por Ellen White
Atos dos Apóstolos ou O Embaixadores
Este capítulo é baseado em Mateus 20: 7; 24: 14; João 3: 14; 4: 29, 41; Atos 8; 26: 8 – 11; Apocalipse 22: 17
Depois da morte de Estêvão, levantou-se em Jerusalém uma perseguição tão implacável contra os crentes que “todos foram dispersos pelas terras da Judeia e Samaria”. Atos 8:1. Saulo “assolava a igreja, entrando pelas casas: e, arrastando homens e mulheres, os encerrava na prisão”. Atos 8:3. De seu zelo nessa cruel obra, disse ele posteriormente: “Bem tinha eu imaginado que contra o nome de Jesus Nazareno devia eu praticar muitos atos; o que também fiz em Jerusalém. E, havendo recebido poder dos principais dos sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; […] e, castigando-os muitas vezes por todas as sinagogas, os obriguei a blasfemar. E, enfurecido demasiadamente contra eles, até nas cidades estranhas os persegui”. Atos 26:9-11. Que Estêvão não foi o único que sofreu a morte pode ser evidenciado das próprias palavras de Saulo: “E quando os matavam eu dava o meu voto contra eles”. Atos 26:9
Nesse tempo de perigo, Nicodemos veio destemidamente confessar sua fé no Salvador. Ele era membro do Sinédrio, e com outros tinha sido movido pelos ensinos de Jesus. Ao testemunhar as maravilhosas obras de Cristo, a convicção de que Ele era o enviado de Deus tomou posse de sua mente. Demasiado orgulhoso para se mostrar abertamente simpático ao Mestre galileu, havia procurado uma entrevista secreta. Nessa entrevista, Jesus desdobrara perante ele o plano da salvação e de Sua missão ao mundo; entretanto, Nicodemos hesitava ainda. Tinha a verdade no coração, e por três anos houve pouco fruto aparente. Mas, conquanto não tivesse publicamente reconhecido a Cristo, repetidamente havia ele no concílio do Sinédrio impedido os desígnios dos sacerdotes para destruí-Lo. Quando, afinal, Cristo foi levantado na cruz, Nicodemos se lembrou das palavras que Ele dissera na noite da entrevista no Monte das Oliveiras: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado” (João 3:14); e ele viu em Jesus o Redentor do mundo.
Com José de Arimatéia, Nicodemos tinha pago as despesas do sepultamento de Jesus. Os discípulos estavam temerosos de se mostrarem abertamente como seguidores de Cristo, mas Nicodemos e José corajosamente vieram em seu auxílio. O apoio desses ricos e honrados homens era grandemente necessário naquela hora de trevas. Eles puderam fazer por seu Mestre morto o que teria sido impossível para os pobres discípulos; e sua riqueza e influência os protegeram, em grande medida, da maldade dos sacerdotes e príncipes.
Então, quando os judeus procuravam destruir a igreja nascente, Nicodemos veio em sua defesa. Não mais cauteloso nem duvidando, encorajou a fé dos discípulos, e usou sua riqueza para ajudar a manter a igreja em Jerusalém, e no avanço da obra do evangelho. Os que noutros tempos o reverenciavam, agora o perseguiam e dele escarneciam; e ele tornou-se pobre em bens deste mundo, mas não esmoreceu na defesa de sua fé.
A perseguição que sobreveio à igreja de Jerusalém resultou em grande impulso para a obra do evangelho. O êxito havia acompanhado o ministério da Palavra nesse lugar, e havia o perigo de que os discípulos ali se demorassem por muito tempo, despreocupados da comissão que haviam recebido do Salvador de ir a todo o mundo. Esquecidos de que a força para resistir ao mal é melhor obtida pelo trabalho intenso, começaram a pensar que não havia para eles trabalho tão importante como o de proteger a igreja de Jerusalém dos ataques do inimigo. Em lugar de instruir os novos conversos para levarem o evangelho aos que ainda não o haviam ouvido, estavam em perigo de tomar um caminho que os levaria a se sentirem satisfeitos com o que já tinha sido alcançado. A fim de espalhar Seus representantes por outras partes do mundo, de maneira que pudessem trabalhar por outros, Deus permitiu que lhes sobreviesse a perseguição. Expulsos de Jerusalém, os crentes “iam por toda parte anunciando a Palavra”. Atos 8:4
Entre aqueles a quem o Salvador dera a missão: “Portanto ide, ensinai todas as nações” (Mateus 28:19), havia muitos que eram das camadas mais pobres, homens e mulheres que tinham aprendido a amar seu Senhor, e que decidiram seguir Seu exemplo de abnegado serviço. A esses humildes; bem como aos discípulos que tinham estado com o Salvador durante Seu ministério terrestre, fora confiado o precioso encargo. Deveriam levar ao mundo as alegres novas da salvação por meio de Cristo.
