“Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá.” (Êxodo 20:12)
por Loron Wade
ELENI GATZOYIANNIS vivia na Grécia numa época em que a guerra civil ameaçava dividir o país (1946-1949). Quando os comunistas tomaram sua casa para torná-la seu quartel-general, ela não ofereceu resistência. Quando a obrigaram a trabalhar em projetos para a comunidade e recrutaram sua filha mais velha para o exército, ela não se recusou. Esperava que tudo aquilo fosse temporário e que um dia a vida voltaria ao normal.
Mas então eles anunciaram que levariam seus meninos, de 6 e 8 anos de idade, para outro país, onde seriam treinados dentro dos princípios do Partido Comunista. No íntimo do seu ser, ela sabia que aquilo não deveria acontecer e começou a planejar sua fuga. Ela concluiu que, se tentasse levá-los através das linhas rebeldes, nunca chegariam lá, mas raciocinou corretamente que duas crianças andando juntas pela estrada não atrairiam muita atenção. Às primeiras luzes do amanhecer, ela foi com eles tão longe quanto sua ousadia permitiu. Então, com um último abraço apertado, em meio a lágrimas, deu o último beijo e apressou-os pelo caminho. A última coisa que os meninos viram ao se virarem para trás foi a mãe acenando para eles à distância.
Quando os camaradas chegaram em busca dos meninos, ela tentou despistá-los, mas a verdade logo apareceu. Os líderes rebeldes a aprisionaram no porão de sua própria casa e a torturaram. Depois a levaram ao pomar e a colocaram diante de um pelotão de fuzilamento. Aqueles que testemunharam a cena disseram que, momentos antes da execução, ela ergueu os braços e clamou: “Meus filhos! Meus filhos!”
Dá para entender por que a história dessa corajosa mãe comove o coração de milhões. Toca uma corda em cada coração, porque o relacionamento entre pais e filhos é universal. Eleni fez o que toda mãe sente que faria se as circunstâncias o exigissem. A maioria dos pais morreria por seus filhos, não com dúvida nem hesitação, mas com alegria.
O quinto mandamento fala dessa poderosa relação. E, por uma boa razão, dirige-se aos filhos. Acontece que nem todos se casam, e muitos nunca chegam a ser pais, mas cada um é filho ou filha. Nossa relação com os pais, ou mesmo a falta dela, afeta a cada um de nós para o bem ou para o mal até o último dia da nossa vida. E é disso exatamente que trata o quinto mandamento. Ele focaliza uma atitude e uma relação.
Não podemos alterar a realidade em que nascemos. Nenhum de nós recebeu a oportunidade de escolher os pais. Tampouco podemos mudá-los para que se harmonizem com nossas idéias. Um escritor bíblico lembrou que nossos pais “nos corrigiram por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia” (Hebreus 12:10). Eles podem ter realizado seu trabalho com grande habilidade ou com muitos erros; ou, no caso da maioria, com uma mistura dos dois. O que fizeram ou deixaram de fazer exerceu inevitavelmente um impacto sobre nós; mas nunca se pode exagerar ao dizer que somos mais afetados por nossa atitude para com os esforços deles do que pelo método específico que usaram.
E isso é precisamente o que o quinto mandamento aborda. Ele coloca no lugar certo o peso do sucesso no relacionamento entre pais e filhos. O mandamento focaliza um aspecto da relação que mais nos influencia, e é aquele no qual temos uma escolha. Embora não possamos escolher nossos pais nem mudá-los, a atitude para com eles depende definitivamente de nós.
Durante muitos anos, participei da comissão de disciplina de uma universidade cristã. Certo dia, um estudante, cuja linguagem corporal falava por si, sentou-se diante da nossa mesa. A comissão estava menos interessada em descobrir os pormenores específicos do que ele havia feito do que em sua atitude com relação a continuar na universidade. Porém, a resposta parecia óbvia. Ele fixou os olhos cheios de ódio em nós, com os braços cruzados sobre o peito. A entrevista que ocorreu não foi surpreendente. Tudo o que dizíamos causava uma raivosa explosão ou uma réplica. Não demorou para que os membros da comissão começassem a balançar a cabeça e a olhar um para o outro.
