Este apêndice trata com os escritos da Ellen White (1827-1915), a quem os adventistas do sétimo dia reconhecem como uma manifestação genuína do Espírito de profecia no tempo do fim e sua relação com a Bíblia como “seu único credo”.1 O propósito deste trabalho é responder as seguintes perguntas: Aceitam os adventistas o princípio de sola Scriptura, significando que deve permitir-se que a Bíblia seja seu próprio intérprete? Ou se faz dos escritos da Ellen White o intérprete final da Escritura?
Um tratamento excelente desta pergunta é apresentado por Ellen White na “introdução” a seu livro O Grande Conflito, escrito originalmente em 1888 e reeditado em 1911. Na introdução lemos o seguinte:
“Em Sua Palavra, Deus conferiu aos homens o conhecimento necessário à salvação. As Santas Escrituras devem ser aceitas como autorizada e infalível revelação de Sua vontade. Elas são a norma do caráter, o revelador das doutrinas, a pedra de toque da experiência religiosa. ‘Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.’ II Timóteo 3:16 e 17.
“Todavia, o fato de que Deus revelou Sua vontade aos homens por meio de Sua Palavra, não tornou desnecessária a contínua presença e direção do Espírito Santo. Ao contrário, o Espírito foi prometido por nosso Salvador para aclarar a Palavra a Seus servos, para iluminar e aplicar os seus ensinos.”.2
É importante seu argumento bíblico que diz que Deus prometeu reviver o dom profético na “obra final do evangelho”:
“Em imediata relação com as cenas do grande dia de Deus, o Senhor, pelo profeta Joel, prometeu uma manifestação especial de Seu Espírito. (Joel 2:28.) Esta profecia recebeu cumprimento parcial no derramamento do Espírito, no dia de Pentecoste. Mas atingirá seu pleno cumprimento na manifestação da graça divina que acompanhará a obra final do Evangelho”.3
Ellen White interpretou seu dom espiritual como outro cumprimento da profecia de Joel:
“À medida que o Espírito de Deus me ia revelando à mente as grandes verdades de Sua Palavra, e as cenas do passado e do futuro, era-me ordenado tornar conhecido a outros o que assim fora revelado – delineando a história do conflito nas eras passadas, e especialmente apresentando-a de tal maneira a lançar luz sobre a luta do futuro, em rápida aproximação”.4
O objetivo de seu livro O Grande Conflito não foi tanto apresentar novas verdades, “como em aduzir fatos e princípios que têm sua relação com os acontecimentos vindouros… iluminando a senda daqueles que, semelhantes aos reformadores dos séculos passados, serão chamados, mesmo com perigo de todos os bens terrestres, para testificar ‘da Palavra de Deus, e do testemunho de Jesus Cristo'”.5
Nesta última cláusula, Ellen White se referiu manifestamente a Apocalipse 12:17, profecia na qual reconheceu uma predição do “conflito prestes a se desencadear” no fim da história da igreja.6 Contemplou o conflito vindouro em continuidade essencial com as testemunhas dos “reformadores dos séculos passados”. Todas as testemunhas verdadeiras de Deus se voltarão a levantar pela “palavra de Deus e o testemunho do Jesus”. Ela declarou o seguinte:
“Aquilo que foi, será, com a exceção de que a luta vindoura se assinalará por uma intensidade terrível, tal como o mundo jamais testemunhou. Os enganos de Satanás serão mais sutis, seus assaltos mais decididos”.7
Ellen White incluiu os albigenses, os valdenses, os huguenotes e os protestantes da “igreja do deserto” entre os mártires que sofreram pela “palavra de Deus e o testemunho de Jesus”.8 Deve ficar claro que Ellen White não entendeu a típica frase bíblica “a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo” como uma referência a um reavivamento do dom de profecia do tempo do fim, mas sim como uma referência à Bíblia em seu duplo testemunho do Antigo Testamento e do Novo Testamento.