Quando foram espalhados pela perseguição, saíram cheios de zelo missionário. Compenetraram-se da responsabilidade de sua missão. Sabiam ter nas mãos o pão da vida para um mundo faminto; e eram constrangidos pelo amor de Cristo a distribuir esse pão a todos os que estivessem em necessidade. O Senhor agia por meio deles. Aonde quer que fossem, os doentes eram curados e aos pobres se pregava o evangelho.
Filipe, um dos sete diáconos, estava entre os que foram expulsos de Jerusalém. E “descendo Filipe à cidade de Samaria, lhes pregava a Cristo. E as multidões unanimemente prestavam atenção ao que Filipe dizia, porque ouviam e viam os sinais que ele fazia. Pois que os espíritos imundos saíam de muitos que os tinham, […] e muitos paralíticos e coxos eram curados. E havia grande alegria naquela cidade”. Atos 8:5-8.
A mensagem de Cristo à mulher samaritana com quem Ele falara junto ao poço de Jacó, tinha produzido fruto. Após ouvir Suas palavras, a mulher tinha ido aos habitantes da cidade, dizendo: “Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito: porventura não é este o Cristo?” Eles foram com ela, ouviram Jesus e creram nEle. Ansiosos por ouvir mais, suplicaram-Lhe que permanecesse com eles. Por dois dias, Ele Se demorou com eles, “e muitos mais creram nEle, por causa da Sua palavra”. João 4:29, 41
E quando Seus discípulos foram expulsos de Jerusalém, alguns encontraram seguro asilo em Samaria. Os samaritanos receberam bem os mensageiros do evangelho, e os judeus convertidos colheram preciosos frutos entre aqueles que uma vez foram seus mais fortes inimigos.
O trabalho de Filipe em Samaria foi assinalado por grande sucesso, e assim, encorajado, mandou pedir auxílio em Jerusalém. Os apóstolos, então, perceberam mais amplamente o sentido das palavras de Cristo: “Ser-Me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da Terra”. Atos 1:8
Quando Filipe ainda se encontrava em Samaria, foi-lhe determinado por um mensageiro celestial que fosse “para a banda do sul, ao caminho que desce de Jerusalém para Gaza” “E levantou-se, e foi”. Atos 8:26, 27. Ele não pôs em dúvida o chamado, nem hesitou em obedecer, pois havia aprendido a lição da conformidade com a vontade de Deus.
“E eis que um homem etíope, eunuco, mordomo-mor de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todos os seus tesouros, e tinha ido a Jerusalém para adoração, regressava e, assentado no seu carro, lia o profeta Isaías”. Atos 8:27, 28. Esse etíope era homem de boa posição e grande influência. Deus viu que, quando se convertesse, proporcionaria a outros a luz que recebera, e exerceria forte influência em favor do evangelho. Anjos de Deus estavam auxiliando esse inquiridor da luz, e ele estava sendo atraído para o Salvador. Pelo ministério do Espírito Santo, o Senhor o pôs em contato com quem o poderia guiar à luz.
Filipe foi dirigido a ir ao encontro do etíope e explicar-lhe a profecia que estava lendo. “Chega-te”, disse o Espírito, “e ajunta-te a esse carro”. Atos 8:29. Aproximando-se, Filipe perguntou ao eunuco: “Entendes tu o que lês? E ele disse: Como poderei entender, se alguém me não ensinar? E rogou a Filipe que subisse e com ele se assentasse”. Atos 8:31. A passagem que ele estava lendo era a profecia de Isaías relativa a Cristo: “Foi levado como a ovelha para o matadouro, e, como está mudo o cordeiro diante do que o tosquia, assim não abriu a Sua boca. Na Sua humilhação foi tirado o Seu julgamento; e quem contará a Sua geração? porque a Sua vida é tirada da Terra”. Atos 8:32, 33
“De quem diz isto o profeta?” perguntou o eunuco; “de si mesmo ou de algum outro?” Então, Filipe lhe apresentou a grande verdade da redenção. Começando com a mesma passagem, “lhe anunciou a Jesus”. Atos 8:34, 35
O coração do homem vibrava de interesse ao serem-lhe explicadas as Escrituras e, ao terminar o discípulo, estava pronto para aceitar a luz proporcionada. Ele não fez de sua elevada posição mundana uma desculpa para recusar o evangelho. “Indo eles caminhando, chegaram ao pé de alguma água, e disse o eunuco: Eis aqui água; que impede que eu seja batizado? E disse Filipe: É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus. E mandou parar o carro, e desceram ambos à água, tanto Filipe como o eunuco, e o batizou.
