Comentários de John Stott de Gálatas 5:26- 6:1-5

Fonte: Lendo Gálatas com John Stott

Duas Colheitas Lógicas 

“Não se enganem: de Deus não se zomba. Pois aquilo que a pessoa semear, isso também colherá. Quem semeia para a sua própria carne, da carne colherá corrupção; mas quem semeia para o Espírito, do Espírito colherá vida eterna.” Gálatas 6: 7- 8 

Paulo compara a vida cristã a uma fazenda onde a carne e o Espírito são dois campos nos quais podemos semear. A colheita que temos depende de onde e do que semeamos.

Esse é um princípio vitalmente importante, mas negligenciado sobre a santidade. Não somos vítimas indefesas de nossa natureza, de nosso temperamento e do ambiente. Pelo contrário, o que nos tornamos depende em grande parte de como nos comportamos. Nosso caráter é moldado por nossa conduta.

‘Semear para carne’ é ceder a ela e satisfazê-la, em vez de crucificá-la. As sementes que semeamos são, em grande parte, pensamentos e ações. Toda vez que permitimos que nossa mente guarde rancor, alimente ressentimento, se entretenha com uma fantasia impura o mergulhe em auto piedade, estamos semeando para agradar à carne. Toda vez que ficamos em más companhias, cuja influência sabemos que não podemos resistir; toda vez que nos deitamos na cama quando deveríamos orar; toda vez que cedemos à pornografia; toda vez que assumimos um risco que sobrecarrega nossa capacidade de domínio próprio, estamos semeando para agradar à carne. 

Em contrapartida, ‘semear para o Espírito’ significa viver pelo Espírito (Gálatas 5:16) e andar pelo Espírito (Gálatas 5:25). Mais uma vez as sementes são os pensamentos e as ações. Pelo conteúdo que lemos, pelas companhias que temos e pelas atividades de lazer que buscamos, podemos semear para agradar ao Espírito. Além disso, devemos promover hábitos disciplinados de devoção em nossa vida particular e pública, na oração diária e na leitura bíblica, e no culto com o povo de Deus no dia do Senhor. Tudo isso é semear para o Espírito; sem tais atitudes, não pode haver colheita do Espírito nem fruto do Espírito.

Paulo faz distinção entre as duas colheitas, bem como entre as duas semeaduras. Os resultados são apenas lógicos se semearmos para carne, ‘[colheremos] destruição’. Um processo de decadência moral se instalará. Iremos de mal a pior até que finalmente pereçamos. Se, por outro lado, semearmos para o Espírito, [colheremos] a vida eterna’. Um processo de crescimento moral e espiritual começará. A comunhão com Deus (que é a vida eterna) se desenvolverá até que, na eternidade, se torne perfeita. 

Santidade é uma colheita; se iremos colhê-la ou não dependerá do que e de onde semearmos.  Se quisermos uma colheita de santidade, devemos evitar semear para a carne e continuar a semear para o Espírito. É outra maneira de dizer (como em Gálatas 5) que devemos crucificar a carne e andar pelo Espírito. Não há outro modo de crucificar a carne e andar pelo Espírito. Não há outro modo de crescer em santidade.

Uma Colheita Certa

“E não nos cansemos de fazer o bem, porque no tempo certo faremos a colheita, se não desanimarmos. Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé.” Gálatas 6: 9- 10

O serviço cristão efetivo é um trabalho cansativo e exigente. Somos tentados a desanimar, a afrouxar e até desistir. Portanto, o apóstolo dá esse incentivo: ele nos diz que fazer o bem é como plantar sementes. E se perseverarmos na semeadura, então ‘no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos’.

[…] Se quisermos uma colheita, então devemos terminar semeadura e ser pacientes. Não podemos esperar semear e colher no mesmo dia. Se a semeadura ê a prática de boas obras, o que é a colheita? Paulo não nos diz; ele nos deixa deduzir. Mas fazer pacientemente o bem na igreja ou na comunidade sempre produz bons resultados. Pode trazer conforto, alívio ou assistência aos necessitados. Pode levar um pecador ao arrependimento e à salvação. Pode ajudar a frear a deterioração moral da sociedade e até  a torná-la um lugar mais agradável e saudável para se viver. Pode aumentar o respeito das pessoas pelo que é belo, bom e verdadeiro. E trará bem a quem o faz também – não a salvação, pois ela é um dom gratuito de Deus, mas certa recompensa no céu pode usar no céu pelo serviço fiel a qual provavelmente assumirá a forma de um serviço ainda mais responsável.

