Por Ellen White
O Desejado de Todas as Nações
Este capítulo é baseado em Deuteronômio 32: 4; Jó 11: 8; Salmo 2: 12; 25: 14; 40: 7 – 8; Salmo 62: 7; Isaías 28: 16; Jeremias 17: 5; Mateus 16: 13 -28; Mateus 23: 8 e 10; Marcos 8: 27 – 38; Lucas 9:18 – 27; João 3: 14 – 15; 6: 45; Efésios 1: 22 – 23; 1 Coríntios 2: 9 – 10; 3: 11; 1 Coríntios 11: 3; 2 Coríntios 4: 18; 1 Pedro 2: 3 – 5; 4: 12 – 13.
A obra de Cristo na Terra aproximava-se rapidamente de seu termo. Perante Ele, em vívido contorno, desdobravam-se as cenas para onde tendiam Seus passos. Mesmo antes de Se revestir da humanidade, vira toda a extensão da estrada que devia trilhar, a fim de salvar o que se havia perdido. Toda angústia que Lhe dilacerou o coração, todo insulto atirado a Sua fronte, toda privação que foi chamado a suportar — tudo Lhe foi exposto antes de deixar de lado a coroa e as vestes reais, e descer do trono para revestir Sua divindade com humanidade. A vereda que se estendia da manjedoura ao Calvário, estava toda diante de Seus olhos. Conhecia a angústia que dEle se havia de apoderar. Sabia tudo e, todavia, disse: “Eis aqui venho; no rolo do Livro está escrito de Mim: Deleito-Me em fazer a Tua vontade, ó Deus Meu; sim, a Tua lei está dentro do Meu coração”. Salmos 40:7, 8.
Via sempre diante de Si o resultado de Sua missão. Sua vida terrestre, tão cheia de fadiga e sacrifício, era alegrada pela perspectiva de que todo o Seu trabalho não seria em vão. Dando a própria vida pela vida dos homens, reconquistaria o mundo à lealdade para com Deus. Conquanto devesse primeiro receber o batismo de sangue; embora os pecados do mundo Lhe devessem pesar sobre a alma inocente; se bem que a sombra de indizível aflição sobre Ele impendesse; todavia, pelo gozo que Lhe estava proposto, preferiu sofrer a cruz e desprezar a afronta.
Dos escolhidos companheiros de Seu ministério essas cenas, a Ele patenteadas, se achavam ainda ocultas; perto estava, porém, o tempo em que Lhe deviam testemunhar a agonia. Deviam ver Aquele a quem amavam e em quem confiavam, entregue às mãos dos inimigos e pendurado à cruz do Calvário. Em breve os deixaria Ele, para enfrentarem o mundo sem o conforto de Sua presença visível. Jesus sabia quão duramente os perseguiriam o ódio e a incredulidade, e desejava prepará-los para as provações.
Jesus e os discípulos haviam então chegado a uma das cidades nas cercanias de Cesaréia de Filipe. Encontravam-se além dos limites da Galiléia, numa região em que predominava a idolatria. Ali os discípulos foram afastados da dominante influência do judaísmo, sendo postos em mais íntimo contato com o culto pagão. Em torno deles se achavam representadas formas de superstição que existiam em todas as partes do mundo. Jesus desejava que a visão dessas coisas os levasse a sentir a própria responsabilidade para com os pagãos. Durante Sua estada nessa região, buscou abster-se de ensinar o povo, dedicando-Se mais plenamente aos discípulos.
Estava para lhes dizer os sofrimentos que O aguardavam. Antes disso, porém, afastou-Se sozinho e orou para que seus corações estivessem preparados para receber-Lhe as palavras. Depois de reunir-Se a eles, não lhes comunicou imediatamente aquilo que lhes desejava participar. Antes de fazê-lo, ofereceu-lhes o ensejo de confessar sua fé nEle, a fim de se fortalecerem para a próxima provação. Perguntou-lhes: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?” Mateus 16:13.
Com pesar foram os discípulos forçados a admitir que Israel deixara de reconhecer seu Messias. Alguns, na verdade, ao Lhe verem os milagres, haviam declarado que Ele era o Filho de Davi. As multidões que foram alimentadas em Betsaida, desejaram proclamá-Lo rei de Israel. Muitos estavam dispostos a aceitá-Lo como profeta; não criam, porém, que fosse o Messias.
Jesus formulou agora uma segunda pergunta, com respeito aos próprios discípulos: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Mateus 16:15, 16.
