Os comentaristas da Bíblia com frequência equiparam a estrutura paralela dos 7 selos em Apocalipse 6 com o discurso profético de Jesus nos Evangelhos sinóticos.
Beasley-Murray fala por muitos quando diz: “Nenhuma passagem no Novo Testamento está mais intimamente relacionada a este elemento [os selos] dentro do livro do Apocalipse que o discurso escatológico dos Evangelhos, Marcos 13 e as passagens paralelos (Mateus 24 e Lucas 21)”.1 Colocando as duas sequências proféticas em forma paralela, elas mostram que os 7 selos apresentam as mesmas características e a mesma ordem consecutiva do discurso do Monte das Oliveiras.
Marcos 13 (E PARALELOS) | APOCALIPSE 6 |
1. Guerras v. 7. Mar. 24:6 2. Luta internacional. V. 8; Mat. 24:7 3. Terremotos v. 8; Mat. 24:7 4. Fomes v. 8; Mat. 24:7 5. Perseguição vs. 9,10; Mat. 24:9 6. Pregação do evangelho vs. 10,13; Mat. 24:14 7. Eclipses, queda de estrelas vs. 24,25; Mat. 24:29 8. Temor pela vinda v. 19; Luc. 21:25,26; de Cristo Mat. 24:30 | Guerra v.2 Luta v. 4 Fome vs. 5.6 Pestilência v. 8 Perseguições vs. 9,10 Tempo de Espera v. 11 Eclipses, queda de estrelas vs. 12,13 Temor pela ira do Cordeiro vs. 15-17 |
Esta comparação mostra que devemos considerar os selos consecutivos em Apocalipse 6 como a exposição ulterior de Cristo de seu discurso anterior no que tinha resumido a seus discípulos o que lhes aconteceria durante sua missão no mundo. Isto significa que os selos predizem não só os juízos do tempo do fim, mas também os juízos messiânicos durante toda a época da igreja. Em Mateus 24 Jesus adotou o estilo apocalíptico de Daniel de repetição e ampliação. Duas vezes Jesus começou seu esboço com sua própria geração e depois passou rapidamente adiante na história até o fim da era da igreja, como se pode ver por Mateus 24:1-4 e 24:15-31. Jesus anunciou que as guerras que viriam, as fomes, as perseguições e a apostasia não precederiam imediatamente a sua volta: “Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não vos assusteis; pois é necessário que primeiro aconteçam estas coisas… E cairão a fio de espada e para todas as nações serão levados cativos; e Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se completem” (Luc. 21:9, 24).
Jesus lhes advertiu especificamente contra uma expectativa iminente: “Respondeu ele: Vede que não sejais enganados; porque muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu! E também: Chegou a hora! Não os sigais” (Luc. 21:8).
Se os selos desenvolvem em forma adicional Mateus 24, então os selos igualmente se estendem sobre os séculos do período da era cristã. Esta perspectiva histórica dos selos expressa o fluxo estrutural do livro do Apocalipse da época histórica até o juízo final.
O Significado da Era Cristã
É instrutivo refletir sobre o significado das predições de Cristo de guerras, desastres na natureza, perseguições dos santos e uma crescente apostasia da verdade, o amor e a moral. Os selos de Apocalipse 6 assinalam o significado de toda a história ao colocá-los em uma perspectiva do tempo do fim, isto é, à luz dos destinos eternos.
Tanto a igreja como a história mundial recebem seu significado transcendental da soberania e os juízos de Cristo (cap. 5). Ele coloca a história do homem no contexto mais amplo do conflito espiritual entre Deus e Satanás e seus respectivos princípios de governo. O apóstolo Paulo reconheceu isto: “Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens” (1 Cor. 4:9).
O crisol da história humana é o meio pelo qual Cristo santifica os que aceitam Seu senhorio e testemunho de verdade sob as circunstâncias mais adversas. Por outro lado, demonstra sobre a terra os amargos frutos da rebelião contra ele, perdoando as vistas de seus inimigos, desde Caim para frente. Ellen White oferece esta profunda revelação: “Satanás está constantemente em atividade, com intensa energia e sob mil disfarces para representar falsamente o caráter e governo de Deus. Com planos extensos e bem-organizados, e com poder maravilhoso está ele a agir para conservar sob seus enganos os habitantes do mundo. Deus, o Ser infinito e todo sabedoria, vê o fim desde o princípio, e, ao tratar com o mal, Seus planos foram de grande alcance e compreensivos. Foi o Seu intuito não somente abater a rebelião, mas demonstrar a todo o Universo a natureza da mesma. O plano de Deus estava a desdobrar-se, mostrando tanto Sua justiça como Sua misericórdia, e amplamente reivindicando Sua sabedoria e justiça em Seu trato com o mal”.2
Cada calamidade proporciona uma nova oportunidade para que o homem caído se volte para Deus. Cristo ensinou esta lição a partir dos acontecimentos de seu próprio tempo (ver Lucas 13:1-5; também João 9:2, 3).
No passado do Israel, Deus tinha enviado quatro juízos sobre seu povo do pacto, que era rebelde: guerra, praga, fome e morte (ver Levítico 26:23-26; Deuteronômio 32:23-25, 42 [“minhas setas”]; Ezequiel 14:12-14, 21). Mas esses juízos nunca foram o juízo final de Deus. Serviram como juízos preliminares, para motivar seu povo rebelde a voltar-se para Deus (ver Osias 5:14, 15; 6:1-3). Quanto a isto também o Antigo Testamento é um livro de lições para a igreja (1 Coríntios 10:11).
Cristo deseja que a igreja compreenda que os juízos vindouros ainda estão limitados por sua vontade. Deus ainda está no comando mesmo que Seus filhos morram como mártires. Também coloca limites ao cavaleiro amarelo sob o quarto selo (Apocalipse 6:8). De igual maneira, Apocalipse 12 e 13 afirmam que o anticristo recebe não mais de 3 1⁄2 tempos proféticos, enquanto à última rebelião é concedida apenas “uma hora” (Apocalipse 17:12).
Apocalipse 5 ensina que a responsabilidade pelos juízos de Deus foi transferida a Cristo. Os selos apocalípticos, e por extensão as trombetas e as pragas, todos devem entender-se como juízos messiânicos. O Cristo entronizado é o Senhor da história, ou como Leão de Israel ou como o Cordeiro de Deus (Apocalipse 5:5, 6). Isto significa que os que rechaçam o sangue do Cordeiro terão que enfrentar a “ira do Cordeiro” (Apocalipse 6:16, 17). Pela fé em Cristo os homens podem confiar que a era cristã tem significado, porque leva a humanidade adiante, a seu destino glorioso.
