“Começaremos no capítulo 4. Ele apresenta uma cena geral de adoração no céu, toda centrada no trono de Deus. A palavra trono aparece 19 vezes nos capítulos 4 e 5.
Por que chamo o capítulo 4 de “cena geral de adoração”? Existem várias pistas no texto que indicam isso. O versículo 2 diz: “Imediatamente o Espírito desceu sobre mim, e vi um trono no céu e alguém sentado no trono”. Especialmente, diz: “Eu vi um trono.” Quando Daniel descreveu uma cena celestial em que um trono apareceu, ele escreveu: “Tronos foram postos” (Daniel 7: 9). Daniel descreveu o início de uma cena em que há um trono no céu, é a cena de um julgamento. Mas Apocalipse 4 não narra o início da cena que Daniel relatou. João não diz que um trono foi colocado. Em sua cena, o trono já está presente.
Em outras palavras, o Capítulo 4 descreve uma atividade em andamento. O que aconteceu no céu sem interrupção. Preste atenção ao versículo 8: “Cada um deles [os quatro seres viventes] tinha seis asas e era coberto de olhos, acima e abaixo das asas. E dia e noite repetiam sem cessar: ‘Santo, santo, santo é o Senhor Deus Todo-Poderoso, que era e que é e que há de vir’”. Não sei você, mas me parece que é uma atividade contínua. Os versículos 9 e 10 dizem: “Sempre que esses seres viventes dessem glória, honra e ação de graças àquele que estava assentado no trono, àquele que vive para todo o sempre, os vinte e quatro anciãos se prostrariam diante dele e o adorariam. Que vive para todo o sempre.
Portanto, no capítulo 4, o trono já está no céu. Além disso, um refrão é repetido várias vezes: “Santo, santo, santo.” O Capítulo 4 não descreve um evento específico ou mudança na atividade, mas simplesmente apresenta o que está acontecendo constantemente no céu.
Qual é o mais importante de tudo isso? Qual é o cerne da questão? Bem, todo o capítulo 4 enfoca o trono de Deus. As coisas acontecem na frente do trono, nele e no meio dele.
No entanto, no Capítulo 5, passamos de uma cena geral para outra muito específica, um momento específico no tempo. A visão geral para e vemos o início de uma crise. Leia o que o texto diz: “À direita do que estava sentado no trono, vi um pergaminho escrito em ambos os lados e selado com sete selos. Também vi um anjo poderoso proclamando em alta voz: “Quem é digno de quebrar os selos e abrir o livro?” Mas nem no céu, nem na terra, nem debaixo da terra, havia alguém capaz de abri-lo ou examinar seu conteúdo” (versos 1-3).
Portanto, Deus está sentado no trono com um pergaminho na mão ou ao lado (depende de como você interpreta o grego). Um anjo exclama: “Quem é digno de quebrar os selos e abrir o livro?” E ninguém é capaz. Ninguém no céu, nem na terra nem embaixo da terra, pode abrir o livro. É assombroso! Lembre-se de que o pergaminho está relacionado a Deus. Ele o tem, mas não consegue abri-lo! É uma forma simbólica de representar um grande problema, tão grande que, em certo sentido, o próprio Deus não pode resolvê-lo; pelo menos em circunstâncias normais. O problema não pode ser resolvido até que o rolo seja aberto.
[…] Quem pode abrir o pergaminho? Quem pode resolver o problema do universo? O cordeiro. Que cordeiro? Aquele que foi sacrificado. A crucificação de Cristo está à vista. O problema que o universo tem foi resolvido graças à morte de Jesus Cristo.
O Cordeiro está com Deus no trono. O capítulo 5 mostra como o Cordeiro é adorado e louvado junto com Deus. O Cordeiro é divino, é Deus.” (Jon Paulien, Desvendando os Segredos do Apocalipse)
“O destino do universo está em jogo. Nas primeiras palavras, a voz como de trombeta diz assim: “mostrar-te-ei as coisas que depois destas devem acontecer” (Apo. 4.1). Assim a visão dos sete selos neste sentido, é diferente daquela das sete igrejas. Na carta às igrejas o profeta também vê “o que é agora” e não apenas “que depois destas hão de suceder” (Apo. 1:19).21 Mas a visão dos sete selos é um ponto de retorno no Apocalipse. Daqui para frente a visão refere-se principalmente ao futuro.
A passagem já aponta para isso. Deus segura o livro em sua mão direita, a mão que controla o curso da história22. O Apocalipse não dá o conteúdo do livro23, indica apenas sua forma. É uma “opisthograph”, um livro escrito dos dois lados, como era a maioria dos documentos legais da época24. Também, todos os selos deveriam ser rompidos antes do livro poder ser aberto. É somente no sétimo selo que devemos entender o objetivo do livro, e somente então a expectativa terá seu total significado.
“Vem,” o motivo condutor que ocorre nos sete selos, sugere uma progressão no tempo exatamente como nas cartas às igrejas:
Primeiro selo: “Vem” (Apo. 6:1)
Segundo selo: “Vem” (verso 3)
Terceiro selo: “Vem” (verso 5)
Quarto selo “Vem” (verso 7)
Quinto selo: “Até quando?” (verso 10)
Sexto selo: “é vindo” (verso 17)
Sétimo selo: silêncio (Apo. 8:1)
O “vem” repetido por cada um dos quatro seres não envolve João, e é apenas parcialmente dirigido aos cavalos que então aparecem. De fato, o “vem” é endereçado ao Cordeiro e envolve o segundo advento do Messias, a parousia. O verbo grego erchesthai é o termo técnico usado no Apocalipse para designar o retorno do Messias25. A forma imperativa desse verbo, erchou, traduzido no rompimento dos primeiros quatro selos como “vem”, também ocorre na conclusão do livro como uma oração pleiteante (Apo. 22:17, 20). No quinto selo o clamor “até quando?” (Apo. 6:10) acena com urgência. É o clamor daqueles que chegam ao fim26. Com o sexto selo João experimenta a vinda como um evento ocorrendo: “veio.” Finalmente, o sétimo selo não faz alusão à “vinda,” apenas silencio: o tempo chegou mesmo.
Os sete selos assim pontuam o curso da história, pavimentando o caminho do retorno do Cordeiro. Assim como com as sete igrejas, devemos interpretar os sete selos num senso profético.
