Por Ellen White
Este capítulo é baseado em Levíticos 17; 25: 35 – 37; Ezequiel 33: 15 – 16; Marcos 10: 24 e 26; Lucas 3: 13; 18: 27; 19: 1-10; 20; 21; Gálatas 3: 7
De caminho para Jerusalém, “tendo Jesus entrado em Jericó, ia passando”. Lucas 19:1. A poucos quilômetros do Jordão, da banda ocidental do vale que se estendia daí numa planície, descansava a cidade em meio de verdura tropical e luxuriante beleza. Com as palmeiras e preciosos jardins regados por fontes naturais, brilhava qual esmeralda no engaste das calcárias colinas e desolados barrancos que se interpunham entre Jerusalém e a cidade da planície.
Muitas caravanas, de caminho para a festa, passavam por Jericó. Sua chegada era sempre um momento de alegria. Agora, porém, mais profundo interesse agitava o povo. Sabia-se achar-Se entre a multidão o Rabi galileu que, não havia muito, ressuscitara Lázaro; e conquanto abundassem os murmúrios quanto às conspirações dos sacerdotes, estavam as multidões ansiosas de Lhe render homenagens.
Jericó era uma das cidades outrora separadas para os sacerdotes, e por essa época grande número deles tinha aí sua residência. Mas a cidade possuía também uma população de caráter inteiramente diverso. Era um grande centro de comércio, e os oficiais romanos e os soldados, com estrangeiros de todos os pontos, aí se achavam, ao passo que a coletoria da alfândega a tornava morada de muitos publicanos.
“Chefe dos publicanos”, Zaqueu era israelita, e detestado de seus patrícios. Sua posição e fortuna eram o prêmio de uma carreira que aborreciam, e considerada sinônimo de injustiça e extorsão. Todavia, o rico funcionário da alfândega não era de todo endurecido homem do mundo que parecia. Sob a aparência de mundanidade e orgulho, achava-se um coração susceptível às influências divinas. Zaqueu ouvira falar de Jesus. Espalhara-se por toda parte a fama dAquele que Se conduzira bondosa e cortesmente para com as classes proscritas. Despertou-se nesse chefe de publicanos o anelo de uma vida melhor. A poucos quilômetros apenas de Jericó, pregara João Batista no Jordão, e Zaqueu ouvira falar do chamado ao arrependimento. A instrução aos publicanos: “Não peçais mais do que o que vos está ordenado” (Lucas 3:13), conquanto aparentemente desatendida, impressionara lhe o espírito. Conhecia as Escrituras, e estava convencido de que era injusto seu proceder. Agora, ouvindo as palavras que diziam provir do grande Mestre, sentiu-se pecador aos olhos de Deus. Todavia, o que ouvira dizer de Jesus acendeu-lhe a esperança no coração. Arrependimento e reforma da vida eram possíveis mesmo para ele; não fora acaso publicano um dos mais dignos discípulos do Mestre? Zaqueu começou imediatamente a obedecer à convicção que dele tomara posse, e a fazer restituição àqueles a quem prejudicara.
Começara já a volver atrás, quando soaram em Jericó as novas de que Jesus vinha entrando na cidade. Zaqueu decidiu vê-Lo. Principiava a compreender quão amargos são os frutos do pecado, e quão difícil é a senda daquele que busca voltar de uma carreira de erros. Ser mal compreendido, enfrentar a suspeita e a desconfiança no esforço de corrigir seus erros, dura coisa era de sofrer. O chefe de publicanos anelava contemplar o rosto dAquele cujas palavras lhe infundiram esperança ao coração.
Estavam apinhadas as ruas e Zaqueu, que era de pequena estatura, nada podia ver por sobre as cabeças do povo. Ninguém lhe queria abrir caminho; assim, correndo um pouco adiante da multidão, chegou a uma copada figueira à beira da estrada, e o rico cobrador de impostos subiu, sentando-se entre os galhos, de modo a poder ver o cortejo ao passar embaixo. A multidão aproxima-se, vai passando, e Zaqueu investiga com ansioso olhar, em busca da figura que almejava ver.
Por sobre o clamor dos sacerdotes e rabis e as aclamações da turba, chegou ao coração de Jesus a expressão do mudo desejo daquele chefe de publicanos. De súbito, mesmo embaixo da figueira, um grupo estaca, os de diante e os de trás detêm-se e Alguém cujo olhar parecia ler a alma, ergue os olhos para a figueira. Quase duvidando dos próprios sentidos, o homem que ali estava na árvore ouve as palavras: “Zaqueu, desce depressa, porque hoje Me convém pousar em tua casa”. Lucas 19:5.
A multidão abre alas, e Zaqueu, caminhando como quem sonha, serve de guia para sua residência. Mas os rabinos contemplam isto de semblante carregado, murmurando descontentes e zombeteiros, “que entrara para ser hóspede de um homem pecador”. Lucas 19:7
Zaqueu ficou abismado, num deslumbramento, e silencioso em face do amor e da condescendência de Cristo em rebaixar-Se até ele, tão indigno. Então o amor e a lealdade para com o Mestre que acabava de achar, lhe descerraram os lábios. Resolveu fazer pública sua confissão e arrependimento.