Desenrolando o Livro da Providência
Em Apocalipse 6, os selos desenvolvem a visão da coroação de Cristo como o Cordeiro imolado que aparece no capítulo 5. O Cordeiro só abre os selos do rolo da escritura da providência. Sempre que Cristo abre um dos 4 primeiros selos, um dos 4 serafins diz “como com voz de trovão”: “Vem e vê!” Em resposta aparecem 4 cavalos em forma consecutiva, cada um com uma cor diferente: branco, vermelho, preto e amarelo. Estes cavalos levam cavaleiros diferentes. São enviados à terra um depois que o outro cumpriu sua missão atribuída. Entendemos que cada cavalo se une aos prévios já enviados, de maneira que finalmente os 4 cavalos cavalgam juntos sobre a terra até o fim da era cristã.
Isto quer dizer que os primeiros 4 selos ainda não estão completos, inclusive no tempo do fim. João está em dívida com o Antigo Testamento para esta linguagem figurada de cavalaria celestial. Em suas visões, Zacarias descreve 4 cavalos com cores diferentes (Zac. 1:8-17 e 6:1-8). Isto indica que devemos considerar o significado dos 4 cavalos simbólicos do Zacarias antes de interpretar os 4 cavaleiros apocalípticos.
Em Zacarias 1 atribuiu-se aos cavaleiros o dever de inspecionar o mundo gentio com o fim de observar qualquer movimento para restaurar Jerusalém e Judá (1:10).
Este relatório foi frustrante: nada estava acontecendo (v. 11). Entretanto, Deus assegura ao profeta que apesar das aparências contrárias, ele estava trabalhando por Jerusalém e Sião com grande zelo (v. 14), enquanto ao mesmo tempo estava irado contra as nações (v. 15). O Deus do Israel voltaria para Sião, e seu templo e sua cidade seriam reconstruídos. Seriam estabelecidas paz e prosperidade permanentes (8:12).
No capítulo 6, o profeta apresenta o complemento de sua primeira visão. Esta vez vê 4 cavalos diferentes com carros de guerra [merkaba], cada um enviado pelo Deus do céu em todas as direções da terra, para levar a cabo o plano redentor de Deus para Jerusalém. O anjo que interpreta, explica que os 4 carros significam “os quatro ventos dos céus” que são enviados como ministros do Senhor para cumprir a vontade redentora de Deus em todo mundo hostil (Zacarias 6:5; cf. Salmo 104:3, 4; Jeremias 49:36; Isaías 66:15).
A “terra do norte”, ou Babilônia, é escolhida como um lugar exemplar onde o Deus de Israel deseja governar e estabelecer seu descanso (Zacarias 6:8). Isto significa que os 4 carros de guerra da visão foram enviados ao mundo com uma missão dupla:
(1) submeter todos os poderes políticos do mundo à vontade do Deus de Israel (ver Ageu 2:7-10, 20-23);
(2) reunir a todos os crentes israelitas e gentios em Jerusalém e no monte Sião (Zacarias 8:8, 20-23). O propósito fundamental é a realização do plano de redenção de Deus e a restauração da verdadeira adoração (vs. 22, 23).
No Apocalipse, Cristo envia seus cavaleiros apocalípticos à terra, desta vez com uma missão do novo pacto (Apocalipse 6:2-8): para conquistar os corações humanos a Cristo com o arco e as flechas do evangelho, e para levar a humanidade à reflexão por meio de alguns juízos limitados como antecipações do castigo final de Deus por sua rebelião contra Cristo.
O Primeiro Selo
“Vi, então, e eis um cavalo branco e o seu cavaleiro com um arco; e foi-lhe dada uma coroa; e ele saiu vencendo e para vencer” (Apocalipse 6:2).
O cavalo branco leva um cavaleiro com um arco e uma coroa de vencedor, saindo como “vencendo e para vencer”. Alguns expositores modernos interpretam este cavaleiro apocalíptico como símbolo da avidez do homem para conseguir poder e domínio mundial. O argumento é que os 4 cavaleiros de Apocalipse 6 iniciam juízos, de modo que parece “inapropriado ao contexto” ver aqui a conquista de Cristo por meio do evangelho. Os cavalos se usavam para liberar a guerra. Entretanto, cada símbolo deve receber seu significado de seu próprio contexto e nele podemos descobrir a natureza dessa guerra.
Os selos desenvolvem mais amplamente a visão do trono de Apocalipse 5, onde Cristo é descrito como o Senhor ressuscitado, simbolizado pelo Leão que tinha triunfado (Apocalipse 5:5). Estabeleceu sua vitória por sua morte na cruz, simbolizado pelo Cordeiro imolado (V. 6). Depois enviou os discípulos, dando-lhes autoridade, para ir a todas as nações e fazer discípulos (Mateus 28:19). Deu-lhes o poder do Espírito Santo para conquistar para ele, até os fins da terra (Atos 1:8), assim como conquistou a seu “inimigo” Saulo perto da porta de Damasco (cap. 9). Continua conquistando através do poder do evangelho e a “espada de dois fios” de sua Palavra (Hebreus 4:12), com o fim de ganhar para seu reino os corações sinceros de homens e mulheres até o fim do tempo de prova.
Além disso, a estrutura quiástica do Apocalipse coloca a Cristo como o Guerreiro em Apocalipse 19:11-16, como a contraparte significativa e como a consumação do tempo do fim de Apocalipse 6:2. As profecias messiânicas do Antigo Testamento representavam ao Rei davídico como conquistando com arco e flechas (ver Salmo 45:4, 5; Deuteronômio 32:23; Habacuque 3:8-11; Salmo 7:12; 21:12). Cristo anunciou que veio trazer a “espada” para todos os que rechaçam sua paz (Mateus 10:34; Lucas 12:51-53). Portanto podemos interpretar o cavalo branco do primeiro selo como o cavalo do evangelho que oferece a todos os homens a justiça perfeita de Cristo. Este cavaleiro evangélico ainda conquista homens e mulheres ao redor do globo (1 João 5:4, 5). A última confissão de fé de Paulo ilustra o poder do cavaleiro do cavalo branco: ” Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé” (2 Timóteo 4:7).
O Segundo Selo – O Cavalo Vermelho – Apocalipse 6:3 – 4
O Terceiro Selo – O Cavalo Preto – Apocalipse 6: 5-6
“Quando abriu o segundo selo, ouvi o segundo ser vivente dizendo: Vem! E saiu outro cavalo, vermelho; e ao seu cavaleiro, foi-lhe dado tirar a paz da terra para que os homens se matassem uns aos outros; também lhe foi dada uma grande espada”
“Quando o Cordeiro quebrou o terceiro selo, ouvi o terceiro ser vivente dizendo:
— Venha!