Portanto, […] “façamos o bem a todos, especialmente aos da família da fé”. Estes são irmãos e irmãs na família de Deus. Nossos parentes podem reivindicar a primeira lealdade, mas o altruísmo cristão nunca deve parar por aí.

Jesus disse que devemos amar e servir não apenas aos nossos amigos, mas aos nossos inimigos. Persistir na prática do bem é uma característica do verdadeiro cristão. É uma característica tão indispensável que será tida como evidência da fé salvífica no dia do juízo.

[…] se quisermos ter uma bia colheita, devemos semear boas sementes. Então, no devido tempo, teremos a certeza de uma colheita abundante.

Externo ou interno 

“Vejam com que letras grandes escrevi a vocês de próprio punho. 12Todos os que querem ostentar-se na carne, esses querem obrigar vocês a se deixarem circuncidar, e agem assim somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo.” Gálatas 6: 11- 12

Fundamentalmente, o cristianismo não é uma religião de cerimônias externas, mas algo interior e espiritual, que acontece no coração. Mas os judaizantes se concentravam em algo exterior, isto é, na circuncisão. […] eles “desejam causar boa impressão exteriormente. Os judaizantes elevaram a circuncisão a uma ordenança de importância central insistindo que, sem ela, ninguém poderia ser salvo. Mas como uma operação física e externa poderia assegurar a salvação da alma ou ser uma condição indispensável para a salvação? Tal afirmação é simplesmente absurda.

O que importa, em primeiro lugar, não é se uma pessoa foi circuncidada (ou batizada) ou não, mas se ela nasceu de novo e é uma nova criatura. A circuncisão e o batismo é um sinal exterior e selo disso. A circuncisão do corpo simboliza a circuncisão do coração. Da mesma forma, o batismo com água simboliza o batismo com o Espírito Santo. É lamentavelmente trágico quando nossos pensamentos ficam tão atordoados que substituímos a coisa simbolizada pelo sinal, enaltecemos um cerimonial físico em lugar de uma mudança de coração e adotamos a circuncisão ou o batismo, em vez de a nova criação e adotamos a circuncisão ou o batismo, em vez de a nova criação, como o caminho para a salvação. Circuncisão e batismo são relativos à carne, cerimônias externas e visíveis realizadas por pessoas; a nova criação é o nascimento do Espírito, um milagre interior e invisível realizado por Deus. 

[…] o povo de Deus, muitas vezes, repetiu esse erro. Transformou uma religião do coração em um espetáculo superficial e exterior, e Deus repetidamente enviou mensageiros para reprová-lo e chamá-lo novamente a uma religião espiritual e interior. Grande parte da “igrejice” contemporânea é a mesma coisa – seca, monótona, deprimente, morta e, principalmente, um espetáculo exterior. É natural à humanidade caída recusar o real, o interior e o espiritual e fabricar uma religião substituta que seja fácil e confortável, porque suas demandas são apenas externas e cerimoniais. […]

Isto não quer dizer que o físico e o externo não tenham lugar, pois o que está no coração precisa ser expresso por meio dos lábios, e o que é interior e espiritual na religião precisa ter expressão exterior. Mas a essência é o interior; manifestações exteriores não têm valor se faltar a realidade interior.

Humano ou divino?

“Pois nem mesmo os que se deixam circuncidar guardam a lei, mas querem apenas que vocês se submetam à circuncisão para que eles possam se gloriar na carne de vocês. Mas longe de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu estou crucificado para o mundo. Pois nem a circuncisão é coisa alguma, nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura. E, a todos os que andarem em conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus.”   Gálatas 6: 13-16

[…] a ideia dos judaizantes acerca do caminho da salvação era que a morte de Cristo era insuficiente; ainda tínhamos de merecer o favor e o perdão de Deus pelas boas obras. 

