Fonte: Capítulo 1 – A História dos Mártires- por John Fox
A primeira perseguição
A primeira perseguição da Igreja teve lugar no ano 67, sob Nero, o sexto imperador de Roma. Este monarca reinou pelo espaço de cinco anos de uma maneira tolerável, mas depois deu liberdade ao maior desenfreio e as mais atrozes barbaridades. Entre outros caprichos diabólicos, ordenou que a cidade de Roma fosse incendiada, ordem que foi cumprida pelos seus oficiais, guardas e servos. Enquanto a cidade imperial estava em chamas, subiu na torre de Mecenas, tocando a lira e cantando o cântico do incêndio de Tróia, declarando abertamente que “desejava a ruína de todas as coisas antes de sua morte”. Além do grande edifício do Circo Romano, muitos outros palácios e casas ficaram derruídos; vários milhares de pessoas pereceram nas chamas, ou se afogaram com a fumaça, ou foram sepultados sob as ruínas.
Este terrível incêndio durou nove anos. quando Nero descobriu que sua conduta era intensamente censurada, e que era objeto de um profundo ódio, decidiu inculpar os cristãos, aproveitando a oportunidade para escusar-se ao mesmo tempo que enchia seu olhar com novas crueldades. Esta foi a causa da primeira perseguição; e as brutalidades cometidas contra os cristãos foram tais que inclusive moveram os próprios romanos à compaixão. Nero inclusive refinou suas crueldades e inventou todo tipo de castigos contra os cristãos que puder ter sido inventado pela mais infernal imaginação. Particularmente, fez que alguns deles fossem costurados em peles de animais silvestres, lançando-os aos cães até morrerem; a outros os vestiu de camisas untadas com cera, amarrando-os a postes, e os incendiou nos seus jardins, para iluminá-los. Esta perseguição foi geral por todo o Império Romano; porém mais bem aumentou que diminuiu o espírito do cristianismo. Foi durante esta perseguição que foram martirizados são Paulo e são Pedro.
A seus nomes podem-se agregar Erasto, tesoureiro de Corinto; Aristarco, o macedônio, e Trófimo de Éfeso, convertido por são Paulo e seu colaborador, assim como José, comumente chamado Barsabé e Ananias, bispo de Damasco; cada um dos Setenta.
A segunda perseguição, sob Domiciano, em 81 d.C.
O imperador Domiciano, de natural inclinado à crueldade, deu morte primeiro a seu irmão, e logo suscitou a segunda perseguição contra os cristãos. Em seu furor deu morte a alguns senadores romanos, a alguns por malícia, e a outros para confiscar seus bens. Depois mandou que todos os pertencentes à linhagem de Davi fossem executados.
Entre os numerosos mártires que sofreram durante esta perseguição estavam Simeão, bispo de Jerusalém, que foi crucificado, e são João, que foi fervido em óleo e depois desterrado a Patmos. Flavia, filha de um senador romano, foi do mesmo modo desterrada ao Ponto; e se ditou uma lei dizendo: “Que nenhum cristão, uma vez trazido ante um tribunal, fique isento do castigo sem que renuncie a sua religião”.
Durante este reinado se redarguiram várias histórias inventadas, com o fim de danificar os cristãos. Tal era a paixão dos pagãos que toda fome, epidemia ou terremoto que assolasse qualquer das províncias romanas, era atribuída aos cristãos. Estas perseguições contra os cristãos aumentaram o número de informantes, e muitos, movidos pela cobiça, testemunharam em falso contra as vidas de inocentes.
Outra dificuldade foi que quando qualquer cristão era levado ante os tribunais, era submetido a um juramento de prova, e se recusavam tomá-lo, eram sentenciados a morte; também, se confessavam serem cristãos, a sentença era a mesma.
Os seguintes foram os mais destacados entre os numerosos mártires que sofreram durante esta perseguição.
Dionísio, o areopagita, era ateniense de nascimento, e foi instruído em toda a literatura útil e estética da Grécia. Viajou depois a Egito para estudar astronomia, e realizou observações muito precisas do grande eclipse sobrenatural que teve lugar no tempo da crucifixão de nosso Senhor.
A santidade de sua forma de viver e a pureza de suas maneiras o recomendaram de tal modo entre os cristãos em geral que foi designado bispo de Atenas.
Nicodemo, um benevolente cristão de alguma distinção, sofreu na Roma durante o furor da perseguição de Domiciano.
Protásio e Gervásio foram martirizados em Milan.
Timóteo, o célebre discípulo de são Paulo, foi bispo de Éfeso, onde governou zelosamente a Igreja até o 97 d.C. neste tempo, quando os pagãos estavam para celebrar uma festa chamada Catagogião, Timóteo, enfrentando-se à procissão, os repreendeu severamente por sua ridícula idolatria, o que exasperou de tal modo a plebe que caíram sobre ele com paus, e o espancaram de maneira tão terrível que expirou dois dias depois pelo efeito dos golpes.
A segunda perseguição, sob Trajano, 108 d.C.
Na terceira perseguição, Plínio o Jovem, homem erudito e famoso, vendo a lamentável matança de cristãos, e movido por ela à compaixão, escreveu a Trajano, comunicando-lhe que havia muitos milhares deles que eram mortos a diário, que não tinham feito nada contrário à lei de Roma, motivo pelo qual não mereciam perseguição. “Tudo o que eles contavam acerca de seu crime ou erro (como deva chamar-se) só consistia nisto: que costumavam reunir-se em determinado dia antes do amanhecer, e repetirem juntos uma oração composta de honra de Cristo como Deus, e em comprometer-se por obrigação não certamente a cometer maldade alguma, senão ao contrário, a nunca cometer furtos, roubos ou adultério, a nunca falsear a palavra, a nunca defraudar ninguém; depois do qual era costume separar-se, e voltar a reunir-se depois para participar em comum de uma comida inocente”.
Nesta perseguição sofreram o bem-aventurado mártir Inácio, quem é tido em grande reverência entre muitos. Este Inácio tinha sido designado para o bispado de Antioquia, seguindo a Pedro na sucessão. Alguns dizem que ao ser enviado da Síria para a Roma, porque professava a Cristo, foi entregue às feras para ser devorado. Também se diz dele que quando passou pela Ásia (a atual Turquia), estando sob o mais estrito cuidado de seus guardiões, fortaleceu e confirmou as igrejas por todas as cidades por onde passava, tanto com suas exortações como predicando a Palavra de Deus. Assim, tendo negado a Esmirna, escreveu à Igreja de Roma, exortando-os para que não empregassem médio algum para libertá-lo de seu martírio, não fosse que o privassem daquilo que mais anelava e esperava. “Agora começo a ser um discípulo. nada me importa das coisas visíveis ou invisíveis, para poder somente ganhar a Cristo. Que o fogo e a cruz, que manadas de bestas selvagens, que a ruptura dos ossos e a dilaceração de todo o corpo, e que toda a malícia do diabo venham sobre mim; assim seja, se só puder ganhar a Cristo Jesus!”. E inclusive quando foi sentenciado a ser lançado às feras, tal era o ardente desejo que tinha de padecer, que dizia, cada vez que ouvia rugir os leões: “Sou o trigo de Cristo; vou ser moído com os dentes de feras selvagens para que possa ser achado pão puro”.
Adriano, o sucessor de Trajano, prosseguiu esta terceira perseguição com tanta severidade como se antecessor. Por volta desta época foram martirizados Alexandre, bispo de Roma, e seus dois diáconos; também Quirino e Hermes, com suas famílias; Zeno, um nobre romano, e por volta de outros dez mil cristãos.
Muitos foram crucificados no Monte Ararate, coroados de espinhos, sendo traspassados com lanças, em imitação da paixão de Cristo. Eustáquio, um valoroso comandante romano, com muitos êxitos militares, recebeu a ordem de parte do imperador de unir-se a um sacrifício idólatra para celebrar algumas de suas próprias vitórias. Porém sua fé (pois era cristão de coração) era tanto maior que sua vaidade, que recusou nobremente. Enfurecido por esta negativa, o ingrato imperador esqueceu os serviços deste destro comandante, e ordenou seu martírio e o de toda sua família.
No martírio de Faustines e Jovitas, que eram irmãos e cidadãos de Bréscia, tantos foram seus padecimentos e tão grande sua paciência, que Calocério, um pagão, contemplando-os, ficou absorto de admiração e exclamou, num arrebato: “Grande é o Deus dos cristãos!”, pel qual foi preso e foi-lhe feito sofrer parelha sorte.
Muitas outras crueldades e rigores tiveram de padecer os cristãos, até que Quadratus, bispo de Atenas, fez uma erudita apologia em seu favor perante o imperador, que estava então presente, e Aristides, um filósofo da mesma cidade, escreveu uma elegante epístola, o que levou Adriano a diminuir sua severidade e a ceder em favor deles.
Adriano, ao morrer no 138 d.C., foi sucedido por Antonino Pio, um dos mais gentis monarcas que jamais reinou, e que deteve as perseguições contra os cristãos.
A quarta perseguição, sob Marco Aurélio Antonino, 162 d.C.
Marco Aurélio sucedeu no trono no ano 161 de nosso Senhor, era um homem de natureza mais rígida e severa, e embora elogiável no estudo da filosofia e em sua atividade de governo, foi duro e feroz contra os cristãos, e desencadeou a quarta perseguição.
As crueldades executadas nesta perseguição foram de tal calibre que muitos dos espectadores se estremeciam de horror ao vê-las, e ficavam atônitos ante o valor dos sofredores. Alguns dos mártires eram obrigados a passar, com os pés já feridos, sobre espinhas, pregos, aguçadas conchas, etc., colocados em ponta; outros eram açoitados até que ficavam à vista seus tendões e veias e, depois de ter sofrido os mais atrozes sofrimentos que puderam inventar-se, eram destruídos pelas mortes mais temíveis.
