Estes artigos foram traduzidos para o português, a partir do livro em francês “Lire Ellen White”, por Ruth Mª C. Alencar. Título do original em inglês, Reading Ellen White: How to Understand and Apply Her Writings (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997, escrito pelo pastor George Knigh
O processo de comunicação não é assim tão simples como parece à primeira vista. Permita-me contar um exemplo tirado de uma experiência pessoal. Durante muitos anos, fui professor de uma escola primária, amava meu trabalho, mas as crianças podem se comportar como crianças e se mostrar barulhentas e indisciplinadas.
No começo de minha experiência, observei certas maneiras de funcionamento. A classe tornava-se cada vez mais “ativa”, eu abandonava a aplicação do regulamento, as coisas se acalmavam por um momento, depois o problema tomava uma dimensão que exigia uma intervenção. Finalmente, eu deveria falar com firmeza e restaurar a lei. Às vezes devia enfrentar a classe inteira. À noite antes do “grande acontecimento”, eu elaborava um plano preciso sobre a maneira como ia comunicar minhas frustrações e meus desejos.
O problema que eu encontrava em tais situações provinham das sensibilidades variadas de meus alunos. Em cada sala de aula, existiam crianças extremamente sensíveis. Tudo o que eu podia fazer com eles era cerrar as sobrancelhas e eles derretiam como manteiga ao sol. Além disso, alguns estavam endurecidos. Falando de maneira metafórica, eu poderia lhes bater na cabeça com um taco de baseball e isto não teria causado nenhum efeito. As coisas iam mal. Alguma coisa deveria ser feita. Toda a classe tinha necessidade de meus ensinos. Era evidente que, se eu falasse doce e calmamente para proteger os mais sensíveis, eu não ajudaria os que precisavam de um tratamento mais enérgico.
A única solução era dar a minha linguagem força o suficiente para que mesmos os endurecidos pudessem entendê-la. Resultado? Os fracos sentiram-se agredidos por minha desaprovação, enquanto os mais difíceis continuaram a agir como se eu não tivesse dito nada. Conclui que a comunicação é mais difícil que eu podia imaginar.
Deus tem o mesmo problema com seus filhos. Eles variam entre os hipersensíveis e os mais endurecidos ao Evangelho. Você já pensou o quanto isto afeta a sua capacidade de comunicar-se através dos seus profetas?
O assunto estava certamente no centro das preocupações de James White quando ele via as dificuldades de sua esposa em conduzir os primeiros adventistas no caminho da reforma. Em 1868, ele escreveu que sua esposa “estava precisando de ajuda de todos os que pudessem trazer seu apoio à causa da verdade e da reforma. As pessoas são lentas para mudar ou então, não mudam. Alguns evoluem com precaução como lhe convém, outros vão muito rápido.
Aquele que vê a necessidade da reforma, prossegue J. White, e se mostra muito rigoroso em todos os casos, não se permitindo nenhuma exceção, conduzindo as coisas à mão de ferro é certo de fracassar na reforma, de ferir sua própria alma e de ofender a dos outros. Agir assim não ajuda Ellen, mas acentua a carga de sua árdua obra. […] Ela enfrentou esta deficiência da seguinte maneira: ela direcionou fortes apelos, comoveu profundamente alguns que haviam tomado posições firmes, indo até ao extremo. Depois, para salvar a causa da ruína, provocada por estes extremos, ela foi obrigada a fazer críticas públicas aos extremistas. Foi melhor fazer isto do que ver as coisas caírem em ruína, mas a influência de um ou outro, os extremos e censura, é terrível para a causa e traz sobre Ellen uma tripla carga. Veja a dificuldade: o que ela podia dizer sobre os indiferentes era tomado pelos cheios de zelo como um apelo para ultrapassar os limites. E o que ela podia dizer para advertir aos preparados, os zelosos, e os imprudentes, era tomado pelos indiferentes como uma desculpa para ficar para trás.” (Review and Herald, 17 mars de 1868)
Aqui está um caso ilustrando a dificuldade evocada por James White: No dia 21 de março de 1895, Ellen White escreveu um longo artigo, que portava o título “Uma rápida preparação para a obra”. Ele visava claramente certas atitudes ou excessos cometidos pela escola de Beatle Creek (ver Fundamentos da Educação Cristã 334-367). O artigo contém algumas declarações fortes porque ela combatia concepções erradas, profundamente ancoradas e queria falar em um tom muito forte para ser entendida. Ela estava convencida de que alguns professores mantinham os alunos durante muito tempo na escola e aprofundavam certos assuntos mais que o necessário. Procurando compartilhar sua preocupação, ela escreveu: “Se houvesse mil anos à nossa frente, tal profundeza de conhecimento não seria solicitada, (…)” (Fundamentos da Educação Cristã 334)
Mas alguns de seus leitores reformistas tomaram suas intenções como significando que seria necessário ir ao extremo oposto. Em 22 de abril, ela escreveu então dois testemunhos para fazer contrapeso e tentar trazer os reformistas ao que era a essência. (Fundamentos da Educação Cristã 368-380) “Não deve ser feito nenhum movimento, escreveu ela, para baixar a norma de educação em nossa escola de Battle Creek. Os estudantes devem exercitar as faculdades mentais; toda faculdade deve atingir o máximo desenvolvimento possível. […] Espero que ninguém tenha a impressão diante de quaisquer palavras que escrevi, de que a norma da escola deva ser baixada de qualquer maneira. Deve haver em nossa escola uma educação mais diligente e completa […].” (Fundamentos da Educação Cristã 373)
O que Ellen White queria realmente dizer à administração e ao corpo de professores da escola, é que eles precisavam compreender os princípios fundamentais do que faz com que uma educação seja cristã no contexto de uma educação de qualidade. Mas, como sempre, os extremistas coletaram todas as citações mais fortes, enquanto os que queriam manter o status quo deram sem dúvida atenção às declarações moderadas que ela fez para corrigir os que pendiam para o fanatismo. As duas tendências não puderam compreender a intenção de Ellen White em razão da fraqueza da comunicação humana.
