Interpretando as Escrituras: Foi global o dilúvio? – Capítulo 24

Richard M. Davidson

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“Prevaleceram as águas excessivamente sobre a terra e cobriram todos os altos montes que havia debaixo do céu. Quinze côvados acima deles prevaleceram as águas; e os montes foram cobertos” (Gn 7:19, 20).

A interpretação tradicional de Gênesis 6–9 confirma a extensão global do dilúvio. Porém, em épocas recentes, várias teorias sobre um dilúvio limitado passaram a sugerir que a inundação se restringiu a determinada área geográfica, na Mesopotâmia, no Mar Negro ou em qualquer outra parte. As teorias sobre um dilúvio limitado se baseiam principalmente em argumentos científicos que propõem problemas geológicos aparentemente não favoráveis a um dilúvio global. Tais argumentos geralmente pressupõem que a histórica geológica da Terra foi uniforme. No entanto, inúmeros estudos científicos recentes fornecem um conjunto sólido de provas a favor do catastrofismo diluviano (alterações da crosta terrestre por uma inundação) em vez do uniformismo.1

Evidências de um dilúvio global – Na verdade, somente a concepção tradicional de Gênesis 6 9 de um dilúvio global faz plena justiça a todos os dados bíblicos. Muitas evidências convergem para confirmar a extensão global do dilúvio:

(1) Todos os grandes temas em Gênesis 1-11 (criação, queda, plano da redenção, propagação do pecado) são de âmbito universal e requerem um juízo universal correspondente ao que foi executado no dilúvio.

(2) As linhagens genealógicas tanto de Adão (Gn 4:17-26; 5:1-31) quanto de Noé (Gn 10:1-32; 11:1-9) são de natureza exclusiva, mostrando que, se Adão foi o pai de toda a humanidade pré-diluviana, Noé foi o pai de toda a humanidade pós diluviana. Isso mostra claramente, portanto, que toda a humanidade que existia no planeta e que ficou fora da arca pereceu no dilúvio.

(3) A mesma bênção divina inclusiva – “Sede fecundos, multiplicai-vos” – é conferida tanto a Adão quanto a Noé (Gn 1:28; 9:1), mostrando que Noé é um “novo Adão”, que vai repovoar o mundo como o primeiro Adão.

(4) A aliança com Deus e o sinal do arco-íris (Gn 9:9-18) estão relacionados com a extensão do dilúvio; caso se tratasse apenas de uma inundação local, então, a aliança seria limitada.

(5) A viabilidade da promessa de Deus (Gn 9:15; ver Is 54:9) está em jogo na extensão mundial do dilúvio; se o que ocorreu foi apenas uma inundação local, toda vez que ocorresse outra inundação local depois disso, Deus estaria quebrando Sua promessa.

(6) A universalidade do dilúvio é realçada pelo enorme tamanho da arca (Gn 6:14, 15) e a declarada necessidade de nela salvar todas as espécies de animais e plantas (Gn 6:16-21; 7:2, 3); se fosse apenas de uma inundação local, a gigantesca arca cheia de representantes da humanidade e de espécies não aquáticas de animais e plantas seria desnecessária; Noé e a família bem como os animais poderiam simplesmente fugir para outra região da Terra.

(7) O fato de as águas cobrirem “todos os altos montes” da Terra pré-diluviana (que não eram tão altos quanto hoje, pois se ergueram em cordilheiras após o dilúvio), pelo menos sete metros acima deles (Gn 7:19, 20, NTLH), desmente a possibilidade de uma mera inundação local, já que a água mantém o próprio nível em toda a superfície do globo. (8) O longo tempo de duração do dilúvio (Noé passou mais de um ano dentro da arca, Gn 7:11-8:14) só faz sentido com um dilúvio global. (9) As passagens do Novo Testamento a respeito do dilúvio empregam linguagem universal (por exemplo, “levou a todos” Mt 24:39]; “destruiu a todos” [Lc 17:27]; “não poupou o mundo antigo, […] quando fez vir o dilúvio sobre o mundo de ímpios” [2Pe 2:5]; “Noé […] condenou o mundo” [Hb 11:7]). (10) A tipologia diluviana do Novo Testamento pressupõe a extensão global do dilúvio e dela depende para o argumento teológico a favor de um iminente juízo global pelo fogo (2Pe 3:6, 7).