A visão dos sete selos caminha paralela àquela das sete cartas. Elas recontam a mesma história, porém com uma ênfase diferente. Enquanto as sete cartas denunciam as heresias das sete igrejas, os sete selos condenam sua opressão, violência e perseguição.
O Primeiro Selo: O Cavalo Branco – Apocalipse 6: 1-2
Vi quando o Cordeiro quebrou o primeiro dos sete selos e ouvi um dos quatro seres viventes dizendo, como se fosse som de trovão:
— Venha!
Vi, então, e eis um cavalo branco. O seu cavaleiro tinha um arco, e foi-lhe dada uma coroa. E ele saiu vencendo e para vencer.
O Cordeiro abre o primeiro selo, e aparece um cavalo branco – um símbolo de conquista e vitória. Quando os generais romanos celebravam seu triunfo, eles se ostentavam na frente de seus exércitos em um cavalo branco. O profeta entendeu a visão em um senso similar: “e saiu vencendo e para vencer” (Apo. 6:2).
É interessante que o primeiro ser, semelhante a um leão (Apo 4:7), introduz a figura do cavalo branco, lembrando-nos de outro triunfo, aquele do Leão de Judá, da vitória do Cristo Jesus habilitando-o a abrir os selos (Apo 5:5). Além disso, Ele recebe uma “coroa” de vitória (stephanos). No Apocalipse 19 a mesma imagem reaparece para representar a vitória de Cristo Jesus: Um cavalo branco montado por um cavaleiro usando também uma coroa (versos 11-16). Mas neste contexto a coroa é uma coroa real (diadema). A imagem do Apocalipse 6 se refere ao Messias Jesus, mas não se aplica necessariamente à vinda de Seu reinado. Jesus é simplesmente vitorioso, ainda não é rei. Ele ganhou uma batalha, mas a guerra ainda não está terminada. Em nosso texto o cavaleiro está partindo, não chegando: “Ele saiu.” A história da cristandade está apenas começando. Encontramo-nos na época do início da cristandade (do primeiro até o terceiro séculos).
A igreja ainda é relativamente pura em seus compromissos, política e violência. É um tempo quando a ênfase ainda é da vitória recente de Jesus, e suas implicações para a vida dos cristãos.
Interessantemente, Ele não alcançou Sua vitória através do derramamento de sangue. A coroa de vitória (stephanos) é “dada” – é uma graça pelo acima. O cavaleiro tem um arco, mas não flechas. Sua vitória é uma vitória pacífica.
O Segundo Selo: O Cavalo Vermelho Apocalipse 6: 3-4
Quando o Cordeiro quebrou o segundo selo, ouvi o segundo ser vivente dizendo:
— Venha!
E saiu outro cavalo, que era vermelho. E ao seu cavaleiro foi dado poder para tirar a paz da terra e fazer com que os homens matassem uns aos outros. Também lhe foi dada uma grande espada
O rompimento do segundo selo – introduzido pelo ser semelhante a um boi – libera o cavalo vermelho. Seu cavaleiro tinha a missão de que “tirasse a paz da terra, de modo que os homens se matassem uns aos outros” (Apo. 6:4). Ele recebeu uma “grande espada.”
A história da cristandade tem agora passado uma mudança da paz para a guerra. O contexto não é o da perseguição, mas de matanças. A cor vermelha do cavalo lembra derramamento de sangue (ver II Reis 3:22), enquanto o boi evoca a imagem de matança (Lucas 15:27), e a espada anuncia massacres chegando. A mesma palavra, machaira, é usada no livro de I Enoque, no qual Israel recebe uma “grande espada” para combater e matar os infiéis27.
A igreja está lutando por sua supremacia (entre o quarto e o quinto séculos) contra os arianos. Pela primeira vez, os imperadores dão apoio político e militar à igreja. O imperador romano Constantino (306-337 EC), e depois o imperador francês Clovis (481-511 EC), lutam por isso. É o tempo descrito por Jules Isaac durante o qual “a igreja perseguida se levantou (ou afundou) para o status de organização e vitória.”28
O Terceiro Selo: O Cavalo Preto Apocalipse 6: 5- 6
Quando o Cordeiro quebrou o terceiro selo, ouvi o terceiro ser vivente dizendo:
— Venha!
Então olhei, e eis um cavalo preto e o seu cavaleiro com uma balança na mão. E ouvi o que parecia uma voz no meio dos quatro seres viventes dizendo:— Uma medida de trigo por um denário; três medidas de cevada por um denário; e não danifique o azeite e o vinho.
O terceiro selo abre em uma cena de escuridão: o cavalo preto. Seu cavaleiro segura na mão uma balança para a racionalização da comida, o símbolo de fome, como expressado por Ezequiel: “Filho do homem, eis que quebrarei o báculo de pão em Jerusalém; e comerão o pão por peso, e com ansiedade; e beberão a água por medida, e com espanto” (Ezequiel 4:16).
O cavalo preto segue o cavalo vermelho como a fome à guerra. A voz que surge do meio dos quatro seres parece ser a voz do Cordeiro, desde que Ele também está situado “entre o trono e os quatro seres viventes, no meio dos anciãos” (Apocalipse 5:6). A voz do juiz sentado no trono é assim a voz do Cordeiro, temperando justiça com graça. E de fato, a voz ordena que o óleo e o vinho sejam preservados (Apocalipse 6:6). Normalmente a oliveira e a vinha, por causa de suas raízes profundas, podem resistir períodos de seca melhor do que o trigo e a cevada. Além disso, trigo, óleo e vinho usualmente representam os três principais produtos da terra de Israel.29 A aparência do terceiro ser, com sua face humana, já alude a tal interpretação. Ele representa a dimensão espiritual versus o aspecto natural e não religioso descrito pelos outros três animais (ver Daniel 4:16, 34; cf. 7:8, 13)30. A fome, entretanto, simboliza a seca espiritual. Além disso, trigo, óleo e vinho todos tem conotações distintas na Bíblia.
Trigo simboliza a Palavra de Deus31.
Óleo simboliza o Espírito Santo32.
Vinho simboliza o sangue de Jesus33.
