Por Ellen White
O Desejado de Todas as Nações
Este capítulo é baseado em 1 Samuel 15: 22; Salmo 118: 26; Isaías 1: 10 -12, 16 – 17; 5: 4; 8: 13:-15; 28: 16; 53: 3; Zacarias 9: 9; Mateus 21: 12 – 16, 23 – 46; Marcos 11: 15 – 19, 27 – 33; 12: 1 – 12; Lucas 19: 45 – 48; 20: 1 – 19; João 1: 29; Romanos 1:4; 1 Pedro 2: 3 – 8
No princípio de Seu ministério, Cristo expulsara do templo os que o manchavam por seu profano tráfico; e Sua atitude severa e divina enchera de terror o coração dos astutos comerciantes. Ao fim de Sua missão, foi Ele outra vez ao templo e encontrou-o de novo profanado como antes. As condições eram ainda piores. O pátio do templo estava como um vasto curral de gado. Com os berros dos animais e o agudo tinir das moedas, misturava-se o som de iradas altercações entre os traficantes, e ouviam-se entre eles vozes de homens no sagrado ofício. Os dignitários do templo empenhavam-se, eles próprios, em comprar e vender, e trocar dinheiro. Tão completamente se achavam dominados pela cobiça de lucro que, aos olhos de Deus, não eram melhores que ladrões.
Pouco percebiam os sacerdotes e principais a solenidade da obra que lhes cumpria realizar. Em toda páscoa e festa dos tabernáculos, milhares de animais eram mortos, e seu sangue recolhido pelos sacerdotes e derramado sobre o altar. Os judeus familiarizaram-se com a oferta de sangue e quase perderam de vista o fato de ser o pecado o que tornava necessário todo esse derramamento de sangue de animais. Não discerniam que isso prefigurava o sangue do querido Filho de Deus, que seria derramado pela vida do mundo, e que pela oferta de sacrifícios deviam os homens ser levados ao crucificado Redentor.
Jesus olhava as inocentes vítimas do sacrifício, e via como os judeus haviam tornado essas grandes convocações cenas de derramamento de sangue e de crueldade. Em lugar de humilde arrependimento pelo pecado, multiplicaram o sacrifício de animais, como se Deus pudesse ser honrado por um serviço destituído de coração. Os sacerdotes e principais endureceram a alma pelo egoísmo e a avareza. Os próprios símbolos que indicavam o Cordeiro de Deus, haviam eles transformado num meio de ganho. Assim, aos olhos do povo fora destruída, em grande parte, a santidade do serviço sacrifical. Despertou-se a indignação de Jesus; sabia que Seu sangue, tão próximo a ser vertido pelos pecados do mundo, seria tão pouco apreciado pelos sacerdotes e anciãos, como o dos animais, que derramavam incessantemente.
Contra tais práticas falara Cristo por meio dos profetas. Dissera Samuel: “Tem porventura o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em que se obedeça à Palavra do Senhor? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender melhor é do que a gordura de carneiros”. 1 Samuel 15:22. E Isaías, vendo em visão profética a apostasia dos judeus, a eles se dirigiu como príncipes de Sodoma e Gomorra: “Ouvi a Palavra do Senhor, príncipes de Sodoma; prestai ouvidos à lei do nosso Deus, vós, ó povo de Gomorra. De que Me serve a Mim a multidão de vossos sacrifícios, diz o Senhor? Já estou farto dos holocaustos de carneiros, e de gordura de animais nédios; e não folgo com o sangue dos bezerros, nem de cordeiros, nem de bodes. Quando vindes para comparecerdes diante de Mim, quem requereu isto de vossas mãos, que viésseis pisar os Meus átrios?” “Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos Meus olhos; cessai de fazer mal; aprendei a fazer bem; praticai o que é reto; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão, tratai da causa das viúvas”. Isaías 1:10-12, 16, 17.
Aquele mesmo que dera essas profecias, repetia agora, pela última vez, a advertência. Em cumprimento da profecia, o povo proclamara Jesus rei de Israel. Ele lhes recebera as homenagens, e aceitara a posição de rei. Nesse caráter devia agir. Sabia que seriam nulos Seus esforços para reformar um sacerdócio corrompido; não obstante, essa obra precisava ser feita; tinha de ser dada a um povo incrédulo a prova de Sua divina missão.
