As predições de Isaías 65 e 66 causaram problemas para os que buscam aplicar à nova terra descrita em Apocalipse 21 e 22 as descrições que Isaías faz da morte, do nascimento de meninos e da presença de cadáveres (Isaías 65:20, 23; 66:24).
Estas dificuldades surgem se se ignora o fato da revelação progressiva entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Como se descreveu na primeira parte, nos capítulos 3 e 4, Cristo e seus apóstolos anunciaram que com Jesus começou o tempo dos antítipos (ver Mateus 12:6, 41, 42; Romanos 5:14, 15; 1 Coríntios 15:22). Este conceito teológico denota que a consumação das esperanças de Israel será imensamente maior que o que foi predito pelos profetas. O Novo Testamento proclama que Cristo Jesus é “fiador de um melhor pacto” (Hebreus 7:22). Isto significa que “Deus tinha já disposto algo melhor para nós, de modo que não chegassem eles [os fiéis hebreus] sem nós à perfeição” (11:40, BJ).
Esta hermenêutica do evangelho não requer que Apocalipse 21 e 22 repitam as restrições do velho pacto. A esperança cristã é melhor que a antiga esperança de Israel.
O Apocalipse declara que no estado eterno não haverá barreiras étnicas ou raciais na Nova Jerusalém (ver Apocalipse 21:14), não haverá mais morte (20:14), não haverá pessoas ímpias nem coisas impuras (19:20, 21; 21:27). Não haverá nenhuma das maldições de Deus. Tudo será feito “novo” (21:5).
As diferenças entre o panorama futuro que João apresenta e o panorama do futuro de Isaías revelam a progressão da revelação divina. Para ter uma investigação dos princípios de interpretação no Novo Testamento, ver também o ensaio que sobre isto aparece no Comentário bíblico adventista, tomo 4, páginas 27-40.
Já Não Haverá Mais Mar
Outro tema de interpretação é a notável declaração de João: “E o mar já não existe” (Apocalipse 21:1). Os comentadores tratam em forma detalhada se esta expressão deve tomar-se de maneira literal ou simbólica. Para que esta predição tenha sentido, precisamos recordar que o “mar” em Daniel e no Apocalipse é o símbolo padrão do caos, do reino dos poderes ímpios e inquietos (Daniel 7 e Apocalipse 13; também Ezequiel 28:8; Isaías 57:20) e da morte (Apocalipse 20:13). Henry B. Swete faz o seguinte comentário: “O mar desapareceu, porque na mente do escritor está associado com ideias que estão em desacordo com o caráter da nova criação”.1
Portanto, João assinala ao mar como o “separador de nações e igrejas”. Nesse sentido negativo, João nos assegura que já não haverá mais nenhum “mar”. A humanidade não necessita já ter temor à separação ou ao levantamento do mal. Em Salmos 104:25 e 26 se menciona o “mar” como uma parte da criação original de Deus em Gênesis 1:10, que permanece sob o total domínio do Criador.
A Nova Jerusalém como a Esposa
Outro problema aparente é causado pelo fato de que tanto a igreja defeituosa como a Nova Jerusalém são chamadas a “esposa” de Cristo. João denominou a igreja que se preparou para encontrar-se com Cristo, a “esposa” de Cristo (Apocalipse 19:7).
Depois o anjo declara que a cidade é “a noiva, a esposa do Cordeiro” (21:9). Isto tem feito com que alguns intérpretes concluam que a Jerusalém celestial e a igreja redimida de Cristo são uma e a mesma.
De acordo com a lei judaica, uma mulher comprometida em matrimônio era considerada como uma mulher casada que podia ser castigada por adultério.2 Isto explicaria por que o anjo chama à Nova Jerusalém ao mesmo tempo “a noiva” e “a esposa” do Cordeiro (Apocalipse 21:9).
À luz do ensino apostólico, a identificação da igreja com a Nova Jerusalém contém um ponto importante de verdade: a igreja na terra é uma com a igreja no céu.
Contudo, a distinção entre a comunidade terrestre e a celestial não deve abolir-se. A Jerusalém celestial, como a cidade do Deus vivente, permanece como a “mãe” da igreja sobre a terra (Gálatas 4:26). Esta cidade celestial descerá do céu, como Cristo prometeu à sua igreja em Apocalipse 3:12.
O cumprimento desta promessa tem lugar à conclusão do milênio (Apocalipse 21:2).
Então, o fato de que à Nova Jerusalém seja chamada “a noiva, a esposa do Cordeiro” (v. 9), indica que os santos estão todos dentro da Nova Jerusalém, o que confirma o ensino de Cristo (João 14:1-3) e o do Paulo (1 Tessalonicenses 4:16, 17): que os santos serão levados ao céu por ocasião da segunda vinda.
Além disso, a Nova Jerusalém sobre a terra é descrita com detalhe em Apocalipse 21:1-22:5. Tem o trono de Deus e do Cordeiro, e dela flui “o rio puro da água da vida, claro como cristal”. De um e do outro lado, na praça, está a árvore da vida, que dá cada mês seu fruto (22:1, 2). Isto afirma a realidade desta cidade.