A fome e a seca afetam apenas a Palavra de Deus, não atingindo o Espírito Santo e o sangue de Jesus. Dos dois componentes da aliança, o humano – a Palavra de Deus – e o divino – o Espírito Santo e o sangue de Jesus – a fome atinge apenas o humano. No nível humano, a igreja perdeu seu chamado.
Ela não satisfaz a necessidade espiritual e teológica de seus membros. O povo não foi alimentado espiritualmente. A igreja negligenciou o estudo da Palavra de Deus e o entendimento é limitado.
No nível divino, contudo, a influência do Espírito Santo e a graça do sangue de Jesus permanecem ativos entre o povo de Deus, provendo um bálsamo de alívio. É interessante que os antigos usavam tradicionalmente óleo e vinho como tratamento de feridas34. Os símbolos são ricos de conotações, e os dois significados de vinho e óleo não são mutuamente exclusivos.
Simbolismo bíblico muitas vezes funciona dessa forma. O vinho e o óleo representam a ação redentiva do Messias e como tal, constituem, um bálsamo sobre as feridas auto infligidas da igreja.
A profecia do terceiro selo reconta o tempo na história durante o qual a igreja se torna tão preocupada em se estabelecer como uma instituição que ela se esquece das necessidades espirituais de seus membros. O “trigo” sendo medido e vendido sugere esta preocupação com a prosperidade material. De novo, o trigo tem duas conotações – aquela da obsessão materialista da igreja e da fome espiritual dos cristãos.
Durante este período a igreja estabeleceu a si mesma como um poder político, com seu próprio território. A Itália tinha acabado de se libertar dos Arianos (538 EC), e a igreja apropriou-se da região. Y. Congar notaria mais tarde que a igreja estava construindo “as bases para uma hierarquia vertical, e por fim uma teocracia de poder.”35 A história tem considerado Gregório, o Grande (papa 590-604) como o primeiro papa “a acumular ambas as funções política e religiosa.”36
Quanto mais a igreja prosperava material e politicamente, mais empobrecida espiritualmente ela se tornava. A instituição em si e suas tradições gradualmente vieram a substituir o estudo da Palavra de Deus. É uma importante lição ainda hoje para as igrejas que procuram se estabelecer por si próprias. Cada vez que a igreja pensou em estabelecer sua estrutura, para adicionar grandeza e estilo, ela ligou a si mesma dentro da pobreza espiritual. Quando as regras formais em lugar do conteúdo, do senso do absoluto, o que realmente conta se perde. Mas existe ainda um risco maior.
Intoxicada pelo seu status político, a igreja começou a considerar a si própria o critério da verdade. Dogma substituiu a Palavra, criando um convite aberto para a opressão e a intolerância.
O Quarto Selo: O Cavalo Amarelo Apocalipse 6: 7-8
Quando o Cordeiro quebrou o quarto selo, ouvi a voz do quarto ser vivente dizendo:
— Venha!
Vi, então, e eis um cavalo amarelo. O seu cavaleiro se chamava Morte, e o inferno o estava seguindo. E lhes foi dada autoridade sobre a quarta parte da terra para matar à espada, pela fome, com a mortandade e por meio dos animais selvagens da terra.
A abertura do quarto selo traz um cavalo de cor amarela (cloros), sugestivo de morte e terror. O ser semelhante a uma águia, uma ave de rapina um símbolo bíblico de perseguição e morte37, precede este cavalo. A igreja agora incorpora a morte para seus passos mais mortíferos. Não só o Apocalipse chama seu cavaleiro de “morte” como outro cavaleiro descrito como hades (local de habitação dos mortos) seguindo-o imediatamente. A Septuaginta usa este termo grego para traduzir a palavra hebraica sheol, isto é, o lugar ou estado do morto. O Apocalipse muitas vezes combina as duas palavras “morte” e “lugar de habitação dos mortos”. Esta última praga inclui e ultrapassa todas as outras.
Espada e fome trazem morte. Assim como os “animais selvagens,” eles apenas intensificam a referência à morte. A Bíblia muitas vezes representa o lugar de habitação dos mortos, sheol, como habitado por animais selvagens39.
É o período da história quando a igreja se tornou o opressor, perseguindo todos aqueles suspeitos de heresia. Entramos no tempo das Cruzadas, da Inquisição e das guerras religiosas. Nos teares do horizonte a escuridão da opressão nazista, alimentada pelo “desprezo ensinado”40 pela igreja. O cavalo amarelo também evoca o Holocausto, com seus sofisticados campos de morte. Tal interpretação pode parecer algo perturbador. Até a violência antissemítica de Hitler é nada mais que a continuação dos 18 séculos de denegrição e perseguição aos judeus pela igreja. Hitler foi totalmente sincero quando ele declarou para dois bispos católicos que sua intenção era assumir e acabar o trabalho letal da igreja contra os judeus41. E mesmo que o Shoah (o massacre nazista) foi só indiretamente atribuído à igreja, isso, contudo, permanece como consequência de sua política religiosa.
Mesmo que a igreja não tenha executado o Holocausto, nós sabemos hoje de seu silêncio cúmplice42. Os quatro cavalos, contudo, representam a culminação da jihad da igreja.
Sua conquista do mundo começou com o triunfo da paz. A cena abriu com um cavalo branco, cujo cavaleiro, Jesus o Messias, carregava um arco vazio. Do segundo cavalo, contudo, o momento voltou para a violência. Considerando que o Messias lutou pela Igreja, a igreja agora considerou isso sua função empreender guerra pelo Messias. As guerras religiosas e Cruzadas testificam da mudança da mentalidade da igreja. A ação de baixo substitui a revelação de cima. A igreja assumiu a prerrogativa de falar e agir em favor de Deus. A intolerância sempre dá suporte a esse tipo de atitude de usurpação, quando as testemunhas de Jesus se identificam a si mesmas com Deus; quando o sucesso oblitera a revelação de cima; quando uma mentalidade imperialista substitui um interesse evangélico; quando estatísticas e números de batismos prevalecem sobre a autenticidade da conversão; e quando a igreja procura a resposta para seus problemas em planos de estratégias e marketing em lugar de uma orientação espiritual.
Quando a humanidade substitui Deus, qualquer coisa serve. A razão é simples. A necessidade de segurança sempre opta pelo visível e concreto versus uma verdade humilhante no Deus incompreensível e invisível. O sucesso das conquistas do mundo leva então somente ao orgulho e intolerância.