Germânico, um homem jovem, porém verdadeiro cristão, sendo entregue às feras a causa de sua fé, se conduziu com um valor tão assombroso que vários pagãos se converteram naquela fé que inspirava tal arrojo.
Policarpo, o venerável bispo de Esmirna, ocultou-se ao ouvir que estavam procurando-o, mas foi descoberto por uma criança. Depois de dar uma comida aos guardas que o haviam prendido, pediu-lhes uma hora de oração, o que lhe foi permitido, e orou com tal fervor que os guardas que o haviam prendido lamentaram tê-lo feito. Contudo, levaram-no ante o procônsul, e foi condenado e queimado na praça do mercado.
O procônsul o pressionou, dizendo: “Jura, e dar-te-ei a liberdade: blasfema contra Cristo”.
Policarpo respondeu-lhe: “Durante oitenta e seis anos tenho servido Ele, e nunca me fez mal algum: Como iria eu a blasfemar contra meu Rei, que me salvou?” Na estaca foi somente amarrado, e não pregado segundo o costume, porque assegurou-lhes que ia a ficar imóvel; ao acender-se a fogueira, as chamas rodearam seu corpo, como um arco, sem tocá-lo; então deram ordem ao carrasco para traspassá-lo com sua espada, com o qual manou tal quantidade de sangue que apagou o fogo. Não obstante se deu ordem, por instigação dos inimigos do Evangelho, especialmente os judeus, que seu corpo fosse consumido na fogueira, e a petição de seus amigos, que desejavam dar-lhe cristã sepultura, foi rejeitada. Contudo, recolheram seus ossos e tanto de seus membros como puderam, e os enterraram decentemente.
Metrodoro, um ministro que predicava denodadamente, e Pionio, quem fez várias excelentes apologias da fé cristã, foram também queimados. Carpo e Papilo, dois dignos cristãos, e Agatônica, uma piedosa mulher, sofreram o martírio em Pergamopolis, na Ásia.
Felicitate, uma ilustre dama romana, de uma família de boa posição, e muito virtuosa, era uma devota cristã. Tinha sete filhos, aos que tinha educado na mais exemplar piedade.
Enero, o mais velho, foi flagelado e prensado até morrer com pesas; Felix e Felipe, que o seguiam em idade, foram descerebrados com paus; Silvano, o quarto, foi assassinado sendo lançado de um precipício; e os três filhos menores, Alexandre, Vital e Marcial, foram decapitados. A mãe foi depois decapitada com a mesma espada que os outros três.
Justino, o célebre filósofo, morreu mártir nesta perseguição. Era natural de Napolis, em Sarnária, e tinha nascido o 103 d.C. foi um grande amante da verdade e erudito universal; investigou as filosofias estóica e peripatética, e provou a pitagórica, porém, desgostando-lhe a conduta de um de seus professores, investigou a platônica, na qual achou grande deleite. Por volta do ano 133, aos trinta anos de idade, se converteu ao cristianismo, e então, por vez primeira, percebeu a verdadeira natureza da verdade.
Escreveu uma elegante epístola aos gentios, e empregou seus talentos para convencer os judeus da verdade dos ritos cristãos. Dedicou grande tempo a viajar, até que estabeleceu residência em Roma, no monte Viminal.
Abriu uma escola pública, ensinou a muitos que posteriormente foram personagens proeminentes, e escreveu um tratado para confrontar as heresias de todo tipo. Quando os pagãos começaram a tratar os cristãos com grande severidade, Justino escreveu sua primeira apologia em favor deles. Este escrito exibe uma grande erudição e gênio, e fez com que o imperador publicasse um édito em favor dos cristãos.
Pouco depois entrou em freqüentes discussões com Crescente, pessoa de vida viciosa, mas que era célebre filósofo cínico; os argumentos de Justino foram tão poderosos, porém odiosos para o cínico, que decidiu, e conseguiu, sua destruição.
A segunda apologia de Justino, devido a determinadas coisas que continha, deu ao cínico Crescente uma oportunidade para predispor o imperador em contra de seu autor, e por isto Justino foi preso, junto com seis companheiros dele. Ao ser-lhe ordenado que sacrificasse aos ídolos pagãos, recusaram, e foram condenados a serem açoitados e depois decapitados; esta sentença se cumpriu com toda a severidade imaginável.
Vários foram decapitados por recusar sacrificar à imagem de Júpiter, em particular Concordo, diácono a cidade de Espólito.
Ao levantar-se em armas contra Roma algumas das agitadas cidades do norte, o imperador empreendeu a marcha para enfrentar-se com elas. Contudo, viu-se preso numa emboscada e temeu perder todo seu exército. Encerrado entre montanhas, rodeado de inimigos e morrendo de sede, em vão invocaram as deidades pagãs, e então ordenou aos homens que pertencia à militine (legião do trovão) que orassem a seu Deus pedindo socorro. De imediato teve lugar uma miraculosa liberação; caiu uma quantidade prodigiosa de chuva, que foi recolhida pelos homens, construindo represas, e deu um alívio repentino e assombroso. Parece que a tormenta, que se abateu intensamente sobre os rostos dos inimigos, os intimidou de tal modo que uma parte desertou para o exército romano; o resto foi derrotado, e as províncias rebeldes totalmente recuperadas.
Este assunto fez que a perseguição amainasse por algum tempo, pelo menos naquelas zonas imediatamente sob a inspeção do imperador, porém nos encontramos com que pronto se desencadeou na França, particularmente em Lyon, onde as torturas que foram impostas a muitos dos cristãos quase excedem a capacidade de descrição.
Os principais destes mártires foram um jovem chamado Vetio Agato; Blandina, uma dama cristã de débil constituição; Sancto, que era diácono em Vienna, ao qual aplicaram pratos de bronze incandescentes sobre as partes mais sensíveis de seu corpo; Bíblias, uma débil mulher que tinha sido apóstata anteriormente. Attalo, de Pérgamo, e Potino, o venerabel bispo de Lyon, que tinha noventa anos. o dia em que Blandina e outros três campeões da fé foram levados no anfiteatro, a ela a penduraram num madero fixado no solo, e a expuseram às feras como alimento, enquanto ela, com suas fervorosas orações, alentava os outros. Mas nenhuma das feras a tocou, pelo que foi conduzida de volta às masmorras. Quando foi tirada para fora por terceira e última vez, saiu acompanhada de Pontico, um jovem de quinze anos, e a constância da fé deles enfureceu de tal modo a multidão que não foram respeitados nem o sexo dela nem a juventude dele, e foram feitos objeto de todo tipo de castigos e torturas. Fortalecido por Blandina, o rapaz perseverou até a morte; ela, depois de suportar os tormentos mencionados, foi finalmente morta com espada.
Nestas ocasiões, quando os cristãos recebiam o martírio, eram ornados e coroados com guirlandas de flores; por elas, no céu, recebiam eternas coroas de glória.
Foi dito que as vidas dos cristãos primitivos consistiam em “perseguição acima do chão e oração embaixo do solo”. Suas vidas estão expressadas pelo Coliseo e as catacumbas, que eram ao mesmo tempo templos e túmulos. A primitiva Igreja em Roma poderia ser chamada com razão de Igreja das Catacumbas. Existem umas sessenta catacumbas em Roma, nas que foram seguidas uns mil quilômetros de galerias, e isto não é sua totalidade. Estas galerias têm uma altura de uns 2,4 metros, e uma largura de entre 1 metro e 1,5 metros, e contêm a cada lado várias fileiras de recessos longos, baixos, horizontais, um acima de outro a modo de beliches de barco. Nestes nichos eram colocados os cadáveres, e eram fechados bem com uma simples lápide de mármore, ou com várias grandes lajes de terra cozida. Nestas lápides ou lajes há gravados ou pintados epitáfios e símbolos. Tanto os pagãos como os cristãos sepultavam seus mortos nestas catacumbas. Quando se abriram os sepulcros cristãos, os esqueletos contaram sua temível história. Encontram-se cabeças separadas do corpo; costelas e clavículas quebradas, ossos frequentemente calcinados pelo fogo. Mas apesar da terrível história de perseguição que podemos ler ali, as inscrições respiram paz, gozo e triunfo. Aqui temos umas quantas:
“Aqui jaz Maria, colocada para repousar num sonho de paz”.
“Lourenço a seu mais doce filho, levado pelos anjos”.
“Vitorioso em paz e em Cristo”.
“Ao ser chamado, partiu em paz”.
Lembremos, ao lermos estas inscrições, a história que os esqueletos contam perseguição, tortura e fog.
Mas a plena força destes epitáfios se aprecia quando os contrastamos com os epitáfios pagãos, como:
“Vive para esta hora presente, porque de ns mais estamos seguros”.
“Levanto minha mão contra os deuses que me arrebataram aos vinte anos, embora nada de mau tivesse feito”.
“Uma vez não era. Agora não sou. Nada sei disso, e não é minha preocupação”.
“Peregrino, não me amaldiçoes quando passes por aqui, porque estou em trevas e não posso responder”.
Os mais frequentes símbolos cristãos nas paredes das catacumbas são o bem-estar pastor com o cordeiro em seus ombros, uma nave com todas suas velas, harpas, âncoras, coroas, videiras e, por acima de tudo, o peixe.
A quinta perseguição, começando com Severo em 192 d.C.
Severo, recuperado de uma grave doença pelos cuidados de um cristão, chegou a ser um grande favorecedor dos cristãos em geral; porém ao prevalecerem os prejuízos e a fúria da multidão ignorante, se puseram em ação umas leis obsoletas contra os cristãos. O avanço do cristianismo alarmava os pagãos, e reavivaram a mofada calúnia de imputar aos cristãos as desgraças acidentais que sobrevinham. Esta perseguição desencadeou-se em 192 d.C.
Mas embora rugia a malícia persecutória, contudo o Evangelho resplandecia brilhantemente; e firme como inexpugnável rocha resistia com êxito os ataques de seus gritantes inimigos. tertuliano, quem viveu nesta época, nos informa que se os cristãos tivessem saído em multidão dos territórios romanos, o imperador teria ficado despovoado em grande modo.
