Efésios Capítulo 2 – comentários Timothy Keller
Nosso eu natural
1-3 “1Ele lhes deu vida, quando vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados, 2nos quais vocês andaram noutro tempo, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência. 3Entre eles também nós todos andamos no passado, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como também os demais.”
O capítulo 2, Paulo explica de que modo somos unidos uns aos outros debaixo de Cristo. Primeiro, somos reconciliados com Deus (v. 1-10); segundo, somos reconciliados uns com os outros (v. 11- 22). Contudo, para compreendermos de que maneira fomos reconciliados com Deus, devemos começar verificando por que precisávamos ser reconciliados com ele.
Como realmente somos
Todos nós temos a tendência de adotar uma visão inflada de nós mesmos. Somos como mineiros encardidos que estão em uma vala e fazem comparações uns com os outros, imaginando-se relativamente limpos.
Em termos espirituais, nascemos mortos para Deus, pois nascemos pecadores. A vida espiritual nos era impossível — cadáveres não podem se ajudar.
De acordo com Paulo, quais são os três “tiranos” que nos mantém cativos, de modo que não podemos escapar de nosso pecado e de nossa morte (v. 2,3a)?
Não são apenas os adolescentes que são influenciados pelos colegas de sua idade — todos somos.
Nosso instinto é seguir “os caminhos deste mundo”, seja por meio de uma cosmovisão tradicional que se funda no dever e na justiça própria, rejeitando o evangelho, seja por meio da cosmovisão emergente fundada em sentimentos e na autonomia individual, a qual também rejeita o evangelho.
“O príncipe do poder do ar” é Satanás. De maneira geral, os descrentes não são possuídos por Satanás ou seus demônios — mas todo descrente é voluntariamente persuadido por suas mentiras porque eles são “desobedientes” (v. 2). Naturalmente, queremos que as mentiras do Diabo sejam verdadeiras para que possamos continuar pecando.
O termo “nossa carne” não significa apenas o nosso corpo físico, mas toda a nossa natureza humana.
Somos, por natureza, cativos de nossos próprios desejos: nosso apetite egoísta pela luxúria, pela popularidade auto gratificante ou pela autoglorificação orgulhosa.
Paulo está nos mostrando que nosso pecado era muito natural para nós. Nosso pecado nos mantinha cativos, e gostávamos disso. Não se trata apenas de que éramos incapazes de nos libertar dessa tripla escravidão, mas também de que não queríamos ser libertos.
O que realmente merecemos
O que todos nós “merecíamos” (final do v. 3)?
Todos passaremos a eternidade na presença de Deus. Seu povo será inundado com sua bênção imerecida; porém, seus inimigos serão cobertos com o tormento de sua ira merecida.
Lembre-se de que Paulo tem notícias maravilhosas para compartilhar acerca da graça de Deus. No entanto, nunca nos regozijaremos verdadeiramente nela até que reconheçamos quão aterrorizante é nossa condição sem Cristo.
Antes de você se tornar cristão, de que maneira os três “tiranos” operavam em você?
Você realmente já reconheceu que, por natureza, tudo o que suas capacidades e conquistas mereciam era a “ira”? Aceitar isso faz qual diferença à sua visão:
• de si mesmo?
• de seu Salvador?
O Deus de ricas misericórdias
2.4-10 “ Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, 5e estando nós mortos em nossas transgressões, nos deu vida juntamente com Cristo — pela graça vocês são salvos — 6e juntamente com ele nos ressuscitou e com ele nos fez assentar nas regiões celestiais em Cristo Jesus. 7Deus fez isso para mostrar nos tempos vindouros a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. 8Porque pela graça vocês são salvos, mediante a fé; e isto não vem de vocês, é dom de Deus; 9não de obras, para que ninguém se glorie. 10Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.”
Paulo nos mostrou que estávamos “mortos” em nossos pecados (v. 1). Agora, de maneira exultante, ele celebra a graça de Deus ao nos alcançar em nossa total impotência.
Os primeiros três versículos do capítulo 2 dizem respeito àquilo que fizemos e que, consequentemente, merecemos. Os quatro versículos seguintes dizem respeito àquilo que Deus fez e que, por consequência, desfrutamos.
Quatro palavras-chave da Bíblia nessa passagem celebram a beleza do caráter de Deus revelada por meio do envio de seu Filho:
• Amor (v. 4): O compromisso de Deus em eternamente nos abençoar em Cristo.
• Misericórdia (v. 4): A retenção da punição que merecíamos de Deus porque Cristo a suportou por nós na cruz.