Após alguns minutos, sem chegar obviamente a lugar nenhum, eu disse:
– Paulo, quero entender o que você está tentando nos dizer. Até a mais simples pergunta que lhe fazemos recebe uma resposta irada. Qual é o problema? O que está tentando dizer?
Ele não respondeu, mas fixou os olhos diretamente em mim. Percebi que ele apertava e soltava o maxilar. Depois de outra pausa, continuei:
– Eu me pergunto se você se vê numa relação de inimizade com a comissão, como se estivéssemos em lados opostos, em guerra. É assim que você se sente?
Com isso, seu olhar desafiador pareceu abrandar-se um pouco, mas ele continuava silencioso até que falei:
– Paulo, como é a situação entre você e seu pai? Você age assim com ele também? É isso que você está trazendo para cá hoje?
Então, pela primeira vez, ele olhou para baixo e a expressão no seu rosto ficou quase suplicante. Por fim, ele disse em voz baixa:
– Sim, é isso o que acontece.
Estaria Paulo decidido a magoar e embaraçar seu pai? Acho que devia estar. E certamente ele tinha o poder de fazê-lo. Nesta vida, somos julgados mais pelos resultados que alcançamos do que por aquilo que fizemos ou não para alcançá-los. Em nenhum outro aspecto isso é mais verdadeiro do que na paternidade. E também é verdade que ninguém pode magoar-nos tanto quanto alguém que nós amamos.
Mas não foi necessário muito esforço para concluir que a pessoa mais afetada pela atitude de Paulo era o próprio jovem. Seu presente e seu futuro estavam em jogo por causa de sua raiva não resolvida. Nossos esforços naquele dia e o aconselhamento subsequente foram malsucedidos. Pouco depois da entrevista, ele ultrapassou o limite do qual estivera tão perto naquela ocasião.
Como o caso de Paulo ilustra tão claramente, a maneira como nos sentimos acerca de nossos pais – nossa atitude para com eles e a profunda reação evocada em nós quando pensamos neles – moldará profundamente a forma de nos relacionarmos com todas as autoridades e, em menor grau, com todos os outros seres humanos. E tudo indica que afetará nossa relação com Deus também.
O princípio exposto no quinto mandamento é um sólido alicerce para o bom êxito na escola, no trabalho e até no casamento. Com efeito, na primeira vez em que a Bíblia menciona o casamento, ela o descreve como um homem que deixa seu pai e sua mãe e se une à sua esposa (Gênesis 2:24). Assim, a Bíblia vê o casamento como uma transferência e, em certo sentido, a continuidade de uma relação que começou com nossos pais. Pessoas com problemas não resolvidos com seus pais entram para o casamento em grande desvantagem e correm elevado risco de ter dificuldades em outras áreas da vida também. Por isso, o mandamento diz que, se honrarmos nossos pais, nossa vida será prolongada na terra que o Senhor nosso Deus nos dá (ver êxodo 20:12). Isso quer dizer que uma relação saudável com nossos pais é a base de bons relacionamentos, paz mental e sucesso ao longo da trajetória da vida.
A honra é uma atitude do coração
Os Dez Mandamentos parecem dividir-se em dois grupos. Os quatro primeiros focalizam nossa relação com Deus, e os seis restantes nos ensinam a interagir com outros seres humanos. O primeiro mandamento diz que devemos adorar nosso Pai celestial. O que estamos analisando agora, o primeiro no grupo das relações humanas, requer que honremos nossos pais.
A honra, assim como a adoração, é uma atitude do coração. Não se refere a um ato ou comportamento específico para com nossos pais, mas à maneira como escolhemos relacionar-nos com eles.
O apóstolo Paulo diz que o quinto mandamento requer dos filhos a obediência a seus pais (Efésios 6:1). Quando algumas pessoas, incluindo pais, ouvem a palavra “obediência”, imediatamente pensam em controle. Eles a interpretam como age uma máquina quando se abre uma válvula ou gira uma chave. Mas a obediência que brota de uma atitude de “honra” é uma resposta inteligente, uma expressão ativa de amor e respeito, não uma aquiescência automatizada para com a autoridade.