Desde o princípio Pedro crera que Jesus era o Messias. Muitos outros que foram convencidos pela pregação de João Batista, e aceitaram a Cristo, começaram a duvidar da missão de João quando ele foi preso e morto; e agora duvidavam de que Jesus era o Messias, a quem há tanto tinham aguardado. Muitos dos discípulos que haviam esperado ardentemente que Jesus tomasse Seu lugar no trono de Davi, deixaram-nO ao perceber que Ele não tinha essa intenção. Mas Pedro e seus companheiros não se desviaram de sua fidelidade. A vacilante atitude dos que ontem louvavam e hoje condenavam, não destruiu a fé dos verdadeiros seguidores do Salvador. Pedro declarou: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Mateus 16:16. Não esperou que honras reais coroassem seu Senhor, mas aceitou-O em Sua humilhação.
Pedro exprimia a fé dos doze. Todavia, os discípulos estavam ainda longe de compreender a missão de Cristo. A oposição e calúnias dos sacerdotes e escribas, se bem que os não pudessem desviar de Cristo, ocasionavam-lhes não obstante grande perplexidade. Não viam claramente seu caminho. A influência da primeira educação, o ensino dos rabis, o poder da tradição, ainda lhes interceptavam a visão da verdade. De tempos em tempos, brilhavam sobre eles preciosos raios de luz emanados do Salvador, todavia estavam muitas vezes como quem tateia em meio de trevas. Nesse dia, porém, antes de se verem frente a frente com a grande prova de sua fé, o Espírito Santo repousou sobre eles com poder. Por algum tempo, desviaram-se-lhes os olhos das “coisas que se veem” para a contemplação das “que se não veem”. 2 Coríntios 4:18. Sob a aparência humana, distinguiram a glória do Filho de Deus.
Jesus respondeu a Pedro, dizendo: “Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas Meu Pai que está no Céu”. Mateus 16:17.
A verdade confessada por Pedro é o fundamento da fé do crente. É aquilo que o próprio Cristo declarou ser a vida eterna. A posse desse conhecimento, no entanto, não oferece motivo para nos glorificarmos a nós mesmos. Não fora por meio de sabedoria ou bondade do próprio Pedro, que ele lhe havia sido revelado. De si mesma, não pode a humanidade nunca chegar ao conhecimento do divino. “Como as alturas dos Céus é a Sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o inferno, que poderás tu saber?” Jó 11:8. Unicamente o Espírito de adoção nos pode revelar as coisas profundas de Deus, as quais “o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem”. “Deus no-las revelou pelo Seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus”. 1 Coríntios 2:9, 10. O segredo do Senhor é para os que O temem” (Salmos 25:14); e o fato de Pedro ter discernido a glória de Cristo era uma prova de que fora ensinado “por Deus”. João 6:45. Ah! na verdade “bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue”. Mateus 16:17.
Jesus continuou: “Pois também Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a Minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Mateus 16:18. A palavra Pedro significa pedra — uma pedra movediça. Pedro não era a rocha sobre que a igreja estava fundada. As portas do inferno prevaleceram contra ele quando negou seu Senhor com imprecações e juramentos. A igreja foi edificada sobre Alguém contra o qual as portas do inferno não podiam prevalecer.
Séculos antes do advento do Salvador, Moisés apontara à Rocha da Salvação de Israel. Deuteronômio 32:4. O salmista cantara “a Rocha da minha fortaleza”. Salmos 62:7. Isaías escrevera: “Assim diz o Senhor Jeová: Eis que Eu assentei em Sião uma pedra, uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada”. Isaías 28:16. O próprio Pedro, escrevendo por inspiração, aplica essa profecia a Jesus. Diz ele: “Se é que já provastes que o Senhor é benigno: e chegando-vos para Ele — pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual”.1 Pedro 2:3-5.
“Ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo”. 1 Coríntios 3:11. Sobre esta pedra”, disse Jesus, “edificarei a Minha igreja”. Mateus 16:18. Na presença de Deus e de todos os entes celestiais, em presença do invisível exército do inferno, Cristo fundou a Sua igreja sobre a Rocha viva. A Rocha é Ele próprio — Seu próprio corpo, quebrantado e ferido por nós. Contra a igreja edificada sobre este fundamento, não prevalecerão as portas do inferno.