Então olhei, e eis um cavalo preto e o seu cavaleiro com uma balança na mão. E ouvi o que parecia uma voz no meio dos quatro seres viventes dizendo:
— Uma medida de trigo por um denário; três medidas de cevada por um denário; e não danifique o azeite e o vinho.”
Os três seguintes cavaleiros apocalípticos têm autoridade para trazer consigo juízos severos sobre a terra. Não devemos considerar estas incursões que produzem morte, fome e praga como os resultados das guerras seculares. Durante séculos houve paz no Império Romano, a “pax romana”, desde Armênia até a Espanha.
O cavalo vermelho representa o espírito de oposição ao cavaleiro do evangelho, ou guerra contra o povo de Cristo. Jesus tinha advertido que o testemunho de Seus seguidores causaria uma oposição encarniçada: “Não pensem que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, senão espada” (Mateus. 10:34; ver a conexão com os vs. 32 e 33 e Lucas 12:51-53). Isto foi o que experimentou a igreja apostólica, como pode ver-se nas cartas de Cristo às igrejas em Esmirna e Pérgamo (Apocalipse 2:10, 13). Por outro lado, só Cristo traz a paz do coração: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo” (João 14:27); “E a paz de Deus, que ultrapassa todo entendimento, guardará os vossos corações e as vossas mentes em Cristo Jesus” (Filipenses 4:7).
Os césares romanos não toleravam nenhum pensamento de Cristo como o supremo Rei e Senhor. Tentaram erradicar todas as testemunhas públicas cristãs até o tempo da conversão do Constantino no século IV. A interpretação de que o cavalo vermelho significa a perseguição religiosa-política por causa de Cristo fica confirmado pela carta de Cristo à igreja da Esmirna (Apocalipse 2:8-11 ) e o clamor dos mártires degolados sob o quinto selo (6:9).
Em qualquer lugar que se rechaça o Príncipe da paz, os resultados são luta e violência, não só dentro da igreja, mas também na sociedade. O derramamento de sangue nos selos se cumpre em dois níveis: primeiro, dentro da igreja de Cristo e segundo, contra a igreja ao executar os seguidores de Cristo durante toda a época da igreja.
O Quarto Selo: O Cavalo Amarelo – Apocalipse 6:7-8
“Quando o Cordeiro quebrou o quarto selo, ouvi a voz do quarto ser vivente dizendo:
— Venha!
Vi, então, e eis um cavalo amarelo. O seu cavaleiro se chamava Morte, e o inferno o estava seguindo. E lhes foi dada autoridade sobre a quarta parte da terra para matar à espada, pela fome, com a mortandade e por meio dos animais selvagens da terra.”
O cavaleiro do cavalo amarelo é chamado Morte, seguido pelo Hades (a tumba). Os quatro juízos foram enviados antes pelo Deus de Israel a seu povo do antigo pacto (ver Ezequiel 14:21). A cor de um pálido mortal sugere um estado contínuo de decadência espiritual e de um endurecimento maior do coração. O resultado é a apostasia da alma. Podemos pensar nas heresias e enganos como uma consequência de rechaçar a verdade do evangelho (ver Apocalipse 2:20-23). É o caminho à morte eterna.
Então, as “feras da terra” são uma antecipação simbólica das bestas perseguidoras de Apocalipse 13, as quais também receberam permissão de “fazer guerra contra os santos e vencê-los” (vs. 7, 14, 15). O quarto cavaleiro concentra os resultados do trabalho dos cavaleiros anteriores: morte e condenação. Representa a situação prolongada da igreja medieval.
Os primeiros 4 selos seguem o esboço do discurso profético do Jesus em Mateus 24:6-8. A diferença entre Mateus 24 e os selos apocalípticos está no fato de que no Apocalipse pode detectar-se um significado mais profundo porque o primeiro cavaleiro é o evangelho de Cristo.
Essa imagem não se encontra no livro original
Os selos 2 a 4 mostram um endurecimento crescente da incredulidade dos habitantes da terra, ao rechaçar a mensagem do evangelho do cavaleiro do cavalo branco. Sua morte espiritual será selada finalmente na morte eterna quando receberem a “ira do Cordeiro” durante o sexto selo (Apocalipse 6:15-17).
Embora haja uma progressão histórica, os selos refletem a experiência de todos os que aceitam ou rechaçam o evangelho de Cristo. Isso significa que a história pode repetir-se e que o passado outra vez pode chegar a ser o futuro. Ellen White faz esta aplicação pastoral do terceiro e quarto selos: “Hoje se vê o mesmo espírito que o que está representado em Apocalipse 6:6-8. A história se repetirá. O que foi, voltará a ser. Este espírito trabalha para confundir e desconcertar. Ver-se-á dissensão em cada nação, tribo, língua, e povo; e os que não tiveram um espírito para seguir a luz que Deus deu por meio de seus oráculos viventes, através de suas agências assinaladas, chegarão a confundir-se. Seu juízo revelará debilidade. Na igreja se verão a desordem, a luta e a confusão”.
Em resumo, os cavaleiros apocalípticos dos selos 2 a 4 encontraram seu cumprimento da igreja pós-apostólica que se corrompeu, mas a apostasia e a perseguição não estão limitadas à história passada. Como declara Roy C. Naden: “Uma vez solto, cada cavalo contínua até a segunda vinda”.4
O Quinto Selo: Apocalipse 6:9-11
“Quando o Cordeiro quebrou o quinto selo, vi, debaixo do altar, as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que deram. Clamaram com voz forte, dizendo:
— Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?
Então a cada um deles foi dada uma veste branca, e lhes foi pedido que repousassem ainda por pouco tempo, até que também se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como eles tinham sido.”
Esta imagem simbólica deve interpretar-se pela Escritura. Jesus tinha anunciado que depois das revoltas políticas e os cataclismos naturais, seus discípulos seriam perseguidos (ver Mateus 24:9-11, 21).
Depois de abrir o quinto selo, escuta-se o clamor para que se faça justiça divina de todos os que morreram uma morte violenta “por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam” (Apocalipse 6:9). Este clamor não sai de crentes vivos, e sim simbolicamente de suas “almas” depois de ter sido derramado seu sangue, assim como no caso de Abel, o primeiro mártir. Deus pediu contas a seu assassino com estas palavras: “Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim” (Gênesis 4:10). Isto nos ensina que o Criador nunca esquecerá seus filhos fiéis e faz responsáveis a seus assassinos! Considera o lugar onde suas testemunhas morreram como um “altar” onde foi derramado o sangue de seu sacrifício (cf. Levítico 4:7). De igual maneira, Paulo considerou que sua iminente decapitação pela ordem do imperador Nero, era uma morte como sacrifício a Deus (2 Timóteo 4:6).
A visão do quinto selo serve como um paralelo esclarecedor de pisotear e pisar os santos que aparece nas visões do Daniel (Daniel 7-12). A visão do Daniel 7 se estende dos impérios mundiais sucessivos, através da divisão de Roma, até o surgimento do chifre pequeno e a perseguição dos santos durante a Idade Média, até o tempo do fim com a cena de seu juízo majestoso na sala do trono de Deus. Naquele tempo, o “Ancião de dias” pronunciará seu veredicto em favor dos santos (v. 22).
O significado do quinto selo deve ser aberto com a chave de Daniel. Especialmente a visão de Daniel da prevaricação assoladora e do pisar dos verdadeiros adoradores aparece no antecedente do quinto selo. O clamor dos mártires: “Até quando… não julgas, nem vingas o nosso sangue” (Apocalipse 6:10), corresponde ao mesmo clamor em Daniel 8: “Até quando durará a visão…entregando o santuário e o exército para serem pisoteados?” (v. 13).
O quinto selo revela que o momento para a vindicação deve esperar “um pouco de tempo”, porque incluso não chegou a perseguição do tempo do fim. A resposta de Deus à pergunta das testemunhas assassinadas em Apocalipse 6 é: “Então, a cada um deles foi dada uma vestidura branca, e lhes disseram que repousassem ainda por pouco tempo…” (v. 11). As vestimentas brancas dadas aos mártires expressam o cumprimento da predição de Daniel de uma vindicação forense dos santos caluniados (ver Daniel 7:22, 25). Isto dá segurança ao povo de Deus de que ele cuida deles, ouve seu clamor por justiça divina e os vindicará publicamente. Esta consideração leva à conclusão de que o quinto selo alcança até o fim da era cristã, quando Deus executará seus juízos com respeito aos santos e seus perseguidores (Apocalipse 11:15, 18). O clamor dos mártires cristãos evoca “a ira do Cordeiro” sobre os que mataram os seguidores de Cristo.
A Palavra de Deus e o Testemunho de Jesus
Antes de passar ao sexto selo, devemos prestar atenção à causa declarada pela qual morreram todos os verdadeiros mártires. O quinto selo diz que morreram “por causa da palavra de Deus e por causa testemunho que sustentavam” (Apocalipse 6:9). À primeira vista, podemos pensar que o “testemunho” que tinham se refere ao testemunho pessoal de sua fé em Cristo e na palavra de Deus. Isto certamente é verdade. Mas uma comparação com as referências cruzadas que há no Apocalipse indica que “o testemunho” pelo qual deram sua vida foi o testemunho da própria revelação de Jesus, transmitida pelo Espírito de profecia através dos apóstolos (ver 19:10).
João usa usualmente o termo “testemunho” para referir-se ao testemunho dado pelo próprio Jesus. O próprio livro do Apocalipse é chamado “o testemunho destas coisas [de Jesus] nas igrejas” (Apocalipse 22:16). João escreve que estava na ilha de Patmos “por causa da palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo” (1:9). Isto indica que o sentido mais amplo da frase “o testemunho de Jesus Cristo” é “o evangelho como a revelação da vida e obra de Cristo”.5 Isto significa que os Evangelhos do Novo Testamento estão incluídos no testemunho de Jesus.
O Apocalipse se abre com a declaração que continua a revelação que Deus deu a Jesus para a igreja (Apocalipse 1:1). Portanto, no Apocalipse, João dá testemunho sobre “a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo” (v. 2). O Apocalipse como um todo, junto com a proclamação do evangelho do Novo Testamento é parte do testemunho de Jesus. Identifica a igreja remanescente que aparece na profecia do capítulo 12 por esta dupla característica: “Os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus Cristo” (v. 17). O Apocalipse chama à igreja a ser fiel a esta dupla norma da verdade. Esta expressão repetida no livro do Apocalipse serve como uma linha de demarcação entre a adoração verdadeira e falsa de Deus durante toda a era cristã (ver 20:4). Dentro deste amplo contexto chega a ser claro que os mártires durante a era cristã sofreram uma morte violenta por causa de ter mantido a palavra de Deus e do testemunho do Jesus (6:9). Os mártires se aferraram [éijon] ao testemunho que tinham recebido de Jesus e dessa forma foram testemunhas fiéis. “Aceitaram-no, recusaram renunciar a ele, e por conseguinte foram executados. O ‘testemunho’ não menos que a ‘palavra’ era uma posse objetiva dos mártires”.6 Para um estudo mais amplo do termo apocalíptico “o testemunho de Jesus”, ver mais adiante, no capítulo XXI desta obra, sobre Apocalipse 12:17.
O sexto selo: Fenômenos Celestiais e Terrestres – Apocalipse 6: 12- 17
“Vi quando o Cordeiro quebrou o sexto selo. Houve um grande terremoto, o sol se tornou negro como pano de saco feito de crina, a lua ficou toda vermelha como sangue, as estrelas do céu caíram sobre a terra, como a figueira deixa cair os seus figos verdes quando sacudida por um vento forte, e o céu recolheu-se como um pergaminho quando se enrola.
Então todos os montes e as ilhas foram movidos do seu lugar. Os reis da terra, os grandes, os comandantes, os ricos, os poderosos e todo escravo e todo livre se esconderam nas cavernas e nos penhascos dos montes e disseram aos montes e aos rochedos:
— Caiam sobre nós e nos escondam da face daquele que está sentado no trono e da ira do Cordeiro! Porque chegou o grande Dia da ira deles, e quem poderá subsistir?”
A abertura do sexto selo descreve a resposta final de Cristo ao clamor das almas “debaixo do altar” (Apocalipse 6:10). Anuncia sua chegada como o Guerreiro divino com os mesmos sinais cósmicos no céu e na terra como as que fez Deus quando apareceu como o Rei de Israel. Moisés descreveu a manifestação do Jeová no monte Sinai dizendo: “Houve trovões, e relâmpagos, e uma espessa nuvem sobre o monte, e mui forte clangor de trombeta, de maneira que todo o povo que estava no arraial se estremeceu. […] Todo o monte Sinai fumegava, porque o Senhor descera sobre ele em fogo; a sua fumaça subiu como fumaça de uma fornalha, e todo o monte tremia grandemente. E o clangor da trombeta ia aumentando cada vez mais” (Êxodo 19:16,18, 19).
Esta vinda de Deus sobre o monte Sinai esteve acompanhada por um terremoto violento, o escurecimento do sol com uma nuvem espessa e fumaça, e um som forte de trombeta. Fez com que todo o povo tremesse com temor (Êxodo 20:18, 19). Esta descrição de Moisés foi adotada pelos profetas de Israel como o arquétipo de todas as teofanias seguintes. Descreveram cada visitação do Senhor em favor de seu povo com sinais cósmicos similares às da teofania do monte Sinai.
