Por Ellen White
O Desejado de Todas as Nações
Este capítulo é baseado em Mateus 27: 62 – 63; 28: 18; Lucas 16: 31; 24: 13 – 33;
Ao entardecer do dia da ressurreição, dois dos discípulos se achavam no caminho de Emaús, pequena aldeia a cerca de doze quilômetros de Jerusalém. Esses discípulos não haviam desempenhado papel saliente na obra de Cristo, mas eram crentes fervorosos nEle. Tinham ido à cidade para celebrar a páscoa, e estavam muito perplexos com os acontecimentos ocorridos havia pouco. Tinham ouvido as notícias da manhã com respeito à remoção do corpo de Jesus do sepulcro, bem como a narração das mulheres que viram os anjos e encontraram a Jesus. Voltavam agora para casa, a fim de meditar e orar. Seguiam tristemente o caminho, ao crepúsculo, falando sobre as cenas do julgamento e da crucifixão. Nunca antes se haviam sentido tão desalentados. Destituídos de esperança e de fé, caminhavam à sombra da cruz.
Não haviam andado muito quando se lhes juntou um Estranho, mas tão absorvidos se achavam em sua negra decepção que não O observaram muito. Continuaram em sua conversa, externando os pensamentos de seu coração. Raciocinavam sobre as lições que Cristo lhes dera e que pareciam incapazes de compreender. Enquanto falavam sobre os acontecimentos que se haviam desenrolado, Jesus anelava consolá-los. Testemunhara-lhes a dor; compreendera as contraditórias ideias que lhes traziam à mente o pensamento: pode esse Homem que consentiu em que assim O humilhassem, ser o Cristo? Irreprimível era sua dor, e choravam. Jesus sabia que o coração deles Lhe estava unido pelo amor, e almejava enxugar-lhes as lágrimas, e enchê-los de alegria e contentamento. Devia, porém, dar-lhes lições que nunca haveriam de esquecer. “Ele lhes disse: Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre vós, e por que estais tristes? E, respondendo um cujo nome era Cléopas, disse: És Tu só peregrino em Jerusalém, e não sabes as coisas que nela têm sucedido nestes dias?” Lucas 24:17, 18. Contaram-Lhe sua decepção quanto a Seu Mestre, “varão profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo”; mas “os principais dos sacerdotes e os nossos príncipes”, disseram, “O entregaram à condenação de morte, e O crucificaram”. Coração ferido pela decepção, lábios trêmulos, ajuntaram: “E nós esperávamos que fosse Ele o que remisse Israel; mas agora, sobre tudo isso, é já hoje o terceiro dia desde que essas coisas aconteceram”. Lucas 24:19-21.
É estranho que os discípulos não se lembrassem das palavras de Cristo, e não compreendessem que Ele predissera os acontecimentos que se desenrolaram. Não percebiam que a última parte de Sua predição se verificaria do mesmo modo que a primeira, e que ao terceiro dia Ele ressuscitaria. Esta era a parte que deviam ter recordado. Os sacerdotes e os príncipes não o esqueceram. No dia “depois da preparação, reuniram-se os príncipes dos sacerdotes e os fariseus em casa de Pilatos, dizendo: Senhor, lembramo-nos de que aquele enganador, vivendo ainda, disse: Depois de três dias ressuscitarei”. Mateus 27:62, 63. Mas os discípulos não lembraram essas palavras.
“E Ele lhes disse: Ó néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na Sua glória?” Lucas 24:225, 26. Os discípulos cogitavam quem poderia ser esse Estranho, que lhes penetrava a alma e falava com tal calor, ternura e simpatia, e ao mesmo tempo com tanta esperança. Pela primeira vez, depois de Cristo haver sido entregue, começaram a sentir-se esperançosos. Olhavam muitas vezes, cheios de interesse, para seu Companheiro e pensavam que Suas palavras eram exatamente as que Cristo haveria dito. Estavam cheios de pasmo, e o coração começou a pulsar-lhes com jubilosa expectativa.
Começando com Moisés, o próprio Alfa da história bíblica, Cristo expôs em todas as Escrituras as coisas que Lhe diziam respeito. Houvesse primeiro Se manifestado a eles, e seu coração teria ficado satisfeito. Na plenitude de seu regozijo não teriam ambicionado nada mais. Mas era-lhes necessário compreender os testemunhos dados a respeito dEle pelos símbolos e profecias do Antigo Testamento. Sobre estes devia estabelecer-se sua fé. Cristo não operou nenhum milagre para os convencer, mas foi Seu primeiro trabalho o explicar-lhes as Escrituras. Haviam considerado Sua morte a ruína de todas as suas esperanças. Agora Ele lhes mostrou pelos profetas que ali se achava a mais vigorosa prova de sua fé.
Ensinando esses discípulos, mostrou Jesus a importância do Antigo Testamento como testemunha de Sua missão. Muitos professos cristãos desprezam hoje aquela porção das Escrituras, pretendendo não ter mais utilidade. Não é isto, porém, ensino de Cristo. Tão alto o estimava, que disse certa vez: “Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite”. Lucas 16:31.
É a voz de Cristo que fala através dos patriarcas e profetas desde os tempos de Adão até às cenas finais deste mundo. O Salvador é tão claramente revelado no Antigo Testamento como no Novo. É a luz do passado profético que apresenta a vida de Cristo e os ensinos do Novo Testamento de maneira clara e bela. Os milagres de Cristo são uma prova de Sua divindade; mas uma prova mais forte ainda de que Ele é o Redentor do mundo, encontra-se comparando as profecias do Antigo Testamento com a história do Novo.