Em presença da multidão, “levantando-se Zaqueu, disse ao Senhor: Senhor, eis que eu dou aos pobres metade dos meus bens; e se nalguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado”. Lucas 19:8. “E disse-lhe Jesus: Hoje veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão”. Lucas 19:9.
Quando o jovem rico se retirara de Jesus, maravilharam-se os discípulos de ouvir o Mestre dizer: “Quão difícil é, para os que confiam nas riquezas, entrar no reino de Deus!” Exclamaram uns para os outros: “Quem poderá pois salvar-se?” Marcos 10:24, 26. Agora, tinham uma demonstração das palavras de Cristo: “As coisas que são impossíveis aos homens são possíveis a Deus”. Lucas 18:27. Viram como, por meio da graça divina, um rico podia entrar no reino.
Antes de Zaqueu ter contemplado o rosto de Cristo, começara a fazer aquilo que tornava manifesto ter ele arrependimento sincero. Antes de ser acusado pelos homens, confessara seu pecado. Submetera-se à convicção do Espírito Santo e começara a cumprir o ensino das palavras escritas para o antigo Israel, bem como para nós mesmos. Dissera o Senhor havia muito: “Quando teu irmão empobrecer, e as suas forças decaírem, então sustentá-lo-ás, como estrangeiro e peregrino, para que viva contigo. Não tomarás dele usura, nem ganho; mas do teu Deus terás temor, para que teu irmão viva contigo. Não lhe darás teu dinheiro com usura, nem lhe darás o teu manjar por interesse.” “Ninguém pois oprima ao seu próximo; mas terás temor do teu Deus”. Levítico 25:35-37, 17. Estas palavras foram proferidas pelo próprio Cristo quando envolto na coluna de nuvem, e a primeira resposta de Zaqueu ao amor de Cristo era manifestar compaixão para com o pobre e o sofredor.
Havia entre os publicanos um convênio, de modo que podiam oprimir o povo e apoiar-se uns aos outros em suas práticas fraudulentas. Em sua extorsão, praticavam o que se tornara costume quase geral. Os próprios sacerdotes e rabinos que os desprezavam, eram culpados de se enriquecer por meios desonestos, sob o manto de seu sagrado ofício. Mas tão depressa se submeteu o publicano à influência do Espírito Santo, lançou de sua vida todo proceder contrário à integridade.
Não é genuíno nenhum arrependimento que não opere a reforma. A justiça de Cristo não é uma capa para encobrir pecados não confessados e não abandonados; é um princípio de vida que transforma o caráter e rege a conduta. Santidade é integridade para com Deus; é a inteira entrega da alma e da vida para habitação dos princípios do Céu.
O cristão deve representar perante o mundo, nos negócios de sua vida, a maneira por que o Senhor Se conduzira em empreendimentos desse gênero. Em toda transação deve ele patentear que Deus é seu mestre. “Santidade ao Senhor” deve-se achar escrito nos diários e razões, nas escrituras, recibos e letras de câmbio. Os que professam ser seguidores de Cristo, e são injustos nos tratos, estão dando falso testemunho do caráter de um Deus santo, justo e misericordioso. Toda pessoa convertida, como Zaqueu, marca a entrada de Cristo no coração pelo abandono das práticas injustas que lhe assinalaram a vida. Como o chefe dos publicanos, dará provas de sua sinceridade fazendo restituição. O Senhor diz: “Restituindo esse ímpio o penhor, pagando o furtado, andando nos estatutos da vida, e não praticando iniquidade, […] de todos os seus pecados com que pecou não se fará memória contra ele: […] certamente viverá”. Ezequiel 33:15, 16.
Se prejudicamos outros por qualquer injusta transação, se nos aproveitamos de alguém num negócio, ou defraudamos qualquer pessoa, ainda que sob a proteção da lei, devemos confessar nossa injustiça e fazer restituição tanto quanto esteja ao nosso alcance. Cumpre-nos restituir, não somente o que tiramos, mas tudo quanto se teria acumulado, se posto em justo e sábio emprego durante o tempo que se achou em nosso poder.
A Zaqueu, disse o Salvador: “Hoje veio a salvação a esta casa”. Lucas 19:9. Não somente foi o próprio Zaqueu abençoado, mas toda a casa com ele. Jesus foi ao seu lar, para dar-lhe lições sobre a verdade e instruir sua família nas coisas do reino. Tinham estado excluídos das sinagogas pelo desprezo dos rabis e adoradores; mas agora, como os mais favorecidos dentre as famílias de Jericó, reuniram-se em seu próprio lar, em torno do divino Mestre, e ouviram por si mesmos as palavras da vida.
É quando se recebe Cristo como Salvador pessoal, que sobrevém salvação à alma. Zaqueu recebera a Jesus não somente como a um hóspede de passagem em sua casa, mas como Alguém que vinha habitar no templo da alma. Os escribas e fariseus o acusavam de pecador, murmuraram contra Cristo por Se hospedar sob seu teto, mas o Senhor o reconheceu como filho de Abraão. Pois “os que são da fé são filhos de Abraão”. Gálatas 3:7.
Indicamos também: Como Jesus tratou os publicanos e coletores de impostos