Novamente o penetrante olhar de Jesus percorreu o profanado pátio do templo. Todos os olhares estavam voltados para Ele. Sacerdotes e principais, fariseus e gentios, olhavam com surpresa e respeito para Aquele que Se achava diante deles com a majestade do Rei do Céu. A divindade irrompeu da humanidade, revestindo Cristo de uma dignidade e glória que jamais manifestara. Os que se achavam mais próximos dEle afastaram-se o mais que lhes permitia a multidão. Não fosse a presença de alguns de Seus discípulos, e o Salvador Se encontraria como isolado. Todos os sons cessaram. Parecia insuportável o profundo silêncio. Cristo falou com um poder que dominou o povo como uma forte tempestade: “Está escrito: A Minha casa é casa de oração; mas vós fizestes dela covil de salteadores”. Lucas 19:46. Sua voz soou como trombeta através do templo. O desagrado de Sua fisionomia assemelhava-se a um fogo consumidor. Com autoridade, ordenou: “Tirai daqui estes.”
Três anos antes, os dirigentes do templo haviam-se envergonhado de sua fuga à ordem de Jesus. Sempre se admiraram depois, de seus temores e de sua obediência sem réplica a um simples, humilde homem. Julgaram ser impossível repetir-se a humilhante submissão. Ficaram, todavia, ainda mais aterrados agora que antes e mais apressados em obedecer-Lhe à ordem. Não houve ninguém que ousasse questionar-Lhe a autoridade. Sacerdotes e comerciantes fugiram-Lhe da presença, tangendo adiante o gado.
Ao saírem do templo, encontraram no caminho uma multidão que trazia os enfermos, indagando pelo grande Médico. As notícias dadas pelos que fugiam, fizeram com que alguns desses voltassem atrás. Temiam encontrar Alguém tão poderoso, cujo simples olhar afugentara de Sua presença os sacerdotes e principais. O maior número, porém, avançou por entre a multidão apressada, ansiosos de encontrar Aquele que era sua única esperança. Ao fugir do templo a multidão, muitos ficaram atrás. A esses se reuniram então os recém-vindos. Novamente o pátio do templo se encheu de doentes e moribundos, e mais uma vez, Jesus os socorreu.
Depois de algum tempo, os sacerdotes e líderes se aventuraram a voltar ao templo. Acalmado o pânico, sentiram-se presa de ansiedade quanto ao que iria Jesus fazer em seguida. Esperavam que tomasse o trono de Davi. Voltando silenciosamente ao templo, ouviram vozes de homens e mulheres e crianças louvando a Deus. Ao entrar, ficaram paralisados diante da maravilhosa cena. Viram os enfermos curados, os cegos restaurados à vista, os surdos ouvindo, e os coxos saltando de prazer. As crianças superavam os demais no regozijo. Jesus lhes curara as moléstias; enlaçara-as nos braços, recebera-lhes os beijos de reconhecido afeto, e algumas delas haviam adormecido em Seu peito, ao ensinar Ele a multidão. Agora, com alegres vozes, os pequenos Lhe entoavam o louvor. Repetiam os hosanas da véspera, e triunfalmente agitavam palmas diante do Salvador. O templo ecoava e reecoava às suas aclamações: “Bendito o que vem em nome do Senhor”! Salmos 118:26.“Eis que o teu Rei virá a ti, justo e Salvador!” Zacarias 9:9. “Hosana ao Filho de Davi!”
O som dessas felizes, irreprimidas vozes foi uma ofensa para os dirigentes do templo. Decidiram-se a fazer calar essas demonstrações. Disseram ao povo que a casa de Deus era profanada pelos pés das crianças e suas aclamações de júbilo. Verificando que suas palavras não causavam impressão no povo, voltaram-se os sacerdotes para Cristo: “Ouves o que estes dizem? E Jesus lhes disse: Sim; nunca lestes: pela boca dos meninos e das criancinhas de peito tiraste o perfeito louvor?” Mateus 21:16. Predissera a profecia que Cristo seria proclamado rei, e essa palavra se devia cumprir. Os sacerdotes e principais de Israel recusaram anunciar Sua glória, e Deus moveu as crianças para Lhe servirem de testemunhas. Silenciassem as vozes infantis, e os próprios pilares do templo entoariam o louvor do Salvador.