Paulo vigorosamente desafia esse ensino. Ele até contesta os motivos dos judaizantes e os põe em evidência. Eles não podem acreditar seriamente que a salvação é uma recompensa pela obediência a lei, porque “nem mesmo os que são circuncidados cumprem a Lei”. Eles sabem que a salvação não pode ser conquistada. Por que, então, ainda insistem em obras meritória? Como Paulo já declarou, é “apenas para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo”.

O que há na cruz de Cristo que irrita o mundo e incita-o a perseguir quem que a prega? Apenas isto: Cristo morreu na cruz por nós, pecadores, tornando-Se maldição por nós. Logo, a cruz diz algumas verdades muito desagradáveis sobre nós, que somos pecadores sob a justa maldição da lei de Deus e que não podemos salvar a nós mesmos. Cristo levou ou no pecado e nossa maldição precisamente porque não poderíamos ser libertos deles de outro modo. Nada na história o universo nos coloca no devido lugar como a cruz. 

É claro que as pessoas não gostam disso. Elas se ressentem da humilhação de se verem como Deus às vê e como realmente são. Prefere ilusões confortáveis. Por isso, afastam-se da Cruz.

Constroem um cristianismo sem Cruz, que depende de obras para obter a salvação, e não da obra de Jesus Cristo. Não se opõem ao cristianismo, desde que ele não seja a fé do Cristo crucificado. 

A atitude do apóstolo Paulo estava totalmente em desacordo com esses pontos de vista. […] A Cruz, para Paulo, não era algo do qual escapar, mas o objetivo de sua vanglória. Não podemos nos vangloriar em nós mesmos e na cruz. Se nos vangloriarmos em nós e na capacidade de nos salvarmos, nunca nos vangloriaremos na cruz e na capacidade do Cristo crucificado de nos salvar.

[…] Somente se nos humilharmos como pecadores que merecem o inferno é que correremos para a cruz em busca de salvação e viveremos nos gloriando nela.

As marcas e a Graça 

“Quanto ao mais, ninguém me moleste; porque eu trago no corpo as marcas de Jesus. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja com o espírito de vocês, irmãos. Amém!” Gálatas 6:17-18

[…], as “marcas de Jesus” de que Paulo fala eram feridas que ele havia recebido enquanto estava sendo perseguido por causa de Jesus. […] ele se refere a numerosos espancamentos, e é possível que ele já tenha suportado alguns desses sofrimentos antes dessa carta. […] ele já havia sido apedrejado e dado como morto em Listra, uma das cidades da Galácia. As feridas que os perseguidores lhe infligiram e as cicatrizes permanente que deixaram eram as ‘marcas de Jesus” que o Paulo o apóstolo se referiu. […] Ele era escravo de Jesus; havia recebido suas marcas nas perseguições. 

[…]. Paulo ansiava que os falsos mestres o deixassem em paz […].

Paulo começou a carta de gálatas com a habitual saudação da graça (Gálatas 1: 3) e passou a expressar espanto quando viu que eles estavam abandonando o Deus que os havia chamado na graça de Cristo (Gálatas 1:6). Toda a carta é dedicada ao tema da graça de Deus, Seu favor imerecido para os pecadores.

Paulo termina no mesmo tom. A característica autêntica do Evangelho é “a graça de nosso Senhor Jesus Cristo”, e a do pregador do Evangelho, “as marcas de Jesus”. Isso se aplica a todo o povo de Deus. Paulo carregava as marcas de Jesus no corpo e a graça dEle no espírito. E ele desejava que seus leitores tivessem o mesmo, pois eram seus “irmãos e irmãs” na família de Deus.

[…] Em suma, essa é a mensagem da carta aos Gálatas e a essência do próprio cristianismo. Está tudo incluso nas últimas palavras da carta: “A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo” – por meio dos apóstolos, da Cruz e do Espírito Santo – “seja com o espírito de vocês. Amém”.

Para reflexão e aplicação 

1- Em sua experiência, quais são os sinais exteriores ou obras que você é tentado a substituir pela realidade espiritual interior?

 2- Considere as realizações das quais você se sente tentado a se vangloriar.  Como você pode mudar isso e dar os créditos a Cristo?

Mais estudos de Gálatas aqui

https://www.nossasletrasealgomais.com/2022/01/21/estudando-o-livro-de-galatas/
Tags , , , , .Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *