Lendo Ellen G. White: Use o Bom Senso – Capítulo 15

ste artigo foi traduzido para o português, a partir do francês Lire Ellen White, por Ruth Mª C. Alencar. Título do original em inglês, Reading Ellen White: How to Understand and Apply Her Writings (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997

Os adventistas do sétimo dia tem tido a reputação de compartilhar uma opinião diferente da de Ellen White, ou mesmo de criticar os conselhos. Isto é particularmente verdade para as declarações que parecem nítidas e claras. Uma declaração neste gênero é encontrada no vol. 3 dos Testemunhos: “Os pais deveriam ser os únicos professores de seus filhos até que estes tenham atingido a idade de oito ou dez anos.” (Testemunhos Para a Igreja, v. 3 137)

Esta passagem é uma candidata perfeita para uma interpretação inflexível. Não é ela categórica? Ela não oferece nenhuma condição e não permite nenhuma exceção. Ela não contém nenhum “si”, “e”, “ou”, “mas” para atenuar seu impacto. Ela afirma simplesmente como um fato que “os pais deveriam ser os únicos professores de seus filhos até que estes tenham atingido a idade de oito ou dez anos.” Senhora White publicou esta declaração pela primeira vez em 1872. O fato de que ela esteja mencionada em seus escritos, em 1882 e 1913, não deixa dúvidas na ênfase do que parece ser de natureza incondicional.

De maneira muito interessante, entretanto, um conflito com relação a esta declaração nos fornece o que é talvez o melhor que possuímos sobre a maneira como senhora White interpretava seus próprios escritos.

Os adventistas que viviam próximo do sanatório de Santa Helena, no norte da Califórnia tinham construído uma escola da Igreja em 1902. As crianças maiores a frequentavam, enquanto que alguns pais adventistas negligentes deixavam suas crianças pequenas correrem livremente na vizinhança, sem formação conveniente e sem disciplina. Alguns membros do comitê da escola pensaram que deveriam construir uma sala de aula para os mais jovens, mas outros diziam que isto não estava correto, pois Ellen White tinha declarado claramente que “os pais deveriam ser os únicos professores de seus filhos até que estes tenham atingido a idade de oito ou dez anos.”

Aparentemente, uma parte do comitê estimava que era mais importante ajudar as crianças negligenciadas do que levar em conta a letra da lei. O outro lado cria que havia uma ordenança inabalável, um “testemunho decisivo” o qual deveria ser obedecido.

Para contar gentilmente, dizemos que a questão dividiu o comitê da escola. O mais interessante nesse caso, é que o estabelecimento estava situado na propriedade de Ellen White. Assim, o comitê estava em condição de lhe pedir uma entrevista, a fim de discutir com ela a idade da escolarização e da responsabilidade da Igreja na educação das crianças mais jovens. Felizmente, toda a entrevista foi transcrita, datilografada e preservada nos arquivos de Ellen White (ver Manuscrit 7, 1904, uma boa parte foi reproduzida no Mensagens Escolhidas – Volume 3, 214-226).

A própria discussão é em si um dos documentos mais remarcáveis do corpo dos escritos de Ellen White. Ela mostra alguns dos princípios que Ellen White empregou para interpretar seus próprios conselhos numa situação concreta da vida. É um documento que cada estudante de seus escritos deveria ler.

No início da entrevista, senhora White reafirma sua posição segundo a qual a família deveria ser idealmente a escola das jovens crianças. “O lar é tanto uma igreja de família como uma escola de família.”(Mensagens Escolhidas – Volume 3, 214) Este é o ideal que encontramos ao longo de todos os seus escritos. A Igreja e a escola institucionais complementam a obra de uma família equilibrada. Este é o ideal.

Mas, como descobrimos no capítulo precedente, o ideal não é sempre equivalente à realidade. Ou, para dizer em outras palavras, o ideal não é sempre a realidade. Assim, Ellen White continua a entrevista: “As mães deveriam estar em condições de instruir sabiamente seus  filhinhos durante os primeiros anos da infância. Se toda mãe estivesse capaz de fazer isso, e tomasse tempo para ensinar a seus filhos as lições que eles deveriam aprender no começo da vida, então todas as crianças poderiam permanecer na escola do lar até que tivessem oito, nove ou dez anos de idade.” (Mensagens Escolhidas – Volume 3, 214-215)

Começamos a ver aqui senhora White tratando de uma realidade que modifica a natureza categórica e incondicional de sua declaração. O ideal, é que as mães deveriam estar em condição de funcionar como os melhores mestres. Mas o realismo faz intrusão quando Ellen White emprega palavras como “se” e “ então”. Ela subentende claramente que nem todas as mães são capazes, nem desejosas de fazê-lo. Mas se elas são capazes e desejosas, “então todas as crianças poderiam permanecer na escola do lar”.

