A Lei Abolida na Cruz: Análise de Gálatas 3:24, 25 por Djack Douglas Stuart Rodrigo Fritoli e Sidnei Constante

Fonte: Revista Kerygma – Ano 1 – Número 2 – 2º. Semestre de 2005 www.unasp.edu.br/kerygma p.71

Introdução

Em Gálatas 3:24-25 Paulo escreve: “De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio”.

Esse é um dos textos mais utilizados no meio evangélico para sustentar a ideia de que hoje não há mais a necessidade de se guardar a lei, uma vez que Paulo parece dizer que a lei teve seu fim com a vinda de Cristo. Em resposta a essa interpretação, muitos adventistas afirmam que a lei mencionada por Paulo no referido texto é a lei cerimonial, cujo cumprimento se deu com a morte de Cristo na cruz. Dessa forma tentam resguardar os dez mandamentos de qualquer acusação.

Estaria Paulo se referindo à lei dos Dez Mandamentos? Teria essa lei realmente terminado na cruz? Supondo uma resposta afirmativa, então qual seria “a razão de ser da lei?” (Gálatas 3:19).

Para responder as perguntas propostas, esta pesquisa será dividida em três capítulos. O primeiro capítulo, intitulado Contexto Histórico, apresenta o contexto histórico do livro, a fim de garantir a correta interpretação do mesmo. No segundo capítulo, intitulado A Lei na Teologia de Paulo, Gálatas 3:24-25 é contextualizado no plano de toda a epístola. E o terceiro capítulo, intitulado O Fim da Lei em Gálatas 3:24-25, apresenta o real sentido das palavras de Paulo no texto em estudo. Finalmente, a pesquisa terminará com as conclusões obtidas.

Esta pesquisa poderá suscitar algumas perguntas além das que serão aqui respondidas, perguntas que, embora estejam relacionadas com o tema aqui tratado, excedem as intenções dessa pesquisa, e por isso não serão consideradas. A pesquisa se limitará à exegese do texto em questão.

Contexto Histórico

Um dos princípios básicos da hermenêutica é levantar o contexto histórico de um livro a fim de garantir uma correta interpretação do mesmo1. Com a epístola aos Gálatas não é diferente. O seu significado preciso não pode ser compreendido a menos que antes se descubra o fundo histórico envolvido.

A epístola aos Gálatas foi escrita por Paulo possivelmente às igrejas de Ancara, Pessino e Távium, mais ao norte da província da Galácia, quando o apóstolo se encontrava na cidade de Corinto, ao redor dos anos de 57-58 d.C.2  Nessa época, certos segmentos da igreja cristã estavam sendo agitados por discussões em torno da obrigatoriedade de algumas práticas judaicas para os gentios, discussões que duraram aproximadamente até o final do primeiro século3 . Pode se dizer que os principais polos dessas discussões eram o apóstolo Paulo de um lado, e os judaizantes do outro, um grupo de judeus convertidos ao cristianismo que propagava a ideia de que certos ritos judaicos e principalmente a circuncisão deveriam ser obrigatórios para gentios convertidos (Atos 15:1-5)4. Para eles, o evangelho da salvação unicamente pela fé em Jesus Cristo, sem a circuncisão, como pregado por Paulo, era incompleto, um evangelho parcial. Entendiam que a pregação de Paulo buscava simplesmente conquistar o “favor dos homens” (Gálatas 1:10), ou seja, a popularidade entre os novos conversos. Parecia um evangelho de fácil aceitação, sem muito compromisso. Portanto, em oposição a Paulo, os judaizantes defendiam que além da fé, necessitava-se ainda a circuncisão, requisito indispensável para se alcançar justiça perante Deus5. E como a circuncisão era, por assim dizer, a marca distintiva dos judeus como povo do concerto, a exigência para que os gentios se circuncidassem implicava no fato de que, para esses cristãos, nenhum gentio poderia ser salvo sem antes se tornar um judeu, isto é, sem antes se unir ao povo do concerto.

Com essa pregação híbrida de fé e obras, os judaizantes não apenas criaram oposição à pregação de Paulo, mas acabaram movimentando toda a liderança da igreja. O primeiro concílio da igreja, reunido em Jerusalém, visava justamente definir essa questão, conforme Atos 15:1: “Alguns indivíduos que desceram da Judéia ensinavam aos irmãos: se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos”. E houve contenda entre eles e os pregadores Paulo e Barnabé (Atos 15:2). “Então, se reuniram os apóstolos e os presbíteros para examinar a questão” (v. 6). E depois de ter havido “grande debate” (v. 7), chegou-se à conclusão de que os gentios não deveriam ser forçados a praticar tais costumes (vs. 28-29).

Essa decisão do concílio foi então levada às igrejas gentílicas por meio de Paulo, Barnabé e outros dois irmãos, todos revestidos de autoridade da igreja para executarem a tarefa, levando aos irmãos grande alegria e conforto pela mensagem (Atos 15:30-31)6 . Talvez a liderança da igreja esperava assim dar fim à questão e impedir que as igrejas continuassem a ser perturbadas, bem como desfazer os embaraços à pregação do evangelho. Contudo, o impasse não se resolveu assim tão facilmente. Em realidade, até o final de seu ministério evangelístico, Paulo teve de combater os ensinos dos chamados judaizantes, que geralmente entravam em conflito com sua pregação7.