Violência e opressão são consequências naturais quando usurpamos a função de Deus. Das Cruzadas aos campos de concentração, toda vez que a pessoa tem se elevado ao nível de Deus para lutar em nome da cruz ou para o “Got mit uns,” milhões de vítimas tem sofrido, e seus clamores aos céus por justiça ainda vibra em nossos ouvidos.
Quinto Selo: As Vítimas debaixo do Altar
Quando o Cordeiro quebrou o quinto selo, vi, debaixo do altar, as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que deram. Clamaram com voz forte, dizendo:
— Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?
Então a cada um deles foi dada uma veste branca, e lhes foi pedido que repousassem ainda por pouco tempo, até que também se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como eles tinham sido.
A abertura dos primeiros quatro selos revelou quatro cavalos, anunciados por cada um dos quatro seres viventes com “Vem!” Na abertura dos próximos três selos não vamos mais encontrar cavalos. A visão profética estará envolvida diretamente com os próprios eventos proféticos.
O alto clamor das vítimas da história abala o quinto selo. A perspectiva agora muda daquela do opressor para aquela das vítimas. O lamento dos homens e mulheres massacrados substitui o som dos cascos dos cavalos conquistadores e opressivos.
Do ponto de vista das vítimas, apenas duas questões importam: Por que? e Até quando?
A primeira é a eterna questão das vítimas inocentes. Mas as vítimas de nossa passagem têm ainda mais razões para clamar – eles estão sofrendo “por causa da palavra de Deus” (Apocalipse 6:9). Era o grito dos hebreus exilados em Babilônia atirados dentro da fornalha de fogo por causa de sua recusa em adorar um ídolo; o clamor dos primeiros cristãos atirados dentro dos estádios rugindo por causa de sua fé no Deus de amor; o clamor dos cristãos exilados, atirados em prisões ou nas chamas por terem aberto a Bíblia e proclamado a verdade revelada a eles do alto. Mas é também o clamor dos judeus, da Idade Média até nossos próprios tempos, denegridos, oprimidos, perseguidos, massacrados e mortos por gás unicamente por serem judeus e pelo seu testemunho do Deus dos patriarcas.
Crucificados por causa de Deus, as vítimas do Apocalipse haviam morrido por Deus. Nosso texto é deliberadamente ambíguo, descrevendo suas mortes como um holocausto, um sacrifício em um altar (Levítico 4:7). Suas almas clamam a Deus por vingança exatamente como fez o sangue de Abel (Gênesis 4:10). O Apocalipse empresta a linguagem de Levíticos que identifica a alma com o sangue (Levítico 17:11), para expressar melhor o caráter sacrifical de seu sofrimento. O sangue dos mártires é derramado no altar de Deus como um sacrifício, e como tal, não pode ser descuidado por Ele. Justiça precisa ser feita.
O profeta jura não só salvação das vítimas – eles recebem vestes brancas – mas também vingança contra os perseguidores Salvação implica justiça. Para salvar, Deus deve julgar. Muito frequentemente os cristãos supervalorizam a cruz, graça e o amor de Deus em detrimento de Sua justiça. Cosendo a religião sob emoções ou espiritualidade, eles esquecem a repercussões históricas da salvação. Mas as vítimas destruídas têm uma perspectiva diferente. Suaves palavras de amor, sorrisos lindos, e ideias louváveis não são suficientes. Apenas a mão salvadora, aquela que arranca a vítima de seu sofrimento é o que realmente importa. Os oprimidos não têm necessidade de palavras gentis e confortadoras. A obsessão deles está na libertação, elevando seu clamor: “Até quando?”
Nem o consolo da experiência religiosa e nem a fé em Deus no passado ou no presente, podem silenciar o argumento por justiça. Isso demanda a intervenção de Deus na realidade da história “Até quando… não julgas?” (Apo. 6:10). O julgamento não chegou ainda a se realizar, e o povo de Deus aguarda-o como um evento temporal. Este mesmo clamor ressoa através dos Salmos43, com a mesma impaciência pelo julgamento de Deus. Mas o alto clamor no livro de Daniel (Dan. 8:13)44 é o mais forte eco ao argumento de nossa passagem. Em Daniel também, o clamor é aquele dos santos oprimidos (Daniel 8:12) e leva ao juízo de Deus.
Para a questão de “Até quando?” no livro de Daniel, o anjo responde: “Até 2300 tardes e manhãs; e o santuário será purificado” (Daniel 8:14). A purificação do santuário alude ao Dia do Perdão, ou Kippur,45 que celebra o julgamento cósmico de Deus. Este é o momento quando, de acordo com a passagem paralela em Daniel 7, “Assentou-se o juízo, e os livros foram abertos.” (Daniel 7:10).
O quinto selo abre em uma cena de julgamento que toma lugar no céu. Porém, de acordo com esta visão, isso ainda não significa o fim do sofrimento. Salvação é postergada “até que se completasse o número de seus conservos, que haviam de ser mortos, como também eles o foram” (Apoocalipse 6:11). Para que a salvação seja efetiva, cada um deve estar presente, um conceito baseado no princípio bíblico de totalidade. Deus não salva um sem o outro. A salvação do indivíduo necessariamente vincula a salvação do universo. Salvação é cósmica ou não é nada. No presente estado de coisas, salvação é impossível. O reinado de justiça necessita uma reconsagração, uma recriação – a lição fundamental de Kippur.46
Deus não é simplesmente o Deus da graça, da existência e da experiência mística, mas também o Deus de justiça e de santidade – o “Deus soberano, santo e verdadeiro” (verso 10). Já encontramos esse tipo de linguagem na carta a Filadélfia (Apocalipse 3:7). As duas visões são além disso ligadas pelo tema de “irmãos,” adelphoi (Apocalipse 6:11), implicando no nome verdadeiro de Filadélfia . Estas alusões ajudam a situar nossa passagem na história. De fato, as duas passagens cobrem a mesma extensão de tempo: nós estamos no século dezenove.
As implicações históricas da profecia estão intrigando. Nós estamos acostumados a reduzir a cristandade a uma verdade espiritual e atemporal. Mas o Deus que encontramos aqui é a única resposta ao clamor das vítimas. Deus é amor, mas Seu amor não é indiferente ao sofrimento. É um amor casado com a justiça que intervém em favor do oprimido.
O sexto selo: Fenômenos Celestiais e Terrestres – Apocalipse 6: 12- 17
“Vi quando o Cordeiro quebrou o sexto selo. Houve um grande terremoto, o sol se tornou negro como pano de saco feito de crina, a lua ficou toda vermelha como sangue, as estrelas do céu caíram sobre a terra, como a figueira deixa cair os seus figos verdes quando sacudida por um vento forte, e o céu recolheu-se como um pergaminho quando se enrola.
Então todos os montes e as ilhas foram movidos do seu lugar. Os reis da terra, os grandes, os comandantes, os ricos, os poderosos e todo escravo e todo livre se esconderam nas cavernas e nos penhascos dos montes e disseram aos montes e aos rochedos:
— Caiam sobre nós e nos escondam da face daquele que está sentado no trono e da ira do Cordeiro! Porque chegou o grande Dia da ira deles, e quem poderá subsistir?”
Caos Cósmico
Para o lamento das vítimas massacradas, responde o grito de terror dos opressores que tremem diante da cólera de Deus. A abertura do sexto selo revela o outro aspecto da justiça de Deus.
No quinto selo vimos o julgamento de Deus da perspectiva das vítimas, pois elas clamavam por vingança (Apocalipse 6:10). O julgamento foi um evento de salvação e de graça que revestiu as vítimas com “vestes brancas.” Agora o julgamento se volta contra o opressor em fúria encolerizada. Esses dois aspectos são complementares, duas facetas da salvação. Para salvar verdadeiramente, Deus deve criar de novo, e a criação do novo necessita a destruição do velho.
O pecado da humanidade tem repercussões através do universo. O evento da Criação já aludiu a uma interdependência entre a humanidade e seu meio ambiente. A raça humana e a natureza estão inseparavelmente ligadas. O efeito da desobediência de Adão se espalhou para a natureza na forma de espinhos e ervas daninha. A iniquidade das primeiras gerações da humanidade levou ao dilúvio. A perversidade dos habitantes de Sodoma e Gomorra consumiu-os no fogo de enxofre. A terra de Canaã vomitou seus habitantes por causa de suas iniquidades.
Os profetas de Israel também enfatizaram o princípio de co-dependência. Moisés, Oséias, Isaias e Jeremias todos lembraram Israel de sua responsabilidade para com o cosmo. O pecado afeta a vegetação, animais, tempo, montanhas e especialmente homens e mulheres. No Novo Testamento a morte de Yeshua o Messias sacudiu a terra e trocou a luz do dia pela escuridão de desespero.
Cada crime é contra ambos a humanidade e o universo. Assim Deus dirige Sua cólera contra a terra toda, contra todas as pessoas. Os olhos do profeta seguem este ódio para o âmago do coração de nossa civilização. O tempo do fim se divide em duas fases: A primeira afeta a terra: “E houve um grande terremoto; e o sol tornou-se negro, como um saco de cilício e a lua tornou-se como sangue; e as estrelas do céu caíram sobre a terra” (Apocalipse 6:12, 13). Alguém relembra o fenômeno natural que ocorreu entre o fim do século dezoito e a primeira parte do século dezenove. O terremoto de Lisboa (1 de nov. 1755) matou 70.000 pessoas, metade da população da cidade. Escuridão anormal afetou áreas dos Estados Unidos e outros lugares entre os anos 1780 a 1880. O povo observou uma chuva de meteoritos de excepcional intensidade entre os anos 1800 e 1900 na Europa, Américas, África e Ásia.
É interessante notar que os eventos coincidem com o fim do tempo de sofrimento, como previsto pelo profeta Daniel, um período já notado no calendário profético como um tempo de remissão para os oprimidos pela igreja. Nós estamos no final dos 3 anos e meio (Daniel 7:25).47 A Revolução Francesa já havia neutralizado a ameaça da igreja. Os sinais cósmicos de fato tomaram um novo significado à luz da visão profética, confirmando que a história está marchando para seu fim. Do tempo do fim, nos movemos para o fim do tempo.
Devemos sobrepor a visão do sexto selo sobre aquela do quinto. Os dois selos ocorrem no mesmo espaço de tempo e conta para os mesmos eventos, mas de uma perspectiva diferente. No quinto selo a visão profética revelou o sofrimento do povo de Deus onde eles suspiraram “Até quando?” e juntaram suas vozes com os oprimidos de Daniel 8. Isso nos leva ao meio do século dezenove.
A visão então lampejou uma cena depois da história humana, uma de graça e juízo onde os oprimidos receberam vestes brancas.
Do mesmo modo, a visão do sexto selo antecipa, além do tempo do sofrimento (séculos dezoito e dezenove), a exterminação final do opressor. Esta segunda fase ocorre no céu: “o céu recolheu-se como um livro que se enrola” (Apocalipse. 6:14). O evento agora envolve toda a terra. A linguagem já alude ao caráter universal do evento através de um modo típico hebraico de citar as partes para expressar a totalidade da coisa: “todos os montes e ilhas” (verso 14); “reis da terra… chefes militares… todo escravo, e todo livre” (verso 15). A ira de Deus invade a terra em sua totalidade. O destino de o universo estar em Suas mãos. Sua ira envolve tudo e todos. O sexto selo fecha com a visão de Deus “assentado sobre o trono” (verso 16) e com a questão angustiada que conclui o oráculo: “quem poderá subsistir?” (verso 17).
Mesmo esta questão real acende uma centelha de esperança – o paradoxo da esperança bíblica, a qual ocorre quando não há mais esperança. O Apocalipse empresta a questão dos profetas Naum e Malaquias, que a usam para encorajar o fiel: “Quem pode manter-se diante do seu furor?… e por ele as rochas são fendidas.
O Senhor é bom, uma fortaleza no dia da angústia; e conhece os que nele confiam.” (Naum 1:6,7; cf. Malaquias 3:2,3).
Do mesmo modo, no Apocalipse, a questão se abre num interlúdio que interessa aos sobreviventes do grande caos cósmico.
Apocalipse 7 – Interlúdio: Os Sobreviventes de Jacó
A destruição repentinamente vacila, e o zoom do olho profético está sobre aqueles que “mantiveram-se” (cf. Apocalipse 6:17).
