Estes artigos foram traduzidos para o português, a partir do livro em francês “Lire Ellen White”, por Ruth Mª C. Alencar. Título do original em inglês, Reading Ellen White: How to Understand and Apply Her Writings (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997, escrito pelo pastor George Knigh
Uma pessoa pode ler documentos inspirados pelo menos de duas maneiras: Uma consiste em examinar os temas principais tratados pelo autor, outra à procura de coisas que são novidades e particulares. A primeira conduz ao que podemos chamar de teologia do centro, a outra a uma teologia periférica.
Durante muitos anos, segui a segunda via em minhas leituras de Ellen White e da Bíblia. Sem pensar nas conseqüências do que fazia, comecei a colecionar as citações da Bíblia e de Ellen White que me pareciam fora do comum, estas que traziam ‘idéias novas’ que ninguém havia descoberto ou assinalado.
No meu ardor, procurei sempre declarações as mais extremas sobre os assuntos ‘novos e diferentes’ que me interessavam, lhes extraindo do seu contexto e constituía minhas próprias compilações. Após estar mais ou menos satisfeito, pela descoberta, sentia-me na missão de convencer meus amigos crentes do valor das ‘idéias avançadas’ o que havia recolhido em Ellen White e na Bíblia.
Infelizmente, este método de estudo produziu uma teologia que o próprio Deus não reconhecia. Uma técnica que findava em distorções e a insistências que não se encontravam originalmente nos escritos inspirados.
Tal procedimento conduziu os fundadores de uma das Igrejas ao crescimento mais rápido do mundo a batizar os vivos em favor dos seus ancestrais mortos. Observando que em 1 Coríntios 15:29 alguns Corintianos se batizavam em nome de alguns que estavam mortos, este movimento moderno fez deste conceito um elemento fundamental de sua fé, embora tal prática contradiga o sentido profundo do batismo que encontramos no restante do Novo testamento, e que é uma resposta da fé em conseqüência do arrependimento. Este assunto é tocado apenas em um lugar no Novo testamento. É algo marginal, que contradiz o claro ensinamento do apóstolo Paulo sobre a salvação. Esta contradição deveria ter servido de advertência. Tomar um texto obscuro como fundamento de uma doutrina não sai de graça.
O capítulo 15 de 1 Coríntios trata de um assunto decisivo para a teologia cristã, a saber, a realidade da ressurreição corporal de Cristo e a ressurreição, no fim dos tempos, dos que crêem Nele. Esta doutrina essencial está no centro do Novo Testamento. Entretanto, alguns em Corinto, duvidavam da ressurreição de Cristo e da futura ressurreição dos santos. Aos que descriam, Paulo respondeu, que a fé deles era vã se não havia ressurreição e que eles eram os mais infelizes dos homens. (cf. v. 12-19)
Esta confusão ia, para alguns dentre eles, até a prática do batismo pelos mortos. Se seguirmos a argumentação do capítulo, é evidente que Paulo não defende a prática do batismo pelos mortos, mas que ele pergunta aos coríntios porque eles agem assim se eles não crêem de forma alguma na ressurreição dos corpos. Paulo coloca em evidência a contradição deles e sugere que a lógica deles deveria lhes conduzir a uma conclusão razoável.
Para concluir, dizemos que alguns coríntios não tinham clareza com relação à ressurreição e o batismo. No entanto, algumas pessoas dos tempos modernos descobriram em 1 Coríntios 15:19 o que eles consideraram como luz nova e têm empregado este texto isolado e obscuro como fundamento de uma de suas maiores doutrinas.
Uma abordagem da leitura que dá ênfase sobre o que é diferente e novo conduz à teologia periférica. E tal teologia está sempre longe de ser bíblica. Uma outra leitura de 1 Coríntios 15 exige um estudo do tema central que marca todo o capítulo.
Paulo começa dizendo a seus leitores que o centro do Evangelho (ou boas novas) é o Cristo morto por nossos pecados e ressuscitado dos mortos (v.1-4). Ele conclui com a promessa da ressurreição no fim dos tempos dos que aceitaram as boas novas da morte e da ressurreição do Cristo em seu favor. (v.51-56).
O tema central do capítulo é a ressurreição, não o batismo dos mortos. Este último forneceu a Paulo somente uma ilustração de pano de fundo, com a ajuda desta ilustração Paulo coloca em evidência a incoerência dos Coríntios em relação ao assunto tratado. Utilizar uma ilustração para dela fazer uma doutrina é um erro. Elaborar uma teologia periférica pode permitir a qualquer um chegar a “novas luzes”, mas finalmente esta luz pode parecer trevas quando colocada no contexto do ensinamento central e sólido da Bíblia.
