Para avaliar plenamente o valor da salvação, é preciso compreender o que ela custa. Em consequência das ideias limitadas acerca dos sofrimentos de Cristo, muitos estimam em pouco a grande obra de expiação. O glorioso plano da redenção humana foi produzido mediante o infinito amor de Deus o Pai. Neste plano divino vê-se a mais maravilhosa manifestação de amor de Deus para com a raça caída. Um amor tal como o que se revela no dom do amado Filho de Deus, causou pasmo aos santos anjos. “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” João 3:16. Este Salvador era o resplendor da glória de Seu Pai, e a expressa imagem de Sua pessoa. Possuía majestade divina, perfeição e excelência. Era igual a Deus. “Foi do agrado do Pai que toda a plenitude nEle habitasse.” Col. 1:19. “Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas aniquilou-Se a Si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-Se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-Se a Si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.” Filip. 2:6-8.
Cristo consentiu em morrer no lugar do pecador, para que este, por uma vida de obediência, pudesse escapar da pena da lei de Deus. Sua morte não anulou a lei; não aboliu a lei, nem lhe diminuiu as santas reivindicações, nem tirou qualquer coisa de sua sagrada dignidade. A morte de Cristo proclamou a justiça da lei de Seu Pai em castigar o transgressor, no fato de Ele próprio consentir em sofrer a pena da lei, a fim de salvar o homem caído de sua maldição. A morte do amado Filho de Deus na cruz, mostra a imutabilidade da lei de Deus. Sua morte engrandece a lei e a torna gloriosa, dando ao homem prova de seu imutável caráter. De Seus próprios lábios divinos, ouvem-se as palavras: “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir.” Mat. 5:17. A morte de Cristo justificou as reivindicações da lei.
O Salvador Divino-Humano
Em Cristo achavam-se unidos o humano e o divino. Sua missão era reconciliar Deus e o homem; unir o finito com o infinito. Era este o único modo por que o homem caído podia ser exaltado mediante os méritos do sangue de Cristo, ser participante da natureza divina. Tomando a natureza humana, habilitou-Se Cristo a compreender as provas e dores do homem, e todas as tentações com que ele é assediado. Os anjos não familiarizados com o pecado não se podiam compadecer do homem nas provações que lhes são peculiares. Cristo condescendeu em tomar a natureza do homem, e foi tentado em todos os pontos como nós, a fim de poder saber como socorrer a todos os que fossem tentados.
Revestido do humano, sentia necessidade da força vinda do Pai. Tinha lugares especiais de oração. Comprazia-Se em entreter comunhão com Seu Pai na solitude da montanha. Neste exercício, Sua alma santa, humana, era fortalecida para os deveres e provas do dia. Nosso Salvador identifica-Se com nossas necessidades e fraquezas no fato de haver-Se tornado um suplicante, um pedinte de todas as noites, buscando do Pai novas provisões de força a fim de sair revigorado e refrigerado, fortalecido para o dever e a provação. Ele é nosso exemplo em tudo. É um irmão em nossas fraquezas, mas não em possuir idênticas paixões. Sendo sem pecado, Sua natureza recuava do mal. Jesus suportou lutas, e torturas de alma, em um mundo de pecado. Sua humanidade tornava a oração necessidade e privilégio. Ele reclamava todo o mais forte apoio divino e o conforto que o Pai estava pronto a conceder-Lhe – a Ele que, em benefício do homem, havia deixado as alegrias do Céu, preferindo morar em um mundo frio e ingrato. Cristo encontrou conforto e alegria na comunhão com o Pai. Ali podia desabafar o coração das dores que O oprimiam. Era um homem de dores, e experimentado nos trabalhos.
Nosso Exemplo
Durante o dia Ele trabalhava diligentemente para fazer bem aos outros, para salvar os homens da destruição. Curava os doentes, confortava os tristes, e levava animação e esperança aos que se achavam em desespero. Trazia os mortos à vida. Depois de concluída a obra do dia, saía, noite após noite, da confusão da cidade e, em algum solitário bosque Seu vulto dobrava-se em súplicas ao Pai. Às vezes, os claros raios da Lua incidiam-Lhe sobre o corpo inclinado. E depois, novamente as nuvens e as trevas excluíam toda a luz. O orvalho e a geada da noite caíam-Lhe na cabeça e na barba enquanto ali ficava, naquela atitude suplicante. Frequentemente Ele prosseguia em Suas petições a noite inteira. Ele é nosso exemplo. Se pudermos lembrar isto, e imitá-Lo, seremos muito mais fortes em Deus.