Quão fraca parecia a igreja, quando Cristo proferiu estas palavras! Havia apenas um punhado de crentes, contra os quais se dirigiria todo o poder dos demônios e dos homens maus; todavia, os seguidores de Cristo não deveriam temer. Edificados sobre a Rocha de sua fortaleza, não poderiam ser vencidos.
Durante seis mil anos tem a fé edificado sobre Cristo. Por seis mil anos as inundações e tempestades da ira satânica têm batido de encontro à Rocha de nossa salvação; ela, porém, permanece inabalável.
Pedro expressara a verdade que é o fundamento da fé da igreja, e Jesus o honrou então como o representante do inteiro corpo de crentes. Disse: “Eu te darei as chaves do reino dos Céus; e tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus”. Mateus 16:19.
“As chaves do reino dos Céus” são as palavras de Cristo. Todas as palavras da Santa Escritura são dEle e acham-se aqui incluídas. Estas palavras têm poder para abrir e fechar os Céus. Declaram as condições sob que os homens são recebidos ou rejeitados. Assim, a obra dos que pregam a Palavra de Deus é um cheiro de vida para vida ou de morte para morte. Sua missão acha-se repleta de resultados eternos.
O Salvador não confiou a obra do evangelho a Pedro, individualmente. Noutra ocasião, mais tarde, repetindo as palavras dirigidas a Pedro, aplicou-as diretamente à igreja. E o mesmo, em essência, foi dito também aos doze como representantes do corpo de crentes. Se Jesus houvesse delegado qualquer autoridade especial a um dos discípulos, de preferência aos outros, não os encontraríamos tantas vezes questionando acerca de quem seria o maior. Ter-se-iam submetido ao desejo do Mestre e honrado aquele que Ele escolhera.
Em vez de apontar um para cabeça, Cristo disse aos discípulos: “Não queirais ser chamados Rabi”; “nem vos chameis mestres, porque um só é o vosso Mestre, que é o Cristo”. Mateus 23:8, 10.
“Cristo é a cabeça de todo varão”. 1 Coríntios 11:3. Deus, que pôs todas as coisas sob os pés do Salvador, “sobre todas as coisas O constituiu como cabeça da igreja, que é o Seu corpo, a plenitude dAquele que cumpre tudo em todos”. Efésios 1:22, 23. A igreja é edificada tendo Cristo como seu fundamento; deve obedecer a Cristo como sua cabeça. Não tem de confiar em homem, ou ser por homem controlada. Muitos pretendem que uma posição de confiança na igreja lhes dá autoridade para ditar o que outros hão de crer e fazer. Essa pretensão não é sancionada por Deus. O Salvador declara: “Todos vós sois irmãos.” Todos estão expostos à tentação e sujeitos ao erro. Em nenhum ser finito podemos confiar quanto à direção. A Rocha da fé é a presença viva de Cristo na igreja. Nela pode confiar o mais débil, e os que mais fortes se julgam se demonstrarão os mais fracos, a não ser que façam de Cristo Sua eficiência. “Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço”. Jeremias 17:5. O Senhor “é a Rocha, cuja obra é perfeita”. Deuteronômio 32:4. “Bem-aventurados todos aqueles que nEle confiam”. Salmos 2:12.
Depois da confissão de Pedro, Jesus recomendou aos discípulos que a ninguém dissessem que Ele era o Cristo. Esta recomendação foi feita por causa da decidida oposição dos escribas e fariseus. Mas ainda, o povo, e até mesmo os discípulos, tinham tão falso conceito do Messias, que um anúncio público do Mesmo não lhes daria ideia exata de Seu caráter e de Sua obra. Mas dia a dia Ele Se lhes estava revelando como o Salvador, e assim desejava dar-lhes uma genuína concepção de Si mesmo como o Messias.
Os discípulos ainda esperavam que Cristo reinasse como príncipe temporal. Conquanto Ele houvesse por tanto tempo ocultado Seu desígnio, acreditavam que não permaneceria para sempre na pobreza e obscuridade; aproximava-se o tempo em que estabeleceria o Seu reino. Que o ódio dos sacerdotes e rabis jamais arrefecesse, que Cristo houvesse de ser rejeitado por Sua própria nação, condenado como enganador e crucificado como malfeitor — este pensamento nunca os discípulos abrigaram. Mas vinha chegando a hora do poder das trevas, e Jesus precisava revelar aos discípulos o conflito que se achava diante deles. Estava triste, antecipando a prova.