Vitor, bispo de Roma, sofreu o martírio no primeiro ano do século terceiro, o 201 d.C. Leônidas, pai do célebre Orígenes, foi decapitado por cristão. Muitos dos ouvintes de Orígenes também sofreram o martírio; em particular dois irmãos, chamados Plutarco e Sereno; outro Sereno, Herón e Heráclides foram decapitados. A Rhais lhe derramaram breu fervendo sobre a cabeça, e depois o queimaram, como também a sua mãe Marcela. Potainiena, irmã de Rhais, foi executada da mesma forma que ele; porém Basflides, oficial do exército, a quem foi ordenado que assistisse à execução, se converteu.
Ao pedir a Bassílides, que era oficial, que realizasse certo juramento, recusou, dizendo que não podia jurar pelos ídolos romanos, já que era cristão. Cheios de estupor, os da plebe não podiam ao princípio acreditar no que ouviam; porém, tão pronto como ele confirmou o que dissera, foi arrastado até o juiz, lançado em cárcere, e pouco depois, decapitado.
Irineu, bispo de Lyon, tinha nascido na Grécia, e recebeu uma educação esmerada e cristã. Supõe-se geralmente que o relato das perseguições em Lyon foi escrito por ele mesmo. sucedeu ao mártir Potino como bispo de Lyon, e governou sua diocese com grande discrição; era um zeloso oponente das heresias em geral, e por volta de 187 d.C. escreveu um célebre tratado contra as heresias. Vitor, bispo de Roma, querendo impor nessa cidade a observância da Páscoa, dando-lhe preferência sobre outros lugares, ocasionou alguns desordens entre os cristãos. De modo particular, Irineu escreveu-lhe uma epístola sinódica, em nome das igrejas galicianas. Este zelo em favor do cristianismo o indicou como objeto de ressentimento ante o imperador, e foi decapitado em 202 d.C.
Estendendo-se as perseguições para a África, muitos foram martirizados naquele lugar do globo; mencionaremos os mais destacados dentre eles.
Perpétua, de uns vinte e dois anos, casada. Os que sofreram com ela foram Felicitas, uma mulher casada e já em muito avançado estado de gestação quando foi apreendida, Revocato, catecúmeno de Cartago, e um escravo. Os nomes dos outros presos destinados a sofrer nesta ocasião eram Saturnino, Secúndulo e Satur. No dia indicado para sua execução foram conduzidos para o anfiteatro. A Satur, Secúndulo e Revocato foi-lhe ordenado que corressem entre duas fileiras de feras, as quais os flagelavam severamente enquanto corriam. Felicitas e perpétua foram despidas para lançá-las a um touro bravio, que se lançou primeiro contra Perpétua, deixando-a inconsciente; depois se abalançou contra Felicitas, e a escorneou terrivelmente; porém não estavam ainda mortas, pelo que o carrasco as liquidou com uma espada. Revocato e Satur foram devorados pelas feras; Saturnino foi decapitado e Secúndulo morreu no cárcere. Estas execuções tiveram lugar no 8 de março do ano 205 d.C.
Esperato e outros doze foram decapitados, o mesmo que Andrócles na França. Asclepiades, bispo da Antioquia, sofreu muitas torturas, porém não foi morto.
Cecília, uma jovem dama de uma nobre família de Roma, foi casada com um cavaleiro chamado Valeriano, e converteu a seu marido e irmão, que foram decapitados; o oficial que os levou à execução foi convertido por eles, e sofreu a mesma sorte. A dama foi lançada nua num banho fervente, e permanecendo ali um tempo considerável, a decapitaram com uma espada. Isto aconteceu em 222 d.C.
Calixto, bispo de Roma, sofreu martírio o 224 d.C., porém não se registra a forma de sua morte; Urbano, bispo de Roma, sofreu a mesma sorte o 232 d.C.
A sexta perseguição, sob Maximino, o 235 d.C.
O 235 d.C. começou, sob Maximino, uma nova perseguição. O governador da Capadócia, Sereiano, fez tudo o possível por exterminar os cristãos daquela província.
As pessoas principais que morreram sob este reinado foram Pontiano, bispo de Roma; Anteros, um grego, seu sucessor, que ofendeu o governo ao recolher as atas dos mártires. pamáquio e Quirito, senadores romanos, junto com suas famílias inteiras, e muitos outros cristãos: Simplício, também senador; Calepódi, um ministro cristão, que foi lançado no Tíber. Martina, uma nobre e formosa donzela; e Hipólito, um prelado cristão, que foi amarrado a um cavalo indômito, e arrastado até morrer.
Durante esta perseguição, suscitada por Maximino, muitíssimos cristãos foram executados sem juízo, e enterrados indiscriminadamente em montões, às vezes cinqüenta ou sessenta lançados juntos numa fossa comum, sem a mais mínima decência.
Ao morrer o tirano Maximino em 238 d.C., o sucedeu Gordiano, e durante seu reinado, assim como o de seu sucessor Felipe, a Igreja esteve livre de perseguições durante mais de dez anos; porém em 249 d.C. desatou-se uma violenta perseguição na Alexandria, por instigação de um sacerdote pagão, sem conhecimento do imperador.
A sétima perseguição, sob Décio, o 249 d.C.
Esta foi ocasionada em parte pelo aborrecimento que tinha contra seu predecessor Felipe, que era considerado cristão, e teve lugar em parte pelos ciúmes ante o assombroso avanço do cristianismo; porque os templos pagãos começavam a serem abandonados, e as igrejas cristãs estavam cheias.
Estas razões estimularam a Décio a tentar a extirpação do nome mesmo de cristão, e foi coisa desafortunada para o Evangelho que vários erros tinham-se deslizado para esta época dentro da Igreja; os cristãos estavam divididos entre si; os interesses próprios dividiam àqueles aos que o amor social devia ter mantido unidos; e a virulência do orgulho deu lugar a uma variedade de facões.
Os pagãos, em geral, tinham a ambição de pôr em ação os decretos imperiais nesta ocasião, e consideravam o assassinato dos cristãos como um mérito para si mesmos. Nesta ocasião os mártires foram inúmeros; mas faremos relação dos principais.
Fabiano, bispo de Roma, foi a primeira pessoa em posição eminente que sentiu a severidade desta perseguição. O defunto imperador tinha colocado seu tesouro sob os cuidados deste bom homem, devido a sua integridade. Porém Décio, ao não achar tanto quanto sua avareza havia-lhe feito esperar, decidiu vingar-se do bom prelado. Foi então arrestado, e decapitado o 20 de janeiro de 250 d.C.
Juliano, nativo da Cilícia, como nos informa são Crisóstomo, foi arrestado por ser cristão. Foi metido num saco de couro, junto com várias serpentes e escorpiões, e assim lançado no mar.
Pedro, um jovem muito atraente tanto de físico como pelas suas qualidades intelectuais, foi decapitado por recusar sacrificar a Vênus. No juízo declarou: “Estou atônito de que sacrifiqueis a uma mulher tão infame, cujas abominações são registradas por vossos mesmos historiadores, e cuja vida consistiu de umas ações que vossas próprias leis castigariam. Não, ao verdadeiro Deus oferecerei eu o sacrifício aceitável de louvores e orações”. Ao ouvir isto Ótimo, pró-cônsul da Ásia, ordenou que o prisioneiro fosse estirado na roda de tormento, quebrando-lhe todos os ossos, e depois foi enviado para ser decapitado.
A Nicômaco, chamado a comparecer diante do procônsul como cristão, ordenaram-lhe que sacrificasse aos ídolos pagãos. “Nicômano replicou: “Não posso dar a demônios a reverência devida só ao Todo Poderoso”. Esta maneira de falar enfureceu de tal modo o procônsul que Nicômaco foi colocado no potro. Depois de suportar os tormento durante algum tempo, se desdisse, porém apenas tinha dado tal prova de fraqueza, caiu nas maiores agonias, caindo no chão e expirando imediatamente.
Denisa, uma jovem de só dezesseis anos, que contemplou este terrível juízo, exclamou de repente: “Oh, infeliz, para que comprar um momento de alívio a custa de uma eternidade de miséria!”. Ótimo, ao ouvir isto, chamou-a, e ao reconhecer-se Denisa como cristã, foi logo decapitada por ordem sua.
André e Paulo, dois companheiros de Nicômaco o mártir, sofreram o martírio o 251 d.C. por lapidação, e morreram clamando a seu bendito Redentor.
Alexandre e Epímaco, de Alexandria, foram arrastados por serem cristãos; ao confessar que efetivamente o eram, foram espancados com paus, desgarrados com ganchos, e no final, queimados com fogo; também se nos informa, um fragmento preservado por Eusébio, que quatro mulheres mártires sofreram naquele mesmo dia, e no mesmo lugar, porém não da ma forma, por quanto foram decapitadas.
Luciano e Marciano, dois malvados pagãos, embora hábeis mágicos, se converteram ao cristianismo, e para expiarem seus antigos erros viveram como eremitas, sustentando-se só de pão e água. Depois de um tempo nesta condição, converteram-se em zelosos predicadores, e fizeram muitos conversos. Não obstante, rugindo nesta época a perseguição, foram apreendidos e levados ante Sabínio, o governador de Bitínia. Ao perguntar-lhes com base em que autoridade dedicavam-se a predicar, Luciano respondeu: “Que as leis da caridade e da honestidade obrigavam a todo homem a buscar a conversão de seus semelhantes, e a fazer tudo o que estiver em seu poder para libertá-los das garras do diabo”.
Tendo assim respondido Luciano, Marciano agregou que a conversão deles “teve lugar pela mesma graça que tinha sido dada a são Paulo, quem, de zeloso perseguidor da Igreja, se converteu em predicador do Evangelho”.
Vendo o procônsul que não podia prevalecer sobre eles para que renunciassem a sua fé, os condenou a serem queimados vivos, sentença que foi logo executada.