“E, quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe, e não o viu mais o eunuco; e, jubiloso, continuou o seu caminho. E Filipe se achou em Azoto, e, indo passando, anunciava o evangelho em todas as cidades, até que chegou a Cesaréia”. Atos 8:36-40
Esse etíope representa uma grande classe que necessita ser ensinada por missionários como Filipe — homens que ouvem a voz de Deus, e vão aonde Ele mandar. Muitos há que estão lendo as Escrituras sem compreender-lhes o verdadeiro significado. Em todo o mundo homens e mulheres olham atentamente para o Céu. De pessoas ansiosas por luz, graça e pelo Espírito Santo, sobem orações, lágrimas e indagações. Muitos estão no limiar do reino, esperando somente serem recolhidos.
Um anjo guiou Filipe àquele que procurava a luz, e que estava pronto para receber o evangelho; e hoje, anjos guiarão os passos dos obreiros que permitam ao Espírito Santo santificar-lhes a língua, educar e enobrecer-lhes o coração. O anjo enviado a Filipe poderia ter ele próprio feito a obra pelo etíope, mas essa não é a maneira de Deus agir. É Seu plano que os homens trabalhem por seus semelhantes.
Crentes de todos os séculos têm tomado parte na incumbência dada aos primeiros discípulos. Todos os que receberam o evangelho, receberam a sagrada verdade para repartir ao mundo. Os fiéis de Deus têm sido sempre destemidos missionários, consagrando seus recursos para a honra de Seu nome, e sabiamente usando seus talentos em Seu serviço.
A obra altruísta de cristãos do passado deveria ser uma lição objetiva e uma inspiração para nós. Os membros da igreja de Deus devem ser zelosos de boas obras, separando-se de ambições mundanas e seguindo nos passos dAquele que andou fazendo o bem. Com o coração repleto de simpatia e compaixão, devem eles ministrar aos que necessitam de auxílio, levando aos pecadores o conhecimento do amor do Salvador. Tal obra requer laboriosos esforços, mas produz rica recompensa. Os que nela se empenharem com sinceridade de propósito verão pessoas salvas para o Salvador; pois a influência que acompanha a atividade prática da divina missão é irresistível.
Não somente sobre o pastor ordenado repousa a responsabilidade de sair a cumprir essa missão. Todo indivíduo que haja recebido a Cristo é chamado a trabalhar pela salvação de seus semelhantes. “O Espírito e a esposa dizem: Vem. E quem ouve, diga: Vem” O dever de fazer este convite inclui a igreja toda. Todo o que tenha ouvido o convite, deve fazer ecoar a mensagem pelas colinas e vales, dizendo: “Vem”. Apocalipse 22:17
É erro fatal supor que a obra da salvação dependa só do ministério. O humilde e consagrado crente sobre quem o Senhor da vinha colocou a responsabilidade pelas pessoas, deve receber encorajamento daqueles a quem o Senhor deu maiores privilégios. Os que ocupam lugar de líderes na igreja de Deus devem sentir que a missão do Salvador é dada a todos os que crerem no Seu nome. Deus deseja enviar para a Sua vinha muitos que não foram consagrados ao ministério pela imposição das mãos.
Centenas, talvez milhares, que já ouviram a mensagem de salvação estão ainda ociosos na praça, quando podiam estar empenhados em algum setor de trabalho ativo. A esses Cristo está dizendo: “Por que estais ociosos todo o dia?” E acrescenta: “Ide vós também para a vinha”. Mateus 20:6, 7. Por que razão muitos mais não respondem ao chamado? Será porque se imaginam dispensados pelo fato de não ocuparem os púlpitos? Esses devem compreender que há uma vasta obra a ser feita fora do púlpito, por milhares de consagrados membros leigos.
Longamente tem Deus esperado que o espírito de serviço se apodere de toda a igreja, de maneira que cada um trabalhe para Ele segundo sua habilidade. Quando os membros da igreja de Deus fizerem a obra que lhes é indicada nos necessitados campos nacionais e estrangeiros, em cumprimento da comissão evangélica, todo o mundo será logo advertido, e o Senhor Jesus retornará à Terra com poder e grande glória. “E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim”. Mateus 24:14