Lendo Ellen White: Evite Interpretações Extremas – Capítulo 11

Estes artigos foram traduzidos para o português, a partir do livro em francês “Lire Ellen White”, por Ruth Mª C. Alencar. Título do original em inglês, Reading Ellen White: How to Understand and Apply Her Writings (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997, escrito pelo pastor George Knigh

Stephen N. Haskell, um eminente pregador adventista retornou aos Estados Unidos nos últimos 25 anos do século XIX, após uma viagem de negócios na Austrália. Ele conheceu várias “doutrinas bizarras pregadas por alguns importantes pregadores da nova geração.” Como era de se esperar, eles citavam os Testemunhos e a Bíblia para apoiar suas ideias, de tal sorte que “os que não estavam firmes nos princípios da mensagem adventista podiam facilmente ser arrastados por eles.”

“Alguns destas estranhas doutrinas as quais escutei falar, diz Haskell, dizia que o selo de Deus não poderia ser colocado sobre quem tivesse os cabelos grisalhos ou deformados, pois na obra final, estaríamos em um estado de perfeição física e espiritual. Seríamos curados de toda a enfermidade física e não poderíamos mais morrer, etc.”

Alguns esperavam ter novos dentes, “uma mulher declarava o quanto seus amigos seriam convencidos ao vê-la chegar em casa com uma cabeleira renovada, o que ela acreditava acontecer em breve”. (S. N. Haskell à E. G. White, 3 de outubro de 1899). Sete semanas mais tarde, Haskell teve contato com um ensino extremista que, baseado no decálogo, pretendia que era errado matar serpentes venenosas ou insetos prejudiciais (ver S.N. Haskell à E. G. White, 23 de novembro de 1899). A história da igreja cristã está repleta de indivíduos que interpretam de maneira extremista os ensinamentos de Deus e definem seu fanatismo como uma “fidelidade”. Infelizmente, é também verdade para alguns cristãos adventistas. A propensão ao extremismo parece fazer parte da natureza humana caída. Deus tem procurado corrigir esta tendência através dos Seus profetas.

Um dos temas principais deste capítulo é que, mesmo se o equilíbrio caracteriza os escritos de Ellen White, ele não define sempre os que os leem. Tomemos o caso dos conselhos de Ellen White a um médico inclinado a ter opiniões extremistas (com relação à reforma sanitária), após ter lido seus escritos “Quando a reforma de saúde é ensinada em sua modalidade mais extrema, escreveu ela ao Dr. D.H. Kress, a reforma de saúde torna-se uma deformação sanitária, um meio de destruição da saúde.” (Conselhos Sobre o Regime Alimentar 205 – 206.)

Jaimes White tratou do problema. “Quando satanás tenta um bom número a ser muito lentos, ele tenta sempre os outros a se mostrarem muito rápidos. A missão de Ellen White tornou-se muito árdua, e às vezes embaraçosa, em razão da conduta dos extremistas, que pensam que a única atitude conveniente é a de levar ao extremo tudo o que ela escreva ou diga sobre as questões a propósito das quais se poderiam ter outra abordagem.

Essas pessoas se apoiam sempre em suas interpretações de uma expressão e desenvolvem ideias aventureiras que, finalmente, contradizem o que ela disse sobre o perigo dos extremos. Sugerimos a estas pessoas que se livrem das expressões fortes que ela utilizou para os hesitantes e que deem todo peso às numerosas advertências que ela pronunciou para os extremistas. Fazendo isto, se colocarão eles mesmos em segurança e sairão do seu caminho, a fim de que ela possa dirigir-se livremente aos que têm necessidade de ser chamados ao seu dever. Atualmente, eles se colocam entre ela e as pessoas, paralisam seu testemunho e são causa de divisões.” (Review and Herald, 17 de março de 1868)

Ellen White teve que enfrentar extremistas ao longo de seu ministério. Em 1894, ela disse: “Há uma classe de pessoas sempre dispostas a escapar por alguma tangente, que desejam apreender qualquer coisa estranha, maravilhosa e nova; mas Deus quer que todos procedam calma e ponderadamente, escolhendo as palavras em harmonia com a sólida verdade para este tempo, a qual precisa, tanto quanto possível, ser apresentada ao espírito isenta do que é emocional, conquanto ainda levando a intensidade e solenidade que lhe convém. Devemos guardar-nos de criar extremos, de animar os que tendem a estar ou no fogo, ou na água.” (Testem. Ministros e Obreiros Evangélicos 227-228)

Quase quarenta anos mais tarde, Ellen White escreveu “vi que um bom número tem tirado vantagem do que Deus tem mostrado em relação aos pecados e aos erros dos outros. Eles têm radicalizado o sentido do que foi mostrado em visão e o levaram ao ponto de enfraquecer a fé de muitos na revelação divina.” (Testemunhos Para Igreja – Volume 1, 166)

Alguns, levando ao extremo as declarações em áreas como a reforma sanitária, têm ido tão longe que, se eles tivessem razão, Ellen White teria sido tomada como um falso profeta. Estas interpretações abusivas lhes fazem ir não somente mais longe que a Bíblia, mas a contradizem. Por exemplo, enquanto Paulo declara que o reino de Deus “não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo.” (Romanos 14:17), alguns intérpretes de Ellen White colocam este aspecto de seu ensino no centro do Evangelho.

