Mensagem apresentada em palestra em P. Alegre – RS (2003)
Alguns eruditos têm tomado a posição de que Jesus rejeitou a lei de Moisés com referência ao Sábado, embora alguns eruditos judeus não encontrem nenhuma brecha significativa da lei feita por Jesus.2
Nós lemos no Evangelho de João que Jesus em um dia de Sábado curou milagrosamente um inválido por trinta e oito anos (cap. 5).
Sendo chamado a responder por isto, “Jesus lhes respondeu: ‘Meu Pai está trabalhando até agora, e eu estou trabalhando’. Por isso, pois, os judeus estavam procurando matá-lo, porque não somente quebrava o sábado, mas também chamava Deus seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus.” (João 5:17-18, New American Standard Bible).
E novamente: “Alguns dos fariseus diziam: ‘Esse homem não é de Deus, porque não guarda o sábado’.” (João 9:16). Problemática parece ser a própria declaração de Jesus: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mar. 2:27, 28).
Oscar Cullmann concluiu destas passagens que Jesus ensinou a “não-observância do Sábado” que, portanto, “justifica a desobediência” ao mandamento do Sábado.3
Em seu contexto, a reivindicação de Jesus de ser o “Senhor do Sábado” não sugere uma ab-rogação do mandamento do Sábado para defender Seus discípulos famintos pelo ato deles de colher “espigas”, mas antes o oposto: Jesus fez a reivindicação Messiânica que Ele tinha autoridade para interpretar corretamente o mandamento do Sábado. Jesus até mesmo desafiou os líderes judeus: “Não vos deu Moisés a lei? Contudo, ninguém dentre vós a observa […] no sábado circuncidais um homem. E, se o homem pode ser circuncidado em dia de sábado, para que a lei de Moisés não seja violada, por que vos indignais contra mim, pelo fato de eu ter curado, num sábado, ao todo, um homem?” (João 7:19, 23).
Leon Morris comenta: Se eles tivessem entendido o significado do que eles estavam fazendo eles teriam visto que uma prática que anulava o Sábado para prover as necessidades cerimoniais de um homem justificava o passar por cima do Sábado para prover a cura de um homem completo […] Ele não estava simplesmente discutindo que uma lei repressiva fosse liberada. Nem adotou uma atitude antisabática, opondo-se à instituição inteira. Ele mostrou que Sua ação cumpriu o propósito da instituição original […] Atos de misericórdia como os que Ele fez não eram meramente permissíveis, mas obrigatórios.4
Sanders também avaliou as histórias de cura no Sábado (o Homem com a mão ressequida. Mateus 12:9-14; a Mulher possessa de um espírito de enfermidade. Lucas 13:10-17; a cura de um Homem com hidropisia. Lucas 14:1-6), e concluiu que estes “não revelam em nenhuma instância que Jesus transgrediu a lei do Sábado” porque nenhum trabalho foi realizado.5
Jesus antes acusou os fariseus de interpretar mal a vontade de Deus referente ao mandamento do Sábado pela condenação deles aos Seus discípulos que tinham arrancado algumas espigas em um Sábado porque tinham fome (Mateus 12:1). Eles tinham agido por necessidade, da mesma maneira que Davi teve fome e entrou no santuário para comer o pão da Presença (1 Samuel 21:1-6). Se Davi como um tipo Messiânico pôde transgredir o mandamento do Sábado por necessidade, quanto mais podia Jesus como o Messias subordinar as tradições do Sábado à Sua causa Messiânica. Jesus defendeu os Seus discípulos declarando que as necessidades dos discípulos famintos eram mais urgentes que seguir a letra dos regulamentos deles quanto ao Sábado.
Mateus além disso acrescentou uma referência à lei de Moisés que permitiu os sacerdotes no templo executar suas tarefas apesar do mandamento de descansar no Sábado (12:5-7). Isto estabeleceu o princípio de que em casos especiais era legal quebrar o Sábado e permanecer inocente. Jesus explicitamente apelou a Oséias 6:6 para explicar que a misericórdia vale mais que sacrifícios, um princípio-chave que os fariseus não aplicaram em sua denúncia contra os discípulos de Jesus (Mateus 12:7). Eles não entenderam que Jesus, como o Messiânico Filho do Homem, também era “o Senhor do Sábado”, quer dizer, o verdadeiro Intérprete do mandamento do Sábado e o Doador do divino descanso da graça (12:8; 11:28-29).
Na história da cura do homem com uma mão ressequida, os fariseus perguntaram: “É lícito curar no sábado?” (Mateus 12:10). Jesus respondeu: “Qual dentre vós será o homem que, tendo uma ovelha, e, num sábado, esta cair numa cova, não fará todo o esforço, tirando-a dali? Ora, quanto mais vale um homem que uma ovelha? Logo, é lícito, nos sábados, fazer o bem.” (Mateus 12:11-12). Aqui Jesus expôs a natureza superficial dos muitos regulamentos (halakôt) dos fariseus (veja The Mishah, Oxford University Press, 1967, “Sabbath,” 99-121).