• Graça (v. 5,7,8): Deus generosamente nos dando o que precisamos na obediência de Cristo até mesmo na morte.
• Bondade (v. 7): A compaixão de Deus em se diminuir para se tornar um de nós e trocar de lugar conosco na cruz!
Paulo não se detém na cruz aqui, mas, sim, na ressurreição. Ele dá menos ênfase à nossa culpa e necessidade de justificação e mais ênfase a nosso afastamento de Deus e necessidade da ressurreição que foi conquistada na cruz e assegurada quando Cristo ressuscitou.
Com Cristo
Em Cristo, nosso rei representativo, já fomos ressuscitados, aceitos no céu e estamos assentados à direita do Pai (veja 1.20,21). Uma vez que, em Cristo, o céu é agora nossa habitação presente, certamente há de ser o nosso destino futuro. Nossos assentos estão reservados por Jesus e seguros em Jesus.
Por que Deus fez tudo isso (2.7)?
Não se trata apenas de um exercício de arrumação da bagunça ou de aplacar a rebelião. O plano de Deus é eternamente derramar torrentes de bondade sobre nós. Em cada dia da eternidade seremos inundados com novas bênçãos de sua graça para explorarmos, desfrutarmos e sermos impulsionados a louvar nosso Salvador.
Somente a graça, somente a fé
Estávamos mortos em nossos pecados. Deus nos deu vida com Cristo. Em razão disso, Paulo agora destaca tanto pelo que somos salvos como para que somos salvos.
A salvação não é uma recompensa. Ela é sempre um dom. Não fomos salvos por nossas boas obras, e nossa salvação não é mantida por elas, mas, sim, pelas boas obras de Cristo. É isso que a Bíblia entende por “graça”: a bondade imerecida de Deus em nos dar o que não temos em nós mesmos ou que não merecemos receber dele, isto é, a vida e a justiça de Cristo. A graça é a justiça de Deus paga por Cristo.
Isso muda a maneira de vermos a nós mesmos e aos outros. A salvação pela graça, por meio da fé, que é um dom de Deus, indica que não podemos ser soberbos diante de Deus, arrogantes em relação a descrentes ou competitivos com outros cristãos.
Não somos salvos pelas boas obras. Mas somos salvos para as boas obras. Temos sido recriados pelo Espírito de Deus por meio da fé em Cristo por uma razão e para um propósito. A razão é a graça de Deus expressa na vida de boas obras de Cristo até sua morte por nós. O propósito são as boas obras preparadas para praticarmos em gratidão a ele.
Entender essa distinção é fundamental. Saber que você é salvo completamente pela graça de Deus em Cristo o liberta do orgulho de imaginar que você pode se salvar, bem como do terror de perceber que você não pode fazê-lo. Além disso, saber que você foi salvo para boas obras preparadas por Deus o liberta de um desengajamento preguiçoso despi do de amor para com as necessidades do mundo, bem como de se sentir insignificante ou inútil.
Os gentios e os judeus são unidos pela cruz de Cristo
2.11-13 “11Portanto, lembrem-se de que no passado vocês eram gentios na carne, chamados incircuncisão por aqueles que se intitulam circuncisão, que é feita na carne por mãos humanas. 12Naquele tempo vocês estavam sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo. 13Mas agora, em Cristo Jesus, vocês, que antes estavam longe, foram aproximados pelo sangue de Cristo.”
Há um ciclo interminável de conflito político e militar ao redor do mundo, de desconfiança e segregação em nossas cidades e de tensão e mágoa em nossos empregos e lares. Será que a nossa espécie um dia cessará com as brigas e encontrará a paz duradoura? Sim, diz Paulo, à medida que ele se volta de como podemos ser reconciliados com Deus (2.1-10) para como podemos nos reconciliar uns com os outros (v. 11-22). Mais uma vez, a estrutura nos mostra quão desesperançosa é a situação sem Cristo e de que modo Deus transformou tudo por meio de Cristo.
A circuncisão de meninos judeus simbolizava ser cortado do pecado e pertencer ao povo de Deus (Gn 17.1-14). Esse sinal, no entanto, havia se tornado para os judeus uma fonte de orgulho em si mesmos e de desprezo para com os gentios, embora a circuncisão em si fosse meramente externa, ou seja, “feita no corpo por mãos humanas”. Desacompanhada de um corte interno livre de pecado, ela era sem sentido.
Apesar disso, pelo menos os judeus conheciam Deus por meio de sua lei.