Trifão e Respício, dois homens eminentes, foram apreendidos como cristãos, e encarcerados em Niza. Seus pés foram traspassados com pregos; foram arrastados pelas ruas, açoitados, desgarrados com ganchos de ferro, queimados com tochas e finalmente decapitados, o 1º de fevereiro de 251 d.C.
Ágata, uma dama siciliana, não era tão notável pelos seus dotes pessoais e adquiridas como pela sua piedade; tal era sua formosura que Quintiano, governador da Sicilia, apaixonou-se por ela, e fez muitas tentativas para vencer sua castidade, porém sem êxito. A fim de gratificar suas paixões com a maior facilidade, colocou a virtuosa dama nas mãos de Afrodica, uma mulher infame e licenciosa. Esta miserável tratou, com seus artifícios, de ganhá-la para a desejada prostituição, mas viu falidos todos seus esforços, porque a castidade de Ágata era inexpugnável, e ela sabia muito bem que só a virtude poderia procurar uma verdadeira felicidade. Afrodica fez saber a Quintiano a inutilidade de seus esforço e este, enfurecido ao ver seus desígnios perdidos, mudou sua concupiscência pelo ressentimento. Ao confessar ela que era cristã, decidiu satisfazer-se com a vingança, ao não poder fazê-lo com a paixão. Seguindo ordens suas, foi flagelada, queimada com ferros candentes, e desgarrada com aguçados ganchos. Tendo suportado estas torturas com admirável fortaleza, foi logo colocada nua sobre brasas misturadas com vidro, e depois devolvida ao cárcere, onde expirou o 5 de fevereiro de 251.
Cirilo, bispo de Gortyna, foi preso por ordens de Lúcio, governador daquele lugar, que contudo o exortou a obedecer a ordem imperial de realizar sacrifícios, e salvar sua venerável pessoa da destruição; pois tinha oitenta e quatro anos. o bom prelado respondeu-lhe que como havia ensinado a outros durante muito tempo para que salvassem suas almas, agora só podia pensar em sua própria salvação. O digno prelado escutou sua sentença, dada com fúria, sem a menor emoção, andou animadamente até o lugar da execução, e sofreu seu martírio com grande inteireza.
Em nenhum lugar se manifestou esta perseguição com tanta sanha como na ilha de Creta, porque o governador, sumamente ativo na execução dos éditos imperiais, fez correr rios de sangue dos piedosos.
Babylas, um cristão com educação acadêmica, chegou a ser bispo de Antioquia o 237 d.C., depois de Zebino. Agiu com um zelo sem igual, e governou a Igreja com uma prudência admirável durante os tempos mais tormentosos.
A primeira desgraça que teve lugar na Antioquia durante sua missão foi seu assédio por Sapor, rei da Pérsia, que tendo invadido toda a Síria, tomou e saqueou esta cidade entre outras, e tratou os moradores cristãos dela com maior dureza que aos outros; porém foi pronto derrotado totalmente por Gordiano.
Depois da morte de Gordiano, no reinado de Décio, este imperador veio para a Antioquia, expressando seu desejo de visitar uma assembleia de cristãos; mas Babylas se opus, e negou-se absolutamente a que entrasse. O imperador dissimulou sua ira naquele tempo, porém pronto mandou buscar o biscpo, repreendendo-o duramente por sua insolência, e depois lhe ordenou que sacrificasse às deidades pagãs como expiação pela sua ofensa. Ao recusar, foi lançado no cárcere, carregado de correntes, tratado com a maior severidade, e depois decapitado, junto com três jovens que tinham sido seus alunos. Isto aconteceu em 251 d.C.
Alexandre, bispo de Jerusalém, foi encarcerado pela sua religião nesta mesma época, e ali morreu devido à dureza de seu encerro.
Juliano, um ancião e coxo devido à gota, e Cronião, um outro cristão, foram amarrados às gibas de uns camelos, cruelmente flagelados, e depois lançados no fogo e consumidos. Também quarenta donzelas foram queimadas na Antioquia, depois de terem sido encarceradas e flageladas.
No ano 251 de nosso Senhor, o imperador Décio, depois de ter erigido um templo pagão em Éfeso, ordenou que todos os habitantes da cidade sacrificassem aos ídolos. Esta ordem foi nobremente rechaçada por sete de seus próprios soldados, isto é, Maximiano, Marciano, Joanes, Malco, Dionísio, Seraiáon e Constantino. O imperador, querendo lograr que a estes soldados renunciassem a sua fé mediante suas exortações e brandura, deu-lhes um tempo considerável de respiro até voltarem de uma expedição. Durante a ausência do imperador, estes fugiram e se ocultaram numa caverna; ao saber disto o imperador a sua volta, a boca da cova foi selada, e todos morreram de fome.
Teodora, uma formosa e jovem dama de Antioquia, recusou sacrificar aos ídolos de Roma, e foi condenada ao bordel, para que sua virtude fosse sacrificada à brutalidade da concupiscência. Dídimo, um cristão, disfarçou-se com um uniforme de soldado romano, foi ao prostíbulo, informou a Teodora de quem era, e a aconselhou a fugir disfarçada com suas roupas. feito isto, e ao encontrarem um homem no bordel em lugar da formosa dama, Dídimo foi levado ante o governador, a quem confessou a verdade; ao reconhecer-se cristão, de imediato foi pronunciada contra ele a sentença de morte. Teodora, ou ouvir que seu libertador iria sofrer, acudiu ante o juiz, e rogou-lhe que a sentença recaísse sobre ela como pessoa culpável; porém, surdo aos clamores dos inocentes, e insensível às demandas da justiça, o implacável juiz condenou ambos, e foram executados; primeiro decapitados, e depois seus corpos queimados.
Secundiano, acusado de ser cristão, estava sendo conduzido a prisão por vários soldados. No caminho, Veriano e Marcelino disseram-lhes: “Aonde levais um inocente?”. Esta pergunta levou ao arresto deles e os três, depois de terem sido torturados, foram enforcados e decapitados.
Orígenes, o célebre presbítero e catequista de Alexandria, foi arrestado quando tinha sessenta e quatro anos, e foi lançado numa imunda masmorra, carregado de correntes, com os pés no cepo, e suas pernas estendidas ao máximo vários dias seguidos. Foi ameaçado com fogo, e torturado com todos os médios caprichados que podiam inventar as mentes mais infernais. Durante este cruel e prolongado tormento morreu o imperador Décio, e Gálio, quem o sucedeu, se envolveu numa guerra contra os godos, com o qual os cristãos tiveram um respiro. Durante este intervalo, Orígenes obteve a liberdade, e, retirando-se a Tiro, ficou ali até sua morte, que lhe sobreveio aos sessenta e nove anos de idade.
Tendo gálio concluído suas guerras, desatou-se uma praga no império; o imperador ordenou então sacrifícios às deidades pagãs, e se desencadearam perseguições desde o coração do império, estendendo-se até as províncias mais afastadas, e muitos caíram mártires da impetuosidade do populacho, assim como do prejuízo dos magistrados. Entre estes mártires estiveram Cornélio, bispo cristão de Roma, e seu sucessor Lúcio, em 253.
A maioria dos erros que se introduziram na Igreja nesta época surgiram por colocar a razão humana em competição com a revelação; mas ao demonstrar os teólogos mais capazes a falácia de tais argumentos, as opiniões que as haviam suscitado se desvaneceram como as estrelas diante do sol.
A oitava perseguição, sob Valeriano, 257 d.C.
Esta começou sob Valeriano, no mês de abril de 257 d.C., e continuou durante três anos e seis meses. Os mártires que caíram nesta penosa perseguição foram inúmeros, e suas torturas e mortes igual de variadas e penosas. Os mais eminentes entre os mártires foram os seguintes, embora não se respeitassem categoria, sexo nem idade.
Rufina e Secunda eram duas formosas e cumpridas damas, filhas de Astério, um cavaleiro eminente em Roma. Rufina, a mais velha, estava prometida em matrimônio a Armentário, um jovem nobre; Secunda, a menor, a Verino, pessoa de alcurnia e opulência. Os pretendentes, ao começar a perseguição, eram ambos cristãos; porém quando surgiu o perigo, renunciaram a sua fé para salvar suas fortunas. Se esforçaram então muito em persuadir às damas a fazer o mesmo mas, frustrados em seus propósitos, foram tão abjetos como para informar em contra delas que, arrestadas como cristãs, foram feitas comparecer ante Júnio Donato, governador de Roma, onde, em 257 d.C., selaram seu martírio com sangue.
Estevão, bispo de Roma, foi decapitado, aquele mesmo ano, e por aquele tempo Saturnino, o piedoso bispo ortodoxo de Toulouse, que recusou sacrificar aos ídolos, foi tratado com as mais bárbaras indignidades imagináveis, e amarrado pelos pés à cauda de um touro. Ao dar um sinal, o enfurecido animal foi conduzido escadas abaixo pelas escadarias do templo, com o qual foi destrocado o crânio do digno mártir até saírem os miolos.
Sixto sucedeu a Estevão como bispo de Roma. Supõe-se que era grego de nascimento ou origem, e tinha servido durante um tempo como diácono sob Estevão. Sua grande fidelidade, singular sabedoria e valor não comum o distinguiram em muitas ocasiões; e a feliz conclusão de uma controvérsia com alguns hereges é geral imputada à sua piedade e prudência. No ano 258, Marciano, que dirigia os assuntos do governo de Roma, conseguiu uma ordem do imperador Valeriano para dar morte a todo o clero cristão de Roma, e por isso o bispo, com seis de seus diáconos, sofreu o martírio em 258.