Alguém pode pensar que toda essa discussão girava em torno de um ponto realmente sem importância. Porém, não se pode minimizar a tensão existente entre o evangelho pregado por Paulo e o ensino de seus opositores. Não era uma discussão de caráter ritual apenas, mas de implicações soteriológicas. A circuncisão, ponto nevrálgico do conflito, bem como a prática de outros costumes, era exigida como requisito indispensável à salvação. Segundo o que advogavam os judaizantes, a fé em Jesus Cristo era apenas uma parte do evangelho. A outra, era a obediência à lei de Moisés, e principalmente a circuncisão, que remontava ao tempo do concerto entre Deus e Abraão. Portanto, a salvação só podia ser alcançada por meio de uma combinação de fé e obras, graça e lei, o que se opunha frontalmente à mensagem de Paulo, que pregava a salvação unicamente pela graça, mediante a fé em Jesus. Toda a reação do apóstolo contra os judaizantes era motivada pela sua compreensão de que Deus, para justificar o homem, não exige nada dele, a não ser que aceite, pela fé, o que Jesus efetuou na cruz (Gálatas 2:16). Mas isso parecia não ser entendido pelos opositores.

Do ponto de vista histórico, a pregação judaizante é até compreensível, visto que naquela ocasião o cristianismo passava por uma fase de transição, saindo de um ambiente essencialmente judaico, para um ambiente de predominância gentílica. À medida que o evangelho avançava, o número de gentios convertidos crescia, e para muitos judeus cristãos, não era coisa fácil e natural aceitar a entrada de gentios incircuncisos na igreja sem nenhuma restrição. No judaísmo o contato com os gentios era abominação e causa de contaminação, como visto na experiência de Pedro com Cornélio. A visão de um judeu em relação a um gentio só era diferente quando este se tornava um prosélito, ou seja, um convertido ao judaísmo, e para tanto precisava passar necessariamente pela circuncisão. Para Paulo, porém, essa distinção não mais existia; judeus e gentios deveriam conviver juntos e partilhar da mesma fé (Gálatas 3:27-29).

Mas essa nova realidade, como foi dito, não foi aceita prontamente. A própria liderança mostrou-se bastante resistente. Basta perceber a maneira como se iniciou a pregação do evangelho aos gentios. Em primeiro lugar, Pedro teve de receber uma visão de Deus para que fosse à casa do centurião Cornélio (Atos 10:9-16). Talvez, sem essa visão, Pedro não aceitasse acompanhar os soldados que bateram à sua porta (Atos 10:17-22). E mesmo tendo sido convencido pela visão, tomou ainda o cuidado de levar consigo outros irmãos de Jope, a fim de lhe servirem de testemunhas, prevendo talvez que seu encontro com Cornélio poderia trazer-lhe problemas com os demais líderes da igreja (v. 23). Isso foi o que exatamente aconteceu. Depois que os outros apóstolos, identificados como os da circuncisão (Atos 11:2), souberam da visita de Pedro a Cornélio, o condenaram por ter entrado em casa de homens incircuncisos e comer com eles (Atos 11:3). Contudo, depois de ouvirem sua explicação, acalmaram-se e glorificaram a Deus (Atos 11:18). Se por um lado, a própria liderança da igreja teve dificuldade de entrar em contato com gentios e aceitá-los sem a circuncisão, para alguns outros, isso foi praticamente impossível. Esse era o caso dos judaizantes, que continuavam vendo a circuncisão como necessária8. E foi precisamente essa dificuldade apresentada por eles que trouxe tanto trabalho para o apóstolo Paulo, e é na epístola aos Gálatas onde essa realidade foi mais nitidamente retratada9.

É possível que a epístola aos Gálatas tenha sido uma epístola circular. De acordo com Gálatas 1:2, a carta é dirigida “às igrejas de Galácia”. O plural “igrejas” permite pensar em no mínimo dois, e preferencialmente em três ou mais grupos de cristãos. Deste modo, o escrito representa uma espécie de carta circular que fazia um rodízio nas reuniões cristãs de uma região, sendo lida em público. Essa não foi a única vez que o apóstolo enviou uma carta a mais de uma igreja, como se pode observar em I Tessalonicenses 5:27 e Colossenses 4:1610. Dessa forma, o destino da epístola não era uma igreja específica, mas sim um grupo de igrejas situadas na província romana da Galácia, na Ásia Menor. A epístola devia ser lida em cada uma das igrejas que foram estabelecidas na região por ocasião da segunda viagem missionária de Paulo, com a finalidade de combater falsos ensinos dos judaizantes e proteger a fé dos conversos11.

Essas igrejas eram constituídas em sua maioria por gentios convertidos do paganismo. Haviam prontamente recebido o evangelho, porém, não tardou para que começassem a se desviar dele. Parece que as igrejas da Galácia começaram a manifestar o mesmo perfil que assinalava, de maneira geral, o povo gálata. Este era conhecido como impulsivo, inconstante, instável, que facilmente se deixava influenciar e que mudava de atitude com grande facilidade12. Assim que o apóstolo Paulo partiu da região, as igrejas ali recém-formadas receberam a visita dos judaizantes, e rapidamente se deixaram levar por um “outro evangelho” (Gálatas 1:6). Isso explica a surpresa do apóstolo Paulo ao tomar conhecimento da receptividade dos irmãos gálatas em relação às ideias erradas que haviam ouvido. Ele admirou-se da rapidez com que estavam passando da verdade para o erro (Gálatas 1:6). Eles haviam deixado o paganismo e os rituais idólatras, haviam aceitado a Cristo pelo evangelho pregado por Paulo, haviam entendido que na justificação Deus não pede nada do ser humano, senão a verdadeira fé em Jesus Cristo13 , e que a salvação não é o resultado de nenhuma prática ou esforço humano, mas sim da suficiente graça de Deus em Jesus Cristo (Glálatas2:16). Mas agora, diante do falso evangelho pregado pelos judaizantes, estavam questionando a total suficiência da fé para a salvação. Estavam como que retornando à ideia de que além de crer, deveriam também fazer algo, ou seja, circuncidar-se e praticar outros costumes judaicos (Gálatas 4:8-11). Paulo viu o falso evangelho da fé e obras ocupando lugar entre as igrejas da Galácia, e para protegê-las de tal distorção doutrinária, enviou-lhes a epístola13, na qual combate terminantemente a ideia de que a salvação pode, de alguma forma, ser conquistada através da obediência a qualquer lei. Se Paulo fala na epístola aos Gálatas contra a lei, é nesse sentido: o de obedecê-la com propósitos salvíficos, conforme pretendiam os judaizantes. Assim, aquela aparente contradição bíblica entre as afirmações de Paulo acerca da lei, desaparece, e não teríamos tal compreensão sem esta análise do contexto histórico. Agora podemos partir para a análise exegética do texto.