Com provas tiradas da profecia, deu Cristo aos discípulos uma ideia correta do que Ele devia ser na humanidade. A expectativa deles, de um Messias que devia tomar Seu trono e o régio poder segundo os desejos dos homens, os desorientara. Isso interferia com a devida apreensão de Sua descida da mais elevada à mais baixa posição que se podia ocupar. Cristo desejava que as ideias de Seus discípulos fossem puras e verdadeiras em todos os sentidos. Deviam compreender, tanto quanto possível, o que se relacionava com o cálice de sofrimento que Lhe fora aquinhoado. Mostrou-lhes que o tremendo conflito que ainda não podiam compreender, era o cumprimento do concerto feito antes de serem postos os fundamentos do mundo. Cristo devia morrer, como deve morrer todo transgressor da lei, se continuar em pecado. Tudo isso devia ocorrer, mas não devia terminar em derrota, e sim numa gloriosa e eterna vitória. Jesus lhes disse que cumpria fazer todo esforço para salvar o mundo do pecado. Seus seguidores deviam viver como Ele viveu, e trabalhar como Ele trabalhou, com intenso, perseverante esforço.
Assim discursou Jesus para os discípulos, abrindo-lhes a mente para compreenderem as Escrituras. Os discípulos estavam fatigados, mas a conversação não esmoreceu. Palavras de vida e segurança caíam dos lábios do Salvador. Mas ainda os olhos deles estavam fechados. Ao falar-lhes da ruína de Jerusalém, olharam com lágrimas para a condenada cidade. Mal suspeitavam ainda, no entanto, quem era seu companheiro de viagem. Não pensavam que o objeto de sua conversação ia ali caminhando ao lado deles; pois Cristo Se referia como se fosse outra pessoa. Pensavam que era um dos que tinham ido assistir à grande festa, e regressava agora para casa. Jesus andava tão cautelosamente como eles sobre as rudes pedras, parando de quando em quando com eles para descansar um pouco. Assim prosseguiam pela montanhosa estrada, ao passo que Aquele que em breve tomaria Seu lugar à direita de Deus, e que podia dizer: “É-Me dado todo o poder no Céu e na Terra” (Mateus 28:18), caminhava ao seu lado.
Enquanto andavam, o Sol baixara e, antes de os viajantes chegarem a seu destino, já os trabalhadores nos campos haviam deixado o labor. Quando os discípulos estavam para entrar em casa, o Estranho pareceu como se fosse continuar a viagem. Mas os discípulos sentiram-se atraídos para Ele. Desejavam ouvi-Lo mais. “Fica conosco”, disseram. Ele não parecia disposto a aceitar-lhes o convite, mas insistiram, dizendo: “Já é tarde, e já declinou o dia.” Cristo concordou com esse rogo, e “entrou para ficar com eles”. Lucas 24:29.
Houvessem os discípulos deixado de insistir no convite, e não teriam ficado sabendo que seu Companheiro de viagem era o Senhor ressuscitado. Cristo nunca força a Sua companhia junto de ninguém. Interessa-Se pelos que dEle necessitam. Com prazer penetra no mais modesto lar, e anima o mais humilde coração. Mas se os homens são demasiado indiferentes para pensar no Hóspede celestial, ou pedir-Lhe que neles habite, Ele passa. Assim sofrem muitos grande perda. Não conhecem a Cristo mais que os discípulos, enquanto Ele lhes caminhava ao lado.
A simples refeição da noite, composta de pão, é prontamente preparada. É colocada diante do Hóspede, que tomou assento à cabeceira da mesa. Estende então as mãos para abençoar o alimento. Os discípulos recuam assombrados. Seu Companheiro estende as mãos exatamente da mesma maneira como o fazia o Mestre. Olham outra vez, e eis que Lhe vêem nas mãos os sinais dos cravos. Ambos exclamam imediatamente: É o Senhor Jesus! Ressuscitou dos mortos!
Erguem-se para lançar-se-Lhe aos pés em adoração, mas Ele desaparece diante de seus olhos. Contemplando o lugar que fora ocupado por Aquele cujo corpo estivera havia pouco no sepulcro, dizem um para o outro: “Porventura não ardia em nós o nosso coração quando, pelo caminho nos falava, e quando nos abria as Escrituras?” Lucas 24:32.
Mas com essas grandes novas a comunicar, não se podiam sentar e conversar. Desapareceram-lhes a fadiga e a fome. Deixam a refeição intata e, cheios de alegria, põem-se imediatamente a caminho outra vez pela mesma estrada por onde tinham vindo, apressando-se para dar as alvissareiras novas aos discípulos na cidade. Em alguns lugares o caminho não é seguro, mas sobem pelas partes íngremes, escorregando na lisura das rochas. Não vêem, não sabem que estão sendo protegidos por Aquele que com eles viajara pelo mesmo caminho. Tendo na mão o cajado de peregrino, avançam sempre, desejando ir mais depressa do que ousam fazê-lo. Perdem o trilho, mas tornam a encontrá-lo. Correndo aqui, tropeçando acolá, vão sempre para a frente, tendo bem próximo ao lado, por todo o caminho, o invisível Companheiro.
A noite é escura, mas resplandece sobre eles o Sol da Justiça. Salta-lhes de alegria o coração. Parecem estar em um mundo novo. Cristo é um Salvador vivo. Não mais O pranteiam como morto. Cristo ressurgiu — repetem uma e muitas vezes. Esta é a mensagem que vão levar aos outros contristados. Necessitam contar-lhes a maravilhosa história do caminho de Emaús. Precisam dizer-lhes quem Se lhes uniu no caminho. Levam consigo a maior de todas as mensagens anunciadas ao mundo, uma mensagem de boas-novas de que dependem as esperanças da raça humana para o tempo e a eternidade.