Por Ellen White
O Desejado de Todas as Nações
Este capítulo é baseado em Salmo 117; Isaías 49: 4 – 5 ,7 – 10; Mateus 4: 4; 14: 30; 26: 31-32; Marcos 14: 29 – 31; João 5: 30; 6: 70; 12: 31; 13: 31 – 38; 14 – 17; 14:30; 16: 11; 17: 10; Atos 5: 28; Efésios 3: 18 – 19; 2 Coríntios 4: 18; Filipenses 2: 13; 1 João 3: 22; Apocalipse 1: 18 – 19
Olhando a Seus discípulos com divino amor e a mais terna simpatia, Cristo disse: “Agora é glorificado o Filho do homem, e Deus é glorificado nEle”. João 13:31. Judas deixara o cenáculo, e Cristo Se achava só com os onze. Estava para falar-lhes de Sua próxima separação deles; antes de fazê-lo, porém, salientou o grande objetivo de Sua missão, que Ele mantinha sempre diante de Si. Sua recompensa era que toda a Sua humilhação e sofrimento glorificassem o nome de Seu Pai. Para aí encaminha Ele primeiramente os pensamentos dos discípulos.
Então, dirigindo-Se a eles com a carinhosa expressão “Filhinhos”, disse: “ainda por um pouco estou convosco. Vós Me buscareis, e, como tinha dito aos judeus: para onde Eu vou não podeis vós ir; Eu vo-lo digo também agora”. João 13:33.
Os discípulos não se podiam regozijar ouvindo isto. Caiu sobre eles temor. Comprimiram-se em torno de Jesus. Seu Amo e Senhor, seu amado Mestre e Amigo, oh — era-lhes mais precioso do que a própria vida. A Ele se haviam dirigido em busca de auxílio em todas as suas perplexidades, de conforto em suas tristezas e decepções. E agora os ia deixar, solitário e dependente grupo! Sombrios foram os pressentimentos que lhes encheram o coração.
Mas as palavras que lhes dirigiu o Salvador foram cheias de esperança. Sabia que seriam assaltados pelo inimigo, e que os ardis de Satanás são mais bem-sucedidos contra os que se acham deprimidos pelas dificuldades. Dirigiu-os, portanto, das “coisas que se veem” às “que se não veem”. 2 Coríntios 4:18. Fê-los voltarem os pensamentos do exílio terrestre ao celeste lar.
“Não se turbe o vosso coração”, disse; “credes em Deus, crede também em Mim. Na casa de Meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, Eu vo-lo teria dito; vou preparar-vos lugar. E, se Eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para Mim mesmo, para que onde Eu estiver estejais vós também. Mesmo vós sabeis para onde vou, e conheceis o caminho”. João 14:1-4. Por amor de vós vim ao mundo. Estou trabalhando em vosso benefício. Quando Me for, continuarei ainda a trabalhar fervorosamente por vós. Vim ao mundo para revelar-Me a vós, para que pudésseis crer. Vou para o Pai para cooperar com Ele em vosso favor. O objetivo da partida de Jesus era o contrário daquilo que temiam os discípulos. Não significava uma separação definitiva. Ia preparar-lhes lugar, para que pudesse voltar, e recebê-los junto de Si. Enquanto lhes estava construindo mansões, eles deviam formar caráter à semelhança divina.
Ainda os discípulos estavam perplexos. Tomé, sempre turbado por dúvidas, disse: “Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho? Disse-lhes Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por Mim. Se vós Me conhecêsseis a Mim, também conheceríeis a Meu Pai; e já desde agora O conheceis e O tendes visto.” João 14:5-7.
Não há muitos caminhos para o Céu. Não pode cada um escolher o seu. Cristo diz: “Eu sou o caminho. […] Ninguém vem a Meu Pai, senão por Mim.” João 14:6.
Desde que foi pregado o primeiro sermão evangélico, quando no Éden se declarou que a semente da mulher havia de esmagar a cabeça da serpente, Cristo fora exaltado como o caminho, a verdade e a vida. Ele era o caminho ao tempo em que Adão vivia, quando Abel apresentava a Deus o sangue do cordeiro morto, representando o sangue do Redentor. Cristo foi o caminho pelo qual se salvaram patriarcas e profetas. Ele é o único caminho pelo qual podemos ter acesso a Deus.
“Se vós Me conhecêsseis a Mim”, disse Cristo, “também conheceríeis a Meu Pai; e já desde agora O conheceis e O tendes visto.” Mas nem então os discípulos compreenderam. “Senhor, mostra-nos o Pai”, exclamou Filipe, “o que nos basta.”
Admirado de sua falta de compreensão, Cristo perguntou com dolorosa surpresa: “Estou há tanto tempo convosco e não Me tendes conhecido, Filipe?” Será possível que não vejas o Pai nas obras que Ele faz por Meu intermédio? Não crês que vim testificar do Pai? “Como dizes tu: Mostra-nos o Pai?” “Quem Me vê a Mim vê o Pai”. João 14:7-9. Cristo não deixara de ser Deus ao tornar-Se homem. Conquanto Se houvesse humilhado até à humanidade, pertencia-Lhe ainda a divindade. Unicamente Cristo podia representar o Pai perante a humanidade, e essa representação haviam os discípulos tido o privilégio de contemplar por mais de três anos.