Declarou que Cristo tinha falado por meio dos profetas da antiguidade ao citar 1 Pedro 1:10 e 11, e acrescentou: “É a voz de Cristo que nos fala através do Antigo Testamento. ‘O testemunho de Jesus é o Espírito de Profecia’ Apocalipse 19:10”.9
Para a verificação bíblica de seu dom profético, referiu-se a Joel 2:28.10 Com respeito ao cumprimento do tempo do fim de Apocalipse 12:17, declarou: “Mas Deus terá sobre a Terra um povo que mantenha a Bíblia, e a Bíblia só, como norma de todas as doutrinas e base de todas as reformas.11
“Há necessidade de uma volta ao grande princípio protestante – a Bíblia, e a Bíblia só, como regra de fé e prática”.12
Como foi com os reformadores, de igual maneira com Ellen White a aceitação do princípio de sola Scriptura significa reconhecer o princípio protestante de “fazer com que a Bíblia seja seu próprio intérprete”,13 que a Bíblia é “seu próprio intérprete”.14
“A Bíblia interpreta a si mesma. Um texto deve ser comparado com outro”.15
“Devemos permitir que a Bíblia seja seu próprio expositor”.16
A aplicação deste princípio fundamental foi bem descrito por Norman R. Gulley: “A verdadeira interpretação tomará nota do que a tradição da igreja e os comentadores têm que dizer, mas prestará mais atenção ao que a Bíblia diz a respeito de si mesmo, e empregará o princípio protestante de sola Scriptura, permitindo que a Escritura se interprete a si mesma. Este é o único intérprete infalível que alguma vez haverá aqui antes da volta de Cristo”.17
Só desta maneira pode um cristão examinar adequadamente a essência das profecias extrabíblicas e “reter o bom” (1 Tessalonicenses 5:19-21), “e outros opinem” (1 Coríntios 14:29, BC), e dessa maneira seguir o “mandamento do Senhor” (1 Coríntios 14:37, BJ).
Ellen White o declara sem ambiguidade: “Deus pede um reavivamento e uma reforma. As palavras da Bíblia, e a Bíblia somente, deviam ser ouvidas do púlpito”.18
Quando os dirigentes da igreja insistiram com ela a decidir-se em seu favor numa disputa sobre qual era a interpretação correta de um versículo particular da Bíblia, disse: “Deus tem um propósito com isto. Quer que vamos à Bíblia e obtenhamos a evidência da Escritura”.19 Isto estava em harmonia com o que acreditava: “A Bíblia é a única regra de fé e doutrina”.20
George R. Knight, proeminente teólogo adventista e historiador eclesiástico, conclui: “Seus escritos tinham seus próprios propósitos, mas ao que parece, o constituir um comentário infalível da Bíblia não era um deles”.21
Robert W. Olson, secretário aposentado do Centro White, explicou-o claramente: “Não podemos usar Ellen White como o árbitro determinante do significado da Escritura. Se fizermos isso, então ela é a autoridade final e não a Escritura. Deve permitir-se que a Escritura se interprete a si mesma”.22
“Acredito que houve vezes quando foi exegeta, mas esses casos são extremamente estranhos. Penso que por regra general foi como uma pregadora. Empregou a Escritura como um evangelista o faria”.23
George W. Reid, diretor do Biblical Research Institute [Instituto de investigação bíblica] da Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia afirma que a hermenêutica adventista tradicional “não usa suas declarações [as de Ellen White] para determinar o significado final da Bíblia”.24
Dessa maneira chega a ser claro que empregar os escritos de Ellen White para consultá-los como árbitros da exegese ou como juízes teológicos com o fim de determinar o significado da Escritura seria fazer um uso inadequado deles. Violaria o axioma fundamental da fé do adventismo: o princípio de sola Scriptura.