Se o Salvador dos homens, com Sua força divina, sentia a necessidade de oração, quanto mais deviam os fracos mortais, pecadores, sentir a necessidade de oração – oração fervorosa, constante! Quando Cristo Se via mais tenazmente assaltado pela tentação, não comia nada. Confiava-Se a Deus, e mediante fervorosa oração e perfeita submissão à vontade de Seu Pai, saía vencedor. Os que professam a verdade para estes últimos dias, acima de todas as outras classes de professos cristãos, devem imitar o grande Modelo na oração.
“Basta ao discípulo ser como seu mestre, e ao servo como seu senhor.” Mat. 10:25. Nossas mesas acham-se frequentemente cobertas de iguarias que nem são saudáveis nem necessárias, porque amamos mais estas coisas do que a abnegação, o estar livres de doenças e ter mente sã. Jesus buscava diligentemente força de Seu Pai. Isto, o divino Filho de Deus considerava de maior valor, mesmo para Si, do que sentar-Se à mesa mais rica e variada. Ele nos deu provas de que a oração é essencial a fim de receber forças para lutar contra os poderes das trevas, e realizar a obra que nos foi designada. Nossa própria força é fraqueza, mas a que Deus dá é poder e fará a todo o que a receba, mais que vencedor.
No Getsêmani
Enquanto o Filho de Deus Se achava curvado no Getsêmani, em atitude de oração, a angústia de espírito que experimentava forçou-Lhe dos poros um suor como grandes gotas de sangue. Foi ali que O circundou o horror de uma grande treva. Achavam-se sobre Ele os pecados do mundo. Ele estava sofrendo em lugar do homem, como transgressor da lei do Pai. Ali teve lugar a cena da tentação. A divina luz de Deus ia-Lhe fugindo ao olhar, e Ele passando às mãos dos poderes das trevas. Na angústia de Sua alma, jazia prostrado na terra fria. Experimentava o desagrado do Pai. Tomara dos lábios do homem culpado o cálice do sofrimento, e propusera-Se a sorvê-lo Ele próprio, dando em troca ao homem a taça da bênção. A ira que devia ter caído sobre o homem, caía agora sobre Cristo. Foi ali que o misterioso cálice Lhe tremeu na mão.
Jesus havia muitas vezes saído para o Getsêmani com os discípulos a fim de meditar e orar. Todos eles estavam bem familiarizados com esse sagrado retiro. Mesmo Judas sabia aonde devia conduzir a turba assassina a fim de entregar Jesus em suas mãos. Nunca dantes visitara o Salvador aquele lugar com o coração tão cheio de dor. Não era do sofrimento físico que o Filho de Deus recuava, e que Lhe arrancou dos lábios, na presença dos discípulos, essas tristes palavras: “A Minha alma está cheia de tristeza até à morte.” “Ficai aqui”, disse Ele, “e velai comigo.” Mat. 26:38.
Deixando os discípulos ao alcance da voz, Ele foi a pequena distância deles, e prostrou-Se sobre Seu rosto, e orou. Sua alma estava angustiada, e rogou: “Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice; todavia, não seja como Eu quero, mas como Tu queres.” Mat. 26:39. Os pecados de um mundo perdido estavam sobre Ele, escravizando-O. Foi o senso do desagrado do Pai em consequência do pecado que Lhe rompeu o coração com tão penetrante agonia, e forçou-Lhe da fronte grandes gotas de sangue que, rolando pelas faces pálidas, caíram em terra, umedecendo o solo.