Seu realismo continua, enquanto prossegue a entrevista. Infelizmente, diz ela, muitas não assumem suas responsabilidades com seriedade. Teria sido melhor que não tivessem se tornado pais. Mas, como por falta de sabedoria, colocaram no mundo crianças, a Igreja não deveria ficar inativa no tocante a formação do caráter dos mais jovens. Ela afirma que a comunidade cristã tem a responsabilidade de formar tais crianças negligenciadas e ela chega ao ponto de insinuar que a Igreja tem necessidade de rever sua opinião sobre jardins da infância.

Durante a entrevista ela ressalta que “Deus deseja que lidemos sensatamente com esses problemas.” (Mensagens Escolhidas – Volume 3, 215) Ellen White quase se irritou em relação a estes leitores que tomam uma atitude inflexível em relação aos seus escritos e que procuram seguir sua mensagem na letra esquecendo os princípios subjacentes. Com toda evidência ela desaprova ambos, as palavras e atitudes de seus rígidos intérpretes quando declara: “É assim que é, e meu espírito tem sido muito agitado quanto à ideia: “Ora, a irmã White disse assim e assim, e a irmã White falou isto ou aquilo; e, portanto, procederemos exatamente de acordo com isso. Deus quer que todos nós tenhamos bom senso, e deseja que raciocinemos movidos pelo senso comum. As circunstâncias alteram as condições. As circunstâncias modificam a relação das coisas.” (Mensagens Escolhidas – Volume 3, 217) Ellen White era tudo menos inflexível na interpretação de seus próprios escritos e é da mais alta importância que sejamos conscientes disso.

Parte do problema vem do fato que escolhemos sempre uma citação de Ellen White que é clara e enérgica e que nós a aplicamos às situações estranhas a esta citação. Neste procedimento, não somente faltamos às vezes com os princípios cristãos, mas não colhemos o conselho do bom senso e ferimos pessoas. Daí a sua intervenção irritada com relação aqueles que usaram uma de suas declarações para “ir mais além”. Ela não duvidava que o uso irrefletido de seus pensamentos pudesse ser perigoso. É por isso, que não surpreende esta sua declaração: “Deus quer que todos nós tenhamos bom senso” ao empregar citações de seus escritos, mesmo quando as frases de suas citações são formuladas na linguagem mais forte e mais incondicional.

Talvez um dos abusos mais excessivos, contra a regra do bom senso, na aplicação dos conselhos de Ellen White foi vivido no colégio de Solusi, no que é hoje o Zimbabwe. Os primeiros missionários chegaram ao campus de Solusi em 1894. Tomando de forma absoluta os conselhos de Ellen White sobre o uso dos medicamentos, um grupo de fiéis da reforma sanitária, recusou tomar quinina por ocasião de uma grande epidemia de malaria, em 1898. Resultado: dos sete que tinham chegado em 1894, somente três sobreviveram e dois dos três foram ao Cap em convalescência.  O missionário que escapou foi o “infiel”. Ele tomou a quinina, estimando que o uso de um medicamento perigoso fosse mais importante que ficar vulnerável à doença em sua plena expansão. Em resumo, ele usou seu bom senso diante de uma séria realidade que contradizia o ideal absoluto. Isto permitiu que ele continuasse a servir e a testemunhar em Solusi.

Lembro-me ainda de ter estado próximo aos túmulos destes “fiéis” reformadores. Estando lá, cabisbaixo, compreendi como nunca antes, as consequências de não empregar seu bom senso na aplicação dos conselhos inspirados.

É interessante saber que Ellen White foi abordada por um missionário do Pacífico Sul, que tinha perdido seu filho mais velho por malária porque ele havia recusado de lhe dar quinino em razão dos seus conselhos sobre o quinina e outras drogas. “Teria eu pecado ministrando quinino ao pequeno, quando eu não conhecia outro meio de deter a malária, e quando as perspectivas eram de que sem isso ele morreria? Em resposta disse ela: Não, espera-se de nós que façamos o melhor que pudermos.” (Mensagens Escolhidas, 2, pág. 282)

Considerando que as consequências mortais da falta de bom senso no mundo físico são imediatamente perceptíveis a todos, só a eternidade revelará os danos causados por aqueles que empurraram as citações de Ellen White (e da Bíblia) no reino espiritual por sua lógica, de maneira absoluta e em ausência de todo o bom senso. Por seu extremismo, eles finalmente “desgostaram” as pessoas e as afastaram do Deus que eles pretendiam representar. (ver Mensagens Escolhidas – Volume 3, 285-287)

Você pode ver todos os capítulos aqui

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