Estes sobreviventes trazem um sinal, ou uma marca, que vai protege-los da ira divina. Isso nos lembra dos eventos no Egito quando os filhos de Israel foram separados pelo sinal do sangue colocado nos batentes das portas (Êxodo 12:23). Mas neste tempo os quatro ventos da terra, que carregam a ira de Deus, ameaçam os “quatro cantos da terra,” isto é, a terra inteira48. A estrutura chiastica (ABA‟) do anúncio aos anjos identifica os sobreviventes. A primeira ação (A) poupa a terra, mar e árvores (Apocalipse 7:1). A segunda ação (B) ameaça a terra e o mar (verso 2). E a terceira ação (A‟) ameaça novamente a terra, mar e árvores (verso 3).
A (7:1) B (7:2) A’(7:3)
Poupa ameaça poupa:
terra, mar, árvores terra e mar terra, mar, árvores
O centro do chiasmo revela os elementos da natureza ameaçados pelos ventos. O comando explicitamente limita a destruição para a terra e mar, representando a totalidade da terra46.
As árvores são os únicos sobreviventes do desastre. O texto já aponta, em nível de sintaxe, de seu excepcional caráter. Na primeira ação que introduz os outros dois, a palavra grega para “árvore” recebe uma declinação diferente das outras duas palavras “terra” e “mar,” embora cada uma seja precedida pela mesma preposição grega. “Árvore” está no acusativo enquanto as palavras “terra” e “mar” estão no genitivo. Esta diferença sugere que os ventos contam de modo diferente para a terra e o mar do que para as árvores.
Estas indicações estilísticas e sintáticas ajudam distinguir as árvores dos outros elementos, colocando-os à parte. As árvores representam persistência. Suas raízes, aprofundando na terra, protegem-nas dos ventos. Na Bíblia árvores simbolizam a justiça (Salmo 1:3; Jeremias 17:8), enquanto que palha, facilmente levada pelo vento, representa o mal (Salmo 1:4; Jó 21:18).
Devemos entender a salvaguarda das árvores pelo anjo como a proteção divina dos justos. Mas curiosamente, as árvores/justos não devem sua salvação à força de suas raízes. Sua sobrevivência é um presente do alto. Um anjo do leste – a direção simbólica do sol que traz vida e luz; o Jardim do Éden (Gênesis 2:8); o libertador humano, rei Ciro (Isaías 41:2); e o mesmo Deus Salvador (Ezequiel 43:2) – marca suas testas com um selo.
Em contraste com os outros selos no Apocalipse que trazem morte, este é o selo da vida (Apocalipse 7:2). O outro selo anunciou julgamento e destruição. Este significa salvação e criação. Os outros selos garantiram a confiabilidade do documento, mas este indica propriedade.
Os antigos muitas vezes marcavam sua mercadoria com um selo para designar a quem ela pertencia. Geralmente o selo usado para marcar argila ou cera consistia de uma peça de metal ou uma pedra preciosa (Êxodo 28:11; Ester 8:8) que imprimia o nome gravado ou símbolo do proprietário. Em nossa passagem, o selo marca a testa. Isso nos lembra de Caim que também recebeu uma marca na testa para sua própria proteção (Gênesis 4:15). Mas a passagem em Ezequiel vem próxima à nossa: “Disse lhe o Senhor, passa pelo meio da cidade, pelo meio de Jerusalém, e marca com um sinal a testa dos homens que suspiram e que gemem por causa de todas as abominações que se cometem no meio dela ‟. E aos outros disse ele, ouvindo eu: […] matai os velhos, mancebos e virgens, criancinhas e mulheres… mas não vos chegueis a qualquer sobre quem estiver o sinal‟ (Ezequiel 9:4-6).
Aqueles que recebem a marca em suas testas são os fiéis que reagem com as “coisas detestáveis” (verso 4) feitas por seus contemporâneos. Os versos precedentes usam as mesmas palavras, “coisas detestáveis,” para falar da idolatria ao sol (Ezequiel 8:16). A marca na testa então representa a adoração do verdadeiro Deus, o Deus vivo, o Criador. O significado parece ser o mesmo aqui em Apocalipse 7. A sequência terra, mar e árvores (cf. Gênesis 1:9-13) intensifica a alusão à Criação. O selo marca aqueles que creem no Criador. Confessar Deus como dono de nossa vida é reconhecê-Lo como nosso Criador. Os salmos glorificam a Deus como dono de todas as coisas porque Ele é o Criador: “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam porque ele a fundou sobre os mares, e a firmou sobre os rios.” (Salmo 24:1, 2).50
Para reconhecer Deus como dono de tudo importa conhecê-Lo como Criador. Seu selo alude a todo um modo de pensamento.
Ser selado é mostrar que nós devemos tudo a Deus, o tema que permeia a Bíblia inteira. O dízimo representa nossa devolução a Deus do que já é dEle, um ponto já entendido por Melquizedeque, que justificou Abrão dando o dízimo com a proclamação de Deus como “Criador do Céu e da terra” (Gênesis 14:19). O livro de Levíticos faz a mesma associação. Antes de entrarem na Terra Prometida Deus falou ao povo de Israel que deveriam lembrar que a terra Lhe pertencia: “a terra é minha; pois vós estais comigo como estrangeiros e peregrinos” (Levíticos 25:23). Por isso “os dízimos… pertencem ao Senhor; santos são ao Senhor” (Levíticos 27:30)
Não é coincidência que o Shabat ocupe o lugar central no Decálogo, normalmente reservado para o selo nos documentos da antiga aliança51. O Shabat celebra o Criador e Seu trabalho – ele é o selo de Deus na Criação. Nós distinguimos de novo o selo de Deus na escolha dietética de Daniel e seus companheiros, pois eles procuraram mostrar sua dependência do Criador em lugar de depender do rei (Daniel 1).52
O selo na testa representa a marca de Deus na pessoa inteira, o sinal de que nós pertencemos a Ele. A imagem de Deus, se refletida na criatura humana, constitui, de certo modo, Seu selo, pertencer a Deus é viver com Ele. Através desta imagem o Apocalipse designa aqueles que confessam o Deus da Criação em todas as facetas de suas vidas. O Shabat, o dízimo, escolhas dietéticas, e respeito pela lei de Deus – tudo pode indicar a presença do selo de Deus, mas eles não o produzem magicamente.