“Vigiai e Orai”
Erguendo-Se da posição prostrada em que Se achava, foi ter com os discípulos, e achou-os adormecidos. Disse a Pedro: “Então nem uma hora pudeste velar comigo? Vigiai e orai, para que não entreis em tentação: na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca.” Mat. 26:40 e 41. No momento mais importante – o momento em que Jesus lhes pedira especialmente que velassem com Ele, os discípulos foram encontrados adormecidos. Ele sabia que os esperavam os mais rudes conflitos e terríveis tentações. Levara-os consigo para que Lhe fossem um auxílio, e para que os acontecimentos que testemunhassem naquela noite, e as lições das instruções que haviam de receber lhes ficassem indelevelmente gravadas na memória. Isto era necessário para que sua fé não desfalecesse mas fosse fortalecida para a prova que se achava justamente diante deles.
Em vez de velarem com Cristo, porém, ficaram carregados de tristeza e adormeceram. Mesmo o ardoroso Pedro que, havia poucas horas apenas, declarara que havia de sofrer e, se preciso, morrer por seu Senhor, estava adormecido. No momento mais crítico, quando o Filho de Deus necessitava de sua simpatia e fervorosas orações, foram achados dormindo. Muito perderam eles por dormirem assim. Nosso Salvador pretendia fortalecê-los para a rigorosa prova de sua fé a que seriam em breve sujeitos. Caso eles houvessem passado aquele triste período velando com o querido Salvador, e orando a Deus, Pedro não teria sido deixado às suas próprias e frágeis forças para negar a seu Senhor no momento da provação.
O Filho de Deus foi pela segunda vez, e orou dizendo: “Pai Meu, se este cálice não pode passar de Mim sem Eu o beber, faça-se a Tua vontade.” Mat. 26:42. E foi novamente ter com os discípulos, e encontrou-os adormecidos. Tinham os olhos pesados. Esses discípulos adormecidos representam a igreja a dormir, ao aproximar-se o dia do juízo de Deus. É um tempo de nuvens e espessa escuridão, quando achar-se dormindo é por demais perigoso.
Jesus deixou-nos esta advertência: “Vigiai, pois, porque não sabeis quando virá o Senhor da casa; se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã, para que, vindo de improviso, não vos ache dormindo.” Mar. 13:35 e 36. Requer-se da igreja de Deus que faça sua vigília noturna, seja embora perigosa, seja longa ou breve. A tristeza não é desculpa para que ela seja menos vigilante. A tribulação não deve levar à negligência, mas a dobrada vigilância. Cristo dirigiu a igreja pelo próprio exemplo à Fonte de sua força em tempos de necessidade, aflição e perigo. A atitude de vigilância deve caracterizar a igreja como o verdadeiro povo de Deus. Por este sinal os que se acham à espera distinguem-se do mundo, e mostram ser peregrinos e estrangeiros na Terra.
Novamente o Salvador afastou-Se com tristeza dos discípulos adormecidos, e orou pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras. Volveu então a eles, e disse: “Dormi agora, e repousai; eis que é chegada a hora, e o Filho do homem será entregue nas mãos dos pecadores.” Mat. 26:45. Quão cruel da parte dos discípulos permitir que o sono lhes cerrasse os olhos e o cansaço lhes acorrentasse os sentidos, enquanto seu divino Senhor suportava tão indizível angústia mental! Caso eles tivessem vigiado, não haveriam perdido a fé ao verem o Filho de Deus moribundo na cruz.
Essa importante vigília noturna haveria sido assinalada por nobres lutas mentais e orações, as quais lhes teriam levado resistência para testemunhar a inexprimível agonia do Filho de Deus. Isto os haveria preparado, ao contemplarem Seus sofrimentos na cruz, para compreender alguma coisa da natureza da opressiva angústia que Ele suportou no Getsêmani. E eles teriam podido relembrar as palavras que Ele lhes dirigira com referência a Seus sofrimentos, morte e ressurreição; e por entre as sombras daquela hora terrível, difícil, alguns raios de esperança lhes haveriam iluminado as trevas e sustentado sua fé.
Cristo lhes dissera antes, que tais coisas haviam de acontecer; eles, porém, não O compreendiam. A cena de Seus sofrimentos devia ser para os discípulos uma provação ardente, e daí a necessidade de vigilância e oração. A fé deles precisava ser sustida por uma força invisível, ao assistirem a vitória dos poderes das trevas.
