A partir de Gálatas 5:13, Paulo descreve a vida daquele que é livre em Cristo, e não mais escravo. Ela é experimentada por meio do Espírito Santo. Devemos andar “pelo Espírito” (Gálatas 5:16), ser “guiados pelo Espírito” (v. 18), manifestar o “fruto do Espírito” (v. 22, 23), viver “pelo Espírito”, andar “pelo Espírito” (v. 25) e semear “para o Espírito” (Gálatas 6:8). Paulo enfatizou o Espírito Santo na vida cristã, porque é somente por meio dEle que podemos viver essa realidade.
No entanto, o fato é que os gálatas deixaram de experimentar esse tipo de vida. “A leitura de Gálatas 6:1-5 indica que os gálatas não mais estavam agindo de modo amável uns com os outros (Gálatas l 6:1-2); tinham desenvolvido uma visão orgulhosa sobre si mesmos, provavelmente por causa de suas ‘aquisições espirituais superiores’ (v. 3); e haviam começado a se comparar com outros indivíduos na igreja que eram supostamente menos dedicados aos ensinos ‘avançados’’ do legalismo.[1]
A lei de Cristo
Em Gálatas 6:2, Paulo afirma: “Levem os fardos pesados uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo.” Mas em que exatamente consiste essa lei?
Note o paralelo entre os seguintes versículos:
. “Toda a lei se cumpre num só mandamento: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’” (Gálatas 5:14, tradução literal).
. “Levem os fardos pesados uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo” (Gálatas 6:2).
Ambos os textos falam sobre cumprir a lei e ensinam que isso acontece no amor ao próximo. Gálatas 5:14 se refere explicitamente à lei do Antigo Testamento (Levíticos 19:18). Assim como Jesus, Paulo ensinava que toda a lei está incluída no amor. A maioria dos cristãos se lembra de que Jesus resumiu a lei em amor a Deus e ao próximo (Mateus 22:37-40). Mas é interessante notar que, ao menos uma vez, Jesus resumiu toda a lei em amor ao próximo (Mateus 7:12). Além disso, Cristo deu uma nova dimensão a Levítico 19:18 quando explicou que não devemos apenas amar o próximo, mas amá-lo como Ele nos amou (João 13:34).
Portanto, a “lei de Cristo” não é oposta àquela mencionada no Antigo Testamento, nem um acréscimo a ela. É a mesma lei de Deus, agora entendida de maneira cristocêntrica (1Coríntios 9:21). No Novo Testamento, temos outros casos semelhantes: o reino de Deus, apresentado no Antigo Testamento, se torna também o reino de Cristo; a palavra de Deus, a palavra de Cristo; o povo de Deus, o povo de Cristo.
O pastor Tim Keller explica: “A lei de Cristo é a lei que se resume como o amor ao próximo. Por que a lei do amor ao próximo seria chamada de lei de Cristo? Porque Cristo é o exemplo máximo e insuperável desse tipo de amor. Devemos amar os outros como Cristo nos amou (João 13.34; Efésios 4.32). Embora toda a lei do Antigo Testamento pudesse ser resumida na ordem para amar, são a vida e a morte de Cristo que se tornam a corporificação suprema do que esse amor deveria ser. Ao olharmos para sua vida e atitude, assim como para todas as suas interações, temos, de certa forma, uma ‘lei’, um modelo surpreendente do tipo de vida que deveríamos levar.”[2]
Por isso, o estudioso evangélico Thomas Schreiner concluiu: “O que cumpre a lei de Cristo cumpre a lei veterotestamentária [isto é, do Antigo Testamento], que se resume na lei do amor. […] A lei de Cristo é o amor e inclui as normas veterotestamentárias.”[3]
Gálatas 6:2 é um dos textos em que Paulo explica o papel da lei de Deus na vida do cristão (veja o estudo 11). Pelo fato de não estar sob a condenação da lei, o cristão pode cumpri-la pelo poder do Espírito Santo.
Nossos fardos versus o fardo dos outros
À primeira vista, Gálatas 6 apresenta uma contradição sobre um assunto muito importante. O versículo 2 diz: “Levem as cargas uns dos outros e, assim, estarão cumprindo a lei de Cristo.” Já o versículo 5 afirma: “Porque cada um levará o seu próprio fardo.” Afinal de contas, é possível levar as cargas dos outros ou não?