A Lei na Teologia de Paulo

No capítulo anterior analisamos o contexto histórico ligado à produção da epístola. Vimos que foi escrita em reação ao ensino judaizante que insistia em conferir valor salvífico à prática da circuncisão. Neste segundo capítulo vamos contextualizar Gálatas 3:24-25 no plano de toda a epístola, para responder à questão levantada no início desta pesquisa: “Qual é o papel da Lei?” Ou, nas palavras do próprio apóstolo Paulo, “qual, pois, é a razão de ser da Lei?” (Gálatas 3:19).

Em sua epístola aos Gálatas, Paulo não profere nenhum tipo de elogio a sua audiência, como normalmente o faz nas outras epístolas. Parece que em virtude da urgência e gravidade da situação, o apóstolo resolveu poupar palavras e ir direto ao ponto. Apenas prestou seus cumprimentos às igrejas e partiu imediatamente para o problema central — a apostasia das igrejas da Galácia. “Admira-me”, disse ele, “que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro (heteros) evangelho, o qual não é outro (allos), senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo” (Gálatas 1: 6-7). O texto deixa evidente a admiração do apóstolo pela rapidez com que os gálatas acolheram esse “outro evangelho”15. Mas esse não foi o único motivo de sua admiração. Ele surpreendeu-se também pela natureza desse evangelho que os gálatas estavam aceitando, conforme podemos observar pelo termo utilizado por ele para identificá-lo. Quando Paulo se refere a esse “outro evangelho”, utiliza o adjetivo heteros, que significa “outro de natureza ou qualidade diferente”. Em seguida, ele afirma que esse evangelho não é “outro”, utilizando agora o adjetivo allos, que significa “outro de mesma natureza ou qualidade”. Ou seja, não se tratava de uma simples distorção ou desvio do verdadeiro, mas algo diametralmente oposto à pregação de Paulo, uma completa perversão do verdadeiro evangelho16.

O ponto que tornava esse “outro evangelho” tão contrário ao de Paulo era a maneira como entendia a justificação do homem, a qual não poderia ocorrer divorciada da circuncisão. Mas para Paulo a circuncisão (ou qualquer outro preceito legal), tão enfatizada pelos judaizantes, não tinha valor nenhum como meio de justificação. Em sua pregação aos gentios, sua ênfase era a fé em Cristo Jesus, através da qual, unicamente, o homem poderia ser justificado perante Deus. Ele não conhecia outra forma de justificação, apenas a fé em Jesus Cristo. Por isso, quando escreveu aos gálatas, reafirmou enfaticamente aquilo que certamente já havia pregado a eles: que “o homem não é justificado por obras da Lei e sim mediante a fé em Cristo Jesus”, e, por essa razão, completa ele, “temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da Lei, ninguém será justificado” (Gálatas 2:16)17.

Notamos que a necessidade de justificação para o homem era sustentada tanto por Paulo como pelos judaizantes, mas a compreensão de como era alcançada diferia completamente entre eles. Paulo cria na fé, e os judaizantes na fé e na circuncisão (ou nas obras), e por isso o evangelho de cada um era diametralmente oposto ao outro. Quando o assunto é justificação (ou meio de salvação), a fé e as obras são incompatíveis, uma anula a outra. Ou se confia na fé ou se confia nas obras. Se o homem é justificado pela fé em Cristo, mediante a Sua graça (Romanos 3:24), não há lugar para as obras como meio de justificação, caso contrário a salvação não seria um dom gratuito, mas uma recompensa pelos méritos humanos. Por outro lado, se as obras são colocadas como meio de justificação, anula-se a graça de Cristo. O que Ele efetuou na cruz perde seu valor, ficando a salvação dependente do próprio homem (Gálatas 2:21). Por isso Paulo escreveu: “De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na Lei; da graça decaíste” (Gálatas 5:4)18.

Entre esses dois evangelhos, o pregado por Paulo e o pregado pelos judaizantes, o do Espírito e o da carne, o da fé e o das obras, estavam os cristãos da galácia. Eles haviam recebido primeiramente a verdade anunciada por Paulo, sendo depois confrontados com a noção de que a prática de obras da Lei (em particular a circuncisão) também determinam a salvação, e para trazê-los novamente à verdade, Paulo escreve a eles reafirmando o princípio supremo da fé cristã — a fé em Cristo Jesus. No meio desse conflito e diante das alegações de Paulo seria natural que os gálatas, dominados pelo pensamento judaizante, se perguntassem da razão da lei19. Se o homem obtém a justificação somente pela fé, de acordo com a pregação de Paulo, então por que a lei? Se ela não tem a capacidade de salvar, como insistem os judaizantes, para que serve então? Paulo provavelmente sabia que tal pergunta surgiria entre os gálatas, o que fez com que se adiantasse à situação. Depois de salientar a fé em Cristo e rejeitar as obras como forma de justificação, levanta a pergunta central da epístola, depois da qual passa a sistematizar sua teologia da lei: “Qual, pois, a razão da lei?” (Gálatas 3: 19).