Inexprimível Angústia
Não podemos ter senão uma pálida concepção da inexprimível angústia do querido Filho de Deus no Getsêmani, ao experimentar Ele a separação de Seu Pai em consequência de levar sobre Si o pecado do homem. Ele Se fez pecado pela raça humana. O senso da retirada do amor de Seu Pai, arrancou-Lhe da alma angustiada as dolorosas palavras: “A Minha alma está cheia de tristeza até à morte.” “Se é possível, passe de Mim este cálice.” Em seguida, com inteira submissão à vontade de Seu Pai, acrescenta: “Todavia, não seja como Eu quero, mas como Tu queres.” Mat. 26:38 e 39.
O divino Filho de Deus estava desfalecente, moribundo. O Pai mandou um mensageiro de Sua presença para fortalecer o divino sofredor, e fortificá-Lo para trilhar a sangrenta estrada. Pudessem os mortais ter contemplado o espanto e a dor da hoste angélica ao testemunharem eles em silencioso pesar o Pai afastando Seus raios de luz, amor e glória de Seu Filho dileto, e poderiam melhor compreender quão ofensivo é o pecado aos Seus olhos. A espada da justiça devia agora despertar contra Seu querido Filho. Por um beijo foi Ele entregue nas mãos dos inimigos, e levado às pressas para a sala de um tribunal terrestre para ali ser escarnecido e condenado à morte por pecadores mortais. Ali foi o glorioso Filho de Deus “ferido pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades”. Isa. 53:5. Sofreu insultos, zombarias e vergonhosos maus-tratos, de modo que “Seu parecer estava tão desfigurado, mais do que o de outro qualquer, e a Sua figura mais do que a dos outros filhos dos homens”. Isa. 52:14.
Incompreensível Amor
Quem pode compreender o amor aqui manifestado! A hoste angélica contemplou com assombro e dor Aquele que fora a majestade do Céu, e que usara a coroa de glória, usando agora a coroa de espinhos, vítima ensanguentada da ira de uma turba enfurecida, incendida até à loucura pela ira de Satanás. Contemplai o paciente Sofredor! Tem na cabeça a coroa de espinhos. O sangue vital corre-Lhe de toda lacerada veia. Tudo isso em consequência do pecado! Coisa alguma poderia haver induzido Cristo a abandonar a honra e majestade que tinha no Céu, e vir a um mundo pecador, para ser desdenhado, desprezado e rejeitado por aqueles a quem vinha salvar, sofrendo afinal na cruz, senão o amor eterno, redentor, que permanecerá para sempre um mistério.
Maravilha-te, ó Céu, e assombra-te, ó Terra! Eis o opressor e o oprimido! Vasta multidão circunda o Salvador do mundo. Chufas e zombarias misturam-se com as vulgares imprecações de blasfêmias. Seu humilde nascimento e vida são comentados por insensíveis entes vis. Sua declaração de ser o Filho de Deus é ridicularizada pelos principais sacerdotes e anciãos, e os gracejos vulgares e insultuosa zombaria passam de boca em boca. Satanás estava exercendo inteiro controle na mente de seus servos. Para fazê-lo eficazmente, começa com o sumo sacerdote e os anciãos, inspirando-lhes o delírio religioso. São atuados pelo mesmo espírito satânico que move os mais vis e endurecidos da escória. Há nos sentimentos de todos uma corrupta harmonia, desde os sacerdotes e anciãos hipócritas até aos mais baixos. Cristo, o precioso Filho de Deus, foi levado para diante, e a cruz colocada nos Seus ombros. A cada passo gotejava-Lhe o sangue das feridas. Comprimido por imensa multidão de cruéis inimigos e insensíveis espectadores, é Ele conduzido à crucifixão. “Ele foi oprimido, mas não abriu a Sua boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e, como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, Ele não abriu a Sua boca.” Isa. 53:7.