Além do terremoto e dos trovões, acrescentaram granizo, uma forte chuva, o secamento repentino de um rio, um pânico aterrador entre os inimigos de Deus e seu povo, e até o sol, a lua e as estrelas como participando da guerra santa de Deus a favor de seu povo do pacto (ver Josué 3:13; 4:22-24; 5:1; Qui. 5:20, 21; 1 Samuel 7:10; 14:15, 20; Josué 10:11-14). Este aspecto cósmico proveu uma prova dramática de que o Deus do pacto também era o Criador do céu e da terra. Fez com que as nações pagãs reconhecessem que o Deus vivente estava do lado do Israel (Êxodo 14:25). Raabe de Jericó disse: “Ouvindo isto, desmaiou-nos o coração, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa presença; porque o Senhor, vosso Deus, é Deus em cima nos céus e embaixo na terra” (Josué 2:11 ).
Um grande terremoto, chuva e tormenta de granizo e o obscurecimento do sol e das estrelas chegaram a ser parte dos anúncios da aparição de Deus nas predições do “dia de Jeová” (Yom Yahveh) como o dia do juízo (ver Ezequiel 38:19-23; Joel 2:30, 31; Isaías 24:1-4, 13, 18-23; Jeremias. 4:23-28).
A Teologia Hebraica dos Sinais Cósmicos
A predição de sinais cósmicos no céu e na terra não tinha o propósito de ser uma predição de alguns fenômenos isolados e intermitentes. Os sinais cósmicos têm um significado teológico na teologia hebraica porque foram descritas como manifestações do Criador vindo como Rei e Guerreiro santo em favor de seu povo do pacto […]. Joel declara que o obscurecimento do sol ocorrerá “antes que venha o dia grande e espantoso de Jeová” (Joel 2:31). Entretanto, em suas outras duas predições, Joel não indica nenhuma perspectiva dos sinais celestes fora do ponto de vista padrão profético: que os sinais introduzem e acompanham a manifestação do dia do juízo (2:10, 11; 3:15, 16).
Os profetas nunca sugeriram que podemos esperar para ver algum sinal insólito no céu ou na primeira terra, antes de nos converter ao Senhor. Seu simbolismo cósmico tinha o propósito de motivar o povo de Deus a arrepender-se agora (ver Joel 1:15; 2:1, 10-17). Os profetas nunca estiveram preocupados em ensinar uma ordem determinada de sinais cósmicos. De fato, sentiram-se livres para mudar o modelo dos sinais, algumas vezes deixando que o terremoto precedesse aos cataclismos celestes e outras vezes que o seguisse (Joel 2:10 e 3:15, 16; também Isaías 13:10-13 e 24:18-23; além disso, Jeremias 4:23-28).
O profeta Ageu inclusive menciona um terremoto apocalíptico como um sinal cósmico: “Porque assim diz Jeová dos exércitos: daqui a pouco eu farei tremer os céus e a terra, o mar e a terra seca; e farei tremer a todas as nações…” (Ageu 2:6, 7). Este futuro terremoto universal não se apresenta como um desastre isolado para informar o mundo da presciência de Deus a respeito de um terremoto vindouro. Ageu apresenta sua predição de uma maneira similar à que houve no Monte Sinai para anunciar a visitação final de Deus sobre a terra, para julgar o mundo e para estabelecer sua glória messiânica sobre a terra (v. 7). A carta aos hebreus aplica a predição do Ageu ao terremoto cósmico ao fim da era cristã: “Agora, porém, ele promete, dizendo: Ainda uma vez por todas, farei abalar não só a terra, mas também o céu. Ora, esta palavra: Ainda uma vez por todas significa a remoção dessas coisas abaladas, como tinham sido feitas, para que as coisas que não são abaladas permaneçam. Por isso, recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor” (Hebreus 12:26-29).
Esta aplicação do terremoto profetizado por Ageu mostra que o Novo Testamento toma sua linguagem descritiva literalmente para falar de um terremoto cósmico de todas as “coisas criadas” que ocorrerá no fim da era cristã. Isto corresponde exatamente com a abertura do sexto selo em Apocalipse 6:12: “Houve um grande terremoto…” Não será algum sinal de advertência que proporcionará lugar para um período de arrependimento. Simplesmente introduzirá a era vindoura de glória messiânica (ver Ageu 2:7-9). O propósito moral tanto de Ageu como da carta aos Hebreus é claramente levar a um compromisso para adorar a Deus agora, não quando ocorrer o terremoto cósmico! Além disso, aprendemos a lição importante de que o terremoto apocalíptico não se apresenta como um precursor isolado do dia do juízo, mas sim como a mesma manifestação desse dia.
A Predição de Cristo de Grande Aflição para seus Escolhidos
O discurso profético de Jesus está apoiado no livro apocalíptico do Daniel (ver Mateus 24:15). Indicou a seus discípulos onde estavam no esboço profético da história da salvação. Naquele tempo Jerusalém e seu templo estavam a ponto de ser destruídos pelo inimigo de Israel que se aproximava (Lucas 21:21-24), em cumprimento da profecia de Daniel (Lucas 21:22; Daniel 9:26, 27). Além disso, Jesus ressaltou uma preocupação ulterior para seus discípulos que ficariam depois da destruição de Jerusalém. “Porque nesse tempo haverá grande tribulação [thlípsis], como desde o princípio do mundo não tem havido até agora e nem haverá jamais” (Mateus 24:21). Esta maneira de expressar também se deriva da profecia de Daniel e exige um olhar mais detido:
Mateus 24:21 | Daniel 12:1 |
“Porque nesse tempo haverá grande tribulação, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora e nunca jamais haverá.” | “— Nesse tempo, se levantará Miguel, o grande príncipe, o defensor dos filhos do povo de Deus, e haverá tempo de angústia, como nunca houve, desde que existem nações até aquele tempo. Mas, naquele tempo, o povo de Deus será salvo, todo aquele que for achado inscrito no livro.” |
Existe um consenso comum de que Cristo em sua predição da “grande tribulação” referiu-se à tribulação do tempo do fim do povo de Deus em Daniel 12:1, a que será abreviada pelo levantamento de Miguel como o Guerreiro divino. Entretanto, Jesus aplicou essa tribulação vindoura a seus próprios seguidores durante toda a era cristã (ver Mateus 24:21, 22, 29). Jesus não restringiu sua aplicação da tribulação do tempo do fim de que fala Daniel a um período determinado dentro da época da igreja.