Sua resposta a essa pergunta é dada no mesmo versículo, sendo dividida em três afirmações:

(1) A Lei foi “adicionada”;

(2) “Por causa das transgressões”; e

(3) “Até que viesse o descendente a quem se fez a promessa”.

Antes de considerarmos cada uma das afirmações acima, devemos primeiro analisar e entender o significado da lei para Paulo em sua epístola aos Gálatas. Será que ele estava pensando somente nos dez mandamentos? Ou então apenas na lei cerimonial? Ou ainda em alguma outra porção da lei de Moisés?

Frequentemente, alguns adventistas do sétimo dia tendem a explicar alguns textos polêmicos de Paulo através da tradicional distinção feita entre lei moral e lei cerimonial20. Quando o apóstolo fala sobre a lei, e parece reduzir a importância de se obedecer aos dez mandamentos, então afirmam que ele está se referindo apenas à lei cerimonial, para dessa forma proteger a lei moral. Essa distinção entre lei moral e lei cerimonial é, de fato, bíblica, porém, nem sempre é suficiente para resolver a problemática de alguns textos de Paulo, principalmente porque na maioria dos casos o próprio apóstolo não tinha em mente essa distinção. Embora algumas vezes ele tenha enfatizado determinados aspectos da lei de Moisés, como em Romanos 2:17-24 (lei moral) e Gálatas 5:2 (lei cerimonial), geralmente usava o termo lei como sinônimo de toda legislação mosaica, incluindo os mandamentos morais, cerimoniais, civis, etc21.

Esse conceito abrangente de lei está presente em muitas das epístolas de Paulo, inclusive em Gálatas. Comentando o assunto, o Comentário Bíblico Adventista em Espanhol afirma que “lei na epístola aos Gálatas equivale a toda revelação recebida no Sinai, as regras de Deus para seus filhos: lei moral, estatutos civis e ritos cerimoniais”22, ou ainda, que lei significa “todo o sistema legal composto por estatutos morais, cerimoniais e civis”23. Durante o nosso estudo de Gálatas, portanto, devemos ter em mente o mesmo conceito de lei que tinha o seu escritor; não um conceito compartimentalizado, mas totalmente abrangente, que abarca todo o conjunto de leis revelado no Sinai.

Mas de todo o conjunto de leis revelado no Sinai, que compõe o sentido de lei em Gálatas 3:24-25, a porção mais esquecida entre os adventistas do sétimo dia são os dez mandamentos. Muitos aceitam facilmente a ideia de que no texto acima Paulo se refere a lei cerimonial. Aliás, esse é o pensamento mais comum entre eles. Incomum é entenderem que a lei moral também está incluída. Por isso, afirmamos que a lei moral tem sido o elemento esquecido em Gálatas 3:24-25. Por essa razão esta pesquisa dará ênfase maior sobre os dez mandamentos quando se referir à lei mencionada nesse texto, não ignorando com isso o conceito Paulino de lei apresentado acima. Além disso, em Gálatas 3:19 Paulo fala da lei em sua função condenatória, e a lei que revela o pecado e condena o pecador é a lei moral,

A Lei Foi Adicionada

Se a lei, na concepção de Paulo, compreende toda a revelação de Deus feita a Moisés no monte Sinai, então fica claro que o evento do Sinai foi o momento histórico no qual a lei foi entregue a Israel e passou a fazer parte integral de sua história. Cerca de três meses após a saída do povo de Israel da terra do Egito, eles vieram ao deserto do Sinai e acamparam defronte do monte (Êxodo 19:1-2). O Senhor desceu sobre o monte (Êxodo 19: 3-7) e de lá comunicou a todo o povo a Sua vontade na forma de leis. Foi uma ocasião marcada por grande solenidade e extraordinária demonstração do poder de Deus (Êxodo 19: 16-20). Paulo localiza esse impressionante acontecimento quatrocentos e trinta anos após a promessa feita a Abraão (Gálatas 3:17), mas independente de qualquer precisão cronológica, o essencial é saber que foi no monte Sinai que a lei foi “adicionada” à história de Israel, e, indiretamente, à história de toda a humanidade24.

A afirmação de que a lei foi “adicionada” pode sugerir um tempo em que a lei não existia. Se foi no Sinai que a lei foi “adicionada”, então pode-se supor que antes do Sinai não havia lei. Essa dedução, embora pareça lógica, não é, contudo, verdadeira. Deus é eterno, e Sua lei, como perfeita expressão de Seu caráter santo e imutável, também é eterna. Em seus princípios básicos ele sempre existiu, sendo a constante norma do governo divino desde a eternidade, e ao longo de cada época foi apresentada aos seres criados de uma forma que pudesse ser compreendida. Isso pode ser observado na vida de Abraão. Quando atingiu a idade de noventa e nove anos o Senhor lhe apareceu e pediu ao patriarca que andasse em Sua presença e fosse perfeito (Gênesis 17:1). Ninguém pode viver em perfeição sem que haja um padrão de conduta. Logo, o que foi requerido de Abraão implica na preexistência de princípios morais25. Mais esclarecedor ainda é o texto de Gênesis 26:5, onde lemos: “por que Abraão obedeceu à minha palavra e guardou os meus mandamentos, e os meus preceitos, e os meus estatutos e as minhas leis”. Abraão viveu cerca de quatrocentos anos antes do Sinai, no entanto, mesmo sem a noção de um decálogo, compreendeu qual era a vontade de Deus e viveu de acordo com o conhecimento que teve, em obediência aos princípios morais revelados.