Na Cruz
Seus contristados discípulos seguiram-nO à distância, atrás da turba homicida. Ele é pregado à cruz, e pende suspenso entre o Céu e a Terra. O coração estala-lhes de agonia ao verem seu amado Mestre sofrendo como um criminoso. Próximo à cruz acham-se os cegos, fanáticos e pérfidos sacerdotes e anciãos, insultando, zombando e escarnecendo: “Tu, que destróis o templo, e em três dias o reedificas, salva-Te a Ti mesmo; se és Filho de Deus, desce da cruz. E da mesma maneira também os príncipes dos sacerdotes, com os escribas, e anciãos, e fariseus, escarnecendo, diziam: Salvou os outros, e a Si mesmo não pode salvar-Se. Se é o Rei de Israel, desça agora da cruz, e creremos nEle; confiou em Deus; livre-O agora, se O ama; porque disse: Sou Filho de Deus.” Mat. 27:40-43.
Nem uma palavra respondeu Jesus a tudo isto. Enquanto os pregos Lhe estavam sendo enterrados nas mãos, e as gotas do suor da agonia Lhe porejavam, dos lábios pálidos e trementes do inocente Sofredor soltou-se uma oração de amor perdoador em benefício de Seus assassinos: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” Luc. 23:34. Todo o Céu atentava com profundo interesse para a cena. O glorioso Redentor de um mundo perdido, sofria a pena da transgressão do homem contra a lei do Pai. Ele estava prestes a redimir Seu povo com o próprio sangue. Estava pagando as justas reivindicações da santa lei de Deus. Era o meio pelo qual se poria, enfim, termo ao pecado e a Satanás, e sua hoste seria vencida.
Oh! já houve acaso sofrimento e dor iguais àqueles que foram suportados pelo moribundo Salvador? Foi o senso do desagrado do Pai que Lhe tornou o cálice tão amargo. Não foi o sofrimento físico que pôs tão rápido fim à vida de Cristo na cruz. Foi o peso esmagador dos pecados do mundo, e o senso da ira de Seu Pai. A glória de Seu Pai, Sua mantenedora presença, haviam-nO abandonado, e o desespero fazia sentir sobre Ele o peso esmagador da treva, arrancando-Lhe dos pálidos e trêmulos lábios o angustioso grito: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” Mat. 27:46.
Jesus unira-Se ao Pai na criação do mundo. Por entre os angustiosos sofrimentos do Filho de Deus, unicamente os homens cegos e iludidos permaneciam insensíveis. Os príncipes dos sacerdotes e os anciãos ofendiam o querido Filho de Deus em Suas ânsias de morte. Todavia a natureza inanimada geme em simpatia com Seu ensanguentado e moribundo Autor. A Terra treme. O Sol recusa-se a contemplar a cena. O céu se enegrece. Os anjos assistiram à cena de sofrimento até que não mais puderam contemplá-la, e ocultaram o rosto da horrenda visão. Cristo está morrendo! Está como que sem esperança! É retirado o sorriso aprovador do Pai, e aos anjos não é permitido aclarar as sombras da hora terrível. Não podiam senão olhar em assombro a seu amado Comandante, a Majestade do Céu, a sofrer o castigo da transgressão do homem à lei do Pai.
As Profundezas
Até mesmo dúvidas assaltaram o agonizante Filho de Deus. Ele não podia enxergar para além dos portais do sepulcro. Não havia uma luminosa esperança a apresentar-Lhe Sua saída vitoriosa do túmulo, e a aceitação do sacrifício que fazia, por parte de Seu Pai. O pecado do mundo, com toda a sua terribilidade, foi sentido até ao máximo pelo Filho de Deus. A aversão do Pai pelo pecado, e a pena deste, que é a morte, era tudo quanto Ele podia divisar através desta espantosa treva. Foi tentado a temer que o pecado fosse tão ofensivo aos olhos de Seu Pai, que Ele não Se pudesse reconciliar com o Filho. A terrível tentação de que Seu Pai O houvesse abandonado para sempre, deu lugar àquele penetrante brado desprendido da cruz: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” Mat. 27:46.