Note como o sábio enfatiza essa idéia: “filho meu, guarda o mandamento de teu pai e não deixes a instrução de tua mãe; ata-os perpetuamente ao teu coração, pendura-os ao teu pescoço. Quando caminhares, isso te guiará; quando te deitares, te guardará; quando acordares, falará contigo” (Provérbios 6:20-22). Note que ele está descrevendo uma atitude. A obediência sem a atitude de honra é uma labuta enfadonha e pesada.
Honrar nossos pais significa que desejaremos que eles se sintam bem porque nós mesmos somos bons. Significa também fazer com que sejam bem-sucedidos em seus esforços para que tenhamos sucesso. O quinto mandamento nos manda tirar as luvas de boxe e sair do ringue, ouvir o conselho deles, falar bem deles e procurar meios de mostrar-lhes nosso apreço e respeito. Novamente ouvimos o homem sábio: “Alegrem-se teu pai e tua mãe, e regozije-se a que teu deu à luz” (Provérbios 23:25).
O princípio da honra não varia, mas a forma como se aplica muda ao longo da vida. Altera-se de acordo com o tempo e as circunstâncias. Pouco depois de concluir o curso universitário, tive o privilégio de desfrutar a amizade de Henry Baasch. Nascido em 1885 em Hamburgo, Alemanha, era um homem rico em experiência, bom humor e sabedoria.
Um dia ele me perguntou:
– você é filho de seu pai?
– Ah, bem, sim, acho que sim – respondi, sem saber direito o que ele queria dizer.
– Acho que é – disse ele. – você tem só 21 anos, não é mesmo? Não se preocupe; isso vai mudar. Primeiro, seu pai é seu pai; depois se torna seu filho. Já aconteceu comigo, sabe. Agora meu filho é meu pai. Ele me diz o que fazer, e tenho de ouvi-lo.
O princípio da honra se expressará de modo diferente para um menino de cinco anos e outro de catorze. E aos 14 não é a mesma coisa que aos 25. A fraqueza e a debilidade de nossos pais ao envelhecerem causam outras mudanças. A honra para com eles assume nova dimensão. Deixar de reconhecer e adaptar-se a essas novas circunstâncias é a fórmula para o surgimento de problemas. No entanto, quando o relacionamento vai bem, é no ocaso da vida que podemos mais plenamente apreciar o significado das palavras de Davi: “herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre, seu galardão. Como flechas na mão do guerreiro, assim os filhos da mocidade. feliz o homem que enche deles a sua aljava” (Salmo 127:3-5).
Naturalmente, nem mesmo a morte de nossos pais anula nossa obrigação de honrá-los. Nosso estilo de vida pode ainda representá-los bem e honrar sua memória. Podemos viver de um modo que expresse gratidão para com aquilo que eles defenderam e que recebemos deles.
De quem é a responsabilidade
Ao dirigir-se à descendência, e não aos pais, o quinto mandamento coloca a responsabilidade onde em última análise ela deve estar. Para a maioria das pessoas, é verdade que os pais fazem uma diferença maior na sua vida do que qualquer outro ser humano. Quem se torna pai assume uma grande responsabilidade. Mas o mandamento concentra nossa atenção no ponto crítico da atitude dos filhos para com a relação, porque ela é, basicamente, o que fará a maior diferença.
Nossos pais podem disciplinar-nos, aconselhar-nos, dar bom exemplo, chorar por nossa causa e orar por nós. Mas nunca farão especificamente aquilo que faz toda a diferença. Eles não podem tirar de nós o poder de decisão. A maior honra que lhes podemos conceder não será por palavras nem por amontoar flores sobre suas tumbas, mas por ser o tipo de pessoa que devemos ser. E a escolha de fazê-lo repousa inteiramente em nossas mãos.
Um dos felizes resultados de ter passado uma vida inteira na sala de aula é que tenho muitos amigos jovens que nunca deixam de responder com entusiasmo e boa vontade quando vêem uma necessidade real. Suponha que eu tivesse de empurrar meu carro da garagem para a rua numa manhã e esperasse até que alguns dos meus jovens amigos passassem pela frente de casa. Chamando-os, eu diria:
– Será que vocês poderiam dar um empurrãozinho?
Você acha que eles me deixariam na mão? De jeito nenhum!
Assim, depois de me empurrarem por um quarteirão e eu perceber que estavam ficando cansados, eu anunciaria:
– OK. Aprecio muito o que fizeram. Já é suficiente.