No caso de Israel, porém, Deus precisou comunicar Sua lei através de um formato diferente do que fora revelado a Abraão, próprio a sua realidade, para que pudesse compreender qual era a Sua vontade. Esse formato consistiu dos dez mandamentos escritos em tábuas de pedra. Para Israel, a lei nesse formato parecia algo totalmente novo, embora trouxesse em si todos os princípios eternos do governo de Deus. (Hebreus 12:18-21; cf. II Coríntios 3:7)26.

Por causa das Transgressões

O pecado tem a propriedade de afastar o homem de Deus. O profeta Isaías declara: “Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça” (Isaías 59: 2). Devido a esse afastamento causado pelo pecado, a capacidade do homem de compreender a vontade de Deus diminui, e quanto maior essa distância, menor é a sua capacidade de compreensão. Assim tem acontecido com a raça humana desde a entrada do pecado.

No ambiente perfeito criado por Deus, a Sua vontade era inteiramente compreensível. Mas depois que entrou o pecado, esta não podia mais ser entendida. O homem passou a uma condição de ignorância quanto à vontade de Deus, e continuaria nessa condição a menos que tal vontade lhe fosse apresentada de maneira apropriada à sua nova condição. Então, para que o homem fosse alcançado, os princípios eternos da lei de Deus, sem sofrerem a mínima mudança, foram dispostos e expressos de modo a adaptar-se ao homem em seu estado decaído.

A situação de pecado exigiu uma revelação diferenciada à humanidade. Ellen G. White afirma que o próprio Cristo comunicou a Adão e Eva o “conhecimento da lei de Deus e do plano da salvação”27. Esse conhecimento da lei de Deus transmitido aos primeiros pais, adaptado a condição pós-queda, foi então transmitido verbalmente de pai para filho, sendo assim preservado através das gerações seguintes. Desde que essas gerações vivessem em obediência aos princípios revelados, seriam mantidas afastadas do pecado e em harmonia com as normas do governo divino. Contudo, devido à desobediência dos descendentes de Adão, a lei teve de passar por nova adaptação, efetuada primeiramente através de instituição da circuncisão. Ellen G. White possui uma esclarecedora citação:

‘Se o homem houvesse guardado a Lei de Deus, conforme fora dada a Adão depois de sua queda, preservada por Noé e observada por Abraão, não teria havido necessidade de se ordenar a circuncisão. E, se os descendentes de Abraão houvessem guardado o concerto, do qual a circuncisão era um sinal, nunca teriam sido induzidos a idolatria; tão pouco lhes teria sido necessário sofrer vida de cativeiro no Egito; teriam conservado na mente a lei de Deus, e não teria havido necessidade de que ela fosse proclamada no Sinai, nem gravada em tábuas de pedra28.’

A desobediência ou as transgressões dos descendentes de Adão criou a necessidade da circuncisão, e o mesmo comportamento em relação à lei de Deus por parte dos descendentes de Abraão exigiu o evento do Sinai, ou seja, a entrega da lei em forma escrita como foi dada no Sinai. Do modo mais natural, podemos entender que no Sinai a lei teve uma reformatação específica, para adequá-la àquela situação particular, sendo que o fator que determinou essa reformatação foram as transgressões das gerações que precederam o Sinai. Mas além das transgressões dessas gerações, a condição de Israel no cativeiro egípcio também acabou tornando necessária a transmissão da lei num formato escrito.

E qual era a situação de Israel no cativeiro egípcio? No Egito imperava o mais crasso paganismo, que envolvia uma variedade de rituais de orgias e de libertinagem, os quais exerceram pesada influência sobre Israel, como é visto no episódio da adoração ao bezerro de ouro (Êxodo 32:1-4). Com a mente cegada pela escravidão ao paganismo, Israel estava despreparado para receber e avaliar perfeitamente os princípios de grande alcance da lei de Deus. Além disso, a escravidão bárbara reduzira os israelitas a uma condição sub humana de trabalho e de vida, limitando inclusive a expectativa de vida deles para cerca de 40 anos29. Ou seja, a situação do povo era resultado tanto do ambiente moral decaído no qual estava inserido quanto do tratamento físico perverso a que era submetido. Por tudo isso, o povo de Israel acabou absorvendo muito das práticas idólatras do Egito, e por quase toda a sua história teve dificuldades para se desvencilhar totalmente dessa condição de idolatria e profunda depravação.

Foi por essa razão que Deus teve que apresentar a Sua Lei numa nova formulação, para que o povo de Israel fosse libertado dessas atitudes de depravações. Então surge uma outra pergunta. Como Deus alcançaria o Seu povo naquele estado? Por ter Israel quase perdido por completo toda a sua sensibilidade moral, Deus usa uma linguagem a qual podia ser entendida por eles. Usou uma série de recursos: tábuas de pedras, como símbolo de severidade, condenação e morte (II Coríntios 3:7); declarações negativas (Êxodo 20:1-17); trovões, relâmpagos, o monte Sinai fumegava e tremia e o brilho no rosto de Moisés (Êxodo 20:18-19), com o fim de desenvolver o conceito de Sua santidade e a pecaminosidade do ser humano. A teofania de Deus no Sinai foi insuportável ao povo, o qual pedia que Moisés lhes falasse em lugar do próprio Deus (Hebreus 12:18-21).