Tim Keller explica muito bem: “A resposta está no fato de que existem dois tipos de fardo aqui. O termo grego traduzido como ‘fardos’ [ou ‘cargas’] no versículo 2 é um grande peso, mas, no versículo 5, o termo também traduzido como ‘fardo’ é diferente e se refere a uma espécie de mochila. O versículo 5 fala que Deus tem dado a cada um de nós um conjunto diferente de dificuldades e oportunidades, de fraquezas e de dons. Esse é o ‘fardo’ que nos pertence – nossa responsabilidade diante de Deus.
“Portanto, não devemos nos comparar com os outros. Em vez disso, temos de olhar para nossas provações e deveres particulares e reagir a eles em obediência. Se encararmos a vida dessa maneira, julgaremos nosso dia a dia tendo como padrão quem temos sido e quem poderíamos ter sido. Quando virmos progresso, tiraremos dele o orgulho legítimo, sejamos ou não melhores ou piores do que outra pessoa qualquer. Não nos compararemos com alguém que fez menos do que nós (para experimentar o orgulho pretensioso) ou com alguém que fez mais (para sentir desespero ou inveja pretensiosos).
Deus nos tem dado um fardo diferente para carregar e com o qual podemos servi-lo. Nossa tarefa é carregar o nosso fardo individual, não o de mais ninguém, de modo a agradar a Deus. Se encararmos a vida dessa maneira, seremos tardios em julgar os outros também. Seremos acríticos e generosos. Por exemplo, se virmos alguém impaciente, pensaremos: Não sei que pressões essa pessoa está enfrentando, nem com que nível de autocontrole emocional ela começou. Na verdade, talvez esteja sendo mais obediente a Deus do que eu hoje!
“Com humildade e gentileza, devemos ajudar os outros em suas tarefas e problemas, com todos os seus fardos. Mas: ‘Há um fardo que não podemos compartilhar […] e que é nossa responsabilidade para com Deus no dia do julgamento. Naquele dia, você não poderá carregar minha mochila, nem eu a sua.’”[4]
O coração da lei
Paulo explica como a lei de Cristo pode ser cumprida de maneira prática na igreja: “Não sejamos presunçosos, provocando uns aos outros e tendo inveja uns dos outros.
Irmãos, se alguém for surpreendido em algum pecado, vocês, que são espirituais, deverão restaurá-lo com mansidão. Cuide-se, porém, cada um para que também não seja tentado. Levem os fardos pesados uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo” (Gálatas 5:26-6:2, NVI).
O escritor George Knight afirma: “A tragédia dos judaizantes e de muitos cristãos atuais é que a preocupação deles com as leis externas da Bíblia os levou a transgredir o coração da lei divina do Antigo e Novo Testamento – amar o próximo como a si mesmo (Gálatas 5:14; Romanos 13:8-10; Mateus 22:37-40; Deuteronômio 6:5; Levíticos 19:18). É do coração da lei de amor que procedem os mandamentos mais específicos relacionados ao nosso próximo (veja Romanos 13:8-10; Mateus 22:40).”[5]
Paulo descreve de forma específica como devemos tratar os irmãos que cometem falhas. Estas citações nos ajudam a aplicar o que Paulo ensina em Gálatas 6: “O Senhor deseja que ajudemos aqueles que mais necessitam de auxílio. Enquanto vocês apontam erros e falhas nos outros, fecham-se em si mesmos e mostram-se muito egoístas em usufruir a verdade. […] “Jesus, nosso Advogado, está familiarizado com todas as circunstâncias que nos envolvem e trata conosco de acordo com a luz que temos e as situações em que fomos colocados. […] Enquanto uns estão continuamente atormentados, aflitos e em dificuldades por causa de seus lamentáveis traços de caráter, tendo de guerrear contra inimigos internos e a corrupção de sua natureza, outros não têm nem a metade dessa batalha. Passam quase incólumes pelas dificuldades que seus irmãos e irmãs que não foram tão favoravelmente constituídos enfrentam.
“A posição de destaque que vocês, como família, ocupam na igreja torna-lhes necessário que sejam portadores de fardos. Não que devam levar as cargas daqueles que são capazes de fazê-lo e também de ajudar a outros, mas vocês devem ajudar quem necessita de auxílio, os que estão em situação menos favorável, que estão em erro e em falta, e que podem tê-los ofendido e testado ao máximo a paciência de vocês. É justamente desses que Jesus Se compadece, porque Satanás tem maior poder sobre eles e está constantemente tirando vantagens de seus pontos fracos, dirigindo-lhes suas flechas para feri-los onde estão menos protegidos.