Aproximemo-nos ao fogo do martirizado Lourenço, para que nossos frios corações sejam por ele feitos arder. O implacável tirano, sabendo que não só era ministro dos sacramentos, senão também distribuidor das riquezas da Igreja, se prometia uma dupla presa com o arresto de uma só pessoa. primeiro, com o rastelo da avareza, conseguir para si mesmo o tesouro de cristãos pobres; depois, com o feroz ancinho da tirania, para agitá-los e perturbá-los, exauri-los em sua profissão, com um rosto feroz e cruel semblante, o cobiçoso lobo exigiu saber onde Lourenço tinha repartido as riquezas da Igreja; este, pedindo três dias de tempo, prometeu declarar onde poderia conseguir o tesouro. Enquanto isso, fez congregar uma grande quantidade de cristãos pobres. Assim, quando chegou o dia em que devia dar sua ro, o perseguidor ordenou-lhe que se mantivesse fiel à promessa. Então, o valoroso Lourenço, estendendo seus braços para os pobres, disse: “Estes são os preciosos tesouros da Igreja; estes são verdadeiramente o tesouro, aqueles nos que reina a fé de Cristo, nos que Jesus Cristo tem sua morada. Que jóias mais preciosas pode ter Cristo, senão aqueles nos que tem prometido morar? Porque assim está escrito: “Tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me” [1]. E também “quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” [2]. Que maiores riquezas pode possuir Cristo, nosso Mestre, que o povo pobre no qual quer ser visto?”
Ah! Que língua pode expressar o furor e a raiva do coração do tirano? Agora chutava, lançava furiosos olhares, gesticulava ameaçador, se comportava como alienado: seus olhos lançavam fogo, a boca espumava como a de um javali, e mostrava os dentes como um infernal mastim. Não podia ser agora chamado de homem racional, senão melhor de leão rugidor e bramador.
“Acendam o fogo!”, uivou ele, “E não poupem lenha! Tem enganado este vilão o imperador? Fora com ele, fora com ele: acoitem-no com chicotes, sacudam-no com varas, espanquem ele com socos, tirem seus miolos com paus. Zomba este traidor do imperador? Belisquem-no com pinças ardentes, apliquem nele placas incandescentes, tirem as correntes mais fortes, e os tridentes, e a grelha de ferro; ao fogo com ele; atem o rebelde de mãos e pés; e quando a grelhe esteja incandescente, lançai-o nela; assem-no, mexam ele, agitem-no: sob pena de nosso maior desagrado, que cada um de vós, carrascos, cumpra sua missão!”
Tão pronto foram emitidas estas palavras, foram cumpridas. Depois de cruéis tormentos, este manso cordeiro foi colocado, não direi que sobre sua cama candente de ferro, senão seu suave colchão de penas. De tal maneira Deus operou neste mártir Lourenço, de modo tão miraculoso moderou seu elemento fogo, que se converteu não numa cama de dor consumidor, senão num leito de repouso reparador.
Na África, a perseguição rugiu com uma violência peculiar; muitos milhares receberam a coroa do martírio, entre os quais podem mencionar-se as personalidades mas distinguidas:
Cipriano, bispo de Cartago, um eminente prelado e adorno da Igreja. O resplendor de seu gênio ia temperado pela solidez de seu juízo; e com todas as virtudes do cavaleiro combinava as virtudes de um cristão. Suas doutrinas eram ortodoxas e puras; sua linguagem, fácil e elegante; e suas maneiras gentis e atraentes; em resumo, era ao mesmo tempo um predicador piedoso e cortes. Em sua juventude tinha sido educado nos princípios dos gentios, e possuindo uma fortuna considerável, viveu em toda a extravagância do esplendor e em toda a dignidade do boato.
Por volta do ano 246, Cecílio, ministro cristão de Cartago, deveio um feliz instrumento de sua conversão, pelo qual, e pelo grande afeto que sempre sentiu para com o autor de sua conversão, foi chamado Cecílio Cipriano. Antes de seu batismo estudou cuidadosamente as Escrituras, e impressionado pelas belezas das verdades que continham, decidiu praticar as virtudes que nelas se recomendavam. Depois de seu batismo, vendeu suas possessões, distribuiu seu dinheiro entre os pobres, se vestiu de modo simples e começou uma vida de austeridade. Pronto foi nomeado presbítero, e sumamente admirado por suas virtudes e obras foi, após a morte de Donato em 248 d.C., escolhido quase unanimemente bispo de Cartago.
Os cuidados de Cipriano não se estendiam somente a Cartago, senão à Numídia e a Mauritânia. Em todas as transações teve sempre grande atenção em pedir o conselho de seu clero, sabendo que só a unanimidade poderia ser de serviço para a Igreja, sendo esta sua máxima: “Que o bispo estava na igreja, e a igreja no bispo, de modo que a unidade só pode ser preservada mediante um estreito vínculo entre o pastor e sua grei”.
No 250 d.C., Cipriano foi publicamente proscrito pelo imperador Décio, sob o nome de Cecílio Cipriano, bispo dos cristãos; e o clamor universal dos pagãos foi: “Cipriano aos leões, Cipriano às feras”. Não obstante, o bispo se afastou do furor do populacho, e suas possessões foram de imediato confiscadas. Durante seu retiro, escrevei trinta piedosas e elegantes epístolas a seu rebanho; porém vários cismas que tiveram então lugar na Igreja, provocaram-lhe grande ansiedade. A diminuir o rigor da perseguição, voltou a Cartago, e fez tudo o que estava a seu alcance para desfazer as opiniões errôneas. Ao desatar-se sobre Cartago uma terrível peste foi, como era costume, indiciada aos cristãos; os magistrados começaram então uma perseguição, o que ocasionou uma epístola deles a Cipriano, em resposta à qual ele vindicou a causa do cristianismo. Em 257 d.C., Cipriano foi obrigado a comparecer ante o pró-cônsul Aspásio Patumo, quem o desterrou a uma pequena cidade no mar da Líbia. Ao morrer o pró-cônsul, voltou a Cartago, mas foi prestamente arrestado e, levado diante do novo governador, foi condenado a ser decapitado, sentença que foi executada o catorze de 258 d.C.
Os discípulos de Cipriano, martirizado nesta perseguição, foram Lúcio, Flaviano, Vitórico, Remo, Montano, Juliano, Primelo e Doniciano.
Em Utica teve lugar uma terrível tragédia: trezentos cristãos foram trazidos, por ordem do governador, e colocados em volta de um forno de cozimento de cerâmica. Tendo preparado as brasas e incenso, foi-lhes ordenado que, ou sacrificavam a Júpiter, ou seriam lançados no forno. Recusando todos unânimes, pularam valorosamente na fossa, e foram de imediato asfixiados.
Fructuoso, bispo de Tarragona, na Espanha, e seus dois diáconos, Augúrio e Eulógio, foram queimados por serem cristãos.
Alexandre, Malco e Prisco, três cristãos da Palestina, e uma mulher do mesmo lugar, se acusaram voluntariamente de serem cristãos, pelo que foram sentenciados a serem devorados por tigres, sentença que foi executada.
Máxima, Donatila e Secunda, três moças de Tuburga, receberam como bebida fel e vinagre, foram duramente flageladas, atormentadas sobre um patíbulo, esfregadas com cal, assadas sobre umas grelhas, maltratadas por feras, e finalmente decapitadas.
É aqui oportuno observar a singular mas mísera sorte do imperador Valeriano, que durante tanto tempo e tão duramente perseguiu os cristãos. Este tirano foi feito prisioneiro, mediante um estratagema, por Sapor, imperador da Pérsia, quem o levou a seu próprio país, tratando-o ali com a mais inusitada indignidade, fazendo-o ajoelhar como o mais humilde escravo e colocando seus pés sobre ele a modo de banquinho quando montava em seu cavalo. Depois de havê-lo tido durante sete anos neste abjeto estado de escravidão, fez que lhe tirassem os olhos, embora tinha então oitenta e três anos. Não satisfeito ainda, pronto ordenou que o esfolassem vivo e que lhe esfregassem sal na carne viva, morrendo sob tais torturas. Assim caiu um dos mais tirânicos imperadores de Roma, e um dos maiores perseguidores dos cristãos.
No 260 d.C., sucedeu Gallieno, filho de Valeriano, e durante seu reinado (aparte de uns poucos mártires), a Igreja gozou de paz durante alguns anos.
A nona perseguição sob Aureliano, 274 d.C.
Os principais que padeceram nesta foram: Felix, bispo de Roma. Este prelado acedeu à sede de Roma em 274 . foi o primeiro mártir da petulância de Aureliano, sendo decapitado no 22 de dezembro aquele mesmo ano.
Agapito, um jovem cavaleiro, que tinha vendido suas possessões e entregado o dinheiro aos pobres, foi arrestado como cristão, torturado e depois decapitado em Praeneste, uma cidade a um dia de viagem de Roma.
Estes são os únicos mártires registrados durante este reinado, que pronto viu seu fim, ao ser o imperador assassinado em Bizâncio por seus próprios criados.
Aureliano foi sucedido por Tácito, que foi seguido por Probo, e este por Caro; ao ser morto este imperador por um raio, seus filhos Camio e Numeriano o sucederam, e durante todos estes reinados a igreja teve paz.
Diocleciano acedeu ao trono imperial em 284 d.C. ao princípio mostrou grande favor aos cristãos. No ano 286 associou consigo no império a Maximiano. Alguns cristãos foram mortos antes que de desatasse nenhuma perseguição geral. Entre estes estavam Feliciano e Primo, que eram irmãos.
Marco e Marceliano eram gêmeos, naturais de Roma, e de linhagem nobre. Seus pais eram pagãos, mas os tutores, aos quais tinha sido encomendada a educação dos filhos, os criaram como cristãos. Sua constância aplacou finalmente os que desejavam que se convertessem em pagãos, e seus pais e toda a família se converteram a uma fé que antes reprovavam. Foram martirizados sendo amarrados a estacas, com os pés traspassados por pregos. Depois de permanecer nesta situação um dia e uma noite, seus sofrimentos foram terminados com umas lanças que traspassaram seus corpos.
