentação de nutrir a confiança no próprio eu. Não compreende sua dependência de Deus. O povo é ensinado a descansar no homem, quanto à guia, e caem assim em erro, sendo desviados de Deus.
A obra do Senhor não deve receber a imagem e a inscrição do homem. De tempos a tempos Ele introduz aí instrumentos diversos, mediante os quais melhor se pode cumprir o Seu desígnio. Felizes os que de boa vontade se submetem à humilhação do próprio eu, dizendo juntamente com João: “É necessário que Ele cresça e que eu diminua”.