O selo de Deus é tanto visível como vivo, exatamente como ele representa o Deus Criador.
Da mesma forma para aqueles que portam o selo. Eles constituem uma entidade espiritual. Seu número, 144.000 composto de 12 x 12, é simbólico. O número 12 representa o número da aliança entre Deus e Seu povo (4, número da terra, x 3, número de Deus). Ele é também o número das 12 tribos de Israel, explicitamente mencionadas (Apocalipse 7:4-8). Cada tribo consiste de 12.000 pessoas. Portanto o número 1000, o qual multiplica 12, simboliza não apenas a multidão53, mas as tribos também. Em hebraico, a palavra elef (mil) é para a tribo, a coroa, o clã, ou até o regimento54. O número 12.000 descreve assim a tribo em sua totalidade. No tempo de João, contudo, os registros, de quem pertencia à maioria das tribos, desapareceram com a destruição do Templo. Tudo o que qualquer um poderia ter certeza era aquela de que reclamavam ser parte de Judá, Benjamim e Levi. Assim devemos tomar o Israel mencionado aqui no sentido literal. A regularidade do ritmo da lista – igual àquela de um exército desfilando – reforça a impressão de integralidade e perfeição. A palavra ochlos representada no verso 9 por “multidão,” também significa “exército.”55 E assim, versos 9 e 10 descrevem um exército vitorioso.56 Estilo, linguagem e simbolismo numérico do texto tudo testemunha para a presença de todo o Israel. Os 144.000 pintam Israel marchando como um todo. Esse é “todo Israel” sonhado pelo apóstolo Paulo (Romanos 11:26), o número “completo” dos salvos, como aludido no quinto selo (Apocalipse 6:11). Também é a grande multidão, multicultural e multinacional, que João vê adornada pelas vestes brancas (Apocalipse 7:9; cf. 6:11), sobreviventes da opressão (Apocalipse 7:14; cf. 6:9, 11).
O grupo incompleto do quinto selo e dos 144.000 são o mesmo povo. Todos eles estão presentes. Refugiados da história, cujo único ponto de referência era os céus acima, condenados a perambular na terra, sempre estrangeiros, cidadãos do além, eles estão agora reunidos na descoberta de sua identidade perdida, de suas raízes, de seu povo – seu Israel. Partilhando memórias da opressão e sofrimento eles têm agora seu próprio lugar, juntos corpo e espírito. Emoção brota de corações partidos e explodem como um grande brado de gloria, o brado de vitória (Apocalipse 7:10)
Para seus brados de vitória, os anjos, os anciãos e os quatro seres viventes respondem “Amém!” em uma adoração de sete desdobramentos: “Amém! Louvor, e glória, e sabedoria, e ação de graças, e honra, e poder, e força ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amém!” (verso 12).
A visão agora toma lugar no céu, no futuro distante, quando os céus devem se unir à terra em adoração; quando Deus deve verdadeiramente habitar no meio de seu povo. Os últimos devem servi-lo “dia e noite em seu santuário” (verso 15) como fizeram os primeiros sacerdotes e levitas (I Crônicas 9:33). A visão se desdobra com a imagem da tenda de Deus que se estende sobre eles (Apo. 7:15, evocativo do santuário do deserto. Em grego, skenoun (estender a tenda) soa como a palavra hebraica shekinah (do verbo shakan, para habitar), o qual designou a nuvem de fogo, um símbolo de Deus “habitando” no meio de Seu povo (Êxodo 40:34-38).
A presença de Deus é um fato. Ele está fisicamente com Seu povo. O texto conclui por uma alusão ao Salmo 23: “Por que o Cordeiro… os apascentará e os conduzirá às fontes das águas da vida; e Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima” (Apocalipse 7:17).57
Deus não se contenta em apenas prover as necessidades de suas criaturas, mas também anseia por um relacionamento íntimo com eles. Ele não vai só acabar com a fome, sede, calor e sofrimento de nossa existência, mas Deus nos confortará por Sua presença real.
Apocalipse 8:1 – Quando o Cordeiro quebrou o sétimo selo, houve silêncio no céu durante quase meia hora.
O profeta agora olha para o selo final. Quebrando-o pelo menos revela o conteúdo do rolo. Mas ele não é aberto como os outros. Cada vez Yohanan foi pessoalmente envolvido na visão. A expressão “Eu ouvi” introduziu os primeiros quatro selos e “Eu vi” ou “Eu olhei” o quinto e sexto selos. Mas Yohanan não precisa ver ou ouvir o sétimo selo. Pela primeira vez os eventos lançados pelo selo ocorrem exclusivamente no céu. Os seis primeiros eventos são mundialmente afetados e seguidos pelo curso da história humana.
Porém, o sétimo selo descreve um momento realmente curto registrado em apenas um versículo (Apocalipse 8:1). E por fim, o que ele descreve é fundamentalmente diferente. Depois dos gritos de guerra, o rugido dos animais selvagens, o lamento de homens e mulheres, o caos de desastres naturais (Apocalipse 6:12-16), de repente nos deparamos com silêncio – silêncio total.
Nem visto e nem ouvido, o incidente está além da descrição. Silêncio expressa até o que palavras, música e arte não podem. Apenas o silêncio pode comunicar o inexprimível. E apenas o silêncio pode expressar o infinito Deus.58 O silêncio dura meia hora. Na linguagem profética, no qual um dia representa um ano59. isso remonta a uma semana inteira (se um dia de 24 horas é igual a um ano profético, uma hora é igual a 365 dividido por 24 – isto é, 15 dias – e meia hora é igual a uma semana). A história humana acaba como começou – pelo tempo da criação. A semana de silêncio do final ecoa a semana de silêncio do início (Gênesis1), um conceito também confirmado pela tradição judaica.60 A abertura do sétimo selo revela o conteúdo do rolo: a vinda de Deus e a promessa de uma nova criação, de um mundo novo – a única solução para nossas questões, para nossos anseios, e para nosso sofrimento.