Cristo sentiu muito semelhantemente ao que os pecadores hão de sentir quando os cálices da ira de Deus forem derramados sobre eles. Negro desespero, como um manto, adensar-se-á em torno de suas almas culpadas, e então hão de avaliar na plenitude de sua extensão, a malignidade do pecado. A salvação lhes foi comprada pelo sofrimento e morte do Filho de Deus. Ela lhes pertenceria, caso a aceitassem voluntária e alegremente; ninguém, todavia, é obrigado a prestar obediência à lei de Deus. Se eles recusam o benefício celeste e preferem os prazeres e engano do pecado, têm sua escolha e, ao fim, recebem o salário que lhes pertence, que é a ira de Deus e a morte eterna. Ficarão para sempre separados da presença de Jesus, cujo sacrifício desprezaram. Terão perdido uma existência de felicidade, e sacrificado a glória eterna por um pouco de tempo dos prazeres do pecado.
A fé e a esperança vacilavam nas agonias de Cristo moribundo, pois Deus retirara a certeza que até então concedera a Seu amado Filho, de Sua aprovação e aceitação. O Redentor do mundo apoiou-Se então nas provas que até aí O haviam fortalecido, de que o Pai aceitava Seus labores, e estava satisfeito com Sua obra. Na agonia da morte, ao depor Ele a preciosa vida, tem de confiar unicamente pela fé nAquele a quem obedecer fora sempre Sua alegria. Não O animam claros, luminosos raios de esperança à direita ou à esquerda. Tudo se acha envolto em opressiva escuridão. Em meio da pavorosa treva experimentada pela compassiva natureza, sorve o Redentor o misterioso cálice até às fezes. Sendo-Lhe negada até a brilhante esperança e confiança no triunfo que obterá no futuro, clama Ele com grande voz: “Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito.” Luc. 23:46.
Ele conhece o caráter do Pai, Sua justiça, misericórdia e grande amor, e submisso, entrega-Se-Lhe nas mãos. Por entre as convulsões da Natureza, são ouvidas pelos assombrados espectadores as derradeiras palavras do Homem do Calvário.
A Natureza compadeceu-se dos sofrimentos de seu Autor. A terra arquejante, as rochas a fenderem-se, proclamaram que era o Filho de Deus que acabava de morrer. Houve um forte terremoto. O véu do templo rasgou-se em dois. O terror apoderou-se de executantes e espectadores, ao verem o Sol envolto em trevas e sentirem a terra tremer debaixo de seus pés, ao mesmo tempo que viam e ouviam as rochas se partindo. Silenciaram as zombarias e escárnios dos principais sacerdotes e anciãos ao encomendar Cristo o espírito às mãos de Seu Pai. Pasma, a turba começou a retirar-se tateando o caminho através das trevas, em direção à cidade. Batiam no peito enquanto caminhavam e, com terror, mal ousando falar senão num murmúrio, diziam entre si: “Foi um inocente que foi morto. E se Ele era em verdade, como afirmava, o Filho de Deus?”
“Está Consumado”
Jesus não depôs a vida enquanto não terminou a obra que viera fazer, e exclamou com Seu último suspiro: “Está consumado.” João 19:30. Satanás estava tão derrotado! Sabia estar perdido o seu reino. Os anjos regozijaram-se ao serem proferidas as palavras: “Está consumado.” O grande plano da redenção dependente da morte de Cristo, fora até ali executado. E houve alegria no Céu para que os filhos de Adão poderiam, mediante uma vida de obediência, ser afinal exaltados ao trono de Deus. Oh! que amor! Que assombroso amor, que trouxe o Filho de Deus à Terra para ser feito pecado por nós, a fim de podermos ser reconciliados com Deus, e elevados a uma existência com Ele em Suas mansões de glória! Oh! que é o homem para que se pagasse um tão alto preço por sua redenção!
Quando os homens e mulheres puderem compreender mais plenamente a magnitude do grande sacrifício feito pela Majestade do Céu em morrer em lugar do homem, então será magnificado o plano da salvação, e as reflexões sobre o Calvário despertarão ternas, sagradas e vivas emoções na alma cristã. Terão no coração e nos lábios louvores a Deus e ao Cordeiro. Orgulho e egoísmo não podem florescer no coração que guarda vivas na memória as cenas do Calvário. De pouco valor se afigurará este mundo aos que apreciam o grande preço da redenção humana, o precioso sangue do querido Filho de Deus. Nem toda a riqueza do mundo é suficiente em valor para redimir uma alma a perecer. Quem poderá medir o amor experimentado por Cristo para com um mundo perdido, ao pender Ele da cruz, sofrendo pelas culpas dos pecadores? Este amor foi imenso, infinito.