“Crede-Me que estou no Pai, e o Pai em Mim; crede-Me, ao menos, por causa das mesmas obras”. João 14:11. Sua fé podia repousar segura no testemunho dado nas obras de Cristo, obras que homem algum, de si mesmo, já realizou, nem poderia nunca realizar. Elas testificavam de Sua divindade. Por meio dEle Se revelara o Pai.
Se os discípulos cressem nessa vital ligação entre o Pai e o Filho, a fé os não abandonaria ao verem os sofrimentos e a morte de Cristo para salvar o mundo a perecer. Jesus os estava buscando levar, de seu baixo nível de fé, à experiência a que poderiam atingir, compreendessem na verdade o que Ele era — Deus em carne. Desejava que vissem dever sua fé conduzi-los acima, a Deus, ali permanecendo. Quão fervorosa e perseverantemente buscava nosso compassivo Salvador preparar os discípulos para a tempestade de tentação que os sacudiria em breve! Queria tê-los escondido com Ele em Deus.
Enquanto Cristo proferia estas palavras, a glória de Deus Lhe irradiava do semblante, e todos os presentes experimentaram um sagrado respeito ao escutar, com enlevada atenção, as Suas palavras. Seu coração foi mais decididamente arrastado para Ele; e ao serem atraídos para Cristo em maior amor, foram atraídos uns para os outros. Sentiram que o Céu estava muito próximo, e que as palavras que escutavam era uma mensagem a eles enviada por seu Pai celestial.
“Na verdade, na verdade vos digo”, continuou Cristo, “que aquele que crê em Mim também fará as obras que Eu faço”. João 14:12. O Salvador estava profundamente ansioso para que Seus discípulos compreendessem para que fim Sua divindade estava unida à humanidade. Ele veio ao mundo para manifestar a glória de Deus, a fim de que o homem fosse erguido por Seu poder restaurador. Deus Se revelou nEle, para que Se pudesse manifestar neles. Jesus não revelou qualidades, nem exerceu poderes que os homens não possam possuir mediante a fé nEle. Sua perfeita humanidade é a que todos os Seus seguidores podem possuir, se forem sujeitos a Deus como Ele o foi.
“E as fará maiores do que estas; porque Eu vou para Meu Pai.” Por estas palavras Cristo não queria dizer que as obras dos discípulos seriam de um mais exaltado caráter que as Suas, mas que seriam de maior extensão. Ele não Se refere meramente à operação de milagres, mas a tudo quanto se realiza sob a operação do Espírito Santo.
Depois da ascensão do Senhor, os discípulos compreenderam o cumprimento de Sua promessa. As cenas da crucifixão, ressurreição e ascensão de Cristo foram para eles vivas realidades. Viram que as profecias se haviam cumprido literalmente. Examinaram as Escrituras, e aceitaram-lhes o ensino com fé e segurança anteriormente desconhecidas. Sabiam que o divino Mestre era tudo quanto afirmava ser. Ao contarem o que haviam experimentado, e exaltarem o amor de Deus, o coração dos homens abrandava-se e rendia-se, e multidões criam em Jesus.
A promessa do Salvador a Seus discípulos, é uma promessa a Sua igreja até ao fim dos séculos. Não era o desígnio de Deus que Seu maravilhoso plano para redimir os homens realizasse apenas insignificantes resultados. Todos quantos se puserem ao trabalho, não confiando no que eles próprios possam fazer, mas no que Deus por eles e por intermédio deles possa realizar, hão de certamente ver o cumprimento de Sua promessa. “E as fará maiores do que estas”, declara Ele, “porque Eu vou para Meu Pai.”
Até então os discípulos não estavam familiarizados com os ilimitados recursos e poder do Salvador. Disse-lhes Ele: “Até agora nada pedistes em Meu nome”. João 16:24. Explicou que o segredo de seu êxito estaria em pedir forças e graça em Seu nome. Ele estaria diante do Pai para fazer a petição por eles. A prece do humilde suplicante, apresenta-a como Seu próprio desejo em favor daquela alma. Toda sincera oração é ouvida no Céu. Talvez não seja expressa fluentemente; mas se nela estiver o coração, ascenderá ao santuário em que Jesus ministra, e Ele a apresentará ao Pai sem uma palavra desalinhada, sem uma dificuldade de enunciação, bela e fragrante com o incenso de Sua própria perfeição.
O caminho da sinceridade e integridade não é isento de obstáculos, mas em cada dificuldade devemos ver um chamado à oração. Não existe nenhum vivente dotado de qualquer poder que não o haja recebido de Deus, e a fonte de onde ele vem está aberta ao mais fraco dos seres humanos. “Tudo quanto pedirdes em Meu nome”, disse Jesus, “Eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes alguma coisa em Meu nome, Eu o farei”. João 14:13, 14.
“Em Meu nome” ordenou Jesus aos discípulos que orassem. No nome de Cristo Seus seguidores devem subsistir diante de Deus. Graças ao valor do sacrifício feito por eles, são estimados aos olhos do Senhor. Em virtude da imputada justiça de Cristo, são reputados preciosos. Por amor de Cristo o Senhor perdoa aos que O temem. Não vê neles a vileza do pecador. Neles reconhece a semelhança de Seu Filho, em quem eles creem.
O Senhor fica decepcionado quando Seu povo se estima como de pouco valor. Deseja que Sua escolhida herança se avalie segundo o preço que Ele lhe deu. Deus a queria, do contrário não enviaria Seu Filho em tão dispendiosa missão de a redimir. Tem para eles uma utilidade, e agrada-Se muito quando Lhe fazem os maiores pedidos, a fim de que Lhe glorifiquem o nome. Podem esperar grandes coisas, se têm fé em Suas promessas.