Quando seus escritos se aceitam como uma manifestação do Espírito de profecia, não devem tomar-se como um atalho para não fazer uma exegese responsável pela Escritura ou lhes dar “autoridade hermenêutica sobre a Escritura”.25 Ellen White advertiu contra um espírito de presunção denominacional ao dizer:
“Não estamos seguros quando tomamos a posição de que não aceitaremos qualquer outra coisa que o que estabelecemos como verdade. Devemos tomar a Bíblia e investigá-la minuciosamente por nós mesmos”.26
“Não há desculpa para que alguém tome a posição de que não há mais verdade para ser revelada, e que todas nossas exposições das Escrituras estão sem engano. O fato de que certas doutrinas foram sustentadas como verdade por muitos anos por nosso povo, não é prova de que nossas ideias são infalíveis. O tempo não converte o engano na verdade, e a verdade pode permitir-se ser imparcial. Nenhuma doutrina perderá nada por uma rigorosa investigação”.27
Inclusive disse:
“Não devem os testemunhos da irmã White ser postos na dianteira. A Palavra de Deus é a norma infalível… Provem todos a própria atitude por meio das Escrituras e fundamentem pela Palavra de Deus revelada todo ponto que vindicam ser verdade”.28
Ellen White acreditava não só na autoridade suprema da Escritura, mas também na suficiência da Escritura:
“A Palavra de Deus é suficiente para iluminar o espírito mais obscurecido, e pode ser compreendida por todo o que sinceramente deseja entendê-la”.29
No livro Os adventistas respondem a perguntas sobre doutrina, 30 líderes adventistas, professores de Bíblia e editores explicaram com alguns detalhes a pergunta dos escritos da Ellen White com relação à Bíblia (a pergunta 9). Declararam: “Provamos os escritos da Ellen G. White mediante a Bíblia, mas em nenhum sentido provamos a Bíblia com seus escritos… Nunca consideramos a Ellen G. White na mesma categoria que os escritores do cânon das Escrituras… Não fazemos da aceitação de seus escritos um assunto de disciplina eclesiástica”.31
Lemos igualmente na exposição mais recente, Creencias de los adventistas del séptimo día,32 que esta declaração pública “representa uma exposição autêntica das crenças adventistas”.33 A exposição declara em primeiro lugar: “Os adventistas têm um só credo: ‘A Bíblia e a Bíblia somente’ “.34 No extenso capítulo 17, “O dom de profecia”, voltamos a ouvir esta firme declaração: “Os adventistas do sétimo dia apóiam plenamente o princípio da Reforma, conhecido como sola Scriptura, segundo o qual a Bíblia é seu próprio intérprete, e a Bíblia só é a base de todas as doutrinas”.35
Um tratamento convincente foi apresentado por LeRoy E. Froom, professor emérito de teologia histórica.36
Ellen White declarou o propósito de suas visões e escritos em termos inconfundíveis: “Recomendo-vos, caro leitor, a Palavra de Deus como regra de vossa fé e prática. Por essa Palavra seremos julgados. Nela Deus prometeu dar visões nos ‘últimos dias’; não para uma nova regra de fé, mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade bíblica”. 37 Assim Ellen White apoiou sua chamada e missão providenciais sobre a profecia do Joel 2:28 e 29 como um fundamento firme e suficiente. Nunca apelou a Apocalipse 12:17 para estabelecer sua chamada profética. É importante sua declaração: “Pouca atenção é dada à Bíblia, e o Senhor deu uma luz menor para guiar homens e mulheres à luz maior”.38 Marvin Moore, editor da revista Signs of the Times [Os Sinais dos Tempos], explicou isto da seguinte maneira:
“Se interpretarmos o Antigo Testamento e o Novo Testamento à luz de Ellen White, fazendo-a a autoridade final de nosso entendimento do que a Bíblia significa, fazemo-la a luz maior e fazemos da Escritura a luz menor”.39
Precisamos saber que Ellen White usou as Escrituras em uma grande variedade de formas. Raymond F. Cottrell distinguiu doze categorias diferentes de formas nas Ellen White usou a Bíblia nas 500 páginas que investigou.40
Cottrell concluiu que Ellen White cita frequentemente a Bíblia para extrair lições morais ou para aplicar princípios bíblicos generais à vida cristã. Entrevista frequentemente palavras ou frases das Escrituras “sem que denotem um intento de explicar as Escrituras”.41 Algumas vezes dá uma “aplicação extensa” a um texto bíblico, como por exemplo o do Naum 1:9 e Habacuque 2:3.42
Frequentemente usa um texto “em contexto para iluminar uma passagem da Escritura em seu marco histórico, e com frequência analiticamente para aplicar um princípio bíblico a uma situação moderna”.43
Destas observações, Cottrell deduziu o seguinte:
“Considerou sua tarefa dirigir homens e mulheres à Bíblia como a Palavra de Deus, inspirada e autorizada, para aplicar seus princípios aos problemas que a igreja e seus membros encontram no mundo atual, e para guiá-los em sua preparação para o advento de Cristo”.44
Declarações adicionais de Ellen White quanto à relação de seus escritos com a Bíblia podem encontrar-se em 2 TS 278-280 e em 3 ME 29-33 (cap. 4: “A primazia da Palavra”).
Referências
1 Creencias de los adventistas del séptimo día, p. 8. A frase completa diz: “Os adventistas têm um só credo :’A Bíblia e a Bíblia só’ “.