Referências:
21 Apocalipse 1:19 explica a expressão “depois destas coisas” (Apo. 4:1), “destas” sendo o tempo das sete igrejas em um sentido literal; “depois destas coisas” refere-se então ao tempo depois da era dos primeiros cristãos contemporâneos de Yohanan. Note também que o NIV traduziu a mesma frase grega como “as coisas… que acontecerão” em Apocalipse 1:19 e como “depois destas coisas” em Apocalipse 4:1.
22 Jó 40:9; Sal. 45:4; Luc. 6:6; Atos 3:7; Isa 48:13; Exo. 15:6-12; Sal. 17:7, etc.
23 Muitos elementos indicam que o rolo se refere ao futuro reino do Messias, o qual continua sob uma autoridade mais alta, aquela dEle que controla a história, exatamente como o “livro da aliança” liga os reis de Israel ao seus suzerain no momento de sua coroação (ver acima). Outro paralelo com uma passagem em Ezequiel que menciona tal rolo – seguro por uma mão direita do trono de Deus (Eze.1) e do mesmo modo escrito “por dentro e por fora” (Ezequiel 2:9, 10; cf. Apo. 5:1) – confirma esta interpretação. A passagem em Ezequiel menciona depois que este rolo contém “lamentações, e suspiros e ais” (Ezequiel 2:10), interpretado como juízos e advertências sobre o futuro de Israel (ver Ezequiel 3). Do mesmo modo, João vê o rolo em sua visão como contendo advertências e juízos em relação ao povo de Deus durante o reinado de Jesus, o Messias. Talvez o profeta testemunhasse antecipadamente julgamento que deveria ser totalmente revelado somente mais tarde no Apocalipse. Os dois documentos, o Apocalipse em si e o “rolo” do capítulo 5, são designados pelo mesmo termo: biblion (referindo ao Apocalipse em Apocalipse 1:11; 22:7, 9, 18, 19) e ao rolo em Apocalipse 5:1, 2, 3, 4, 5, 7, 8). Yeshua, o Messias dá os dois para fazer conhecido “as coisas que brevemente devem acontecer” (Apo. 1:1; cf. 22:6). O fato de que o Apocalipse não é selado recebe uma interpretação escatológica, pois ele está relacionado com o fato de “próximo está o tempo” (Apo. 22:10). Neste sentido, podemos comparar o Apocalipse ao livro de Daniel, o qual é também selado “até o tempo do fim; muitos correrão de uma parte para outra, e a ciência se multiplicará” (Dan. 12:4; cf. versos 9, 10).
24 Ver os rolos descobertos em Qumran entre as cartas de Bar Kokhba. Yigael yadin, The Finds From the Bar Kokhba Period in the Cave of Letters, Judean Desert Studies (Jerusalem: 1963), p. 118; cf. Frank Moore Cross, “The Discovery of the Samaria Papyri.” The Biblical Archeologist 26 (1963); 111-115.
25 Apo. 1:4, 7, 8; 2:5, 16; 3:11; 4:8; 16:15; 22:7, 12, 17, 20.
26 Ver Doukhan, Secrets of Daniel, pp.186-190.
27 I Enoque 90:19, na seção escrita sobre 161 AEC.
28 Genèse de L‟Antisémitism (Paris 1956), p. 133.
29 Deut. 11:14; 14:23; 28:51; II Cro.32:38; Nee. 5:11, etc.
30 Ver Doukhan, Secrets of Daniel, pp. 65, 66, 72.
31 Ver Deu. 8:3; cf. Mat. 4:4; Joã. 6:46-51; Nee. 9:15; Sal. 146:7.
32 Sal. 45:8; Zac. 4:1-6.
33 Luc. 22:20; I Cor. 11:25.
34 Luc. 10:34.
35 L’Eglise de Saint Augustin à l’ époque moderne (Paris: 1970), p. 32.
36 Issac, Genèse de l’Antisemitisme, p. 196.
37 Ver Deu. 28:49; Jô 9:26; Lam. 4:19; Hab. 1:8; Mat. 24:28.
38 Apo. 1:18; 20:13, 14.
39 Ver Sal. 22:14-29; 91:13.
40 A expressão é emprestada de Isaac em Genèse de l’Antisemitisme, pp.131ff.
41 Hitler’s Table Talk, citado em Rosmary Ruetehr, Faith and Fratricide (New York: 1974), p. 224.
42 Ver Saul Friedländer, Pius XII and the Third Reich: A Documentation, trans. Charles Fullman (New York: 1966).
43 Salmo 13:2; 35:17; 79:5; 89:46; 94:1-3, etc.
44 Cf. Daniel 12:6
45 Ver Levíticos 16:30; cf. Doukhan, Secrets of Daniel, pp. 126-129.
46 Ver Doukhan, Secrets of Daniel, pp. 129-133.
47 Ver Doukhan, Secrets of Daniel, pp. 108-110.
48 Ver Dan. 7:2.
49 Ver Apo. 10:2, 5; cf. Gen. 1:1-9; Exo. 20:11; Nee. 9:6; Sal. 95:5; Mat 23:15, etc.
50 Ver também Sal. 89:12, 13; 100:3.
51 Ver Meredith G. Kline, Treaty of the Great King: The Covenant Structure of Deuteronomy, Studies and Commentary (Grand Rapids: 1963), pp. 18, 19; Meredith G. Kline, The Structure of Biblical Authority (Grand Rapids: 1972), p.120.
52 Ver Doukhan, Secrets of Daniel, pp. 18-20.
53 Jui. 15:15; I Cron. 12:14; 16:15; Sal. 91:7, etc.
54 Exo 18:21; Deut. 33:17; Jui. 6:15; Num 1:16; Jos. 22:21. etc.
55 Ver Gerhard Kittel, ed., Theological Dictionary of the New Testament, trad. E ed. Geoffrey W, Bromiley (Grand Rapids: 1964-1976), vol. 5, p. 583.
56 Ver II Macabeus 11:8; I Macabeus 13:51; cf. João 12:13.
57 Ver Jacques B. Doukhan, Aux portes de l’esperance (Dammarie-les-lys, France: 1986), pp. 243ff.
58 Ver Hab. 2:20; Sof. 1:7; Zac. 2:13.
59 Ver Doukhan, Secrets of Daniel, pp. 108, 109, 143-145.
60 Esd. (II Esdras) 6:39; 7:30ff.; II Baruque 3:7, etc.