O resultado final foi a lei de Deus no formato que poderia ser entendido por Israel: dez preceitos gravados em pedra, por meio dos quais o povo poderia ser conduzido a Deus. O formato era novo, porém, as verdades anunciadas eram eternas. Os princípios da lei de Deus se mantiveram por detrás de cada mandamento; neste aspecto a lei é considerada eterna, porque reflete o caráter de Deus. Os recursos extras utilizados por Deus visavam alcançar o povo na condição em que estavam e levá-los a uma situação em que não mais pecassem (Êxodo 20:18). A Lei foi dada para revelar-lhes o pecado, condená-los e mostrar-lhes que necessitam de ajuda (Cristo).

Até que viesse o Descendente

Paulo foi claro o suficiente para não permitir outra conclusão. A lei que foi adicionada no Sinai por causa das transgressões não se destinava a durar eternamente, pelo contrário, tinha um prazo de validade limitado: “…até que viesse o descendente a quem se fez a promessa” (ou “ao descendente a respeito de quem se fez a promessa”), o qual, segundo Gálatas 3:16, é Cristo: “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente que é Cristo”30.

É fácil perceber que os versos acima têm como pano de fundo o concerto de Deus com Abraão. Esse concerto foi estruturado em torno de duas promessas: de uma terra e de uma semente (ou de um descendente), e o cumprimento de ambas possuía duas dimensões, uma temporal e parcial e outra final e completa. Deus prometeu dar ao patriarca a terra de Canaã, “desde o rio do Egito até o grande rio Eufrates” (Gênesis 15:18).

Embora ele não tenha vivido para ocupar a terra, a sua descendência chegou a possuí-la por algum tempo. No entanto, apenas quando a terra for restabelecida à sua perfeição edênica e dada a ele como possessão eterna é que a promessa alcançará sua plenitude. Da mesma forma, o nascimento de Isaque foi para Abraão um cumprimento apenas parcial da promessa, cuja plenitude seria alcançada somente com a vinda de seu descendente messiânico, ou seja, com a vinda de Cristo, o descendente esperado desde os dias de Adão (cf. Gênesis 3:15), através do qual a salvação seria providenciada para toda a humanidade. Logo, ao identificar a Cristo como o descendente de Abraão, Paulo, explorando o sentido mais profundo da promessa, apresenta-O como a própria salvação a tanto tempo prometida31.

Segundo Gálatas 3:19, vindo essa salvação findaria, então, o período de validade da lei outorgada no Sinai. E quando veio essa salvação? O idoso Simeão, tomando nos braços o menino Jesus com cerca de quarenta dias de vida, louvou a Deus dizendo: “Agora Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra; porque os meus olhos já viram a tua salvação” (Lucas 2:29-30). O próprio nome Jesus significa “Jeová é salvação”. De fato, Jesus foi a salvação de Deus presente entre os homens. Durante todo o Seu ministério ofereceu às pessoas perdão dos pecados, libertação e vida eterna.

Contudo, houve um momento em que a salvação que por todo tempo esteve disponível nEle, foi realmente efetivada. Esse momento foi a cruz. Ali Cristo cumpriu de fato Sua missão. Ele mesmo declarou antes de morrer: “Está consumado” (João 19:30). E quando vemos outras passagens de Paulo, percebemos que ele também tinha a cruz como esse referencial, principalmente em relação ao fim da lei. Ele mostra que se a lei de alguma forma terminou, esse fim se deu na cruz: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se Ele próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro” (Gálatas 3:13). “Tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz” (Colossenses 2:14). Nos dois versos a cruz aparece como o ponto final do período da lei. Na cruz Cristo nos resgatou…Na cruz Ele cancelou… Assim, podemos entender a “vinda do descendente” como a “morte do descendente”, uma vez que foi na cruz que a vinda de Cristo alcançou o seu propósito final — salvar a humanidade. Portanto, a cruz é o evento que assinala o término do período de vigência da lei que teve início quando foi outorgado no Sinai, período este que coincide com o período do chamado velho concerto.

O Fim da Lei em Gálatas 3:24-25

Mas de que forma a cruz pôs fim à lei? O que realmente terminou quando Cristo foi crucificado? Certamente Paulo não poderia estar se referindo ao aspecto eterno da lei de Deus. Já mencionamos acima que a lei de Deus, como expressão do Seu caráter, é eterna, nunca mudou e nunca sofrerá mudança alguma. Seria um contrassenso Paulo apontar o fim de algo que é eterno por natureza. A lei, nesses termos, não pode ter acabado na cruz, caso contrário o ensinamento paulino estaria em conflito com o restante do ensinamento bíblico acerca da lei de Deus32.

Entendemos melhor o que terminou na cruz quando relembramos o que foi dado no Sinai. A lei de Deus não foi criada no Sinai, ela já existia antes disso. No Sinai ela foi apenas apresentada num formato especial a fim de que pudesse ser compreendida e obedecida por Israel. Nesse formato a lei possuía uma função bastante específica — a de revelar o pecado e consequentemente condenar o pecador. Ellen G. White acrescenta:

‘A lei de Deus, pronunciada do Sinai com terrível solenidade, é para o pecador o pronunciamento de sua condenação. É da alçada da lei condenar, mas não existe nenhum poder para perdoar ou redimir. É ordenada para a vida; os que andam em harmonia com os seus preceitos receberão a recompensa da obediência. Ele traz, porém, escravidão e morte aos que permanecem sob sua condenação33.’

Essa ação condenatória da lei atuava sobre todos. A lei atuava como uma prisão, encerrando toda a humanidade em seus pecados. Paulo declara: “Mas a Escritura encerrou tudo sob o pecado.” (Gálatas 3:22). Essa condição durou até a cruz. Até esse momento as pessoas estavam, como diz o apóstolo, “sob a tutela da lei” (Gálatas 3:23).