Zoe, a mulher do carcereiro, que teve a seu cuidado os mártires acabados de mencionar, foi também convertida por eles, e foi pendurada numa árvore, com um fogo de palha aceso embaixo dela. Quando seu corpo foi descido, foi lançado num rio, com uma grande pedra amarrada a ele, a fim de afundar.
No ano 286 de Cristo teve lugar um fato além de notável. Uma legião de soldados, que consistia seis mil setecentos e seis homens, estava totalmente constituída por cristãos. Esta legião era chamada a Legião Tebana, porque os homens tinham sido recrutados de Tebas; estiveram aquartelados no oriente até que o imperador Maximiano ordenou que se dirigissem às Gálias, para que ajudassem contra os rebeldes de Borgofia. Passaram os Alpes, entrando nas Gálias, sob as ordens de Mauricio, Cândido e Exupernio, seus dignos comandantes, e no fim se reuniram com o imperador. Maximiano, para este tempo, ordenou um sacrifício geral, ao que devia assistir todo o exército; também ordenou que se devia tomar juramento de lealdade e ao mesmo tempo que se devia jurar ajudar à extirpação do cristianismo nas Gálias. Alarmados ante as ordens, cada um dos componentes da Legião Tebana recusou de maneira absoluta a tomar os juramentos prescritos. Isto enfureceu de tal modo a Maximiano que ordenou que toda a legião fosse dizimada, isto é, que se selecionasse um de cada dez homens, e matá-lo a espada. Tendo executado esta sanguinária ordem, o resto permaneceu inflexível, tendo lugar uma segunda dizimação, e um de cada dez homens dos que sobravam foi também morto a espada. Este segundo castigo não teve mais efeito que o primeiro; os soldados se mantiveram firmes em sua decisão e em seus princípios, mas por conselho de seus oficiais fizeram um protesto de fidelidade a seu imperador. Poderia pensar-se que isso suavizaria o imperador, mas teve o efeito contrário, porque, encolerizado ante a perseverança e unanimidade que demonstravam, ordenou que toda a legião fosse morta, o que foi efetivamente executado pelas outras tropas, que os despedaçaram com suas espadas, o 22 de setembro de 286.
Alban, de quem recebeu seu nome St. Alban’s, em Henfordshire, foi o primeiro mártir britânico. Grã Bretanha tinha recebido o Evangelho de Cristo mediante Lúcio, o primeiro rei cristão, mas não sofreu a ira da perseguição até muitos anos depois. Alban era originalmente pagão, porém convertido por um clérigo cristão, chamado Anfíbalo, a quem deu hospitalidade a causa de sua religião. Os inimigos de Anfíbalo, sabendo do lugar onde estava escondido, chegaram à casa de Alban, o qual, a fim de facilitar sua fuga, apresentou-se como a pessoa a qual procuravam. Ao descobrir-se o engano, o governador ordenou que o açoitaram, e depois foi sentenciado a ser decapitado, o 22 de junho de 287.
Nos assegura o venerável Beda que, nesta ocasião, o carrasco se converteu subitamente ao cristianismo e pediu permissão para morrer por Alban, ou com ele. Obtendo sua segunda petição, foram ambos decapitados por um soldado, que assumiu voluntariamente o papel de carrasco. Isto aconteceu no 22 de junho de 287 em Verulam, agora St. Alban’s, em Henfordshire, onde se levantou uma magnífica igreja em sua memória para o tempo de Constantino o Grande. O edifício, destruído nas guerras saxonas, foi reconstruído por Offa, rei de Mercia, e junto dele se levantou um mosteiro, sendo ainda visíveis algumas de suas ruínas; a igreja é um nobre edifício gótico.
Fé, uma mulher cristã da Aquitânia, França, foi assada sobre a grelha, e logo decapitada, em 287 d.C.
Quintino era um cristão natural de Roma, mas decidiu empreender a propagação do Evangelho nas Gálias, com um tal Luciano, e predicaram juntos em Amiens; depois disso, Luciano foi para Beaumaris, ode foi martirizado. Quintino permaneceu na Picardia, e mostrou grande zelo em seu ministério. Arrestado como cristão, foi estirado com polias até que se deslocaram seus membros; seu corpo foi desgarrado com chicotes de arames, e derramaram óleo e breu fervendo sobre sua carne nua; foram aplicadas tochas acesas a seus lados e axilas; depois de ter sido torturado deste modo, foi enviado de volta para a masmorra, onde morreu no 31 de outubro de 287 pelas atrocidades que tinham-lhe infligido. Seu corpo foi lançado ao Somme.
A décima perseguição, sob Diocleciano, 303 d.C.
Sob os imperadores romanos, a comumente chamada Era dos Mártires, foi ocasionada em parte pelo aumento no número dos cristãos e por suas crescentes riquezas, e pelo ódio de Galério, o filho adotivo de Diocleciano, quem, estimulado por sua mãe, uma fanática pagã, nunca deixou de empurrar o imperador para que iniciasse esta perseguição até lograr seu propósito.
O dia fatal fixado para o começo da sangrenta obra era o 23 de fevereiro de 303, o dia em que se celebrava a Terminalia, e no qual, como se jactavam os cruéis pagãos, esperavam acabar com o cristianismo. No dia indicado começou a perseguição em Nicomédia, na manhã da qual o prefeito da cidade acudiu, com grande número de oficiais e xerifes, até a igreja dos cristãos onde, forçando as portas, tomaram todos os livros sagrados e os lançaram às chamas.
Toda esta ação teve lugar em presença de Diocleciano e Galério, os quais, não satisfeitos com queimar os livros, fizeram derruir a igreja sem deixar rasto. Isto foi seguido por um severo édito, ordenando a destruição de todas as outras igrejas e livros dos cristãos; pronto seguiu uma ordem, para proscrever os cristãos de todas as denominações.
A publicação deste édito ocasionou um martírio imediato, porque um atrevido cristão não só o arrancou do lugar onde estava colocado, senão que execrou o nome do imperador por esta injustiça. Uma provocação assim foi suficiente para atrair sobre si a vingança pagã; foi então arrestado, severamente torturado, e finalmente queimado vivo.
Todos os cristãos foram presos e encarcerados; Galério ordenou em privado que o palácio imperial fosse incendiado, para que os cristãos fossem acusados de incendiários, dando assim uma plausível razão para levar a cabo a perseguição com a maior das severidades. Começou um sacrifício geral, o que ocasionou vários martírios. Não se fazia distinção de idade nem de sexo; o nome de cristão era tão odioso para os pagãos que todos imediatamente caíram vítimas de suas opiniões. Muitas casas foram incendiadas, e famílias cristãs inteiras pereceram nas chamas; a outros foram amarradas pedras no pescoço, e amarrados juntos foram lançados no mar. A perseguição se fez geral em todas as províncias romanas, mas principalmente no leste. Por quanto durou dez anos, é impossível determinar o número de mártires, nem enumerar as várias formas de martírio.
Potros, chicotes, espadas, adagas, cruzes, veneno e fome se empregaram nos diversos lugares para dar morte aos cristãos; e se esgotou a imaginação no esforço de inventar torturas contra pessoas que não tinham cometido crime algum, senão que pensavam de modo distinto dos seguidores da superstição.
Uma cidade de Frigia, totalmente povoada por cristãos, foi queimada, e todos os moradores pereceram nas chamas.
Cansados da matança, finalmente, vários governadores apresentaram ante a corte imperial o inapropriado de tal conduta. Por isso muitos dos cristãos foram eximidos de serem executados mas, embora não eram mortos, se fazia de tudo para fazê-lhes a vida miserável; a muitos cortaram as orelhas, os narizes, tiravam o olho direito, inutilizavam seus membros mediante terríveis deslocações, e queimavam suas carnes em lugares visíveis com ferros candentes.
É necessário agora indicar de maneira particular as pessoas mais destacadas que deram sua vida em mártir nesta sangrenta perseguição.
Sebastião, um célebre mártir, tinha nascido em Narbona, nas Gálias, e depois chegou a ser oficial da guarda do imperador em Roma. Permaneceu um verdadeiro cristão em meio da idolatria. Sem deixar-se seduzir pelos esplendores da corte, sem manchar-se pelos maus exemplos, e incontaminado por esperanças de ascensão. Recusando cair no paganismo, o imperador o fez levar a um campo perto da cidade, chamado Campo de Marte, e que ali o matassem com flechas; executada a sentença, alguns piedosos cristãos acudiram ao lugar da execução, para dar sepultura ao corpo, e perceberam então que havia ainda sinais de vida em seu corpo; levaram-no de imediato para um lugar seguro, e em pouco tempo recuperou-se, preparando-se para um segundo martírio, pois tão pronto com pôde sair se colocou intencionalmente no caminho do imperador quando este subia rumo ao templo, e o repreendeu pelas muitas crueldades e irrazoáveis prejuízos contra o cristianismo. Diocleciano, quando pôde recuperar-se de seu assombro, ordenou que Sebastião fosse apreendido e levado a um lugar perto do palácio, e ali espancado até morrer; e para que os cristãos não conseguissem nem recuperar nem sepultar seu corpo, ordenou que fosse lançado no esgoto. Não obstante, uma dama cristã chamada Lucina achou o modo de tirá-lo dali e de sepultá-lo nas catacumbas, ou nichos dos mortos.
Para este tempo os cristãos, depois de uma séria consideração, pensaram que era ilegítimo portar armas sob as ordens de um imperador pagão. Maximiliano, o filho de Fábio Vitor, foi o primeiro decapitado sob esta norma.
Vito, siciliano de uma família de alta linhagem, foi educado como contudo; ao aumentar suas virtudes com o passar dos anos, sua constância através de todas as aflições e sua fé foi superior aos maiores perigos. Seu pai Hylas, que era pagão, ao descobrir que seu filho tinha sido instruído nos princípios do cristianismo pela ama-de-leite que o havia criado, empregou todos seus esforços para voltá-lo ao paganismo, e no final sacrificou seu filho aos ídolos, o 14 de junho de 303 d.C.