Depois, ao saírem, eu veria se mais alguém poderia fazer a mesma coisa. Seria possível repetir essa estratégia umas três ou quatro vezes, mas não demoraria para que alguém perguntasse:
– Mas aonde é que o senhor quer chegar? Quer que empurremos o carro até o posto de gasolina ou a oficina mecânica?
A essa altura, eu teria de contar-lhes a verdade.
– Bem… não exatamente. Acontece que, bem… preciso chegar a Monterey, e vocês sabem que o preço da gasolina tem aumentado ultimamente.
Acham que meu plano daria certo?
Como eu disse, conheço bom número de jovens extraordinários. Eles têm bom coração e estão sempre prontos para uma piada e um divertimento. Quando alguém lhes dá uma cutucada na direção certa da vida, não se rebelam nem resistem. Tomam a direção certa por algum tempo, mas logo começam a brincar de novo, desperdiçando tempo, à espera de alguém que lhes dê outro empurrão.
Agora, não me entendam mal – todos nós precisamos de um bom conselho e uma palavra de ânimo. Um bom empurrãozinho espiritual no momento certo pode ser exatamente aquilo de que precisamos para começar.
Por vezes, quem sabe, isso inclui até alguma correção séria ou repreensão. Porém, cedo ou tarde (e melhor se for mais cedo do que mais tarde), teremos de ligar nossos motores. Ninguém vai me empurrar o caminho todo até Monterey. Ninguém tampouco vai empurrar você até o Céu.
Veja se pode imaginar a seguinte cena. Uma mulher chega aos portões do Céu e tenta esgueirar-se lá para dentro sem ser notada.
– Espere aí! – diz o porteiro. – Onde está indo?
– Quem, eu?
– Ela parece estar realmente nervosa por algum motivo. – Ah, bem, é que eu li o verso onde está escrito que, se eu lavar minhas vestes e torná-las brancas no sangue de Jesus, posso entrar na cidade pelas portas [Apocalipse 22:14]. Foi isso que eu fiz: eu as lavei e aqui estou.
– Mas noto que a senhora está carregando algo sob suas vestes. O que é?
Diante disso, a pobre mulher fica ainda mais nervosa. Parece que está a ponto de chorar.
– Ah, isto aqui. É só uma coisa… hã… algo que eu queria trazer comigo.
– O que é?
Agora suas lágrimas começam a cair. – Senhor, é um dos meus filhos. Quero muito que ele esteja aqui comigo. Por favor, não posso entrar com ele também?
Se você acha que essa cena é apenas humorística, talvez ainda não tenha percebido o quanto os pais anseiam dar aos seus filhos a coisa mais preciosa que poderiam desejar para si mesmos, e o quanto sua alegria e paz mental estão ligadas a essa questão.
Mas isso nunca poderá acontecer. O profeta Ezequiel faz uma vívida comparação. Diz que, mesmo que Noé, Daniel e Jó vivessem hoje, por sua fidelidade não poderiam salvar a ninguém além de si mesmos (Ezequiel 14:20). É assim que acontece, porque a fé não é transferível.
Às vezes dizemos que Deus não tem netos. Também é verdade que Ele não tem sobrinhas nem sobrinhos, parentes por afinidade ou qualquer outra coisa. Ele tem apenas filhos. Isso significa que não podemos estabelecer uma relação com Deus por meio da fé manifestada por alguém e entrar no Céu agarrados às abas do seu casaco. Nossos pais podem ter sido boas pessoas. Nesse caso, devemos ser agradecidos; afinal, nem todos têm esse privilégio. Mas precisamos fazer algo mais do que apenas admirá-los. Precisamos tomar nossa própria decisão e aceitar o sacrifício de Jesus em nosso favor. Estabelecendo nosso próprio relacionamento pessoal com Deus, devemos adotar a disciplina espiritual da oração e da fé, e experimentar por nós mesmos “o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tito 3:5).
É por isso que o quinto mandamento se dirige aos filhos e não aos pais, porque é com eles que fica realmente a responsabilidade.