Os fariseus ficaram inteiramente perplexos e desconcertados. Alguém que não podiam intimidar, achava-Se com a direção. Jesus tomara Sua posição de guarda do templo. Nunca antes assumira essa régia autoridade. Nunca antes haviam Suas palavras e ações possuído tão grande poder. Fizera maravilhosas obras por toda Jerusalém, mas nunca antes por maneira tão solene e impressiva. Em presença do povo que Lhe testemunhara as maravilhosas obras, os sacerdotes e principais não ousavam hostilizá-Lo abertamente. Conquanto zangados e confundidos por Sua resposta, não foram capazes de fazer qualquer coisa mais naquele dia.
Na manhã seguinte, o Sinédrio considerou novamente a atitude que devia tomar para com Jesus. Três anos antes, tinham pedido um sinal de Sua messianidade. Desde então realizara Ele poderosas obras por toda a Terra. Curara os enfermos, alimentara miraculosamente milhares de pessoas, caminhara sobre as ondas, e Sua palavra impusera calma ao revoltado mar. Repetidamente lera o coração dos homens como um livro aberto; expulsara demônios e ressuscitara mortos. Os principais tinham diante de si as provas de Sua messianidade. Decidiram então não pedir nenhum sinal de Sua autoridade, mas tirar dEle qualquer confissão ou declaração que O pudessem condenar.
Dirigindo-se ao templo, onde Ele estava ensinando, puseram-se a interrogá-Lo: “Com que autoridade fazes isto? E quem Te deu tal autoridade?” Mateus 21:23. Esperavam que Ele declarasse proceder de Deus Sua autoridade. Essa afirmação intentavam negar. Mas Jesus os enfrentou com outra interrogação, aparentemente ligada a assunto diverso, e tornou Sua resposta dependente da que eles dessem a essa pergunta. “O batismo de João”, disse Ele, “de onde era? Do Céu, ou dos homens?” Mateus 21:25
Viram os sacerdotes encontrar-se diante de um dilema do qual nenhum sofisma os podia livrar. Se dissessem que o batismo de João era do Céu, tornar-se-ia patente sua incoerência. Cristo diria: Então por que não o crestes? João testificara de Cristo: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. João 1:29. Se os sacerdotes acreditassem no testemunho de João, como poderiam negar a messianidade de Cristo? Se declarassem sua crença real, de que o ministério de João era dos homens, trariam sobre si mesmos uma tempestade de indignação; pois o povo acreditava que João era profeta.
Com vivo interesse aguardava o povo a decisão. Sabia que os sacerdotes haviam professado aceitar o ministério de João, e esperavam que reconhecessem indiscutivelmente que fora enviado por Deus. Mas depois de conferenciarem em segredo entre si, decidiram não se comprometer. Professando hipocritamente ignorância, disseram: “Não sabemos.” “Nem Eu vos digo com que autoridade faço isto” (Mateus 21:27), disse Jesus.
Escribas, sacerdotes e principais ficaram todos em silêncio. Confundidos e decepcionados, quedaram cabisbaixos, não ousando insistir em interrogar a Cristo. Por sua covardia e indecisão haviam, em grande medida, perdido o respeito do povo, que se achava então ao lado, divertido de ver derrotados esses orgulhosos homens, cheios de justiça própria.
Todas essas palavras e atos de Cristo eram importantes, e sua influência devia ser experimentada em grau sempre crescente depois de Sua crucifixão e ascensão. Muitos dos que tinham esperado ansiosamente o resultado da pergunta de Jesus, afinal se tornariam discípulos Seus, havendo sido pela primeira vez atraídos a Ele naquele dia cheio de acontecimentos. A cena do pátio do templo nunca mais se apagaria da memória deles. Era assinalado o contraste entre Jesus e o sumo sacerdote, quando juntos falavam. O orgulhoso dignitário do templo estava trajado de ricas e custosas vestimentas. Tinha na cabeça uma brilhante tiara. Seu porte era majestoso, os cabelos e a longa barba prateados pela idade. Sua aparência enchia de respeito os que o viam. Perante essa augusta personagem, achava-Se a Majestade do Céu, sem adorno ou ostentação. Tinha nas vestes os vestígios das jornadas; Seu rosto era pálido e exprimia paciente tristeza; todavia, nEle se estampavam dignidade e benevolência em estranho contraste com o ar orgulhoso, presunçoso e irado do sumo sacerdote. Muitos dos que testemunhavam as palavras e atos de Jesus no templo, entronizaram-nO daí em diante no coração como profeta de Deus. À medida, porém, que o sentimento popular se voltava em favor de Jesus, o ódio dos sacerdotes crescia para com Ele. A sabedoria com que Se esquivava aos laços que Lhe armavam aos pés, sendo uma nova evidência de Sua divindade, acrescentava combustível a sua ira.