“Jesus exerce Seu poder e misericórdia nesses casos deploráveis. Quando Ele perguntou a Simão quem amaria mais, sua resposta foi: “É aquele a quem mais perdoou” [Lucas 7:43]. Assim será. Jesus não Se afastava dos fracos, dos desafortunados e desamparados, mas ajudava os que dEle necessitavam. Ele não restringia Suas visitas e trabalhos à classe mais inteligente e menos deficiente, negligenciando os desprivilegiados. Não perguntava se Lhe era agradável estar em companhia dos pobres, dos mais necessitados. Esses são aqueles cuja companhia Ele buscava, as ovelhas perdidas da casa de Israel [Mateus 15:24].”[6]
“Se Cristo é em nós a ‘esperança da glória’, não temos disposição para vigiar os outros, a fim de expor seus erros. Em lugar de especular para acusar e condenar, será nosso objetivo ajudar, abençoar e salvar. Ao lidar com os que estão em erro, daremos ouvidos ao conselho: ‘Cuide-se, porém, cada um para que também não seja tentado’ (Gálatas 6:1). Poderemos nos lembrar das muitas vezes em que erramos, e como foi difícil encontrar o caminho certo quando o havíamos deixado. Não empurraremos nosso irmão para maior escuridão, mas, com coração cheio de piedade, lhe daremos aviso do perigo.
“Aquele que olha muitas vezes para a cruz do Calvário, lembrando-se de que seus pecados colocaram lá o Salvador, nunca tenta avaliar o grau de sua culpa em confronto com a dos outros. Não se assenta na cadeira de juiz para trazer acusação contra os outros. Não pode haver espírito de crítica nem de exaltação própria por parte de quem anda à sombra da cruz do Calvário.
“Você não terá removido a trave de seu olho a fim de ajudar seu irmão até sentir que pode sacrificar a própria dignidade, e mesmo entregar a vida, a fim de salvar um irmão que erra. Então, você poderá se aproximar dele e tocar seu coração. Ninguém jamais foi recuperado de uma posição errada por censura ou reprovação, mas muitos foram assim afastados de Cristo e levados a selar seu coração contra a convicção. O coração bondoso, o comportamento cativante, atraente, pode salvar o pecador e cobrir uma multidão de pecados. A revelação de Cristo em seu caráter terá um poder transformador sobre todos com quem entramos em contato.
“Que Cristo Se manifeste diariamente em você, e Ele revelará por seu intermédio a energia criadora de Sua Palavra, uma influência suave e persuasiva, mas poderosa para recriar outras pessoas com a beleza do Senhor, nosso Deus.”[7]
Perguntas para reflexão e aplicação
1. Quantas vezes você condenou os outros (talvez apenas em seu coração) por terem cometido algum pecado que você, um dia, também cometeu?
2. Há um pecado habitual do qual você precisa, com toda delicadeza, ajudar um irmão a se recuperar? Está disposto a ouvir as pessoas que querem restaurar você?
3. Que oportunidades Deus lhe tem dado de carregar os fardos alheios?
4. De que forma é libertador saber que você só responderá por seu próprio fardo, e não pela maneira como viveu comparada com a dos outros?
5. Você consegue pensar em épocas da sua própria vida em que a semeadura para satisfação de sua natureza pecaminosa o obrigou a colher “ruína”?
6. Como você está colhendo para o Espírito, no conjunto específico de circunstâncias que lhe foi dado por Deus?
7. De que modo esses versículos têm motivado você a “fazer o bem a todos”? Existem mudanças particulares que o Espírito o tem levado a implementar?[8]
Referências
1. George R. Knight, Exploring Galatians and Ephesians: A Devotional Commentary (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2005), p. 143.
2. Timothy Keller, Gálatas Para Você, Série A Palavra de Deus para Você (São Paulo: Vida Nova, 2015), p. 176.
3. Thomas R. Schreiner, “Lei de Cristo”, em Dicionário de Paulo e Suas Cartas, ed. Gerald F. Hawthorne, Ralph P. Martin e Daniel G. Reid (São Paulo: Vida Nova; Paulus; Loyola, 2008), p. 779.
4. Keller, Gálatas Para Você, p. 179-180.
5. Knight, Exploring Galatians and Ephesians, p. 144.
6. Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2020), v. 2, p. 74-75.
7. Idem, O Maior Discurso de Cristo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 128-129.
8. As perguntas 2 a 7 foram extraídas de Keller, Gálatas Para Você, p. 180, 188.