O Outro lado da Honra
É claro que nada do que eu disse antes diminui ou minimiza a responsabilidade dos pais nem lhes dá motivo para achar que têm pouca ou nenhuma responsabilidade pelo seu modo de lidar com os filhos. É impossível considerar a atitude dos filhos para com seus pais sem também vê-la como uma moeda de dois lados, porque a interação entre pais e filhos é recíproca. Quando o apóstolo Paulo fala sobre o quinto mandamento, deixa claro que o dever dos filhos de honrar os pais é contrabalançado pelo dever dos pais para com os filhos (Efésios 6:1-4; Colossenses 3:20 e 21).
Notamos que a honra que os filhos devem dar a seus pais é uma atitude de amor e respeito, em vez de uma aquiescência automatizada para com a autoridade. A questão vital para os pais é: Que tipo de ensino e exemplo posso dar, que tipo de interação posso promover para facilitar esse tipo de reação? Como posso encorajar nos meus filhos essa resposta inteligente?
Um sistema de disciplina baseado na coerção e no castigo claramente não é a resposta. A obediência que não envolva a razão e a participação de uma vontade autônoma não é “honrosa”.
Se queremos ver em nossos filhos uma resposta que brote de seu próprio raciocínio, inteligência e boa vontade, então, o mais cedo possível e com a maior frequência possível (em alguns casos, mais cedo e com maior frequência do que seria confortável), devemos começar a apelar para essas faculdades superiores, lembrando que nosso objetivo não é controlar, mas estimular uma atitude de honra.
Valorizar a vontade dos filhos não envolve uma renúncia irresponsável da autoridade paterna. Mas significa que, desde cedo, deixaremos que façam o maior número de escolhas. Precisamos procurar oportunidades para que possam exercer sua vontade e decidir. Naturalmente, não iríamos perguntar a uma criança de dois anos: “você prefere tomar suco de laranja ou uma latinha de cerveja?” Mas, se procurarmos as oportunidades e até as criarmos, haverá muitos momentos em que poderão começar a exercer o poder de escolha. “você quer o suco de laranja no copinho azul ou naquele com desenho de flores?” E, antes de lhes dizer “não” ou “você tem que fazer como eu mandei”, perguntaremos a nós mesmos: “isso realmente importa? Que dano vai causar?”
Alguns anos atrás, a psicologia popular tinha uma corrente conhecida como “análise transacional”. As letras P-A-C, que representam pai-adulto-criança, resumiam um aspecto fundamental da teoria. A idéia era que todo intercâmbio (ou transação) entre duas pessoas ocorresse num desses três níveis. Um “pai” corrige, instrui, ordena e repreende. “Pegue aquela camisa e coloque-a no guarda-roupa.” Essa é, naturalmente, uma intervenção “P” (de “pai”). A resposta lógica e apropriada a essas palavras será uma reação “C” (de “criança”): “Ah, mamãe, tenho que fazer isso mesmo?” Ou talvez até: “OK, mamãe, já vou.”
Uma intervenção “A” ou de “adulto” é aquela que considera a outra pessoa como sendo inteligente, disposta a fazer a coisa certa e capaz de tomar uma boa decisão. A resposta natural para uma intervenção de adulto é uma reação de adulto. O princípio do qual falamos aqui significa que, tão logo quanto possível e com a maior frequência possível, devíamos envolver nossos filhos em transações de adulto-para-adulto.
Quando nosso filho David tinha oito anos de idade, precisava tomar o ônibus escolar todas as manhãs às 8h30. Descobri que acordá-lo em tempo era uma tarefa monumental que parecia ficar pior com o passar dos dias. Todas as manhãs, eu entrava e anunciava: – David, está na hora de levantar!
E a resposta dele era algo que você teria de pronunciar mais ou menos assim:
– Mmmmmmmmm. Hmmmmmmmm.
Alguns minutos mais tarde: – David! Eu disse que é hora de levantar. você me ouviu?
– Mmmmmmmmm. Hmmmmmmmmm.
Mais tarde, totalmente exasperado, eu gritava: – você saia dessa cama neste minuto! Se não se levantar agora, você vai ver!
A essa altura, com os olhos abertos uns 20%, David começava a se mexer, enquanto eu tentava apressá-lo a tirar o pijama e vestir o uniforme da escola.