O contexto imediato em Mateus 24 (e em Marcos 13) conecta a “tribulação” diretamente com a destruição de Jerusalém (Mateus 24:21; ver Marcos 13:18, 19). Jesus cobre todos os períodos de angústia para seus verdadeiros seguidores, começando com a tribulação sob o judaísmo e Roma imperial (ver Marcos 13:9; Apocalipse 2:10), e depois com a morte de seus discípulos “por todas as nações” (Mateus 24:9, CI) durante os séculos da Idade Média aos quais tinha indicado Daniel 7:25. Mas agora Jesus usou a frase “grande tribulação” (Mateus 24:21, 22) não de Daniel 7 mas sim de Daniel 12:1 (ver o gráfico anterior). Assim como em Daniel 12:1, Jesus enfatizou também a natureza sem precedentes da tribulação na história humana (Mateus 24:21). Anunciou que a tribulação seria “abreviada” por causa dos escolhidos naqueles dias ou nenhum sobreviveria àquela aflição (Mateus 24:22; Marcos 13:20). Este “abreviar” os dias corresponde exatamente com a promessa que apresenta Daniel, que Miguel se levantaria “naquele tempo” (o “tempo do fim”, Daniel 11:40-45) para liberar a seu povo por meio de sua intervenção sobrenatural (Daniel 12:1). A libertação de Miguel abrevia a última aflição, ou não sobreviveria nenhum do povo de Deus.
A divina “interrupção” da aflição global para prevenir a aniquilação completa dos escolhidos dos quais Jesus fala no Mateus 24:22, pode aplicar-se como um cumprimento parcial do surgimento do protestantismo e do seguinte período do Iluminismo ou o “século das luzes”, que obteve gradualmente a liberdade religiosa e o fim da perseguição.
Em resumo, Jesus predisse dias de “aflição” para seus seguidores não singularizando um tempo particular de perseguição sob o judaísmo, sob Roma imperial, sob Roma papal ou sob a cristandade apóstata. Abrange todo o período entre os dois adventos, com uma ênfase especial sobre a aflição universal e intensiva no fim da história, a qual assinala em Mateus 24:21 com palavras derivadas de Daniel 12:1.
Este alcance exaustivo dos dias de aflição é também o alcance do quinto selo em Apocalipse 6:9-11. O clamor dos mártires mortos não provém exclusivamente de um período de perseguição, mas sim de todo o tempo da era cristã “até que se completasse o número de seus conservos, que também tinham que ser mortos como eles” (Apocalipse 6:11). A aflição final para os seguidores de Cristo será abreviada pela intervenção e a libertação divinas.
Os Sinais Cósmicos Seguem-se à Aflição Final
Jesus terminou sua predição profética com esta promessa: “Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento, e os poderes dos céus serão abalados. Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem…” (Mateus 24:29, 30).
Nesta metáfora cósmica, Jesus também usa as palavras dos profetas. Inclusive combina em uma imagem o que Isaías descreveu em dois conceitos sobre o dia do Senhor (Isaías 13:10 e 34:4). Como a perspectiva de Isaías não se enfocava nos sinais astronômicos em si, a não ser sobre a aparição do Jeová como o Santo guerreiro, assim a mensagem central do Jesus no Mateus 24 não se centra sobre os sinais celestiais como tais, a não ser no “sinal” de que virá como o designado “filho de homem” da profecia do Daniel (Mateus 24:30), e que ele juntará não a nação escolhida, a não ser seus próprios escolhidos de todas as tribos da terra (V. 31; Marcos 13:27; cf. Mateus 8:11,12).
A frase, “logo em seguida à tribulação daqueles dias” (Mateus 24:29), ou “naqueles dias, após a referida tribulação” (Marcos 13:24), encaixa no tempo do fim de Daniel 12:1, o qual também assinalava ao quinto selo de Apocalipse 6:11. Essa “tribulação” seria abreviada por causa dos escolhidos de Cristo mediante o resgate imediato de Miguel (Daniel 12:1), quem aparece com os sinais cósmicos como o Filho do Homem em seu carro de nuvens (Mateus 24:30; Marcos 13:27).
Toda a ideia-chave do discurso profético de Jesus é a nova reinterpretação cristológica do dia de Jeová, e esta foi uma notícia espantosa para o judaísmo. O dia do Senhor chegou a ser o dia do Senhor Jesus. Esta verdade fundamental chegou a ser uma parte essencial do evangelho apocalíptico (ver 1 Coríntios 1:8; 2 Coríntios 1:14; 2 Tessalonicenses 2:2; Filipenses 1:10). O simbolismo cósmico padrão de Israel, centrado na teofania de Jeová, é reconstituído por Jesus como apoiando-se em sua própria cristofania gloriosa. O segundo advento de Cristo revelará a todas as nações sua glória messiânica como o Filho de Deus.
Exegese Literal do Sexto Selo
Seguimos o método reconhecido para fazer uma exegese responsável quando examinamos o uso anterior da linguagem e o tema do sexto selo nos outros livros da Bíblia. Nenhum texto no Apocalipse deve ser interpretado isolado de seu contexto imediato e de seu contexto mais amplo. O procedimento contextual é nosso amparo contra qualquer exegese especulativa ou forçada. Permite lançar um olhar novo a nossas interpretações correntes com a possibilidade de descobrir uma compreensão mais adequada.
Temos descoberto uma teologia consistente dos sinais cósmicos nas profecias e teofanías do Antigo Testamento que estão enraizadas na narração da criação de Gênesis 1. O fato de que o Deus do pacto de Israel é ao mesmo tempo o Criador do céu e da terra proporciona a razão fundamental teológica para os fenômenos naturais excepcionais que ocorrem à aparição do Criador. Tais transtornos, literais e dramáticos, nas leis da natureza sobressaltam tanto a crentes como a incrédulos com um esmagador sentido de insegurança de enfrentar o Criador como o Juiz de toda a terra. Virtualmente, todas as profecias de condenação incluem a linguagem figurada cósmica como a introdução ao dia final da guerra santa a favor do Israel de Deus.
Aprendemos do discurso profético de Jesus (Mateus 24 e paralelos) que sua volta como o “filho de homem” de Daniel 7 foi o “sinal” designado (Mateus 24:30) para o qual olhar. Os sinais celestiais sobrenaturais introduzirão e acompanharão imediatamente sua vinda. Então se lamentarão todas as linhagens da terra, quer dizer, estarão cheios de um remorso amargo por causa dele (Mat. 24:30; Apocalipse 1:7). Não há nenhuma sugestão em Mateus 24, Marcos 13 e Lucas 21 de que os sinais celestiais são sinais de admoestação para arrepender-se e preparar-se para sua vinda.
