por Siegfried J. Schwantes
Embora Nabucodonozor tivesse reconhecido que o DEUS de Daniel era ‘DEUS dos deuses e o Senhor dos senhores’, é evidente que não estava contente com as implicações do sonho descrito e interpretado no cap. 2. Era-lhe extremamente penoso admitir que seu reino também fosse transitório. Como crente no poder da mágica, ele faria construir uma imagem inteiramente de ouro que anulasse o encanto da imagem da qual somente a cabeça era de ouro. Esta imagem devia ser erigida no campo de Dura, na província Babilônica.
A altura dessa imagem seria de sessenta cúbitos e a largura de seis cúbitos, em harmonia com o sistema sexagesimal babilônico. Sua falta de proporção era indício do caráter irracional da idolatria. Sua aparência seria mais de um obelisco do que de uma figura humana.
Ou devemos imaginar um pedestal muito alto suportando uma figura humana de proporções mais próximas do normal.
Aparentemente a intenção original em convocar os funcionários das províncias era meramente de lhes das a oportunidade de testemunhar a dedicação da estátua. A ordem subsequente de que todos se prostrassem e adorassem a imagem de ouro foi uma decisão posterior. Isso explicaria a presença de Sadraque, Mesaque e Abednego entre a multidão.
A repetição monótona dos títulos dos oficiais, sete ao todo, bem como dos nomes dos instrumentos musicais, era típica da retórica semítica, embora soe mal aos nossos ouvidos. A LXX elimina a repetição sempre que compatível com a clareza do texto. Este estilo repetitício é encontrado em outras seções do livro. Alguns destes títulos são de origem medo-persa, e sua presença aqui pode ser explicada se esta parte do livro foi redigida depois da conquista de Babilônia pelos persas. A palavra ‘arauto’ do v. 4 é uma tradução de keroz, termo que se pensava outrora ser de origem grega, mas que se sabe hoje ser derivado do antigo persa.1
Concernente ao nome dos seis instrumentos citamos o comentário de J. C. Baldwin: “Dos seis instrumentos mencionados aqui, somente o primeiro, ‘trompa’, ocorre no hebraico do V. T. (aram. – garna, hebraico geren), pífaro (aram. – masroqita) é difícil de identificar por falta de evidência, a única chave sendo uma possível conexão com o hebraico saraq, ‘sobiar’. Harpa ou lira (aram. gayteros) ou é a palavra emprestada do grego kítara, ou tanto ela como o aramaico vêm de uma raiz comum. Cítara (aram. sabbeka) também parece ser um termo estrangeiro de origem desconhecida… Saltério (aram. pesanterim) pensa-se ser outro instrumento de corda de forma triangular, o grego psalterion. A última palavra na lista (aram. sumponeya) traduzida por gaita de foles, pode não ser instrumento algum; antes significaria ‘em uníssono’. De outro lado se tem sugerido que se trata de um instrumento de percussão”.2 Trocas comerciais e culturais se faziam entre o mundo do Egeo e o do Próximo Oriente muito antes de Nabucodonozor, de modo que não surpreende achar instrumentos de origem grega e com nomes gregos na Babilônia do sexto século antes de nossa era.
Quando a música soou, de toda a multidão reunida para a ocasião somente os 3 companheiros de Daniel recusaram a prostrar-se e adorar a imagem de ouro erigida pelo rei. A ausência de Daniel nesta ocasião tem sido explicada por várias conjecturas. Mas o que é certo é que se Daniel estivesse presente também teria recusado prestar culto à imagem. Sadraque, Mesaque e Abednego foram acusados de desobediência e trazidos diante do rei. Uma segunda oportunidade lhes foi dada de obedecer, ou em caso contrário de serem lançados na fornalha ardente. Uma vez que tinha admitido a verdade da acusação não sentiam necessidade de apresentar desculpas (v.16). Estavam prontos a morrer por suas convicções religiosas. Criam firmemente que DEUS poderia salvá-los da sentença de morte, mas mesmo se DEUS achasse por bem não livrá-los, não renegariam sua decisão de não adorar a imagem de ouro. A rudeza aparente de sua resposta não visava ofender o rei; expressava simplesmente sua convicção inabalável.
Nabucodonozor não ia tolerar desafio a suas ordens, e furioso ordenou que a fornalha fosse aquecida ao máximo e os 3 indivíduos fossem lançados amarrados com suas vestes. Fornalhas havia às dezenas num país que dependia de tijolos para a maior parte das construções. O combustível usado nestas fornalhas consiste em “óleo cru e palha. Uma temperatura tremenda é assim produzida, e pela abertura (lateral) o observador pode ver os tijolos aquecidos até a incandescência”.3
Morte por cremação é pouco documentada. Um tablete vem do tempo de Rin Sin, rei de Larsa (1750 a.C.). Outro vem de Neriglissar, genro de Nabucodonozor, que afirma “haver queimado adversários e desobedientes”. Jeremias 29:22 é o único texto do V. T. que faz referência a este tipo de castigo infligido a dois falsos profetas por Nabucodonozor. Este texto é praticamente contemporâneo de Daniel. A palavra usada por fornalha no texto bíblico é attun, e é derivada da mesma raiz que o termo babilônico utunum.
Ao aguardar o desfecho de sua sentença cruel Nabucodonozor viu atônito “quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo” (v.25). Aparecem ilesos e o quarto tem uma aparência divina. Em sua estupefação o rei se aproxima da boca da fornalha e pede aos três mártires que saiam. O espetáculo insólito é testemunhado por aqueles mesmos que acusaram Sadraque, Mesaque e Abed-Nego.
O resultado da prova foi realçar a superioridade do DEUS de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, cuja fé foi assim publicamente honrada. Movido por esta intervenção do Altíssimo, o rei baixou um decreto proibindo sob pena de morte qualquer insulto ao DEUS, que de modo tão maravilhoso livrou Seus servos. A cerimônia toda que tinha em vista ser uma ocasião para a deificação do monarca redundou para a exaltação dAquele que pode frear o orgulho dos reis e exaltar os que põem sua confiança nEle.
A breve frase de Hebreus 11:34, “extinguiram a violência do fogo”, parece ser uma referência aos acontecimentos descritos neste capítulo.
Notas
1. Lexicon in Vestus Testamenti Liberos, por L. Koehler e W. Baumgartner, 1958.
2. J. C. Baldwuin, Op. Cit., p. 102.
3. SDABC, Iv. P. 783. Montgomery, Daniel, p. 202.
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