Até então, abstivera-Se de dar-lhes a conhecer qualquer coisa relativamente a Seus sofrimentos e morte. Em Sua conversação com Nicodemos, dissera: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado; para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. João 3:14, 15. Mas os discípulos não ouviram isso e, ouvissem-no embora, não o haveriam compreendido. Agora, porém, estiveram com Jesus, ouvindo-Lhe as palavras, testemunhando-Lhe as obras, até que, não obstante a humildade de Seu ambiente, e a oposição dos sacerdotes e do povo, foram capazes de se unir a Pedro no testemunho: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.” Chegou então o momento para correr o véu que ocultava o futuro. “Desde então começou Jesus a mostrar aos discípulos que convinha ir a Jerusalém, e padecer muito dos anciãos, e dos principais dos sacerdotes, dos escribas, e ser morto, e ressuscitar ao terceiro dia”. Mateus 16:21.
Mudos de angústia e espanto escutaram os discípulos. Cristo aceitara o reconhecimento, por parte de Pedro, de Sua filiação de Deus; e agora Suas palavras, indicativas dos sofrimentos e da morte que O aguardavam, pareciam incompreensíveis. Pedro não se pôde conter. Tomando o Mestre à parte, como a querer subtraí-Lo à impendente condenação, exclamou: “Senhor, tem compaixão de Ti; de modo nenhum Te acontecerá isso”. Mateus 16:22.
Pedro amava seu Senhor; mas Jesus não o louvou por assim manifestar o desejo de O proteger contra o sofrimento. As palavras de Pedro não eram de molde a ajudar e consolar Jesus na grande prova que estava diante dEle. Não estavam em harmonia com o desígnio de Deus, de graça para com o mundo perdido, nem a lição de sacrifício que Jesus viera ensinar com Seu próprio exemplo. Pedro não desejava ver a cruz na obra de Cristo. A impressão que suas palavras haviam de causar, era inteiramente contrária à que Cristo desejava produzir no espírito de Seus seguidores, e o Salvador foi compelido a proferir uma das mais severas repreensões que já Lhe caíram dos lábios: “Para trás de Mim, Satanás, que Me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens”. Mateus 16:23.
Satanás buscava desanimar a Jesus e desviá-Lo de Sua missão; e Pedro, em seu cego amor, estava sendo o porta-voz da tentação. O príncipe das trevas fora o autor do pensamento. Por trás daquele impulsivo apelo, achava-se sua instigação. No deserto Satanás oferecera a Cristo o domínio do mundo, sob a condição de abandonar a vereda da humilhação e do sacrifício. Apresentava agora a mesma tentação ao discípulo de Cristo. Estava procurando fazer Pedro fixar o olhar na glória terrestre, para que não visse a cruz a que o Salvador lhe desejava atrair os olhos. E, por intermédio de Pedro, Satanás novamente insistia na tentação contra Jesus. Mas Ele não lhe deu ouvidos; pensava no discípulo. Satanás interpusera-se entre Pedro e seu Mestre, para que o coração do discípulo não fosse tocado ante a visão da humilhação de Cristo por ele. As palavras de Cristo foram dirigidas, não a Pedro, mas àquele que o estava tentando separar do Redentor. “Para trás de Mim, Satanás”. Mateus 16:23. Não te continues a interpor entre Mim e Meu errado servo. Deixa-Me estar face a face com Pedro, para que lhe possa revelar o ministério do Meu amor.
Foi para Pedro uma lição amarga, lição que não aprendeu senão vagarosamente, essa de que a estrada de Jesus na Terra se estendia através de agonias e humilhações. O discípulo recuava da comunhão com o Senhor nos sofrimentos. Mas no ardor da fornalha havia ele de descobrir-lhe as bênçãos. Muito tempo depois, quando sua figura ativa se achava curvada ao peso dos anos e labores, escreveu: “Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós, para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse; mas alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo, para que também na revelação da Sua glória vos regozijeis e alegreis”. 1 Pedro 4:12, 13.