Em Sua discussão com os rabis, não era propósito de Cristo humilhar os oponentes. Não Se alegrava em vê-los em situação difícil. Tinha importante lição a ensinar. Mortificara os inimigos, permitindo que se vissem emaranhados na própria rede que para Ele haviam preparado. Sua confessada ignorância com respeito ao caráter do batismo de João, proporcionou-Lhe oportunidade de falar e aproveitou-a, apresentando-lhes sua verdadeira situação e ajuntando uma advertência às muitas que já fizera.
“Mas que vos parece?” disse Ele. “Um homem tinha dois filhos, e, dirigindo-se ao primeiro, disse: Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha. Ele, porém, respondendo, disse: Não quero. Mas depois, arrependendo-se, foi. E, dirigindo-se ao segundo, falou-lhe de igual modo; e, respondendo ele, disse: Eu vou, senhor; e não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai?” Mateus 21:28-31.
Essa súbita pergunta tirou Seus ouvintes de sua habitual posição de guarda. Haviam acompanhado atentamente a parábola, e então responderam imediatamente: “O primeiro.” Fixando neles o firme olhar, respondeu Jesus em tom severo e solene: “Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes entram diante de vós no reino de Deus. Porque João veio a vós no caminho da justiça, e não o crestes, mas os publicanos e as meretrizes o creram; vós, porém, vendo isto, nem depois vos arrependestes para o crer”. Mateus 21:31, 32.
Os sacerdotes e principais não podiam deixar de dar resposta correta à pergunta de Cristo, e assim obteve Ele sua opinião em favor do primeiro filho. Este filho representava os publicanos, os que eram desprezados e odiados pelos fariseus. Os publicanos haviam sido inteiramente imorais. Tinham sido na verdade transgressores da lei de Deus, mostrando em sua vida absoluta resistência às Suas reivindicações. Eram ingratos e profanos; ao ser-lhes dito que fossem trabalhar na vinha do Senhor, recusaram desdenhosamente. Mas ao vir João, pregando o arrependimento e o batismo, os publicanos receberam a mensagem e foram batizados.
O segundo filho representava os dirigentes da nação judaica. Alguns fariseus se tinham arrependido, recebendo o batismo de João; mas os dirigentes não quiseram reconhecer que ele viera de Deus. Suas advertências e acusações não os levaram a uma reforma. “Rejeitaram o conselho de Deus contra si mesmos, não tendo sido batizados por ele.” Trataram desdenhosamente sua mensagem. Como o segundo filho que, quando chamado, disse: “Eu vou, senhor”, mas não foi, os sacerdotes e principais professaram obediência, mas agiram em sentido contrário. Faziam grandes profissões de piedade, pretendiam estar obedecendo à lei divina, mas prestavam apenas uma falsa obediência. Os publicanos eram acusados e amaldiçoados pelos fariseus como incrédulos; mas mostraram por sua fé e obras que iam para o reino do Céu antes daqueles homens cheios de justiça própria, aos quais fora dada grande luz, mas cujas obras não correspondiam a sua profissão de piedade.
Os sacerdotes e principais não tinham vontade de suportar essas penetrantes verdades; ficaram calados, entretanto, na esperança de que Jesus dissesse qualquer coisa que pudessem voltar contra Ele; mas tinham de suportar ainda mais.