Terminologia diluviana – Dentre as mais importantes evidências bíblicas para um dilúvio global, estão os inúmeros termos ou expressões universais de Gênesis 6–9, indicando o âmbito global do dilúvio.2

(1) A palavra hebraica mabbul (“inundação/dilúvio”), que ocorre 12 vezes em Gênesis (6:17; 7:6, 7, 10, 17; 9:11 [duas vezes], 15, 28; 10:1, 32; 11:10) e uma vez no Salmo 29:10, é no Antigo Testamento reservada exclusivamente para referir-se ao dilúvio, distinguindo-o assim de todas as inundações locais e imprimindo-lhe um contexto global.

(2) “A Terra” (Gn 6:12, 13, 17), desacompanhada de qualquer caracterizador que a limite, aponta para a mesma expressão usada na criação global (Gn 1:1, 2, 10).

(3) “A face da Terra” (Gn 7:3; 8:9) faz eco da mesma locução usada no contexto global da criação (Gn 1:29).

(4) “A superfície da Terra” (7:4, 22, 23; 8:8) usada em paralelo com “a face de toda a Terra” (8:9, ARC) estabelece um vínculo com o contexto da criação global (Gn 2:6).

(5) “Toda carne” (13 vezes em Gn 6-9) é acompanhada por locuções adicionais que lembram a criação global dos animais e do ser humano (Gn 1:24, 30; 2:7): “Em que há fôlego de vida” (Gn 6:17; 7:15), “tudo o que tinha fôlego de vida em suas narinas” (Gn 7:22).

(6) “De tudo o que vive” (Gn 6:19; 9:16) e a expressão similar “todos os seres que fiz” (Gn 7:4), esta última referindo-se especificamente à criação.

(7) “Toda a substância [hayqum kol]” (Gn 7:4, 23, ARC) é um dos termos mais abrangentes usados pelo escritor hebraico para expressar a totalidade da vida.

(8) “Tudo o que havia em terra seca” (Gn 7:22) indica a extensão global do dilúvio, embora deixe claro que essa destruição mundial se restringiu às criaturas terrestres.

(9) A locução “debaixo do céu” (Gn 7:19), que sempre aponta para o global em qualquer parte das Escrituras (ver, por exemplo, Êx 17:14; Dt 4:19), em contraste com a palavra “céus”, sozinha, que pode ter significado local (por exemplo, 1Rs 18:45).

(10) “Romperam-se todas as fontes do grande abismo [tehom]” (Gn 7:11; 8:2) remete à expressão já mencionada em Gênesis 12: “abismo” ou oceano mundial (tehom).

As muitas correlações dessa inundação cataclísmica com a criação global em Gênesis 1, 2
revelam que o dilúvio consistiu numa espécie de “decriação” global, gradativa, escatológica, seguida por uma “recriação” global gradativa. É difícil imaginar o autor bíblico usando expressões mais contundentes do que essas para indicar a extensão global do dilúvio.

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1 Ver especialmente as revisões dessa evidência em Harold G. Coffin, Robert H. Brown e L. James Gibson, Origin by Design, edição revisada (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2005); Henry Morris e John Whitcomb, The Genesis Flood: The Biblical Record and Its Scientific Implications (Filadélfia: Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1961); e Ariel Roth, Origins: Linking Science and Scripture (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1998).

2 Ver Richard M. Davidson, “The Genesis Flood Narrative: Crucial Issues in the Current Debate,” Andrews University Seminary Studies 42.1 (2004), p. 49-77.

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