Mas orar em nome de Cristo significa muito. Quer dizer que havemos de aceitar-Lhe o caráter, manifestar-Lhe o espírito e fazer Suas obras. A promessa do Salvador é dada sob condição. “Se Me amardes”, diz, “guardareis os Meus mandamentos”. João 14:15. Ele salva os homens, não em pecado, mas do pecado; e os que O amam manifestarão seu amor pela obediência.
Toda a verdadeira obediência vem do coração. Deste procedia também a de Cristo. E se consentirmos, Ele por tal forma Se identificará com os nossos pensamentos e ideais, dirigirá nosso coração e espírito em tanta conformidade com o Seu querer, que, obedecendo-Lhe, não estaremos senão seguindo nossos próprios impulsos. A vontade, refinada, santificada, encontrará seu mais elevado deleite em fazer o Seu serviço. Quando conhecermos a Deus como nos é dado o privilégio de O conhecer, nossa vida será de contínua obediência. Mediante o apreço do caráter de Cristo, por meio da comunhão com Deus, o pecado se nos tornará aborrecível.
Como Cristo viveu a lei na humanidade, assim podemos fazer, se nos apegarmos ao Forte em busca de força. Mas não devemos pôr a responsabilidade de nosso dever sobre outros, e esperar que eles nos digam o que fazer. Não podemos depender da humanidade quanto a conselhos. O Senhor nos ensinará nosso dever com tanta boa vontade como o faz a qualquer outro. Se a Ele nos achegarmos com fé, transmitir-nos-á pessoalmente os Seus mistérios. Nosso coração arderá muitas vezes dentro de nós ao aproximar-Se Alguém para comungar conosco como fez com Enoque. Os que decidem não fazer, em qualquer sentido, coisa alguma que desagrade a Deus, depois de Lhe apresentarem seu caso saberão a orientação que hão de tomar. E não receberão unicamente sabedoria, mas força. Ser-lhes-á comunicado poder para a obediência e para o serviço, assim como Cristo prometeu. Tudo quanto foi dado a Cristo — “todas as coisas” para suprir as necessidades dos homens caídos — foi-Lhe dado como Cabeça e Representante da humanidade. E “qualquer coisa que Lhe pedirmos, dEle a receberemos; porque guardamos os Seus mandamentos, e fazemos o que é agradável à Sua vista”. 1 João 3:22.
Antes de Se oferecer como a vítima sacrifical, Cristo buscou o mais essencial e completo dom para outorgar a Seus seguidores, um dom que lhes poria ao alcance os ilimitados recursos da graça. “Eu rogarei ao Pai”, disse, “e Ele vos dará outro Consolador para que fique convosco para sempre; o Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não O vê nem O conhece; mas vós O conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós”. João 14:16-18.
Antes disso, o Espírito havia estado no mundo; desde o próprio início da obra de redenção Ele estivera atuando no coração dos homens. Mas enquanto Cristo estava na Terra, os discípulos não tinham desejado nenhum outro auxiliador. Não seria senão depois que fossem privados de Sua presença, que experimentariam a necessidade do Espírito, e então Ele havia de vir.
O Espírito Santo é o representante de Cristo, mas despojado da personalidade humana, e dela independente. Limitado pela humanidade, Cristo não poderia estar em toda parte em pessoa. Era, portanto, do interesse deles que fosse para o Pai, e enviasse o Espírito como Seu sucessor na Terra. Ninguém poderia ter então vantagem devido a sua situação ou seu contato pessoal com Cristo. Pelo Espírito, o Salvador seria acessível a todos. Nesse sentido, estaria mais perto deles do que se não subisse ao alto.
“Aquele que Me ama será amado de Meu Pai, e Eu o amarei, e Me manifestarei a ele”. João 14:21. Jesus lia o futuro de Seus discípulos. Via um ser levado ao cadafalso, outro à cruz, um terceiro exilado entre os solitários rochedos do mar, outros ainda perseguidos e mortos. Animou-os com a promessa de que, em toda provação estaria com eles. Aquela promessa não perdeu nada de sua força. O Senhor conhece tudo a respeito de Seus fiéis servos que, por amor dEle, jazem numa prisão, ou são banidos para ilhas solitárias. Conforta-os com Sua presença. Quando por amor da verdade o crente comparece à barra de injustos tribunais, Cristo se encontra a seu lado. Toda injúria que cai sobre eles, cai sobre Cristo. Ele é condenado outra vez, na pessoa de Seus discípulos. Quando uma pessoa se acha entre as paredes de um cárcere, Cristo lhe arrebata o coração com Seu amor. Quando alguém sofre a morte por Sua causa, Ele diz: “Eu sou […] o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre.[…] E tenho as chaves da morte e do inferno”. Apocalipse 1:18. A vida que por Mim é sacrificada, conserva-se para a glória eterna.
Em todos os tempos e lugares, em todas as dores e aflições, quando a perspectiva se afigura sombria e cheio de perplexidade o futuro, e nos sentimos desamparados e sós, o Consolador será enviado em resposta à oração da fé. As circunstâncias podem-nos separar de todos os amigos terrestres; nenhuma, porém, nem mesmo a distância, nos pode separar do celeste Consolador. Onde quer que estejamos, aonde quer que vamos, Ele Se encontra sempre à nossa direita, para apoiar, suster, erguer e animar.