Aqui está uma ilustração do uso, por Ellen White, de uma linguagem extrema para atrair a atenção de alguém. Ela referi-se a Dr. John Harvery Kellogg, diretor do sanatório de Battle Creek. Em 1901, ela declarou a um grupo de líderes da Igreja que ela estava preocupada, já há algum tempo, com o estado espiritual de Kellogg. Ela disse aos seus ouvintes: “Escrevi algumas linhas severas, e é possível, Dr. Kellogg (se ele está aqui), que eu tenha ido longe demais, porque eu pensei que poderia lhe preservar e mantê-lo preservado com toda a força que dispunha.” (Manuscrit 43ª, 1910)
Quando lemos Ellen White, devemos sempre guardar em mente as dificuldades elementares da comunicação às quais ela se confrontava. Além das dificuldades inerentes à diversidade de personalidades, mas ligado a ela, acrescenta-se o problema da impressão do significado das palavras. Além do mais as pessoas, conhecendo experiências variadas, interpretam a mesma palavra de forma diferente.
Em relação à leitura da Bíblia, Ellen White escreveu: “Variam os espíritos humanos. Mentes de educação e pensamento diverso recebem diferentes impressões das mesmas palavras, e difícil é a um espírito transmitir a outro de temperamento, educação e hábitos de pensamento diferentes, através da linguagem, exatamente a mesma ideia que é clara e distinta em seu próprio espírito. […] A Bíblia não nos é dada em elevada linguagem sobre-humana. […] A Bíblia precisa ser dada na linguagem dos homens. Tudo quanto é humano é imperfeito. Significações diversas são expressas pela mesma palavra; não há uma palavra para cada ideia distinta. A Bíblia foi dada para fins práticos.
Diferentes são os cunhos mentais. As expressões e declarações não são compreendidas da mesma maneira por todos. Alguns entendem as declarações das Escrituras segundo sua mente e casos especiais. As prevenções, os preconceitos e as paixões têm forte influência para obscurecer o entendimento e confundir a mente mesmo ao ler as palavras da Santa Escritura.”(Mensagens Escolhidas – Volume 1, 19-20)
Isto que Ellen White diz dos problemas de compreensão do sentido das palavras da Bíblia, se aplicam também aos seus próprios escritos. A comunicação em um mundo em crise não é fácil, mesmo para os profetas de Deus. Por outro lado, não temos necessidade de um conhecimento perfeito para sermos salvos. Como o disse Ellen White várias vezes, a Bíblia (e seus escritos) foi dada com um objetivo prático.
A linguagem humana, apesar de suas fraquezas, está em condições de comunicar a essência do plano da salvação e as responsabilidades cristãs aos que desejam honestamente conhecer a verdade de Deus. Os problemas de comunicação provenientes das diferentes formas de pensamento, tipos de personalidade e panos de fundo, fazem mesmo parte das razões porque temos mais de uma narrativa sobre a vida de Cristo no Novo Testamento. A declaração seguinte nos ajuda a compreender o desafio posto a Deus em sua comunicação com os seres inteligentes em um planeta entregue ao pecado.
Ellen White escreveu: “Por que necessitamos de Mateus, Marcos, Lucas, João, Paulo e todos os escritores que deram testemunho quanto à vida e ao ministério do Salvador? Por que não poderia um dos discípulos escrever o relatório completo, sendo-nos dada assim uma relação organizada da vida terrestre de Cristo? Por que introduz um dos escritores pontos que outro não menciona? Por que, se esses pontos são essenciais, não os mencionaram todos esses escritores? É porque a mente dos homens difere. Nem todos compreendem as coisas exatamente de igual maneira.” (Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, 432)
É preciso guardar na mente os problemas de base da comunicação quando percorremos os escritos de Ellen White. Para terminar, tais fatos deveriam nos tornam prudentes diante de nossas leituras, a fim de que não acordemos uma importância exagerada a uma ideia ou outra que nos tem atraído a atenção, quando estudamos os conselhos de Deus para sua Igreja. Estaremos seguros de haver consultado bastante o que Ellen White escreveu sobre o assunto e que temos examinado as declarações que parecem extremas à luz das que podem moderá-las e lhes fazer contrapeso. O conjunto de tal pesquisa deveria se fazer, é claro, tendo em mente o contexto histórico e literário de cada declaração. São as quatro preocupações que iremos considerar nos capítulos 10-13.