Só o Evangelho de Lucas nos diz que quando acontecerem os cataclismos finais sobre a terra e nos céus, “exultai e erguei a vossa cabeça; porque a vossa redenção se aproxima” (Lucas 21:28). Esse não será o tempo para que os que não se prepararam recebam outro apelo ao arrependimento. George R. Knight o recapitula adequadamente: “Dessa maneira, o modelo do Mateus 24 parece ser que os sinais reais não são sinais da proximidade e sim sinais da vinda. Os sinais menos precisos são para animar os crentes a manter-se vigiando, esperando e trabalhando”.7
No Apocalipse, Cristo reiteradamente coloca o evento de sua volta no centro, inclusive como a medula de todo o livro (Apocalipse 1:7; 6:12-17; 14:14-20; 17:14; 19:11- 21). O sexto selo começa com um estremecimento cósmico que sacode tanto a terra como os céus (6:12-14). Descreve o efeito universal sobre os moradores da terra que não têm refúgio contra a “ira do Cordeiro” (vs. 15-17).
O sexto selo nos deixa com a impressão de que haverá uma ruína universal de toda a humanidade. Todos exclamam: “Quem poderá ficar de pé?” (Apocalipse 6:17, BJ).
A resposta a esta pergunta cheia de ansiedade se apresenta em forma extensa no capítulo 7, um dos capítulos mais consoladores no livro do Apocalipse. Ali encontramos a verdadeira motivação para o arrependimento em preparação para sua vinda: precisamos ser selados com o selo do Deus vivo antes que se soltem os ventos finais de juízo (7:1-3).
O Terremoto Apocalíptico
O sexto selo se abre com: “E sobreveio grande terremoto” (Apocalipse 6:12). Este característico requer uma atenção cuidadosa olhando as referências recíprocas em outros livros da Bíblia. No Antigo Testamento, um “terremoto” tem um significado teológico. Constitui uma característica regular da aparição de Deus a Israel (uma teofania), do tempo quando desceu sobre o monte Sinai com um terremoto (Êxodo 19:18; Salmo 68:7, 8; ver também Salmo 144:5; Isaías 64:1, 3).
Enquanto o Antigo Testamento fala frequentemente de terremotos locais como manifestações das visitações de Jeová como Santo Guerreiro em favor de Israel, os profetas descrevem o último terremoto na história da salvação como um estremecimento cósmico que sacudirá a terra e todos os corpos celestiais (ver Joel 2:10, 11; Isaías 2:19-21; 13:10, 11, 13; Sofonias 1:2, 3). Este estremecimento global do céu e da terra como a introdução à glória messiânica de uma nova terra se apresenta na perspectiva apocalíptica de Ageu: “Porque assim diz o Senhor dos Exércitos: Ainda uma vez, daqui a pouco, e farei tremer os céus, e a terra, e o mar, e a terra seca; e farei tremer todas as nações, e virá o Desejado de todas as nações, e encherei esta casa de glória, diz o Senhor dos Exércitos ” (Ageu 2:6, 7).
A predição de Ageu se aplica a um tremor literal cósmico que introduz a segunda vinda de Cristo em Hebreus 12:26 e 27. Este terremoto apocalíptico se distingue claramente de todos os terremotos locais anteriores que Jesus tinha anunciado como o “princípio de dores” (Mateus. 24:7, 8; Marcos 13:8). Todos os terremotos locais podem ser interpretados como chamados a despertar para preparar-se para a vinda de Cristo; como fortes motivações para arrepender-se antes que seja muito tarde (ver Lucas 13:4,5).
A qual das duas categorias pertence o “grande terremoto” do sexto selo (Apocalipse 6:12), à cósmica ou a local? Não todos os terremotos que aparecem no Apocalipse se descrevem com o tremor cósmico que sacode tanto o mundo como os corpos celestiais. Por exemplo, o “grande terremoto” em Apocalipse 11:13 está caracterizado por sua colocação em “o segundo ai”, durante a sexta trombeta, como um sinal preliminar de advertência, com o propósito de levar ao arrependimento. Além disso o descreve como um tremor local, porque “a décima parte da cidade se derrubou, e pelo terremoto morreram em número de sete mil homens; e todos outros se aterrorizaram e deram glória ao Deus do céu” (Apocalipse 11:13). Este tremor local se distingue do terremoto universal que ocorrerá durante a sétima trombeta ou o “terceiro ai” em Apocalipse 11:19, que ulteriormente se amplia na sétima praga (16:17-21).
O Grande Terremoto do Sexto Selo (Apocalipse 6:11-14)
Menciona o sexto selo dois terremotos diferentes, um local (Apocalipse 6:12) e um cósmico (v. 14)? Nem a sétima trombeta nem a sétima praga mencionam dois terremotos. Em Mateus 24, Jesus não se referiu a nenhum terremoto particular no tempo do fim. Entretanto, a resposta a nossa pergunta pode encontrar-se no mesmo contexto do sexto selo. O estilo literário de Apocalipse 6:12-14 e 15-17 assinala a seu significado. A primeira unidade dos versículos 12-14 mostra o modelo do ABB1A1, a estrutura típica do paralelismo inverso:
A. Há um grande terremoto.
B. O sol, a lua e as estrelas funcionam mau.
B1. O céu se desvanece como um pergaminho que se enrola.
A1. Todo monte e toda ilha se remove de seu lugar.
O argumento literário descreve uma sacudida do céu e da terra, exatamente como haviam predito Ageu (2:6) e Hebreus (12:26, 27). “Porque assim diz Jeová dos exércitos: daqui a pouco eu farei tremer os céus e a terra, o mar e a terra seca”.
Nenhum terremoto local pode igualar a finalidade e as dimensões universais das descrições de Ageu, de Hebreus e a do sexto selo.
Apocalipse 6:12-14 descreve em primeiro lugar os sinais cósmicos na terra e no céu (A e B); depois continua descrevendo os efeitos destes sinais na ordem inversa: no céu (B1) e na terra (Ao terremoto mencionado em “A” é a origem dos efeitos universais mencionados em “A1: o desaparecimento dos montes e das ilhas. Uma descrição similar de causa e efeito pode ver-se na sétima praga, onde se menciona primeiro um terremoto tremendo e universal (ver Apocalipse 16:18), seguido por seu efeito sobre Babilônia e sobre os montes e as ilhas (vs. 19, 20). A descrição da sétima praga é um paralelo literário surpreendente com a do sexto selo! Precisamos entender ambos da mesma maneira. Este paralelo indica que o sexto selo não projeta dois terremotos diferentes, com centenas de anos entre eles (em Apocalipse 6:12-14).
Para entender a composição literária que João apresenta dos cataclismos no céu durante o sexto selo, é instrutivo observar sua adoção da descrição que faz Isaías do juízo mundial devastador de Deus: “Todo o exército dos céus se dissolverá, e os céus se enrolarão como um pergaminho; todo o seu exército cairá, como cai a folha da vide e a folha da figueira” (Isaías 34:4).