Os discípulos ainda deixaram de compreender as palavras de Cristo em seu sentido espiritual, e novamente Ele lhes explicou sua significação. Pelo Espírito, disse, manifestar-Se-ia a eles. “Aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em Meu nome, Esse vos ensinará todas as coisas”. João 14:26. Não mais haveis de dizer: Não posso compreender. Não mais vereis por um espelho, imperfeitamente. Sereis capazes “de compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento”. Efésios 3:18, 19.
Os discípulos deviam dar testemunho da vida e obra de Cristo.Por meio de suas palavras, Ele falaria a todo o povo na face da Terra. Mas na humilhação e morte de Cristo deviam eles sofrer grande prova e decepção. Para que, depois, Sua palavra pudesse ser exata, Jesus prometeu que o Consolador os faria “lembrar de tudo quanto vos tenho dito”.
“Ainda tenho muito que voz dizer”, continuou Ele, “mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, Ele vos guiará em toda a verdade, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir. Ele Me glorificará, porque há de receber do que é Meu, e vo-lo há de anunciar”. João 16:12-14. Jesus desvendara a Seus discípulos uma vasta porção da verdade. Mas era-lhes demasiado difícil manterem Suas lições, separadas das tradições e máximas dos escribas e fariseus. Tinham sido ensinados a receber os ensinos dos rabis como a própria voz de Deus, e isso ainda exercia domínio sobre seu espírito, moldando-lhes os sentimentos. Ideias terrenas, coisas temporais, ocupavam ainda amplo espaço em seus pensamentos. Não entendiam a natureza espiritual do reino de Cristo, embora Ele lho houvesse tantas vezes explicado. A mente se lhes tinha tornado confusa. Não compreendiam o valor das Escrituras apresentadas por Cristo. Dir-se-iam perdidas muitas de Suas lições para eles. Jesus viu que não apreendiam o verdadeiro sentido de Suas palavras. Prometeu compassivamente que o Espírito Santo lhes havia de trazer essas palavras à memória. E deixara por dizer muitas coisas que os discípulos não compreendiam. A essas também o Espírito lhes abriria o entendimento, para que apreciassem as coisas celestiais. “Quando vier aquele Espírito de Verdade”, disse Jesus, “Ele vos guiará em toda a verdade”. João 16:13.
O Consolador é chamado “o Espírito de verdade”. Sua obra é definir e manter a verdade. Ele primeiro habita o coração como o Espírito de verdade, e torna-Se assim o Consolador. Há conforto e paz na verdade, mas nenhuma paz ou conforto real se pode achar na falsidade. É por meio de falsas teorias e tradições que Satanás adquire seu domínio sobre a mente. Encaminhando os homens para falsas normas, deforma o caráter. Por intermédio das Escrituras o Espírito Santo fala à mente, e grava a verdade no coração. Assim expõe o erro, expelindo-o da alma. É pelo Espírito de verdade, operando pela Palavra de Deus, que Cristo submete a Si Seu povo escolhido.
Descrevendo aos discípulos a obra oficial do Espírito Santo, Jesus procurou inspirar-lhes a alegria e esperança que Lhe animavam o próprio coração. Regozijava-Se Ele pelas abundantes medidas que providenciara para auxílio de Sua igreja. O Espírito Santo era o mais alto dos dons que Ele podia solicitar do Pai para exaltação de Seu povo. Ia ser dado como agente de regeneração, sem o qual o sacrifício de Cristo de nenhum proveito teria sido. O poder do mal se estivera fortalecendo por séculos, e alarmante era a submissão dos homens a esse cativeiro satânico. Ao pecado só se poderia resistir e vencer por meio da poderosa operação da terceira pessoa da Divindade, a qual viria, não com energia modificada, mas na plenitude do divino poder. É o Espírito que torna eficaz o que foi realizado pelo Redentor do mundo. É por meio do Espírito que o coração é purificado. Por Ele torna-se o crente participante da natureza divina. Cristo deu Seu Espírito como um poder divino para vencer toda tendência hereditária e cultivada para o mal, e gravar Seu próprio caráter em Sua igreja.
Disse Jesus a respeito do Espírito: “Ele Me glorificará.” O Salvador veio glorificar o Pai pela demonstração de Seu amor; assim o Espírito havia de glorificar a Cristo, revelando ao mundo a Sua graça. A própria imagem de Deus tem de ser reproduzida na humanidade. A honra de Deus, a honra de Cristo, acha-se envolvida no aperfeiçoamento do caráter de Seu povo.
“E quando Ele [o Espírito de verdade] vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça e do juízo”. João 16:8. A pregação da Palavra não será de nenhum proveito sem a contínua presença e ajuda do Espírito Santo. Este é o único Mestre eficaz da verdade divina. Unicamente quando a verdade chega ao coração acompanhada pelo Espírito, vivificará a consciência e transformará a vida. Uma pessoa pode ser capaz de apresentar a letra da Palavra de Deus, pode estar familiarizada com todos os seus mandamentos e promessas; mas a menos que o Espírito Santo impressione o coração com a verdade, alma alguma cairá sobre a Rocha e se despedaçará. A mais esmerada educação, as maiores vantagens, não podem tornar uma pessoa um veículo de luz sem a cooperação do Espírito de Deus. A semeadura da semente evangélica não terá êxito algum a menos que essa semente seja vivificada pelo orvalho do Céu. Antes de ser escrito um livro do Novo Testamento, antes de ser pregado qualquer sermão depois da ascensão de Cristo, o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos em oração. Então seus inimigos deram o testemunho: “Enchestes Jerusalém desta vossa doutrina”. Atos dos Apóstolos 5:28.