Ellen White concordava com Paulo. Alguns de seus contemporâneos colocaram a reforma sanitária no centro, porque o que ela havia dito estava estreitamente ligado a última mensagem de Deus ao mundo “que o braço e a mão estão no corpo” (Testemunhos Para Igreja – Volume 1, p. 486). Ela os advertiu “se a reforma sanitária está estreitamente ligada à obra ada terceira mensagem (de Apocalipse 14), ela não é a mensagem propriamente dita. Nossos pregadores deveriam ensinar a reforma sanitária, mas não deveriam fazer dela o tema central, no lugar da mensagem.” Ela declarou aos seus leitores que a reforma sanitária tinha um importante papel “preparatório para os eventos finais” (Testemunhos Para Igreja – Volume 1, 559). Esta ideia se harmoniza bem com uma observação que ela fez em outro contexto.

“Os últimos raios da luz misericordiosa, a última mensagem de graça a ser dada ao mundo, é uma revelação do caráter do amor divino. Os filhos de Deus devem manifestar Sua glória. Revelarão em sua vida e caráter o que a graça de Deus por eles tem feito.” (Parábolas de Jesus, pág.415/416).

A reforma sanitária “prepara” para a obra final no sentido de que não somos muito amáveis quando temos uma indigestão, uma enxaqueca ou outro desconforto. Deus deseja mostrar para Seus filhos que a graça transformadora pode efetivamente mudar seres egoístas em pessoas amáveis e atenciosas. Se a reforma sanitária é um meio para chegar a este fim ela não é um fim em si mesma. Colocar a reforma sanitária, ou outros assuntos semelhantes, no centro de nossa vida espiritual, é distanciar-se, não somente do seu objetivo, mas também do quadro geral da mensagem de Deus dada através de Ellen White.

Uma parte de nossa missão, quando lemos Ellen White, é de evitar as interpretações extremas para compreender sua mensagem com sua própria ponderação. Resulta que temos necessidade de ler os conselhos levando em consideração todas as facetas do assunto.

Eis o caso de suas severas palavras a respeito dos jogos. “Entregando-se a diversões, jogos competitivos e façanhas pugilísticas”, escreveu ela, os estudantes do Colégio de Battle Creek, “declararam ao mundo que Cristo não era seu guia em nenhuma destas coisas. Tudo isso provocou a advertência de Deus.”  Esta firme declaração e outras, parecidas, têm conduzido um bom número à conclusão de que Deus desaprova todos os jogos de bola e outros. Mas aqui, como em toda interpretação extrema, é necessário prudência. Além do mais, a frase que segue imediatamente diz: “O que me oprime agora é o perigo de cair no outro extremo;” (Fundamentos da Educação Cristã 378)

Como mostra a citação seguinte, Ellen White não aprova nenhum dos extremos com relação ao assunto sobre jogos de bola ou de mesa. Falando aos pais e aos professores ela disse: “Caso reunissem as crianças bem junto a si, e lhes mostrassem que as amam, e manifestassem interesse em todos os seus esforços, e mesmo em suas brincadeiras, tornando-se por vezes mesmo uma criança entre elas, dar-lhes-iam muita satisfação e lhes granjeariam o amor e a confiança.” (Fundamentos da Educação Cristã 18)

Como vimos, é importante ler o conjunto do que Ellen White escreveu sobre um assunto antes de chegar a uma conclusão. Isto significa tomar em consideração o que significa serem as declarações contraditórias que, não somente se equilibram uma à outra, mas podem mesmo às vezes se oporem. Claro, como veremos, o contexto histórico e literário explica geralmente as razões das declarações radicais de Ellen White. Quando compreendemos as razões pelas quais ela se exprime de certa maneira, podemos compreender como as recomendações aparentemente contraditórias, se harmonizam uma à outra. Tendo isto em mente, estamos prontos para examinar os princípios subjacentes ao assunto particular dos jogos de bola e dos jogos de mesa.

“Não condeno o simples exercício de brincar com uma bola; mas isto, mesmo em sua simplicidade, pode ser levado ao excesso.” (O Lar Adventista 499) O problema que ela levanta nesta declaração moderada não está na ação, mas no excesso e no mau uso em se falando de tempo e de complexidade de organização, que conduz a problemas de relações humanas. Ela prossegue observando que os jogos de bola muito frequentes conduzem às despesas exageradas, ao orgulho, a um amor e a um entusiasmo pelo jogo ultrapassando o limite do amor por Cristo e a uma “viva paixão” pela vitória. Além do mais, ela observa que a maneira como as pessoas gostam sempre de jogar não reforçam, nem ao espírito nem o caráter, distrai o pensamento do estudo e tende a desenvolver nos participantes um amor maior por jogos em relação ao amor por Deus. (O Lar Adventista 499-500)

Quando lemos as passagens equilibradas e “agregadoras” sobre um assunto, ao invés das que confortam nossas próprias opiniões, estamos mais próximos da real perspectiva de Ellen White. A moral da história é clara. Para evitar as interpretações exageradas, temos necessidade não somente de ler profundamente o que a Ellen White disse sobre o assunto dado, mas devemos também nos firmar nas declarações que fazem a síntese entre as diversas declarações opostas.