É importante notar que para Paulo a expressão “sob a tutela da lei” pode assumir dois significados distintos. O primeiro tem que ver com tempo cronológico. Significa alguém ter vivido dentro do período de vigência da lei, ou seja, no período do Sinai até a cruz. Nesse tempo, o perdão era concedido com base num evento ainda futuro, que não havia ocorrido. Deus perdoava na certeza da morte de Seu Filho, que estava ainda por acontecer. Assim, embora o perdão fosse concedido nesse período, legalmente todos estavam sob condenação, pois o pagamento ainda não havia sido efetuado. Cristo nasceu nesse período. Gálatas 4:4-5 informa que Ele nascera “sob a lei”, mas no Seu caso o sentido é apenas cronológico, visto que Ele nunca sofreu condenação alguma34.

O segundo diz respeito a um modo de vida. Mesmo não estando sob a lei do ponto de vista cronológico, alguém pode, mesmo assim, viver sob a lei e continuar sob sua condenação. Isso ocorre pela rejeição de Jesus Cristo como único salvador. Morrendo na cruz, Cristo trouxe perdão e absolvição dos pecados. Contudo, apenas recebem os benefícios de Sua morte aqueles que O aceitam como salvador (João 3:16-18). Os que O rejeitam permanecem na condição de condenados pela lei, sem perdão, sem absolvição e sem salvação. Vale notar que tanto no primeiro quanto no segundo caso a ideia de condenação está presente35.

Gálatas 3:23, além de afirmar que antes da cruz as pessoas estavam “sob a tutela da lei”, apresenta ainda o porquê das pessoas, nesse período, estarem nessa condição: “… para essa fé que, de futuro, haveria de revelar-se”. Nesse sentido Charles R. Erdman afirma que a lei tinha um caráter preparatório36. Aqui temos, em outras palavras, o propósito da outorga da lei — gerar fé no Messias, isto é, em Cristo. E como isso acontecia? Sendo condenado pela lei, o pecador percebia que não existia solução para o seu caso em si mesmo. Necessitava de um salvador que o livrasse da condenação, e este era encontrado em Cristo. A lei nunca foi dada como agente de salvação, mas funcionava como um instrumento que conduzia à mesma, levando o pecador a Cristo.

Paulo desenvolve essa ideia em Gálatas 3:24 através da figura do “aio”: “De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé”. O termo “aio” é traduzido do grego paidagogos, que originalmente era aplicado a escravos de confiança, encarregados de supervisionar a vida e a moral das crianças de famílias mais abastadas37. A tônica da função que exerciam era disciplina. Disciplinando as crianças, eles as conduziam a um bom caminho. Semelhantemente, a lei, como um paidagogos, através da disciplina, ou da condenação conduzia o pecador ao bom caminho que é Cristo. Fica claro, assim, que a lei cumpriu um propósito condenatório, serviu de “aio”, de disciplinador38.

Mas a função de “aio” não deveria durar todo tempo, conforme já dissemos acima: “Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio” (Gálatas 3:25). Novamente Paulo levanta a noção de que a lei tinha um prazo limitado de vigência. Com a morte de Cristo, sua função condenatória não era mais necessária. Nele, o pecador tem completa oferta de perdão. Ele é “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1:29). Portanto, o que terminou na cruz não foi o princípio eterno da lei de Deus, mas sim a sua função condenatória, cujo objetivo era conduzir os pecadores a Cristo.

É praticamente natural que se levante uma pergunta: A lei em seu formato atual tem algum valor para alguém espiritual? Relembrando o que já dissemos, no Sinai os princípios eternos da lei de Deus foram colocados dentro de um formato específico de acordo com as necessidades de Israel. Nesse formato ela tinha uma função também específica que se destinava a durar até a cruz. Mas ocorre que esse formato é o mesmo que temos ainda hoje; não conhecemos a lei de outra forma. A diferença é que hoje, para o cristão, a lei não condena mais como antes da cruz. Cristo já pagou o preço pelos pecados, libertando a humanidade da condenação da lei. Apenas permanecem em condenação aqueles que rejeitam a Cristo como salvador. Para os que O aceitam, a lei passa a ser internalizada no coração pelo Espírito Santo, e a vida passa a ser governada pelos princípios eternos da lei de Deus que estão por detrás de cada mandamento — lealdade, adoração, reverência, santidade, respeito, amor, pureza, honestidade, veracidade e contentamento. Portanto, embora hoje tenhamos a lei no mesmo formato que antes da cruz, hoje ela assume uma dimensão superior na vida do crente, gravada no coração.

Conclusão

Observamos no primeiro capítulo que a epístola aos gálatas foi escrita por Paulo, para um grupo de igrejas da Galácia, possivelmente às que estavam mais ao norte da província, como reação ao ensino propagado pelo grupo judaizante de que a circuncisão deveria também ser requerida dos gentios convertidos à fé cristã como requisito indispensável à salvação. Tal ensino se opunha frontalmente à pregação de Paulo de que a fé em Jesus era suficiente para a salvação. O conflito girava em torno de questões soteriológicas, e para proteger os cristãos da Galácia o apóstolo escreveu a epístola enfatizando que a salvação não pode ser conquistada através da obediência a qualquer lei.

No segundo capítulo, observamos que o conceito Paulino de lei é abrangente e não compartimentalizado, diz respeito a toda revelação dada no Sinai, e não a alguma porção específica da lei de Moisés. Vimos que a teologia de Paulo acerca da lei é apresentada em resposta a pergunta central da epístola: “Qual, pois a razão de ser da lei?”, estando resumida nas seguintes declarações: “a Lei foi adicionada”; “por causa das transgressões”; e “até que viesse o descendente”. Considerando cada uma delas, notamos que a lei eterna de Deus foi adicionada no Sinai no sentido de que ali ela assumiu um formato e uma função específica, apropriada à condição de Israel naquela ocasião. Sua função era de condenação, a fim de despertar a mente do pecador para a necessidade de um Salvador, e dentro dessa função e nos moldes como fora dada no Sinai a lei se destinava a durar até a cruz.