Jesus explicou então aos discípulos que Sua própria vida de abnegação era um exemplo do que a deles deveria ser. Chamando para junto de Si os discípulos e o povo que O estivera rodeando, disse: “Se alguém quiser vir após Mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-Me”. Mateus 16:24. A cruz estava associada ao poder de Roma. Era o instrumento da mais cruel e humilhante forma de morte. Exigia-se dos mais vis criminosos que levassem a cruz ao lugar da execução; e muitas vezes, quando lhe iam colocar nos ombros, resistiam com desesperada violência, até que fossem subjugados e o instrumento de tortura sobre eles posto. Mas Jesus pedia a Seus seguidores que tomassem a cruz e a conduzissem após Ele. Para os discípulos, Suas palavras, conquanto imperfeitamente compreendidas, indicavam que se deviam submeter à mais profunda humilhação — submeter-se mesmo à morte por amor de Cristo. Nenhuma entrega mais completa poderiam haver expresso as palavras do Salvador. Mas tudo isto aceitara por eles. Jesus não reputou o Céu um lugar desejável, enquanto nos achávamos perdidos. Deixou as cortes celestes por uma vida de vitupério e insultos, e uma ignominiosa morte. Aquele que era rico nos apreciáveis tesouros celestes, tornou-Se pobre, a fim de, pela Sua pobreza, nos tornarmos ricos. Cumpre-nos seguir a vereda por Ele trilhada.
Amor às pessoas porque Cristo morreu, significa a crucifixão do próprio eu. Aquele que é filho de Deus deve, daí em diante, considerar-se um elo na cadeia baixada para salvar o mundo, um com Cristo em Seu plano de misericórdia, indo com Ele em busca dos perdidos para os salvar. O cristão deve sempre ter presente que se consagrou a Deus, e que seu caráter deve revelar Cristo perante o mundo. O espírito de sacrifício, a simpatia, o amor manifestados na vida de Cristo, devem reaparecer na existência do obreiro de Deus.
“Aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas qualquer que perder a sua vida por amor de Mim e do evangelho, esse a salvará”. Mateus 16:25. Egoísmo é morte. Nenhum órgão do corpo poderia viver, se limitasse a si próprio os seus serviços. O coração, deixando de enviar o sangue vital à mão e à cabeça, perderia rapidamente a força. Como nosso sangue, assim é o amor de Cristo difundido por toda parte através de Seu corpo místico. Somos membros uns dos outros, e a alma que se recusa a dar perecerá. E “que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro”, disse Jesus, “se perder a sua alma? ou que dará o homem em recompensa de sua alma?” Mateus 16:26.
Para além da pobreza e humilhação do presente, apontava Ele aos discípulos Sua vinda em glória, não no esplendor de um trono terrestre, mas com a glória de Deus e as hostes do Céu. E então, disse Ele, “dará a cada um segundo as suas obras”. E, para animá-los, fez a promessa: “Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui estão, que não provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no Seu reino”. Mateus 16:27, 28. Mas os discípulos não compreenderam Suas palavras. A glória parecia muito distante. Tinham os olhos fixos na visão mais próxima — a vida terrena de pobreza, humilhação e sofrimento. Deverá ser abandonada sua brilhante expectativa do reino do Messias? Não deveriam eles ver seu Senhor exaltado ao trono de Davi? Seria possível que Cristo devesse viver como humilde peregrino, sem lar, devendo ser desprezado, rejeitado e condenado à morte? O coração confrangeu-se-lhes de tristeza, pois amavam o Mestre. Também a dúvida lhes assaltava o espírito, pois parecia incompreensível que o Filho de Deus houvesse de estar sujeito a tão cruel humilhação. Cogitavam por que haveria Ele de ir a Jerusalém enfrentar o tratamento que lhes dissera havia de receber ali. Como Se poderia resignar a tal sorte, e deixá-los entregues a uma treva mais densa que aquela em que tateavam antes que Se lhes revelasse?
Na região de Cesaréia de Filipe, raciocinavam os discípulos, Cristo Se achava fora do alcance de Herodes e Caifás. Nada tinha a temer do ódio dos judeus, nem do poder dos romanos. Por que não trabalhar ali, a distância dos fariseus? Por que necessitaria de Se entregar à morte? Se Lhe cumpria morrer, então como era que Seu reino se devia estabelecer tão firmemente que as portas do inferno não prevaleceriam contra ele? Para os discípulos isto era na verdade um mistério.
Estavam então viajando ao longo da costa do Mar de Galileia, em direção à cidade em que todas as suas esperanças haveriam de ser esmagadas. Não ousavam objetar a Cristo, mas falavam entre si em voz baixa e triste, a respeito do que seria o futuro. Mesmo por entre suas interrogações, apegavam-se à ideia de que qualquer circunstância imprevista poderia desviar a condenação que parecia aguardar a seu Senhor. Assim, durante seis longos e sombrios dias, se entristeceram e duvidaram, esperaram e temeram.