“Porque as estrelas dos céus e os astros não deixarão brilhar a sua luz; o sol se escurecerá ao nascer, e a lua não fará resplandecer a sua luz… Pelo que farei estremecer os céus; e a terra se moverá do seu lugar, por causa do furor do Senhor dos Exércitos e por causa do dia da sua ardente ira” (Isaías 13:10, 13).
Nesta linguagem figurada tão vívida que formula os aspectos espantosos do dia do Senhor, não temos à vista uma ordem de acontecimentos e tampouco há indicação bíblica de que o sexto selo tenha o propósito de ensinar uma ordem específica de eventos (ver no cap. VI a seção “A teologia de Cristo dos sinais cósmicos”).
Na unidade seguinte (Apocalipse 6:15-17), João descreve o impacto universal do estremecimento cósmico sobre o mundo político, militar, econômico e social. Em vão tratam de procurar refúgio ante o Juiz da terra. Dessa maneira o sexto selo descreve a ordem progressiva de causa e efeito. Se compararmos as descrições do terremoto apocalíptico do Apocalipse, observamos uma ampliação gradual do mesmo na sétima trombeta e na sétima praga:
Apocalipse 6:12-14 | Apocalipse 8:5 | Apocalipse 11:19 | Apocalipse 16:18,20 – 21 |
Vi quando o Cordeiro quebrou o sexto selo. Houve um grande terremoto, o sol se tornou negro como pano de saco feito de crina, a lua ficou toda vermelha como sangue, 13as estrelas do céu caíram sobre a terra, como a figueira deixa cair os seus figos verdes quando sacudida por um vento forte, 14e o céu recolheu-se como um pergaminho quando se enrola. Então todos os montes e as ilhas foram movidos do seu lugar. | Então o anjo pegou o incensário, encheu-o do fogo do altar e o atirou à terra. E houve trovões, vozes, relâmpagos e terremoto. | Abriu-se, então, o santuário de Deus, que se acha no céu, e foi vista a arca da sua aliança no seu santuário, e sobrevieram relâmpagos, vozes, trovões, terremoto e forte chuva de granizo. | E sobrevieram relâmpagos, vozes e trovões, e ocorreu um grande terremoto, como nunca houve igual desde que há gente sobre a terra, tal foi o terremoto, forte e grande. […]. 20Todas as ilhas fugiram, e os montes não foram achados. 21Também desabou do céu sobre as pessoas uma grande chuva de granizo, com pedras que pesavam mais de trinta quilos. E, por causa do flagelo da chuva de pedras, as pessoas blasfemaram contra Deus, porque esse flagelo do granizo era terrível. |
Este desenvolvimento progressivo do terremoto cósmico não é, obviamente, a predição de dois ou mais terremotos. A composição literária do Apocalipse ensina um terremoto final e cósmico, que se amplia na descrição de cada série seguinte, em harmonia com a crescente severidade dos juízos das trombetas e as pragas à medida que se aproxima o fim.
É significativo que João se apropria em forma consistente das antigas profecias do dia do Senhor para sua descrição do sexto selo. Isto é especialmente verdade de sua adoção dos sinais cósmicos de Isaías (13:10, 13; 24:18, 19, 23; 34:4, 8) e do Joel (2:10, 11, 30, 31; 3:14-16). João não encontrou nos profetas uma lista uniforme de sinais cósmicos! Inclusive troca o arranjo de sua fonte principal, Isaías 34:4, em sua própria descrição em Apocalipse 6:12-14. A preocupação dominante de João não é criar uma ordem cronológica determinada de sinais cósmicos, a não ser colocá-las ao redor de Cristo como o novo centro e meta dos cataclismos finais no universo, em harmonia com o próprio entendimento de Jesus em Mateus 24:29-31. Este empréstimo penetrante do Antigo Testamento destaca a unidade teológica de ambos os Testamentos e seu panorama apocalíptico comum. Ambos os Testamentos revelam um Criador-Redentor e um dia de juízo (ver Hebreus 1:1, 2; Apocalipse 6:17).
Em conclusão, o sexto selo não pode ser entendido corretamente por si mesmo, divorciado dos cinco selos anteriores. O sexto selo é a consumação dos selos anteriores. O clamor dos mártires por vindicação foi respondido só em um sentido preliminar com a vindicação celestial (“as vestimentas brancas”) sob o quinto selo.
Têm que “esperar um pouco de tempo”, até que se complete a tribulação do tempo do fim para o povo de Deus (Apocalipse 6:11). O sexto selo não se abre com outro período de espera para os santos mortos e vivos, a não ser com a chegada do dia de ajuste de contas, o dia de justiça e vindicação.
O sétimo selo : Apocalipse 8:1
Quando o Cordeiro quebrou o sétimo selo, houve silêncio no céu durante quase meia hora.
O Sétimo Selo não acrescenta nenhum evento adicional, só “silêncio no céu como por meia hora” (Apocalipse 8:1). Este silêncio sugere que a justiça de Deus foi plenamente apoiada sobre as expectativas de Israel (Isa. 62:1; 65:6, 7; Sal. 50:3-6). É interessante notar que o 4° livro de Esdras, escrito na última parte do século I de nossa era, relata uma crença judaica que menciona que o fim da história trará um “silêncio” correspondendo ao silêncio antes da criação do mundo:
“E o mundo voltará para silêncio primitivo por sete dias, como foi no primeiro princípio; de maneira que ninguém ficará”.8
O sétimo selo parece declarar um “silencio no céu” como o fim da “grande voz” dos mártires por justiça divina. Dessa forma, o ciclo profético dos selos ressegura à igreja que Cristo é o Senhor da história e um fiel guardador do pacto. As bênçãos do pacto prometidas à igreja em Apocalipse 2 e 3 serão outorgadas aos que perseveram na fé ou no testemunho de Jesus até o fim! Este tema de cumprimento chega a ser o enfoque principal de consolo na visão de João de Apocalipse 7.
Referências:
1. Beasley-Murray, Revelation, p. 129.
2. Ellen White, PP 78.
3. Ellen White, Carta 65, 1898; citado em Simpósio sobre o Apocalipse, t. 1, pp. 371, 372.
4. Naden, The Lamb Among the Beasts. Finding Jesus in the Book of Revelation, p. 110.
5. Pfandl, Simpósio sobre o Apocalipse, t. 2, P. 310.
6. Ibid., p. 313.
7. Knight, Matthew. Bible Amplifier, p. 237.
8. Charlesworth, The Old Testament Pseudepigrapha, t. 1, p. 537 (4 Esdras 7:30).