Qual era a condição dos gentios (v. 12)?
Leia Gênesis 12.1-3; Êxodo 19.5,6; Números 25.10-13; 2Samuel 7.11-16; Jeremias 31.31-34.
“Sem esperança e sem Deus” é um bom resumo da condição gentílica. Os não judeus não tinham participação nas empolgantes promessas de um grande rei que viria, não tinham direito à cidadania no povo de Deus e eram estranhos às bênçãos. Sem Cristo, os efésios gentios estavam (e os gentios de hoje estão) sem esperança da vida eterna e sem Deus no mundo.
Nós, que crescemos na cultura ocidental, tendemos a imaginar que merecemos todos os privilégios.
Estamos muito conscientes de que temos “direitos”. Paulo, no entanto, indicou que os gentios não têm
direito a quaisquer bênçãos de Deus. Ele não diz isso para nos humilhar, mas para que possamos reconhecer o “mas agora” — para que possamos compreender quão generosamente temos sido abençoados em Cristo.
2.14-18 “14Porque ele é a nossa paz. De dois povos ele fez um só e, na sua carne, derrubou a parede de separação que estava no meio, a inimizade. 15Cristo aboliu a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse em si mesmo uma nova humanidade, fazendo a paz, 16e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por meio da cruz, destruindo a inimizade por meio dela. 17E, quando veio, Cristo evangelizou paz a vocês que estavam longe e paz também aos que estavam perto; 18porque, por meio dele, ambos temos acesso ao Pai em um só Espírito.”
Cristo uniu as duas categorias da humanidade mais profundamente separadas na história mundial: judeus e gentios. O “muro hostil de separação” era a lei de Moisés, a qual, em vez de ser vista como um sinal da bondade de Deus ao mundo, foi transformada pelos líderes religiosos judeus em uma barreira que excluía o restante do mundo do bom governo de Deus. Cristo desmantelou isso ao cumprir todos os termos da lei em sua vida, exaurindo em sua morte a condenação de judeus e gentios.
Desse modo, Cristo é a “nossa paz” (v. 14). A profunda paz interior e a reconciliação duradoura entre pessoas e povos somente podem ser encontradas onde há dependência espiritual em Cristo. A paz de Cristo não é apenas um acordo de ausência de conflito. É a harmonia positiva habilitada dentro de nós pelo Espírito do divino Príncipe da Paz.
A palavra “reconciliado” é literalmente “super-reconciliado” (gr., apoka-tallaze). Não importando quem somos ou o que fizemos, podemos ser salvos. No entanto, isso só pode acontecer por meio do mesmo fundamento que se aplica a todas as outras pessoas, isto é, a morte de Cristo. É essa dependência comum e “super-reconciliação” compartilhada que nos une em nossas igrejas, independentemente de nossa origem e história.
Leia Isaías 52.7
De que maneira Jesus é o cumprimento dessa profecia, de acordo com Efésios 2.14-18?
“Paz” era a grande declaração, promessa e garantia com a qual o Jesus ressurreto repetidas vezes saudava seus seguidores (Jo 20.19,21,26). A paz, por meio da cruz, é agora oferecida a todos. Jesus ofereceu a paz a “vocês que estavam longe” (os gentios; Ef 2.17) e “àqueles que estavam perto” (os judeus). E ele continua a fazer isso.
O que tanto cristãos gentios quanto cristãos judeus desfrutam agora (v. 18)?
Nosso acesso agora não é a um templo físico em Jerusalém, mas à sala do trono do céu! O poder espiritual para reconciliação dentro de nossas igrejas vem de nossa reconciliação com nosso Pai celestial na condição de pecadores.
2.19-22 “19Assim, vocês não são mais estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus, 20edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular. 21Nele, todo o edifício, bem-ajustado, cresce para ser um santuário dedicado ao Senhor. 22Nele também vocês estão sendo edificados, junto com os outros, para serem morada de Deus no Espírito.”
Não somos imigrantes espirituais ilegais. Somos cidadãos plenos do céu, desfrutando de liberdade eterna como residentes permanentes, com passaportes carimbados pelo sangue do rei. Isso significa que não somos mais primariamente canadenses, britânicos, nigerianos, estadunidenses ou poloneses. Somos cristãos. Nossa pátria é o céu.
Não derivamos mais nossa identidade primária de nossa nacionalidade, nem de nossa família terrena.
Alguns dos ensinos mais desafiadores de Jesus dizem respeito a colocar a família celestial de Deus em primeiro lugar (p. ex., Mt 8.21,22).