Aqui está mais uma ilustração sobre a necessidade de se firmar nos conselhos gerais. Esta ilustração concerne ao emprego dos ovos. Você se lembra que no primeiro capítulo, citamos Ellen White dizendo que “Os ovos não deveriam jamais se encontrar sobre vossa mesa. Eles representam uma ameaça para vossas crianças.” (Testemunhos para a Igreja vol.2, p. 400). Ela fez esta declaração a uma família cujas crianças lutavam contra a sensualidade. O conselho se relaciona a esta situação específica.

Mas alguns a compreenderam como sendo uma proibição absoluta. Assim, o Dr. D.H.Kress, um consciencioso médico servindo como missionário na Austrália, baniu totalmente os ovos de sua mesa, assim como os produtos lácteos e diversos outros alimentos. Suas privações produziram finalmente deficiências alimentares que lhe trouxeram grave atentado a sua saúde. Ellen White lhe escreveu então em maio de 1901 para lhe exortar a não exagerar com relação à reforma sanitária. […] Procure ovos provenientes de galinhas sadias. Consuma-os crus ou cozidos. Misture-os crus, no melhor suco de uva que você encontrar. Isto dará o que é necessário ao seu organismo. Não creia, nem por um instante, que agindo assim você não está na verdade. […] Declaro que o leite e os ovos deveriam ser incluídos em sua alimentação. […] Você está em perigo tomando a reforma sanitária de maneira tão radical, e de prescrever para si mesmo uma alimentação deficitária. […] E os ovos contêm propriedades que são agentes medicinais para combater venenos. E conquanto tenham sido dadas advertências contra o uso desses artigos em famílias onde as crianças eram viciadas, e muito viciadas no hábito da masturbação, contudo não devemos considerar um princípio de proibição usar ovos de galinhas bem cuidadas e alimentadas devidamente.” (Lettre d’Ellen White 37, 1901; grande parte do conteúdo desta carta está acessível no Conselhos Sobre o Regime Alimentar 202-217).

Observe o fator contextual neste conselho, e como ele concerne a um problema específico. Observe também os princípios que Ellen White destaca. Por exemplo, é melhor comer ovos “de galinhas bem cuidadas e alimentadas devidamente”. Voltaremos mais adiante sobre a questão do contexto e sobre a importância dos princípios. Porém, fiquemos ainda um pouco com o Dr. Kress.

Kress respondeu no mês seguinte à Ellen White. “Posso ver que minha firme posição no que concerne o leite e os ovos me colocaram em perigo de cair no exagero e sou muito grato ao Senhor por Ele me haver corrigido. […] Agora, no que concerne, no que eu saiba, sigo fielmente todas as instruções que Deus me tem comunicado por vosso intermédio. Emprego os ovos e o leite, e o faço sem remorso na consciência. Antes não o podia fazer sem me sentir condenado e eu creio sinceramente que existe esperança que reencontre a saúde, senão o Senhor não me teria enviado esta mensagem.” (D. H. Kress à E. G. White, 28 de Junho de 1901).

Quarenta e três anos mais tarde, Kress coloca sua experiência nestes termos: “Algumas almas honestas tomaram uma posição extrema com relação a certas declarações feitas por Ellen White sobre o uso de alimentos de origem animal, tais como os ovos e o leite.” Falando de seus próprios exageros, ele disse: “Eu enfraqueci ao ponto de morrer. […] Irmã White me viu em visão e me enviou muitas cartas, colocando em evidência as causas de minha condição física, e me exortando a mudar meus hábitos alimentares. […] Após ter recebido sua mensagem, comecei a mudar, empregando ovos como me foi recomendado, e do leite e com a graça de Deus, conheci uma boa recuperação. […] Isto faz mais de quarenta anos. Estou agora ao ponto de completar meus oitenta anos e tenho condições de passar três horas por dia em meu escritório, no sanatório. Sou devedor da saúde que me foi dada tão generosamente, às mensagens que me foram dirigidas em uma época onde a cura, do ponto de vista humano, parecia tão sem esperança. Continuo a seguir as instruções empregando o leite e os ovos.” (D. H. Kress, carta não publicada, o6 de janeiro de 1944)

Dr. Kress estava aparentemente convencido no fim de sua vida que Ellen White o tinha conduzido a renunciar as interpretações extremas de seus escritos.

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