Vitor era um cristão de boa família em Marselha, na França; passava grande parte da noite visitando os aflitos e confirmando os fracos; esta piedosa obra não podia ser levada a cabo durante o dia de maneira consoante com sua própria segurança; gastou uma fortuna em aliviar as angústias dos cristãos pobres. Finalmente, porém, foi arrestado por édito do imperador Maximiano, que ordenou que fosse amarrado e arrastado pelas ruas. Durante o cumprimento desta ordem foi tratado com todo tipo de crueldades, e indignidades pelo enfurecido populacho. Continuando inflexível, seu valor foi considerado como obstinação. Se ordenou que fosse colcado no potro, e ele voltou seus olhos para o céu, orando a Deus que lhe desse paciência, trás o qual sofreu as torturas com a mas admirável inteireza. Cansados os carrascos de atormentá-lo, foi levado a uma masmorra. Neste encerro converteu seus carcereiros, chamados Alexandre, Feliciano e Longino. Sabendo o imperador disto, ordenou que fossem executados de imediato, e os carcereiros foram por isso decapitados. Vitor foi novamente colocado no potro, espancado com varas sem misericórdia, e de novo lançado na prisão. Ao ser interrogado pela terceira vez acerca de sua religião, perseverou em seus princípios; trouxeram então um pequeno altar e lhe ordenaram de imediato oferecer incenso sobre ele. Inflamado de indignação ante tal petição, adiantou-se valorosamente, e com um chute derrubou o altar e o ídolo. Isto enfureceu de tal modo a Maximiano, que estava presente, que ordenou que o pé que tinha batido o altar fosse de imediato amputado; depois Vitor foi lançado num moinho, e destrocado pelas pás no 303 d.C.
Estando Máximo, governador da Cilícia, em Tarso, fizeram comparecer perante ele três cristãos; seus nomes eram Taraco, um ancião, Probo e Andrônico. Depois de repetidas tortutas e exortações para que se retratassem, foram finalmente levados à sua execução.
Conduzidos ao anfiteatro, soltaram várias feras, mas nenhum dos animais, embora faminto, quis tocá-los. Inteira o imperador tirou um grande urso, que naquele mesmo dia tinha destruído três homens; porém tanto este voraz animal como uma selvagem leoa recusaram tocar nos prisioneiros. Ao ver impossibilitado seu desígnio por meio das feras, Máximo ordenou sua morte por espada, o 11 de outubro de 303 d.C.
Romano, natural da Palestina, era diácono da igreja de Cesaréia na época do começo da perseguição de Diocleciano. Condenado por sua fé em Antioquia, foi flagelado, colocado no potro, seu corpo foi desgarrado com ganchos, sua carne cortada com facas, seu rosto marcado; tiraram-lhe os dentes a golpes, e arrancaram-lhe o cabelo desde as raízes. Pouco depois ordenaram que fosse estrangulado. Era o 17 de novembro de 303.
Susana, sobrinha de Caio, bispo de Roma, foi pressionada pelo imperador Diocleciano para casar com um nobre pagão, que era um parente próximo do imperador. Recusando a honra que lhe era proposta, foi decapitada por ordem do imperador.
Dorotéu, o grande mordomo da casa de Diocleciano, era cristão, e se esforçou muito por ganhar convertidos. Em seu trabalho religioso foi ajudado por Gorgônio, outro cristão, que pertencia ao palácio. Foram primeiro torturados e logo estrangulados.
Pedro, um eunuco que pertencia ao imperador, era um cristão de uma singular modéstia e humildade. Foi colocado numa grelha e assado a fogo lento até expirar.
Cipriano, conhecido como O Mágico, para distingui-lo do Cipriano bispo de Cartago, era natural de Antioquia. Recebeu uma educação acadêmica em sua juventude, e se aplicou de maneira particular à astrologia; depois disso, viajou para ampliar conhecimentos, indo pela Grécia, o Egito, a índia, etc. com o passar do tempo conheceu a Justina, uma jovem dama de Antioquia, cujo nascimento, beleza e qualidades suscitavam a admiração de todos os que a conheciam. Um cavaleiro pagão pediu a Cipriano que o ajudasse a conseguir o amor da bela Justina; empreendendo ele esta tarefa, pronto foi, apesar de tudo, convertido, queimou seus livros de astrologia e mágica, recebeu o batismo e sentiu-se animado pelo poderoso espírito da graça. A conversão de Cipriano exerceu um grande efeito sobre o cavaleiro pagão que lhe pagava suas gestões com Justina, e pronto ele mesmo abraçou o cristianismo. Durante as perseguições de Diocleciano, Cipriano e Justina foram apressados como cristãos; o primeiro foi desgarrado com pinças e a segunda, açoitada; depois de sofrer outros tormentos, ambos foram decapitados.
Eulália, uma dama espanhola de família cristã, era notável em sua juventude por eu gentil temperamento, e por sua solidez de entendimento, poucas vezes achado nos caprichos dos anos juvenis. Apressada como cristã, o magistrado tentou das maneiras mais suaves ganhá-la para o paganismo, mas ela ridicularizou as deidades pagãs com tanta aspereza que o juiz, enfurecido por sua conduta, ordenou que fosse torturada. Assim, seus costados foram desgarrados com ganchos, e seus peitos queimados do modo mais espantoso, até que expirou devido à violência das chamas; isto aconteceu em dezembro de 303.
No ano 304, quando a perseguição alcançou a Espanha, Daciano, governador de Tarragona, ordenou que Valério, o bispo, e Vicente, o diácono, foram apressados, acorrentados e encarcerados. Ao manter-se firmes os presos em sua resolução, Valério foi desterrado, e Vicente colocado no potro, deslocando seus membros, desgarrando a carne com ganchos, e sendo colocado sobre uma grelha, não só colocando fogo embaixo dele, senão também ferroes acima, que atravessavam a carne. Ao não destruí-lo estes tormentos, nem fazê-lo mudar de atitude,foi devolvido à prisão, confinado numa pequena e imunda masmorra, semeada de pedras de sílex aguçadas e de cacos de vidro, onde morreu o 22 de janeiro de 304. seu corpo foi lançado no rio.
A perseguição de Diocleciano, começou a endurecer-se de modo particular no ano 304, quando muitos cristãos foram torturados de maneira cruel e mortos com as mortes mais penosas e ignominiosas. Deles enumeraremos os mais eminentes e destacados.
Saturnino, um sacerdote de Albitina, cidade da África, foi, depois de sua tortura, enviado de novo na prisão, onde foi deixado para morrer de fome. seus quatro filhos, depois de terem sido atormentados de várias formas, partilharam a mesma sorte com seu pai.
Dativas, um nobre senador romano; Telico, um piedoso cristão; Vitória, uma jovem dama de uma família de alta estirpe e fortuna, com alguns outros de classes sociais mais humildes, todos eles discípulos de Saturnino, foram torturados de forma similar, e pereceram do mesmo modo.
Ágape, Quiônia e Irene, três irmãs, foram encarceradas em Tessalônica, quando a perseguição de Diocleciano chegou à Grécia. Foram queimadas, e receberam nas chamas a coroa do martírio o 25 de março de 304. o governador, ao ver que não podia causar impressão alguma sobre Irene, ordenou que fosse exposta nua pelas ruas, e quando esta vergonhosa ordem foi executada, se acendeu um fogo perto da muralha da cidade, entre cujas chamas subiu seu espírito, indo além da crueldade humana.
Agato, homem de piedosa mente, e Cassice, Felipa e Eutíquia, foram todos martirizados na mesma época; mas os detalhes não nos foram transmitidos.
Marcelino, bispo de Roma, que sucedeu a Caio naquela sede, tendo-se oposto intensamente a que se dessem honras divinas a Diocleciano, sofreu o martírio, mediante uma variedade de torturas, no ano 304, consolando sua alma até expirar com a perspectiva daqueles gloriosos galardões que receberia pelas torturas experimentadas no corpo.
Vitório, Caorpoforo, Severo e Seveano eram irmãos, e os quatro estavam empregados em cargos de grande confiança e honra na cidade de Roma. Tendo-se manifestado contra o culto dos ídolos, foram arrestados e açoitados com a plumetx, ou açoite que em seu extremo levavam bolas de chumbo. Este castigo foi aplicado com tão excesso de crueldade que os piedosos irmãos caíram mártires sob sua dureza.
Timóteo, diácono de Mauritânia, e sua mulher Maura, não tinham estado unidos mais de três semanas pelo vínculo do matrimônio, quando se viram separados um do outro pela perseguição. Timóteo, apressado por cristão, foi levado ante Arriano, governador de Tebas, que sabendo que guardava as Sagradas Escrituras, mandou que as entregasse para queimá-las. A isto ele respondeu: “Se eu tiver filhos, antes tos daria para que fossem sacrificados, que separar-me da Palavra de Deus”. o governador, irado em grande maneira antes esta contestação, ordenou que lhe foram arrancados os olhos com ferros candentes, dizendo: “Pelo menos os livros não te serão de utilidade, porque não voltarás a lê-los”. Sua paciência ante esta ação foi tão grade que o governador se exasperou mais e mais; por isso, a fim de quebrantar sua fortaleza, ordenou que o pendurassem dos pés, com um peso amarrado no pescoço, e uma mordaça na boca. Neste estado, Maura o urgiu docemente para que se retratasse, por causa dela; porém ele, quando tiraram a mordaça de sua boca, em vez de aceder aos rogos de sua mulher, a censurou intensamente por seu desviado amor, e declarou sua resolução de morrer pela sua fé. A consequência disso foi que Maura decidiu imitar seu valor e fidelidade, e ou bem acompanhá-lo, ou então segui-lo na glória. O governador, trás tentar em vão que mudasse de atitude, ordenou que fosse torturada, o que foi executado com grande severidade. Depois disso, Timóteo e Maura foram crucificados perto um do outro, o 304 d.C.