“Ouvi ainda outra parábola”, disse Cristo. “Houve um homem, pai de família, que plantou uma vinha, circundou-a de um valado, e construiu nela um lagar, e edificou uma torre, e arrendou-a a uns lavradores, e ausentou-se para longe.E, chegando o tempo dos frutos, enviou os seus servos aos lavradores, para receber os seus frutos. E os lavradores, apoderando-se dos servos, feriram um, mataram outro, e apedrejaram outro. Depois enviou outros servos, em maior número do que os primeiros; e eles fizeram-lhes o mesmo; e, por último, enviou-lhes seu filho, dizendo: Terão respeito ao meu filho. Mas os lavradores, vendo o filho, disseram entre si: Este é o herdeiro; vinde, matemo-lo, e apoderemo-nos da sua herança. E, lançando mão dele, o arrastaram para fora da vinha, e o mataram. Quando pois vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores?” Mateus 21:33-40.
Jesus Se dirigiu a todo o povo presente; mas os sacerdotes e principais responderam. “Dará afrontosa morte aos maus”, disseram, “e arrendará a vinha a outros lavradores, que a seu tempo lhe deem os frutos”. Mateus 21:41. Os que assim falavam não perceberam, a princípio, a aplicação da parábola, mas viram depois haver proferido a própria condenação. Na parábola, o pai de família representava Deus, a vinha a nação judaica, e o valado a lei divina que lhes servia de proteção. A torre era um símbolo do templo. O dono da vinha fizera tudo que era para prosperidade da mesma. “Que mais se podia fazer à Minha vinha”, diz Ele, “que lhe não tenha feito?” Isaías 5:4. Assim foi representado o incessante cuidado de Deus para com Israel. E como os lavradores deviam devolver ao pai de família a devida proporção de frutos da vinha, assim o povo de Deus O devia honrar por uma vida em correspondência com os sagrados privilégios que tinham. Mas, como os lavradores mataram os servos que o senhor lhes enviara em busca de frutos, assim os judeus fizeram morrer os profetas que Deus mandara para os chamar ao arrependimento. Mensageiro após mensageiro fora morto. Até aí a aplicação da parábola não podia ser posta em dúvida, e no que se seguiu não foi menos clara. No amado filho a quem o senhor da vinha afinal mandara a seus desobedientes servos, e de quem se apoderaram para matar, viram os sacerdotes e principais uma distinta figura de Jesus e a sorte que sobre Ele impendia. Já estavam planejando tirar a vida Àquele a quem o Pai lhes enviara em um último apelo. Na retribuição infligida aos ingratos lavradores, estava descrita a sorte dos que haviam de condenar Cristo à morte.
Olhando-os com piedade, continuou o Salvador: “Nunca lestes nas Escrituras: A pedra, que os edificadores rejeitaram, essa foi posta por cabeça do ângulo; pelo Senhor foi feito isto, e é maravilhoso aos nossos olhos? Portanto Eu vos digo que o reino de Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos. E quem cair sobre esta pedra despedaçar-se-á; e aquele sobre quem ela cair será reduzido a pó”. Mateus 21:42-44.
Essa profecia repetiram os judeus muitas vezes nas sinagogas, aplicando-a ao Messias que havia de vir. Cristo era a pedra de esquina da dispensação judaica, e de todo o plano da salvação. Essa pedra fundamental os edificadores judaicos, os sacerdotes e príncipes de Israel, estavam agora rejeitando. O Salvador chamou-lhes a atenção para as profecias que lhes mostrariam seu perigo. Buscou, por todos os meios possíveis, mostrar-lhes claramente a natureza do ato que estavam para praticar.
E Suas palavras tinham outro desígnio. Ao fazer a pergunta: “Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores?” (Mateus 21:40) era intuito de Cristo que os fariseus respondessem como fizeram. Tinha em vista que eles mesmos se condenassem. Suas advertências, deixando de despertá-los para o arrependimento, selar-lhes-iam a condenação, e Ele queria que vissem que eles próprios haviam trazido sobre si a ruína. Intentava mostrar-lhes a justiça de Deus em retirar-lhes os privilégios nacionais, o que já começara e terminaria, não somente na destruição do templo e da cidade, mas na dispersão da nação.
Os ouvintes reconheceram a advertência. Não obstante, porém, a sentença que eles mesmos haviam proferido, os sacerdotes e príncipes estavam prontos a completar o quadro, dizendo: “Este é o herdeiro; vinde, matemo-lo.” “E, pretendendo prendê-Lo, recearam o povo” (Mateus 21:46), porque o sentimento público era a favor de Cristo.