Cristo prometeu o dom do Espírito Santo a Sua igreja, e essa promessa nos pertence, da mesma maneira que aos primeiros discípulos. Mas, como todas as outras promessas, é dada sob condições. Muitos há que creem e professam reclamar a promessa do Senhor; falam acerca de Cristo e acerca do Espírito Santo, e todavia não recebem benefício. Não entregam a vida para ser guiada e regida pelas forças divinas. Não podemos usar o Espírito Santo. Ele é que deve servir-Se de nós. Mediante o Espírito opera Deus em Seu povo “tanto o querer como o efetuar, segundo a Sua boa vontade”. Filipenses 2:13. Mas muitos não se submeterão a isto. Querem dirigir a si mesmos. É por isso que não recebem o celeste dom. Unicamente aos que esperam humildemente em Deus, que estão atentos à Sua guia e graça, é concedido o Espírito. O poder de Deus aguarda que O peçam e O recebam. Essa prometida bênção, reclamada pela fé, traz após si todas as outras bênçãos. É concedida segundo as riquezas da graça de Cristo, e Ele está pronto a suprir toda alma segundo sua capacidade para receber.
Em Seu discurso aos discípulos, Jesus não fez nenhuma triste alusão a Seus próprios sofrimentos e morte. Foi de paz Seu último legado a eles. Disse: “Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou: não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração nem se atemorize”. João 14:27.
Antes de deixar o cenáculo, o Salvador dirigiu os discípulos num hino de louvor. Sua voz se fez ouvir, não nos acentos de uma dolorosa lamentação, mas nas jubilosas notas da aleluia pascoal: “Louvai ao Senhor, todas as nações, louvai-O todos os povos. Porque a Sua benignidade é grande para conosco, e a verdade do Senhor é para sempre. Louvai ao Senhor”. Salmos 117.
Depois do hino, saíram. Atravessaram as ruas, saindo pela porta da cidade em direção do monte das Oliveiras. Lentamente caminhavam, preocupado cada um com seus próprios pensamentos. Ao começarem a descer para o monte, Jesus disse, num tom de profunda tristeza: “Todos vós esta noite vos escandalizareis em Mim; porque está escrito: Ferirei o Pastor, e as ovelhas do rebanho se dispersarão”. Mateus 26:31. Os discípulos escutaram contristados e possuídos de espanto. Lembravam-se de como, na sinagoga de Cafarnaum, quando Cristo falara de Si mesmo como o pão da vida, muitos se escandalizaram, afastando-se dEle. Os doze, porém, não se tinham mostrado infiéis. Pedro, falando por seus irmãos, declarara sua lealdade a Cristo. Então o Salvador dissera: “Não vos escolhi a vós os doze? e um de vós é um diabo”. João 6:70. No cenáculo Jesus dissera que um dos doze O havia de trair, e que Pedro O negaria. Mas agora Suas palavras os incluíam a todos.
Então se fez ouvir a voz de Pedro protestando veemente: “Ainda que todos se escandalizem, nunca porém, eu”. No cenáculo, declarara: “Por Ti darei a minha vida.” Jesus o advertira de que naquela mesma noite negaria seu Salvador. Agora Cristo repete a advertência: “Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes Me negarás.” Mas Pedro apenas “disse com mais veemência: Ainda que me seja necessário morrer contigo, de modo nenhum Te negarei. E da mesma maneira diziam todos também”. Marcos 14:29, 30, 31.Em sua confiança de si mesmos, negaram a repetida declaração dAquele que é Onisciente. Não estavam preparados para a prova; quando a tentação os assaltasse, compreenderiam a própria fraqueza.
Quando Pedro disse que seguiria seu Senhor à prisão e à morte, era sincero em cada palavra proferida; mas não conhecia a si mesmo. Ocultos em seu coração havia elementos de mal que as circunstâncias fariam germinar. A menos que ele fosse levado à consciência de seu perigo, esses elementos se demonstrariam sua eterna ruína. O Salvador viu nele um amor-próprio e segurança que sobrepujariam mesmo o amor de Cristo. Em sua vida se revelara muito de enfermidade, pecado não mortificado, descuido de espírito, gênio não santificado e temeridade para entrar em tentação. A solene advertência de Cristo era um chamado a exame de coração. Pedro necessitava desconfiar de si mesmo, e ter maior fé em Cristo. Houvesse ele recebido com humildade a advertência, e teria recorrido ao Pastor do rebanho para que guardasse Sua ovelha. Quando, no mar da Galileia, se achava prestes a submergir, clamara: “Senhor, salva-me!” Mateus 14:30. Então a mão de Cristo se estendera para segurar a sua. Assim agora, se clamasse a Jesus: Salva-me de mim mesmo teria sido guardado. Pedro sentiu, porém, que lhe faltavam com a confiança, e julgou isso cruel. Estava já ofendido, e mais persistente se tornou na confiança própria.
Jesus contempla compassivamente os discípulos. Não os pode salvar da provação, mas não os deixa sem conforto. Assegura-lhes que há de quebrar as cadeias do sepulcro, e que Seu amor por eles não falhará. “Mas, depois de Eu ressuscitar”, diz, “irei adiante de vós para a Galiléia”. Mateus 26:32. Antes que O negassem, receberam a certeza do perdão. Depois de Sua morte e ressurreição, sabiam achar-se perdoados, e ser caros ao coração de Cristo.