No terceiro capítulo os conceitos apresentados nos capítulos precedentes foram aplicados ao texto em estudo levando-nos à conclusão de que a lei mencionada nesse texto inclui a lei moral, ou seja, os Dez Mandamentos, que em sua função condenatória tal como foi dada no Sinai, serviu para conduzir as pessoas a Cristo, da mesma forma que um mestre disciplinador tinha a função de levar a criança a sua maturidade. Os Dez Mandamentos não terminaram na cruz, como pretende a maioria evangélica, pelo contrário, permanecem ainda hoje, visto que trazem os princípios eternos da Lei de Deus. No entanto, seu papel condenatório terminou na cruz, quando foi pago legalmente o preço que os pecados da humanidade requeriam. Tendo Cristo morrido, não havia mais razão para condenação. É nesse sentido que Paulo escreve: “Mas, tendo vindo a fé já não permanecemos subordinados ao aio”.

Você pode ver o estudo completo de Gálatas aqui

Referências:
1- Henry A. Virkler, Hermenêutica Avançada, trad. Luiz Aparecido Caruso, (São Paulo: Editora Vida, 2001), 18-19.

2 Francis. D. Nichol, Comentário bíblico Adventista Del Séptimo Dia (Boise, ID: Pacific Press publishing Association, 1987), 6:929-932. A data de composição e o destinatário da Epístola aos Gálatas são pontos de discussão entre os teólogos. Esta pesquisa, porém, não se deterá nessa questão; apenas assume a posição tradicional de que a epístola foi direcionada às igrejas do norte da Galácia e que foi escrita por Paulo durante a terceira viagem missionária.

3 Peter Stuhlmacher, Lei e Graça em Paulo: uma reafirmação da doutrina da justificação, trad. Lucy Yamakami (São Paulo: Vida Nova, 2002), 25-27.

4 Mesmo sabendo que o termo judaizante pode assumir uma conotação negativa, esta pesquisa optou em usar o termo apenas para identificar esse grupo de judeus, sem qualquer intenção pejorativa.

5 Clifton Allen F., Comentário bíblico Broadman: Novo testamento, 2ª ed., trad. Adiel Almeida de Oliveira. (Rio de Janeiro, JUERP, 1988), 11:105.

6 Giuseppe Barbaglio, As Cartas de Paulo, II, (São Paulo: Loiola, 1991), 19-20.

7 Charles R. Erdman, Comentário à Epistola de São Paulo aos Gálatas (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, s/d), 45-49.

8 Stuhlmacher, 30.

9 Francis D. Nichol, Introdução às Epístolas (São Paulo: SALT, 1984), 27.

10 Adolf Pohl, Carta aos Gálatas (Curitiba, PR: Editora Evangélica Esperança, 1999), 16.

11 Nichol, Comentário bíblico Adventista Del Séptimo Dia, 6:929-932.

12 Barbaglio, 22-25.

13 Stuhlmacher, 33.

14 Taylor, 32-35.

15 Matthew Henry, Comentário Exegético-Devocional a Toda La Bíblia de II Coríntios à Hebreus, trad. Francisco Lacueva (Barcelona: CLIE, 1989), 76-77.

16 Notas de Classe, Wilson Paroschi, Novo Testamento II, 1º semestre de 2004, SALT.

17 Nichol, Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia, 6:1109

18 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, 6ª ed., trad. Isolina A. Waldvogel (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1998), 367.

19 Nichol, Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia, 6:957.

20 Ibid, “A Cristo”, 6:959

21 Lothar Coenen e Colin Brown, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 2 vols., 2ª ed., trad. Gordon Chown (São Paulo, Vida Nova: 2000), 1157- 1165.

22 Nichol, Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia, 6: 931.

23 Ibid, 959.

24 Norman Geisler e Thomas Howe, Manuel Popular de Dúvidas, enigmas e “contradições” da Biblia, trad. Milton Azevedo Andrade (São Paulo, Mundo Cristão: 1999), 479-480.

25 Derek Kidner, Gênesis introdução e comentário (São Paulo, Edições Vida Nova, 1991), 119.

26 White, 386.

27 Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, 3 vols. 2ª ed. trad., Isolina Waldvogel (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1985), 1:230.

28 White, Patriarcas e Profetas, 364.

29 Notas de Classe, Wilson Paroschi, Novo Testamento II, 1º semestre de 2004, SALT

30 Pohl, 120-121

31 John R. W. Stott, A Mensagem de Gálatas: Somente um Caminho, (São Paulo: ABU, 2003), 81-82.

32 A. R. Buckland, Dicionário Bíblico Universal, 2ª ed., trad. Joaquim dos Santos Figueiredo, (Rio de Janeiro: Livros Evangélicos, 1957), 485.

33 White, Mensagens Escolhidas, 1:236-237.

34 Donald Guthrie, Gálatas: Introdução e Comentário, Série Cultura Bíblica. (São Paulo: Mundo Cristão, 1988), 136-137.

35 Notas de Classe, Wilson Paroschi, Novo Testamento II, 1º semestre de 2004, SALT.

36 Erdmam, 79.

37 Frank E. Gaebelein. The Expositor’s Bible Commentary, (Zondervan: Publishing House, 2000), 10:467.

38 Allen, 11:130-131.

Bibliografia

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