Citando a profecia da pedra rejeitada, referia-Se Cristo a uma ocorrência verdadeira da história de Israel. O incidente relacionava-se com a edificação do primeiro templo. Conquanto tivesse especial aplicação ao tempo do primeiro advento de Cristo, devendo ter tocado com poder especial aos judeus, encerra também uma lição para nós. Ao ser erigido o templo de Salomão, as imensas pedras para as paredes e os fundamentos foram inteiramente preparadas na pedreira; depois de serem levadas para o local da construção, nenhum instrumento devia ser nelas empregado; os obreiros só tinham que as colocar em posição. Fora trazida para ser empregada nos fundamentos uma pedra de dimensões extraordinárias, e de singular feitio; mas os construtores não conseguiam achar lugar para ela e não a queriam aceitar. Era-lhes um estorvo, jazendo para ali, sem utilidade. Por muito tempo assim ficou como pedra rejeitada. Mas, ao chegarem os edificadores à ocasião de colocar a pedra angular, procuraram por muito tempo uma de tamanho e resistência suficientes e do devido formato, para ocupar aquele lugar e suportar o grande peso que sobre ela repousaria. Fizessem uma imprudente escolha para esse importante lugar, e estaria em risco a segurança de todo o edifício. Deveriam encontrar uma pedra capaz de resistir à influência do Sol, da geada e da tempestade. Várias pedras foram escolhidas, diversas vezes, mas, sob a pressão de imensos pesos, haviam-se despedaçado. Outras não puderam suportar a prova das súbitas mudanças atmosféricas. Afinal, a atenção dos construtores foi atraída para a pedra por tanto tempo rejeitada. Ficara exposta ao ar, ao Sol e à tempestade, sem apresentar a mais leve fenda. Os edificadores examinaram essa pedra. Suportara todas as provas, menos uma. Se pudesse resistir à prova de vigorosa pressão, decidir-se-iam a aceitá-la para pedra angular. Foi feita a prova. A pedra foi aceita, levada para o lugar que lhe era designado, verificando-se a ele ajustar-se perfeitamente. Em profética visão, foi mostrado a Isaías que essa pedra era um símbolo de Cristo. Diz ele:
“Ao Senhor dos Exércitos, a Ele santificai; e seja Ele o vosso temor, e seja Ele o vosso assombro. Então Ele vos será santuário; mas servirá de pedra de tropeço, e de rocha de escândalo, às duas casas de Israel; de laço e rede aos moradores de Jerusalém. E muitos dentre eles tropeçarão, e cairão, e serão quebrantados, e enlaçados e presos”. Isaías 8:13-15. Levado em visão adiante, ao primeiro advento, é mostrado ao profeta que Cristo devia sofrer provas e experiências das quais era um símbolo o que se fizera à pedra de esquina do templo de Salomão. “Portanto assim diz o Senhor Jeová: Eis que ponho em Sião uma pedra, uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada; aquele que crê não se apresse”. Isaías 28:16.
Com infinita sabedoria, escolheu Deus a pedra fundamental, e a colocou Ele mesmo. Chamou-a “firme”. O mundo inteiro pode depor sobre ela seus fardos e pesares; pode suportá-los a todos. Com perfeita segurança podem edificar sobre ela. Cristo é uma “pedra já provada”. Aqueles que nEle confiam, Ele nunca decepcionará. Suportou todas as provas. Resistiu à pressão da culpa de Adão e da de sua posteridade, e saiu mais que vencedor dos poderes do mal. Tem suportado os fardos sobre Ele lançados por todo pecador arrependido. Em Cristo tem encontrado alívio o coração culpado. Ele é o firme fundamento. Todos quantos fazem dEle sua confiança, descansam em segurança perfeita.
Na profecia de Isaías, declara-se que Cristo é tanto o firme fundamento como uma pedra de tropeço. O apóstolo Pedro, escrevendo sob inspiração do Espírito Santo, mostra claramente para quem Cristo é uma pedra de esquina, e para quem é rocha de escândalo:
“Se é que já provastes que o Senhor é benigno: e, chegando-vos para Ele — pedra viva, reprovada, na verdade pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, vós, também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo. Pelo que também na Escritura se contém: Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido. E assim para vós, os que crerdes, é preciosa, mas para os rebeldes, a pedra que os edificadores reprovaram essa foi a principal da esquina; e uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na Palavra, sendo desobedientes”. 1 Pedro 2:3-8.