Em seu estudo meticuloso do Evangelho de Mateus, David C. Sim conclui que para Mateus “a lei de Sábado é válida e deve ser obedecida, mas ela que pode ser anulada em circunstâncias especiais.” Com base em Mateus 24:20 ele deduziu que “a comunidade judaica de Mateus observava o Sábado fielmente”, porque os cristãos judeus “criam que a vinda de Jesus não tinha de modo algum invalidado as antigas leis de Moisés […] O próprio Jesus tinha provido a chave definitiva para a interpretação da lei ao enfatizar os mandamentos de amor a Deus e amor ao próximo.”6
Também A. Boring assume que “a igreja de Mateus ainda é observadora do Torah” (em NIB sobre Mateus 24:20). Os judeus cristãos guardaram o Sábado, porém, não de acordo com as tradições judaicas, mas como Jesus tinha exemplificado. Não portanto justificado dizer que o Jesus Se opôs ou rejeitou o mandamento do Sábado que Ele deu, […].
Cristo, Aquele que Inaugurou e Cumpriu a Nova Aliança
Como foi na aliança Sinaítica (Êxodo. 19:4-6; 20:2), assim também na inauguração da nova aliança o assunto crucial é a identificação do Doador da aliança. Os Evangelhos Sinóticos anunciam por unanimidade que Jesus era o Messias prometido que renovou a aliança eterna com Israel. Ele cumpriu as ações benevolentes para Israel que tinha sido anunciado pelos profetas (compare Isaías 35:5-6; 61:1; com Lucas 4:16-21; Mateus 11:2-6). Jesus fez o que o Deus de Israel tinha prometido que Ele faria. Mais que isso, Ele enviou a Cristo como o Seu Servo para “servir” a Israel, dando Sua vida “como resgate de muitos”, cumprindo assim a profecia de Isaías dos sofrimentos expiatórios e morte do Servo Messias em Isaías 53 (veja Mar. 10:45). Este auto sacrifício de Cristo em obediência ao Pai foi a ação benevolente decisiva executada pelo Criador da nova aliança (veja Romanos 5:19; Filipenses 2:8).
Jesus formalmente inaugurou a nova aliança pela instituição da Ceia do Senhor, quando Ele tomou o cálice da Páscoa e declarou: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós.” (Lucas 22:20). O Evangelho de Mateus declara a maior extensão: “Isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados.” (Mateus 26:28). Esta formulação da nova aliança estabelece uma conexão formal com a profecia da “nova aliança” em Jeremias 31, onde o perdão de pecados é o ato supremo de benevolência mencionado. O auto sacrifício de Cristo estabeleceu uma relação eterna entre Deus e a comunidade Messiânica: libertação do controle do pecado e da morte pelo sangue do verdadeiro Cordeiro Pascoal.
A igreja apostólica reconheceu que com a morte do verdadeiro Cordeiro Pascoal também foi criado um povo do novo Êxodo: a igreja de Jesus foi estabelecida como a nova comunidade Messiânica, Sua ekklêsia, com o Torah Messiânico como a interpretação autorizada do Torah Mosaico. Seus apóstolos tinham recebido as “chaves do reino” para construir a nova comunidade de santos, independente do judaísmo (Mateus 16:15-19; 18:15-20; Efésios 2:20). Eles tiveram que ir a Cristo “fora do arraial” (Hebreus 13:13), indicando o seu dever “de cortar os laços emocionais e sociais com a comunidade judaica.”7
A igreja de Cristo celebra a Ceia de Senhor como uma confirmação de que o companheirismo salvador com Deus foi estabelecido pelo sangue do Cordeiro de Deus. Os seguidores de Cristo entendem que a nova aliança ainda não foi consumada. O aspecto da glória visível no reino de Deus ainda se projeta “até que ele venha” (Mateus 26:29; 1 Coríntios 11:23-26; Romanos 8:18-23).
Portanto a escatologia desempenha um papel significante em o Novo Testamento, porque as máximas bênçãos e maldições esperam o juízo final (veja Mateus 25:31-46).
Referências:
2. E.P. Sanders, Ib., 400.
3. The Christology of the New Testament. Westminster Press, 1963,
152; also Early Christian Worship. SCM Press, 1969, 92.
4. The Gospel according to John. Eerdmans, 1977, 408-409.
5. Ib., 266.
6. D.C. Sim, The Gospel of Matthew and Christian Judaism. Clark
1998, 137, 138.