A Sabino, bispo de Assis, foi-lhe cortada a mão por ordem do governador de Toscana, por recusar sacrificar a Júpiter, e por empurrar o ídolo diante dele. Estando no cárcere, converteu o governador e sua família, os quais sofreram o martírio pela fé. Pouco depois da execução deles, o próprio Sabino foi flagelado até morrer, em dezembro de 304.
Cansado da farsa Deus estado e dos negócios públicos, o imperador Diocleciano abdicou à coroa imperial e foi sucedido por Constâncio e Galério; o primeiro era um príncipe de uma disposição sumamente gentil e humana, e o segundo igualmente destacável pela sua crueldade e tirania. Estes se dividiram o império em dois governos iguais, reinando Galério no oriente e Constâncio no ocidente; e os povos sob ambos governos sentiram os efeitos das disposições dos dois imperadores, porque os de ocidente eram governados da maneira mais gentil, enquanto que os que residiam em oriente sentiam todas as misérias da opressão e de torturas dilatadas.
Entre os muitos martirizados por ordem de Galério, mencionaremos os mais eminentes.
Anfiano era um cavaleiro proeminente em Lúcia, e estudante de Eusébio; Julita, uma mulher licaônia de régia linhagem, porém mais célebre por suas virtudes que por sua sangue nobre. Enquanto estava no potro, deram morte a seu filho diante dela. Julita, de Capadócia, era uma dama de distinguida capacidade, grande virtude e insólito valor. Para completar sua execução, derramaram breu fervente sobre seus pés, desgarraram seus lados com ganchos e recebeu a culminação de seu martírio sendo decapitada o 16 de abril de 305.
Hermolaos, um cristão piedoso e venerável, muito ancião, e grande amigo de Pantaleão, sofreu o martírio pela fé no mesmo dia e da mesma forma que aquele.
Eustrátio, secretário do governador de Armina, foi lançado num forno de fogo por exortar alguns cristãos que tinham sido apresados a perseverarem na fé.
Nicander e Marciano, dois destacados oficiais militares romanos, foram encarcerados por sua fé. Como eram ambos homens de grande valia em sua profissão, se empregaram todos os médios imagináveis para persuadi-los a renunciar ao cristianismo; porém, ao encontrar-se ineficazes estes médios, foram decapitados.
No reino de Nápoles tiveram lugar vários martírios, em particular Januaries, bispo de Beneventum; Sósio, diácono de Misene; Próculo que também era diácono; Eutico e Acutio, homens de Pueblo; Festo, diácono, e Desidério, leitor, todos eles foram, por serem cristãos, condenados pelo governador de Campânia a serem devorados pelas feras. Mas os selvagens animais não queriam tocá-los, pelo que foram decapitados.
Quirínio, bispo de Siscia, levado perante o governador Matênio, recebeu a ordem de sacrificar às deidades pagãs, em conformidade com as ordens de vários imperadores romanos. O governador, ao ver sua decisão contrária, o enviou a prisão, acorrentado, dizendo-se que as durezas de uma masmorra, alguns tormentos ocasionais e o peso das correntes poderiam quebrantar sua resolução. Mas decidido em seus princípios, foi enviado a Amâncio, o principal governador de Panonia, hoje na Hungria, que o carregou de correntes e o arrastou pelas principais cidades do Danúbio, expondo-o à zombaria popular por onde quer que passava. Chegando finalmente a Sabária, e vendo que Quirino não renunciaria a sua fé, ordenou lançá-lo no rio, com uma pedra amarrada no pescoço. Ao executar-se esta sentença, Quirino flutuou durante certo tempo, exortando o povo nos termos mais piedosos, e concluindo suas admoestações com esta oração: “Não é nada novo para ti, oh, Todo Poderoso Jesus, deter os cursos dos rios, nem fazer que alguém caminhe sobre as águas, como fizeste com teu servo Pedro; o povo já tem visto uma prova de teu poder em mim; concede-me agora que dê minha vida por tua causa, oh, meu Deus”. ao pronunciar estas últimas palavras afundou de imediato, e morreu, no 4 de junho de 308. seu corpo foi depois resgatado e sepultado por alguns piedosos cristãos.
Pânfilo, natural de Fenícia, de uma família de estirpe, foi um homem de tão grande erudição que foi chamado um segundo Orígenes. Foi recebido no corpo do clero em Cesaréia, onde estabeleceu uma biblioteca pública e dedicou seu tempo à prática de toda virtude cristã. Copiou a maior parte das obras de Orígenes de seu próprio punho e letra, e ajudado por Eusébio, deu uma cópia correta do Antigo Testamento, que tinha sofrido muito pela ignorância ou negligência dos anteriores transcriptores. No ano 307 foi apreendido e sofreu tortura e martírio.
Marcelo, bispo e Roma, ao ser desterrado por sua fé, caiu mártir das desgraças que sofreu no exílio, o 16 de janeiro de 310.
Pedro, o décimo sexto bispo de Alexandria, foi martirizado o 25 de novembro de 311, por ordem de Máximo César, que reinava no leste.
Inês, uma donzela de só treze anos, foi decapitada por ser cristã; também o foi Serena, a esposa imperatriz de Diocleciano. Valentino, seu sacerdote, sofreu a mandamentos sorte em Roma; e Erasmo, bispo, foi martirizado na Campânia.
Pouco depois disto, a perseguição diminuiu nas zonas centrais do império, assim como no ocidente; e a Providência começou finalmente a manifestar vingança contra os perseguidores. Maximiano tentou corromper sua filha Fausta para dar morte a seu marido Constantino; ela o revelou a este, e Constantino obrigou-o a escolher sua própria morte, com o que Maximiano decidiu-se pela ignomínia de ser pendurado depois de ter sido imperador quase vinte anos.
Constantino era o bom e virtuoso filho de um pai também bom e virtuoso, e nasceu na Grã Bretanha. Sua mãe se chamava Helena, filha do rei Coilo. Era um príncipe muito generoso e gentil, tendo o desejo de cuidar da educação e das belas artes, e frequentemente ele mesmo lia, escrevia e estudava. Teve um maravilhoso êxito e prosperidade em tudo quanto empreendeu, o que supus que provinha disto (o que assim era com certeza): que era um grande favorecedor da fé cristã. Fé que, quando abraçou, o fez com a mais devota e religiosa reverência.
Assim Constantino, suficientemente dotado de forças humanas, mas especialmente dotado por Deus, empreendeu caminho a Itália durante o último ano da perseguição, o 313 d.C. Majêncio, ao saber da chegada de Constantino, e confiando mais em sua diabólica arte mágica que na boa vontade de seus súbditos —vontade que bem pouco merecia—, não ousou mostrar-se fora da cidade nem se enfrentar com ele em campo aberto, senão que emboscou varias guarnições ocultas em diversos lugares estreitos por onde aquele deveria passar, com as quais Constantino se bateu em diversas escaramuças, vencendo-as pelo poder de Deus.
Não obstante, Constantino não estava ainda em paz, senão com grandes ansiedades e temor em sua mente (aproximando-se agora de Roma), devido aos encantamentos e feitiçarias de Majêncio, com as que havia vencido contra Severo, a quem Galério tinha enviado contra ele. Por isso, estando em grande dúvidas e perplexidade em si mesmo, e dando voltas a muitas coisas em sua mente, acerca de que ajuda poderia ter contra as operações de sua mágica, Constantino, aproximando-se em sua viagem à cidade, e elevando muitas vezes os olhos para o céu, viu no sul, quando o sol estava se pondo, um grande resplendor no céu, que parecia uma cruz, dando esta inscrição: “In hoc vince”, ou seja: “Vence por meio disto”.
Eusébio Pânfilo dá testemunho de que ele ouvu o próprio Constantino repetir várias vezes, e também jurar que era coisa verdadeira e certa o que tinha visto com seus próprios olhos no céu, e também os soldados com ele. Ao ver aquilo ficou grandemente atônito, e consultando com seus homens acerca do significado disso, então se apareceu a ele Cristo, convidando-o a tomá-la como sinal, e a levá-la em suas guerras diante dele, e que assim obteria a vitória.
Constantino estabeleceu de tal modo a paz da Igreja que pelo espaço de mil anos não lemos de nenhuma perseguição contra os cristãos, até o tempo de John Wickliffe.
Tão feliz, tão gloriosa foi a vitória de Constantino, de sobrenome o Grande! Pelo gozo e a alegria da qual os cidadãos que antes tinham mandado prendê-lo, o buscaram para levá-lo em grande triunfo na cidade de Roma, onde foi recebido com grandes honras e celebrado por sete dias seguidos; além disso, fez levantar no mercado sua imagem, sustentando na destra o sinal da cruz, com esta inscrição: “Com este sinal de saúde, o verdadeiro signo de fortaleza, resgatei e libertei vossa cidade do jugo do tirano”.
Terminaremos nosso relato da décima e última perseguição geral com a morte de são Jorge, o santo titular e patrono da Inglaterra. São Jorge nasceu em Capadócia, de pais cristãos, e, dando prova de seu valor, foi ascendido no exército do imperador Diocleciano. Durante a perseguição, são Jorge abandonou sua comissão, foi valentemente até o senado e manifestou abertamente sua condição de cristão, aproveitando a ocasião para protestar contra o paganismo, e para indicar o absoluto de dar culto a ídolos. Esta liberdade provocou de tal modo o senado que deram ordem de torturar a Jorge, o qual foi, por ordem do imperador, arrastado pelas ruas e decapitado no dia seguinte.
A lenda do dragar, associada com este martírio, é usualmente ilustrada representando a são Jorge sentado sobre um cavalo lançado ao ataque, traspassando o mostro com sua lança. Este dragão ardente simboliza o diabo, que foi vencido pela firme fé de são Jorge em Cristo, que permaneceu imutável a pesar do tormento e da morte.
[1] Mateus 25:25, ACF.
[2] Mateus 25:40, ACF.