Jesus e os discípulos estavam a caminho para o Getsêmani, ao pé do monte Olivete, retirado lugar que Ele visitara muitas vezes para meditar e orar. O Salvador estivera expondo aos discípulos a missão que O trouxera ao mundo, e a relação espiritual que deveriam manter para com Ele. Ilustra em seguida a lição. A Lua esparge sua clara luz, revelando-Lhe uma florescente videira. Atraindo para ela a atenção dos discípulos, emprega-a como símbolo.
“Eu sou a Videira verdadeira”, diz Ele. Em vez de escolher a graciosa palmeira, o altaneiro cedro, ou o vigoroso carvalho, Jesus toma a videira com suas gavinhas para representar a Si mesmo. A palmeira, o cedro e o carvalho mantêm-se de pé por si sós. Não exigem apoio. Mas a videira se entrelaça na grade, e assim cresce em direção do céu. Assim Cristo, em Sua humanidade, dependia do poder divino. “Eu não posso de Mim mesmo fazer coisa alguma” (João 5:30), declarou Ele.
“Eu sou a Videira verdadeira.” Os judeus haviam sempre considerado a videira como a mais nobre das plantas, e uma imagem de tudo quanto é poderoso, excelente e frutífero. Israel fora representado por uma videira plantada pelo Senhor na terra prometida. Os judeus baseavam sua esperança de salvação em sua ligação com Israel. Mas Jesus diz: Eu sou a Videira verdadeira. Não penseis que, devido à ligação com Israel, podeis tornar-vos participantes da vida de Deus, e herdeiros de Sua promessa. Unicamente por Mim é recebida a vida espiritual.
“Eu sou a Videira verdadeira, e Meu Pai é o Lavrador”. João 15:1. Nos montes da Palestina plantou nosso Pai celestial esta boa Videira, e Ele próprio era o Lavrador. Muitos foram atraídos pela beleza dessa Videira, reconhecendo-Lhe a origem celeste. Mas aos guias de Israel Ele parecia como uma raiz de terra seca. Tomaram a planta e esmagaram-na, pisando-a sob os pés profanos. Sua ideia era destruí-la para sempre. Mas o celeste Lavrador nunca perdeu de vista a Sua planta. Quando os homens pensavam que a tinham matado, Ele a tomou e plantou-a do outro lado do muro. O tronco não mais devia ser visível. Estava oculto dos cruéis assaltos dos homens. Mas os ramos da Videira pendiam por sobre o muro. Eles a deviam representar. Por meio deles ainda se poderiam unir enxertos à Videira. Destes se obtiveram frutos. Houve uma colheita, da qual aproveitaram os transeuntes.
“Eu sou a Videira, vós as varas” (João 15:5), disse Cristo aos discípulos. Embora estivesse para ser afastado deles, sua união espiritual com Ele devia permanecer imutável. A ligação dos ramos com a videira, disse, representa a relação que deveis manter comigo. O renovo é enxertado na videira viva e, fibra por fibra, veia por veia, imerge no tronco. A vida da videira torna-se a vida do ramo. Assim a alma morta em ofensas e pecados recebe vida mediante a ligação com Cristo. Pela fé nEle como Salvador pessoal, forma-se esta união. O pecador une a sua fraqueza à força de Cristo, seu vazio à plenitude dEle, sua fragilidade à perdurável resistência do Salvador. Assim ele possui a mente de Cristo. Sua humanidade tocou a nossa e nossa humanidade tocou a divindade. Assim, pela operação do Espírito Santo, o homem torna-se participante da natureza divina. É aceito no Amado.
Uma vez formada, esta união com Cristo deve ser mantida. Disse Cristo: “Estai em Mim, e Eu em vós: como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós, se não estiverdes em Mim”. João 15:4. Isto não é um contato casual, ora sim ora não. O ramo torna-se uma parte da videira viva. A comunicação de vida, força e fertilidade da raiz aos ramos é livre e constante. Separado da videira, o ramo não pode viver. Tampouco, disse Jesus, podeis vós viver separados de Mim. A vida que de Mim recebestes só pode ser conservada por meio de contínua comunhão. Sem Mim não podeis vencer um só pecado, ou resistir a uma única tentação.
“Estai em Mim, e Eu em vós.” Permanecer em Cristo significa receber constantemente de Seu Espírito, uma vida de inteira entrega a Seu serviço. As vias de comunicação entre o homem e seu Deus devem achar-se de contínuo desimpedidas. Como o ramo tira sem cessar a seiva da videira viva, assim nos devemos apegar a Cristo, e dEle receber, pela fé, a força e perfeição de Seu próprio caráter.
A raiz, por meio dos galhos, envia a nutrição aos mais afastados ramos. Assim comunica Jesus a todo crente a corrente do vigor espiritual. Enquanto a alma estiver unida a Cristo, não há perigo de que seque ou se corrompa.
A vida da videira manifestar-se-á em fragrantes frutos nos ramos. “Quem está em Mim”, disse Jesus, “e Eu nele, esse dá muito fruto; porque sem Mim nada podeis fazer”. João 15;5. Quando vivemos pela fé no Filho de Deus, os frutos do Espírito se manifestarão em nossa vida; nenhum faltará.