O Amor Mais Forte do que a Morte
Cristo mostrou que Seu amor era mais forte do que a morte. Ele estava realizando a salvação do homem; e se bem que sofresse o mais terrível conflito com os poderes das trevas, todavia, entre tudo isso, Seu amor se tornou mais e mais forte. Suportou o ser-Lhe oculto o semblante de Seu Pai, a ponto de Ele exclamar na amargura de Sua alma: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” Mat. 27:46. Seu braço trouxe salvação. Foi pago o preço para comprar a redenção do homem, quando, no derradeiro conflito de alma, foram proferidas as benditas palavras que pareceram ressoar através da criação: “Está consumado.”
Muitos que professam ser cristãos inflamam-se com empreendimentos mundanos, e seu interesse é despertado por novos e excitantes divertimentos, ao passo que têm o coração frio, e parecem gelados na causa de Deus. Eis um tema, pobres formalistas, de suficiente importância para inflamar-vos. Interesses eternos acham-se aí envolvidos. Em se tratando desse assunto, é pecado ser calmo e desapaixonado. As cenas do Calvário requerem a mais profunda emoção. A esse respeito estareis desculpados se manifestardes entusiasmo. Que Cristo, tão excelente, tão inocente, devesse sofrer tão dolorosa morte, suportando o peso dos pecados do mundo jamais poderão nossos pensamentos e imaginações compreender plenamente. O comprimento, a largura, a altura e a profundidade de tão assombroso amor, não podemos sondar. A contemplação das incomparáveis profundidades do amor do Salvador, deve encher a mente, tocar e enternecer a alma, refinar e enobrecer as afeições, transformando inteiramente todo o caráter. Eis a linguagem do apóstolo: “Nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e Este crucificado.” I Cor. 2:2. Também nós devemos olhar para o Calvário, e exclamar: “Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo.” Gál. 6:14.
Considerando a que imenso custo foi comprada nossa salvação, qual será a sorte daqueles que negligenciam uma tão grande salvação? Qual será o castigo dos que professam ser seguidores de Cristo, e todavia deixam de curvar-se em humilde obediência às reivindicações de seu Redentor, e que não tomam a cruz como humildes discípulos de Cristo, seguindo-O da manjedoura ao Calvário? “Quem comigo não ajunta espalha”, diz Cristo. Mat. 12:30.
Visão Limitada da Expiação
Alguns têm visão limitada quanto à expiação. Pensam que Cristo sofreu apenas pequena parte da pena da lei de Deus; julgam que, ao passo que a ira de Deus foi experimentada por Seu querido Filho, Este tinha, através de todos os Seus dolorosos sofrimentos, a demonstração do amor de Seu Pai e de Sua aceitação; que as portas do sepulcro se achavam iluminadas diante dEle por vívida esperança, e que Ele tinha a constante demonstração de Sua futura glória. Eis um grande engano. A mais intensa angústia de Cristo era o senso do desagrado do Pai. Tão penosa foi Sua agonia mental por causa disto, que o homem não pode ter senão uma apagada concepção a esse respeito.
A história da condescendência, humilhação e sacrifício de nosso divino Senhor, não despertam em muitos nenhum interesse mais profundo, nem comovem a alma e afetam a vida mais do que o faz a história da morte dos mártires de Jesus. Muitos sofreram a morte por torturas lentas; outros a sofreram mediante crucifixão. Em verdade difere destas, a morte do querido Filho de Deus? É verdade que Ele morreu na cruz morte por demais cruel; todavia outros, por amor dEle, sofreram igualmente, no tocante à tortura física. Por que então foi o sofrimento de Cristo mais terrível do que o de outras pessoas que deram a vida por amor dEle? Consistissem os sofrimentos de Cristo apenas em dores físicas, e Sua morte não seria mais dolorosa do que a de alguns dos mártires.