É trágico que numerosos ávidos leitores de Ellen White colocam evidência sobre uma leitura que conduz a uma teologia periférica. Ellen White tomou posição firme contra tal uso de seus escritos. Ela pediu a seus leitores “para tomarem cuidado com as questões secundárias cuja tendência é desviar a mente da verdade.” (Counsels to Writers and Editors, 47)
Segundo seu conselho, “deveríamos estar atentos à maneira como recebemos tudo o que é chamado de novas verdades. Devemos ser cuidadosos, por receio de sob a cobertura de uma pesquisa por novas verdades, Satanás não desvie nossa mente de Cristo e das verdades particulares para o nosso tempo. Foi me mostrado que o inimigo usa de estratégias que consiste em conduzir os pensamentos a se preocuparem com qualquer ponto obscuro e sem importância, qualquer coisa que não é plenamente revelada ou que não é essencial para nossa salvação. Ele o transforma em algo que sufoca a “verdade presente”. (Counsels to Writers and Editors, 49)
Os anjos de Satanás, aliás, escreve ela, são inteligentes para fazer o mal e criam o que alguns chamam de uma nova luz de vanguarda e proclamam como coisas novas e maravilhosas. Na verdade, pregam “questões secundárias”. (Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos, 229)
O que é que torna o ensinamento de numerosos apóstolos da “nova luz” tão impressionante em sua evidente sinceridade e faz com que muito do que eles têm a dizer possa parecer uma verdade necessária? Como podemos dizer que estamos no foco ou que nos afastamos para além do que é verdadeiramente importante? Escutemos o que Ellen White dá como resposta a essas questões.
No livro Educação se encontra uma passagem significativa. Ela escreveu: “A Bíblia explica-se por si mesma. Textos devem ser comparados com textos. O estudante deve aprender a ver a Palavra como um todo, e bem assim a relação de suas partes. Deve obter conhecimento de seu grandioso tema central, do propósito original de Deus em relação a este mundo, da origem do grande conflito, e da obra da redenção. Deve compreender a natureza dos dois princípios que contendem pela supremacia, e aprender a delinear sua operação através dos relatos da História e da profecia, até à grande consumação. Deve enxergar como este conflito penetra em todos os aspectos da experiência humana; como em cada ato de sua vida ele próprio revela um ou outro daqueles dois princípios antagônicos; e como, quer queira quer não, ele está mesmo agora a decidir de que lado do conflito estará.” (Educação 190)
Uma passagem similar sobre o “grande tema central” da Bíblia a define mais precisamente: “O tema central da Bíblia, o tema em redor do qual giram todos os outros no livro, é o plano da redenção, a restauração da imagem de Deus no ser humano. […] Se consideramos [os textos bíblicos] em relação ao grande pensamento central, seu valor e alcance tornam-se imensos. Cada assunto ganha então um novo sentido.” (Educação, 125)
Tais passagens nos indicam o caminho a seguir para a leitura da Bíblia e dos escritos de Ellen White. Leiam para ter uma visão geral. Leiam para descobrir os grandes temas centrais. O alvo da revelação de Deus para a humanidade é a salvação. Esta salvação é orientada em direção a cruz de Cristo e nossa relação com Deus. Toda nossa leitura se situa neste contexto e as questões que são próximas do tema central são evidentemente maiores que as periféricas.
É nosso dever como cristãos nos preocuparmos mais com as questões centrais da Bíblia e dos escritos de Ellen White do que com as questões marginais. Se agirmos assim, as questões secundárias ficarão em seus lugares no contexto do “grande tema central” da revelação de Deus ao Seu povo. Por outro lado, concentrar-se em primeiro lugar nos assuntos secundários do cristianismo conduz não somente a compreensões deturpadas, mas cria também problemas na aplicação dos conselhos de Deus para a vida. Manter-se constantemente no limite de casos leva ao desequilíbrio e fanatismo.
Por outro lado, ler a partir dos “grandes temas principais” da Escritura nos ajuda a colocar tudo em sua própria perspectiva. É a via da saúde espiritual. É o ponto essencial que Jesus colocou em evidência, segundo os evangelhos, quando Ele procurava conduzir os Judeus de Seu tempo à compreensão do que era a verdadeira religião.
Jesus visava elaborar uma teologia do centro e não uma periférica. Ele deseja que façamos o mesmo. Deveríamos não somente ler tudo o que Ellen White escreveu do ponto de vista do “grande tema central do cristianismo”, mas ainda, ler cada livro particular ou cada capítulo, por sua contribuição maior à nossa compreensão deste tema. Ler “de forma cristã” é ler sob o ângulo do grande conflito entre o bem e o mal, sob o ângulo da cruz de Cristo.
Você pode ver todos os capítulos aqui