“Meu Pai é o Lavrador. Toda a vara em Mim, que não dá fruto, a tira”. João 15:1, 2. Conquanto o enxerto esteja externamente unido à videira, pode não haver nenhuma ligação vital. Então não haverá crescimento ou fertilidade. Assim pode haver uma aparente conexão com Cristo, sem uma real união com Ele pela fé. Uma profissão de religião introduz os homens na igreja, mas o caráter e a conduta mostram se eles se acham em ligação com Cristo. Se não dão frutos, são falsas varas. Sua separação de Cristo envolve uma ruína tão completa como a que é representada pela vara seca. “Se alguém não estiver em Mim”, disse Cristo, “será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem”. João 15:6.
“E limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto”. João 15:2. Dos doze escolhidos que haviam seguido a Jesus, um, como ramo seco, estava para ser tirado; o resto devia passar pelo podão de amarga prova.Com solene ternura, Jesus explicou o desígnio do lavrador. A poda ocasionará dor, mas é o Pai que aplica o podão. Ele não trabalha com mão impensada nem coração indiferente. Há ramos que se arrastam pelo chão; estes devem ser soltos dos pontos de apoio da terra, a que se apegam as tenras gavinhas. Devem estender-se em direção ao céu, para encontrar em Deus seu sustentáculo. A excessiva folhagem que tira ao fruto a corrente vital, tem de ser podada; cortado, o excesso de ramos, a fim de dar lugar aos saneadores raios do Sol da Justiça. O lavrador corta os rebentos prejudiciais, para que o fruto seja mais rico e abundante.
“Nisto é glorificado Meu Pai”, disse Jesus, “que deis muito fruto”. João 15:8. Deus deseja manifestar por meio de vós a santidade, a beneficência, a compaixão de Seu próprio caráter. Todavia o Salvador não ordena aos discípulos que se atropelem para produzir frutos. Diz-lhes que permaneçam nEle. “Se vós estiverdes em Mim”, diz, “e as Minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito”. João 15:7. É por meio da Palavra que Cristo habita em Seus seguidores. Esta é a mesma vital união representada por comer Sua carne e beber Seu sangue. As palavras de Cristo são espírito e vida. Recebendo-as, recebeis a vida da Videira. Viveis “de toda a palavra que sai da boca de Deus”. Mateus 4:4. A vida de Cristo em vós produz os mesmos frutos que nEle. Vivendo em Cristo, aderindo a Ele, por Ele sustentados, e dEle tirando a nutrição, dareis frutos segundo a Sua semelhança.
Nessa última reunião de Jesus com Seus discípulos, o grande desejo por Ele manifestado em seu favor, foi de que se amassem uns aos outros como Ele mesmo os amara. Falou-lhes repetidamente a esse respeito. “O Meu mandamento é este”, disse por diversas vezes, “que vos ameis uns aos outros”. João 15:12. Foi mesmo a primeira recomendação que lhes fez ao achar-Se a sós com eles no cenáculo: “Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como Eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis”. João 13:34. Para os discípulos, este foi um novo mandamento; pois eles não haviam amado uns aos outros como Cristo os amara. Ele viu que novas ideias e impulsos os deviam dominar; que novos princípios tinham de ser por eles seguidos; por meio de Sua vida e morte, deviam receber uma nova concepção do amor. O mandamento de se amarem uns aos outros tinha uma nova significação em face de Seu sacrifício. Toda a obra da graça é um contínuo serviço de amor, de abnegação, de esforço com sacrifício. Durante cada hora da peregrinação de Cristo na Terra, o amor de Deus dEle brotava em irreprimíveis correntes. Todos quantos são possuídos de Seu espírito, hão de amar como Ele amou. O mesmo princípio que atuava em Cristo, há de atuar neles em todo o seu trato uns com os outros.
Esse amor é o testemunho de seu discipulado. “Nisto todos conhecerão que sois Meus discípulos”, disse Jesus, “se vos amardes uns aos outros”. João 13:35. Quando os homens se ligam entre si, não pela força do interesse pessoal, mas pelo amor, mostram a operação de uma influência que é superior a toda influência humana. Onde existe esta unidade, é evidente que a imagem de Deus está sendo restaurada na humanidade, que foi implantada nova vida. Mostra que há na natureza divina poder para deter os sobrenaturais agentes do mal, e que a graça de Deus subjuga o egoísmo inerente ao coração natural.
Esse amor manifestado na igreja, há de por certo incitar a ira de Satanás. Cristo não estabelece para Seus discípulos um caminho fácil. “Se o mundo vos aborrece”, diz Ele, “sabei que, primeiro do que a vós, Me aborreceu a Mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas, porque não sois do mundo, antes Eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos aborrece. Lembrai-vos da palavra que vos disse: Não é o servo maior do que o seu Senhor. Se a Mim Me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardaram a Minha palavra, também guardarão a vossa. Mas tudo isto vos farão por causa do Meu nome; porque não conhecem Aquele que Me enviou”. João 15:18-21. O evangelho deve ser levado avante por ativa luta, em meio de oposição, perigo, prejuízo e sofrimento. Mas os que fazem esta obra estão apenas seguindo os passos do Mestre.