O sofrimento físico, porém, não foi senão pequena parte da agonia do amado Filho de Deus. Os pecados do mundo achavam-se sobre Ele, bem como o senso da ira de Seu Pai enquanto Ele padecia o castigo da lei transgredida. Estas coisas é que Lhe esmagavam a alma divina. Foi o ocultar-se o semblante do Pai – um senso de que Seu próprio e amado Pai O havia abandonado – que Lhe trouxe desespero. A separação causada pelo pecado entre Deus e o homem foi plenamente avaliada e vivamente sentida pelo inocente e sofredor Homem do Calvário. Ele foi oprimido pelos poderes das trevas. Não tinha um único raio de luz a aclarar-Lhe o futuro. E estava lutando com o poder de Satanás, que declarava ter Cristo em suas mãos, que era superior em força ao Filho de Deus, que o Pai estava rejeitando o Filho e que Este não estava, mais que ele próprio, no favor de Deus. Se estava ainda no favor de Deus, por que necessitava Ele morrer? Deus O podia salvar da morte.
Cristo não cedeu no mínimo ao torturante inimigo, nem mesmo em Sua mais amarga agonia. Legiões de anjos maus estavam ao redor do Filho de Deus, todavia não foi ordenado aos santos anjos que rompessem as fileiras e se empenhassem em conflito com o insultante, injurioso inimigo. Os anjos celestes não tiveram permissão de ministrar ao angustiado espírito do Filho de Deus. Foi nessa terrível hora de trevas, oculta a face de Seu Pai, legiões de anjos maus a circundá-Lo, pesando sobre Ele os pecados do mundo, que Lhe foram arrancadas dos lábios as palavras: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” Mat. 27:46.
Uma Medida do Valor da Alma
A morte dos mártires não pode sofrer comparação com a agonia suportada pelo Filho de Deus. Devemos ter visões mais amplas e profundas da vida, sofrimentos e morte do querido Filho de Deus. Ao ser a expiação devidamente considerada, a salvação de almas será reconhecida de infinito valor. Em comparação com os empreendimentos da vida eterna, todos os outros imergem na insignificância. Mas como têm sido desprezados os conselhos desse amante Salvador! O coração se dedica às coisas do mundo, e interesses egoístas têm cerrado a porta ao Filho de Deus. Vã hipocrisia e orgulho, egoísmo e lucro, inveja, malícia e paixão têm enchido de tal forma o coração de muitos, que Cristo não pode ter lugar.
Ele era eternamente rico, todavia, por amor de nós, fez-Se pobre, para que, mediante Sua pobreza, nos pudéssemos tornar ricos. Vestia-Se de luz e glória, e estava cercado de hostes de anjos celestes que esperavam por executar-Lhe as ordens. No entanto revestiu-Se de nossa natureza, e veio morar entre pecadores mortais. Há aí amor que linguagem alguma pode exprimir. Ultrapassa ao conhecimento. Grande é o mistério da piedade. Nossa alma deve avivar-se, elevar-se e ser arrebatada com o tema do amor do Pai e do Filho do homem. Os seguidores de Cristo devem aprender aqui a refletir em certa medida aquele misterioso amor preparatório para a união com todos os remidos em tributar “ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro”, “ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o sempre”. Apoc. 5:13.
Cristo Se deu a Si mesmo, como sacrifício expiatório, para a salvação de um mundo perdido. Ele foi tratado como nós merecemos, a fim de podermos ser tratados como Ele merece. Foi condenado pelos nossos pecados, em que não tinha participação, para que pudéssemos ser justificados por Sua justiça, em que não tínhamos parte. Sofreu a morte que nos cabia, a fim de podermos receber a vida que Lhe pertencia. “Pelas Suas pisaduras fomos sarados.” Isa. 53:5. Testimonies, vol. 8, págs. 208 e 209, 1904.
O tema favorito de Cristo foi o caráter paternal e o abundante amor de Deus. Este conhecimento de Deus foi o dom de Cristo aos homens, dom que Ele confiou a Seu povo para que este o transmitisse ao mundo. Testimonies, vol. 7, pág. 55, 1900.