Para os que creem, Cristo é o firme fundamento. São eles que caem sobre a Rocha e se despedaçam. A submissão a Cristo e a fé nEle são aqui representadas. Cair sobre a Rocha e despedaçar-se, é renunciar a nossa própria justiça e ir a Cristo com a humildade de uma criança, arrependidos de nossas transgressões e crendo em Seu amor perdoador. E assim também é pela fé e a obediência que edificamos sobre Cristo como nosso fundamento.
Sobre essa pedra viva podem edificar semelhantemente judeus e gentios. Este é o único fundamento sobre que podemos com segurança edificar. É suficientemente largo para todos, e forte bastante para sustentar o peso e o fardo do mundo inteiro. E pela ligação com Cristo, a pedra viva, todos quantos edificam sobre esse fundamento se tornam pedras vivas. Muitas pessoas são lavradas, polidas e embelezadas por seus próprios esforços; não podem, no entanto, tornar-se “pedras vivas”, porque não estão ligadas a Cristo. Sem essa ligação, homem algum se pode salvar. Sem a vida de Cristo em nós, não podemos resistir às tempestades das tentações. Nossa segurança eterna depende de edificarmos sobre o firme fundamento. Multidões se encontram hoje em dia edificando sobre fundamento não provado. Ao cair a chuva, e soprarem os ventos, e as enchentes sobrevirem, sua casa cairá, porque não está fundada sobre a Rocha eterna, a principal pedra de esquina — Cristo Jesus.
“Para aqueles que tropeçam na Palavra, sendo desobedientes”, Cristo é uma rocha de escândalo. Mas “a pedra que os edificadores rejeitaram, essa foi posta por cabeça do ângulo”. Como a pedra rejeitada, Cristo, em Sua missão terrestre suportara desdém e maus-tratos. Foi “desprezado, e o mais indigno dentre os homens; homem de dores, e experimentado nos trabalhos: […] era desprezado, e não fizemos dEle caso algum”. Isaías 53:3. Mas aproximava-se o tempo em que Ele seria glorificado. Pela ressurreição dentre os mortos, seria “declarado Filho de Deus em poder”. Romanos 1:4. Em Sua segunda vinda, seria revelado como Senhor do Céu e da Terra. Os que se achavam então prestes a crucificá-Lo, reconheceriam Sua grandeza. Perante o Universo, a pedra rejeitada Se tornaria a principal pedra de esquina.
“E aquele sobre quem ela cair ficará reduzido a pó.” O povo que rejeitou a Cristo, teria de ver em breve destruídas sua cidade e nação. Sua glória seria despedaçada, espalhada como o pó diante do vento. E que foi que destruiu os judeus? Foi a rocha que, houvessem eles edificado sobre ela, teria sido sua segurança. Foi a bondade divina desprezada, a justiça maltratada, e menosprezada Sua misericórdia. Os homens deliberaram opor-se a Deus, e tudo quanto teria servido para sua salvação foi voltado para sua destruição. Tudo quanto Deus ordenara para vida, acharam ser para morte. Na crucifixão de Cristo pelos judeus, estava envolvida a destruição de Jerusalém. O sangue derramado sobre o Calvário, foi o peso que os fez abismar na ruína para este mundo e o mundo por vir. Assim será no grande dia final, quando o juízo cair sobre os que rejeitam a graça divina. Cristo, para eles a pedra de escândalo, aparecer-lhes-á então como vingadora montanha. A glória de Seu rosto, que para os justos é vida, será para os ímpios um fogo consumidor. Por causa do amor rejeitado, da graça desprezada, será destruído o pecador.
Mediante muitas ilustrações e repetidas advertências, Jesus mostrou qual seria o resultado, para os israelitas, de rejeitar o Filho de Deus. Nessas palavras, dirigia-Se a todos, em todos os séculos, que se recusam a recebê-Lo como Redentor. Todas as advertências são para eles. O templo profanado, o filho desobediente, os falsos lavradores, os edificadores desdenhosos, têm seu paralelo na experiência de todo pecador. A menos que este se arrependa, sobrevir-lhe-á a condenação prefigurada por aqueles.