2 Ellen White, GC 7.
3 GC 7.
4 GC 7.
5 GC 7 (o itálico é meu).
6 GC 592.
7 GC 7.
8 Ver GC 271. A frase completa diz: “Século após século o sangue dos santos fora derramado. Enquanto os valdenses, “pela palavra de Deus e pelo testemunho de Jesus Cristo”, depunham a vida nas montanhas do Piemonte, idêntico testemunho da verdade era dado por seus irmãos, os albigenses da França”.
9 PP 367.
10 Ver GC 7; PE 78.
11 GC 595.
12 GC 204-205.
13 GC 354 (o itálico é meu).
14 1 TS 571 (o itálico é meu).
15 CPPE 462 (o itálico é meu).
16 TM 106 (o itálico é meu).
17 Norman R. Gulley, Systematic Theology, Vol. One, “Prolegomena” (Teologia sistemática. Tomo 1: “Prolegómeno”]. Manuscrito inédito, 1997, p. 415 (usado com permissão).
18 Ellen White, PR 626.
19 Ellen White, Manuscrito 9, 24 de outubro de 1888, em Ministerio Adventista (julio-agosto de 1991), p. 9.
20 Ellen White, Review and Herald (Revista e Arauto], 17 de julho de 1888.
21 George R. Knight, “Crise de autoridade”, Ministerio Adventista (julio-agosto de 1991), p. 10.
22 Robert W. Olson, “Olson discusses the Veltman Study” [Olson fala do Estudo Veltman], Ministry (dezembro de 1990), p. 17.
23 Ibid.
24 George W. Reid, “Another Look at Adventist Methods of Bible Interpretation” (Outro olhar aos métodos adventistas de interpretação bíblica), Adventist Affirm (Os Adventistas Afirmam) 10:1 (Primavera de 1996), p. 51.
25 H. D. Weiss, “Are Adventist Protestants?” [São Protestantes os Adventistas?), Spectrum 6:2 (1972), pp. 69-78. Ver também J. J. Battistone, “Ellen White’s Authority as Bible Commentator” [Autoridade de Ellen White como Comentadora da Bíblia], Spectrum 8:2 (1977), pp. 37-40; R. Frise, The Reign of God [O Reino de Deus] (Berrien Springs, Michigan: Andrews University Press, 1985), pp. 199-201.
26 Ellen White, Review and Herald, 18 de junho de 1889.
27 Ellen White, Review and Herald, 20 de dezembro de 1892; citado em Counsels to Writers and Editors, p. 35.
28 Ellen White, Carta 12 de 1890; citada em Ev. 256.
29 2 TS 279.
30 Questions on Doctrine (Washington, D.C.: Review and Herald Publ. Assn., 1957). Edição castelhana: Los adventistas responden a preguntas sobre doctrina (Villa Libertador San Martín, Entre Ríos: Editorial CAP, 1986).
31 Los adventistas responden a preguntas sobre doctrina, pp. 41, 42, 45.
32 O original inglês foi publicado em 1988 pela Associação Ministerial da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia com o titulo: Seventh-day Adventists Believe… A Biblical Exposition of 27 Fundamental Doctrines
33 Creencias de los adventistas, v. II, p. 9.
34 Ibid., p. 8.
35 Ibid., p. 262.
36 Froom, Movement of Destiny, cap. 5: “The Bible-Sole Rule of Faith and Practice” (A Bíblia: A Única Regra de Fé e Prática).
37 Ellen White, PE 78.
38 C 130; Ev 257.
39 Marvin Moore, “Ellen White and the Historical Method of Interpreting Revelation” [Ellen White e o Método Histórico de Interpretar a Revelação]. Artigo inédito, 1992, p. 10, usado com permissão do autor.
40 Ver A Symposium on Biblical Hermeneutics [Um Simpósio sobre Hermenêutica Bíblica] (Washington, D.C.: Review and Herald Pub. Assn., 1974; G. M. Hyde, ed.), cap. 9: “Ellen G. White’s Evaluation and Use of the Bible” [A Avaliação e o Uso da Bíblia em Ellen White). Este livro foi preparado pela Comissão de Investigação Bíblica da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia.
41 Ibid., p. 157.
42 Ibid., p. 159.
43 Ibid., p. 161 (o itálico é meu).
44 Ibid.