Como Redentor do mundo, Cristo foi constantemente confrontado por aparentes fracassos. Ele, o Mensageiro da misericórdia ao nosso mundo, pouco parecia fazer da obra que anelava realizar em erguer e salvar. Satânicas influências estavam sempre operando para Lhe obstar o caminho. Mas Ele não Se desanimava. Através da profecia de Isaías, declara: “Em vão tenho trabalhado, inútil e vã mente gastei as Minhas forças; todavia o Meu direito está perante o Senhor, e o Meu galardão perante o Meu Deus.[…] Israel se deixou ajuntar; contudo aos olhos do Senhor serei glorificado, e o Meu Deus será a Minha força.” É a Cristo que é feita a promessa: “Assim diz o Senhor, o Redentor de Israel, o Santo, à alma desprezada, ao que as nações abominam. […] Assim diz o Senhor: […] Te guardarei, e Te darei por concerto do povo, para restaurares a Terra, e lhes dares em herança as herdades assoladas; para dizeres aos presos: Saí; e aos que estão em trevas: Aparecei. […] Nunca terão fome nem sede, nem a calma nem o Sol os afligirá; porque o que Se compadece deles os guiará, e os levará mansamente aos mananciais”. Isaías 49:4, 5, 7-10.
Nessa palavra repousava Jesus, e não deu lugar a Satanás. Quando estavam para ser dados os últimos passos na humilhação de Cristo, quando Sua alma estava sendo envolvida pela mais profunda aflição, Ele disse aos discípulos: “… se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em Mim”. João 14:30. “O príncipe deste mundo está julgado”. João 16:11. “Agora será expulso”. João 12:31. Com profética visão, Cristo traçou as cenas a terem lugar em Seu último e grande conflito. Sabia que, quando exclamasse: “Está consumado” (João 19:30), todo o Céu havia de triunfar. Seu ouvido colheria a distante música e os brados de vitória nas cortes celestes. Sabia que havia de soar então o dobre a finados do império de Satanás, e o nome de Cristo seria anunciado de mundo em mundo por todo o Universo.
Cristo regozijava-Se de poder fazer mais em benefício de Seus seguidores, do que eles seriam capazes de pedir ou pensar. Falava com segurança, sabendo que fora dado, já antes da fundação do mundo, um onipotente decreto. Sabia que a verdade, armada com a onipotência do Espírito Santo, havia de vencer na contenda com o mal; e a ensanguentada bandeira flutuaria triunfalmente sobre Seus seguidores. Sabia que a vida de Seus confiantes discípulos seria como a Sua, uma série de ininterruptas vitórias, que aqui não pareceriam sê-lo, mas reconhecidas como tais no grande porvir.
“Tenho-vos dito isto”, disse, “para que em Mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo”. João 16:33. Cristo não falhou, nem Lhe faleceu o ânimo, e Seus seguidores têm de manifestar uma fé de natureza assim resistente. Cumpre-lhes viver como Ele viveu, e trabalhar como Ele trabalhou, pois nEle confiam como o grande Obreiro-Mestre. Valor, energia e perseverança devem eles possuir. Conquanto aparentes impossibilidades lhes entravem o caminho, por Sua graça hão de ir avante. Em lugar de deplorar as dificuldades, são convidados a transpô-las. Não devem desesperar de coisa alguma, mas esperar tudo.Com a áurea cadeia de Seu incomparável amor, tem-nos Cristo ligado ao trono de Deus. É Seu desígnio que lhes pertença a mais alta influência do Universo, influência que emana da fonte de todo o poder. Têm de ter força para resistir ao mal, força que nem a Terra, nem a morte, nem o inferno podem dominar; força que os habilitará a vencer como Cristo venceu.
É intuito de Cristo que a ordem celeste, o celeste plano de governo e a divina harmonia celeste, sejam representadas em Sua igreja na Terra. Assim é Ele glorificado em Seu povo. Por meio deles, o Sol da Justiça resplandecerá sobre o mundo com não empanado brilho. Cristo deu a Sua igreja amplas faculdades, de modo a poder receber abundantes retribuições de glória da parte de Sua remida, comprada possessão. Concedeu a Seu povo capacidade e bênçãos para que representassem Sua própria suficiência. A igreja, dotada com a justiça de Cristo, é Sua depositária, nela se devendo revelar as riquezas de Sua misericórdia, Sua graça em plena e final manifestação. Cristo considera Seu povo, em sua pureza e perfeição, como a recompensa de Sua humilhação, e o suplemento de Sua glória — sendo Ele mesmo o grande Centro, de quem toda a glória irradia.
Com fortes, esperançosas palavras concluiu o Salvador Suas instruções. Depois vazou a opressão de Sua alma em oração pelos discípulos. Erguendo os olhos ao céu, disse: “Pai, é chegada a hora; glorifica a Teu Filho, para que também o Teu Filho Te glorifique a Ti; assim como Lhe deste poder sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos quantos Lhe deste. E a vida eterna é esta: que Te conheçam, a Ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. João 17:1-3.
Cristo concluíra a obra que Lhe fora dada a fazer. Glorificara a Deus na Terra. Manifestara o nome do Pai. Reunira os que haviam de continuar Sua obra entre os homens. E disse: “E, neles, Eu sou glorificado”. João 17:10. “E Eu já não estou mais no mundo; mas eles estão no mundo, e Eu vou para Ti. Pai santo, guarda em Teu nome aqueles que Me deste, para que sejam um assim como Nós.” “E não rogo somente por eles, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em Mim; para que todos sejam um, […] Eu neles, e Tu em Mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que Tu Me enviaste a Mim, e que os tens amado a eles como Me tens amado a Mim”. João 17:11, 20, 23.
Assim, na linguagem de quem possui autoridade divina, Cristo entrega Sua igreja eleita nos braços do Pai. Como consagrado sumo sacerdote, intercede por Seu povo. Como fiel pastor, reúne Seu rebanho à sombra do Todo-poderoso, no forte e seguro refúgio. Quanto a Si, aguarda-O a última batalha com Satanás, e Ele sai a enfrentá-la.