Cura pela Árvore da Vida
Finalmente, a declaração que diz que as folhas da árvore da vida eram “para a cura das nações” (Apocalipse 22:2) suscita a pergunta de por que há necessidade de “cura” na Nova Jerusalém. Nossa primeira observação deve ser que esta descrição é uma adoção da visão do templo de Ezequiel: “Junto ao rio, às ribanceiras, de um e de outro lado, nascerá toda sorte de árvore que dá fruto… o seu fruto servirá de alimento, e a sua folha, de remédio” (Ezequiel 47:12). Aqui, a ideia de “cura” encaixa dentro da perspectiva da restauração do Israel depois do exílio babilônico. Deus esperava que os israelitas que retornassem ficassem “envergonhados de suas culpas” (43:10, BJ) e não ousassem mais “abrir a boca de vergonha” (16:63, BJ). E proibiu que “nenhum estrangeiro, nenhum incircunciso, de coração ou incircunciso na carne, dentre todos os estrangeiros que haja em meio dos filhos do Israel, entrará em meu santuário” (44:9, JS).
João adapta a predição de Ezequiel para revelar seu cumprimento na terra feita nova em uma forma que excede inclusive as expectativas de Ezequiel. João inclui a todos os gentios que lavaram “suas roupas” e portanto, obtiveram o direito de comer da árvore da vida dentro da Nova Jerusalém (Apocalipse 22:2, 14; ver também 7:14).
Esta revelação nova e importante omite o antigo rito da circuncisão como o sinal de acesso da árvore da vida e o substitui por uma fé vivente no sangue expiatório de Cristo Jesus (ver Apocalipse 7:14). Aqui de novo atestamos a progressão da revelação na história da salvação. Surge a pergunta: Por que os santos na nova terra precisam comer da árvore da vida? A função da árvore da vida no jardim do Éden, em Gênesis (2:9; 3:22-24), proporciona a resposta: para perpetuar a vida (ver Gênesis 3:22). A árvore da vida no Apocalipse obtém suas propriedades curativas do trono de Deus e do Cordeiro (Apocalipse 22:1, 2). Ezequiel já tinha explicado: “Todos os meses trarão frutos novos, pois suas águas brotam do santuário” (Ezequiel 47:12, BC).
Deus e o Cordeiro permanecem como a fonte viva de vida e bênção por toda a eternidade. A humanidade redimida precisa recordar durante toda a eternidade que só Deus o Criador tem imortalidade inerente (ver 1 Timóteo 6:16), e que os santos permanecem para sempre dependendo de seu Redentor para ter vida. Portanto, estamos de acordo com a seguinte interpretação da Ellen White sobre a necessidade da árvore da vida:
“A árvore da vida é uma representação do cuidado protetor de Cristo por seus filhos. Quando Adão e Eva comiam dessa árvore reconheciam sua dependência de Deus. A árvore da vida possuía o poder de perpetuar a vida, e enquanto comessem dela não podiam morrer”.3
“O fruto da árvore da vida no jardim do Éden possuía virtudes sobrenaturais. Comer dela equivalia a viver para sempre. Seu fruto era o antídoto da morte. Suas folhas serviam para manter a vida e a imortalidade”.4
Ellul explica este conceito filosoficamente, declarando que a “cura” por meio das folhas da árvore da vida significa “a cura da finitude [do homem]”.5 O homem sempre estará marcado pela finitude. Nunca será divinizado nem chegará a ser Cristo:
“Permanece uma distância infinita entre o Criador e o homem ressuscitado… Ferido constantemente, ameaçado constantemente pela finitude que está nele, é reavivado constantemente, curado constantemente, pela eternidade. Mas esta não é uma condição de inferioridade imposta a ele, e sim a situação criada pela relação de amor e pelo triunfo da graça. Porque ainda tudo é de graça. E este homem vive pela eternidade de graça, na graça que lhe é dada; vive do ‘dom gratuito’ “.6
O propósito final da descrição que João faz da cidade vindoura é para assinalar além das imagens da árvore e do rio da vida a nossa necessidade eterna de “uma relação pessoal com Deus no centro da redenção e a concessão da graça de Deus”.7
Referências
1 Swete, Commentary on Revelation, p. 275.
2 Strack-Billerbeck, Comentario del Nuevo Testamento con el Talmud y la Midrás, t. 2, p. 393; Joachim Jeremias, Diccionario teológico del Nuevo Testamento [ed. Por G. Kittel], v. 4, pp. 1092, 1093.
3 Ellen White, Review and Herald, 26 de janeiro de 1897; citado em 7 CBA 999.
4 Ellen White, Signs of the Times [Sinais dos Tempos), 31 de março de 1909; citado em 7 CBA 999.
5 J. Ellul, Apocalypse, The Book of Revelation, p. 230.
6 Ibid., pp. 230, 231.
7 Eichrodt, Ezekiel, p. 5.