Eu havia lido acerca do “P-A-C”, mas obviamente a leitura não dera bom resultado no fim das contas. Finalmente, certa manhã, entrei e disse: – Oi, David!
– Que foi?
– A que horas você vai levantar?
Diante disso, os olhos azuis se abriram e ele me olhou sério. – Não sei. Que horas são?
– Faltam quinze para as sete.
– Ah, OK – disse ele, e imediatamente se sentou e começou a tirar o pijama.
Quem dera pudesse eu dizer que nunca mais cometi o mesmo erro, mas a experiência serviu para reforçar o princípio: o melhor plano para ajudar nossos filhos a se tornarem adultos responsáveis é dar-lhes responsabilidade, deixá-los encarregados de suas próprias decisões tão cedo quanto possível e com a maior frequência possível.
Eu havia assumido a tarefa de fazer com que David saísse para a escola em tempo e, ao fazê-lo, tirei a responsabilidade das mãos dele. Ao colocá-la de volta em seu devido lugar, ajudei-o a se preparar para a vida no mundo real. E o auxiliei a guardar o quinto mandamento, porque a honra é, acima de tudo, um exercício da vontade livre, uma decisão racional de adotar uma atitude que resulte em bons e agradáveis relacionamentos com nossos pais em primeiro lugar, e depois com todos os outros com quem tratamos na vida.
Isso significa, na prática, que às vezes deixaremos que façam escolhas erradas? Em alguns casos, não há maneira melhor de aprenderem do que sofrer as consequências de uma decisão errada. E, à medida que a capacidade de julgamento e a maturidade de uma criança crescerem, haverá um aumento gradual na sua autonomia e na responsabilidade.1
O Último Beijo
Não me lembro da primeira vez em que minha mãe me beijou. Deve ter sido quando eu era bebezinho, porque ela certamente me beijou muitas vezes enquanto eu crescia. Embora não me lembre do primeiro beijo, recordo-me do último.
Os anos passam voando, e todo relacionamento humano traz consigo algumas tensões e atritos. Isso não é horrível nem desonroso, mas normal. Se, porém, tivermos no coração o abrangente princípio da honra, o amor prevalecerá. Então, quando as tensões nos ameaçarem, talvez trazendo dor e até amargura, deveríamos pensar naquele último beijo, porque ele certamente virá. O que você desejará recordar quando se despedir dos seus pais pela última vez?
Um amigo me contou que, quando seu pai envelheceu, a mente daquele idoso homem nem sempre era clara. Mesmo assim, quando se aproximou o aniversário do seu pai, meu amigo lhe telefonou.
– Feliz aniversário, papai! – disse ele. – E que Deus o abençoe!
Naquele dia os pensamentos do seu pai estavam bem coordenados, porque ele respondeu imediatamente:
– Não, filho. A bênção é para você. Deus o abençoe, porque você sempre me honrou.
Dois meses mais tarde, meu amigo sepultava seu pai. Que conforto foi para ele, então, lembrar-se das palavras do pai!
Os funerais são sempre tristes, mas nunca presenciei mais angústia e pranto do que nas ocasiões em que o remorso deixa ainda mais amarga a tristeza da despedida.
Assim, pense nisso enquanto você ainda tem a oportunidade, enquanto você ainda pode fazer algo ou dizer alguma coisa que faça a diferença. Pense no último beijo, porque ele virá. Honre seu pai e sua mãe, e seus dias na Terra serão não apenas prolongados, mas muito mais satisfatórios e cheios de paz, alegria e sucesso.
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1 – “Com frequência, é pessoalmente inconveniente permitir às crianças tempo para debater alternativas, e pode ser pessoalmente frustrante quando as escolhas delas contradizem nossas preferências. Se houver algum ‘orgulho’ egoísta e sensível em jogo, é muito difícil para a maioria dos adultos não controlar as crianças de maneira autocrática. Então, à semelhança de qualquer ditadura, isso parecerá ‘mais eficiente’ – para o ditador, pelo menos. O efeito sobre o caráter, contudo, é reprimir o desenvolvimento do julgamento racional e criar ressentimentos que vão impedir o desenvolvimento de impulsos genuinamente altruístas” (Robert Peck, Robert Havighurst e outros, The Psychology of Character Development [Nova York: Wiley, 1960], p. 191).