Por Ellen White
O Desejado de Todas as Nações
Este capítulo é baseado em Isaías 43: 1 – 3; Mateus 14: 22 – 33; Marcos 6: 45 – 52; João 6: 14 – 21
Sentado na relva da planície, ao crepúsculo de uma tarde de primavera, o povo comeu do alimento que Cristo provera. As palavras por eles ouvidas, naquele dia, soaram-lhes aos ouvidos como a voz de Deus. As obras de cura que presenciaram eram tais, que só o poder divino as poderia realizar. Mas o milagre dos pães tocou a todos naquela vasta multidão. Todos participaram de seus benefícios. Nos dias de Moisés, Deus alimentara Israel com o maná no deserto; e quem era este que os alimentara naquele dia, senão Aquele de quem Moisés tinha profetizado? Poder algum humano poderia criar, de cinco pães de cevada e dois peixinhos, alimento bastante para saciar milhares de criaturas famintas. E disseram uns aos outros: “Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo.”
Durante todo o dia essa convicção se robustecera. Aquele ato, que tudo coroou, é a afirmação de que o longamente esperado Libertador Se acha entre eles. As esperanças do povo vão subindo de ponto. É este Aquele que há de tornar a Judéia um paraíso terrestre, uma terra que mana leite e mel. Pode satisfazer todo desejo. Pode derribar o poder dos odiados romanos. Pode libertar Judá e Jerusalém. Pode curar os soldados feridos na batalha. Abastecer exércitos inteiros de alimento. Conquistar as nações, e dar a Israel o domínio longamente ambicionado.
Em seu entusiasmo, o povo estava disposto a coroá-Lo imediatamente Rei. Veem que Ele não faz nenhum esforço para atrair a atenção ou conquistar honras para Si. A esse respeito, difere essencialmente dos sacerdotes e principais, e temem que não venha nunca a reclamar Seus direitos ao trono de Davi. Consultando-se entre si, concordaram em apoderar-se dEle por força, e proclamá-Lo rei de Israel. Os discípulos unem-se à multidão em declarar que o trono de Davi é a legítima herança de seu Mestre. É a modéstia de Cristo, dizem, que O faz recusar essa honra. Que o povo exalte seu Libertador. Que os arrogantes sacerdotes e principais sejam forçados a honrar Aquele que vem revestido de autoridade divina.
Tomam ansiosamente providências para executar seu desígnio; mas Jesus vê o que está em andamento e compreende, como eles não o podem fazer, o resultado desse movimento. Mesmo então estavam os sacerdotes e principais a Lhe buscar a vida. Acusavam-nO de desviar deles o povo. Violência e insurreição seguir-se-iam a qualquer esforço para O colocar no trono, e prejudicar-se-ia a obra do reino espiritual. O plano deveria ser impedido sem demora. Chamando os discípulos, Jesus ordena-lhes que tomem o barco e voltem imediatamente para Cafarnaum, deixando-O para despedir a multidão.
Nunca antes uma ordem de Cristo parecera tão impossível de cumprir. Os discípulos haviam esperado muito tempo por um movimento popular para colocar Jesus no trono; não podiam suportar a ideia de que todo esse entusiasmo viesse a dar em nada. As multidões que estavam congregando para assistir à Páscoa, achavam-se ansiosas por ver o novo profeta. A seus seguidores esta se afigurava a oportunidade áurea de estabelecer seu amado Mestre no trono de Israel. No ardor dessa nova ambição, duro lhes era afastar-se e deixarem Jesus sozinho naquela desolada praia. Protestaram contra essa medida; mas Jesus falou então com uma autoridade que nunca antes assumira para com eles. Sabiam que seria inútil qualquer oposição de sua parte, e, silenciosos, dirigiram-se para o mar.
Cristo manda então à massa que se disperse; e tão incisiva é Sua maneira, que não Lhe ousam desobedecer. As palavras de exaltação e louvor morrem-lhes nos lábios. No próprio ato de avançar para dEle se apoderarem, são-lhes detidos os passos, e o alegre e ansioso olhar amortece-lhes no semblante. Há naquela multidão homens de espírito vigoroso e firme determinação; o régio porte de Jesus, porém, e Suas breves e serenas palavras de ordem, aquietam o tumulto, frustrando-lhes os desígnios. NEle reconhecem poder superior a toda terrena autoridade, e, sem uma réplica, submetem-se.
Quando a sós, Jesus “subiu ao monte para orar à parte”. Durante horas continuou a suplicar perante Deus. Não por Si mesmo, mas pelos homens, eram aquelas orações. Rogava poder para revelar aos mesmos o divino caráter de Sua missão, a fim de que Satanás não lhes cegasse o entendimento e pervertesse o juízo. O Salvador sabia que Seus dias de ministério pessoal na Terra em breve chegariam ao termo, e que poucos O receberiam como seu Redentor. Em angústia e lutas de alma, orava pelos discípulos. Haviam de ser duramente provados. Suas esperanças, tão longamente acariciadas, baseadas numa ilusão popular haviam de lhes trazer a mais dolorosa e humilhante decepção. Em lugar de Sua exaltação ao trono de Davi, haveriam de testemunhar-Lhe a crucifixão. Essa deveria, na verdade ser Sua coroação. No entanto, não o percebiam e, em consequência, grandes seriam as tentações a sobrevirem-lhes, as quais difícil lhes seria reconhecer como tentações. Sem o Espírito Santo para iluminar a mente e ampliar a compreensão, a fé dos discípulos faleceria. Penoso era a Jesus ver que o conceito deles quanto a Seu reino se limitasse, em tão grande parte, ao engrandecimento e honra mundanos. Oprimia-O o peso da preocupação por eles, e derramava Suas súplicas com amarga angústia e lágrimas.
Os discípulos não partiram imediatamente, segundo as instruções de Jesus. Esperaram algum tempo, na expectativa de que Ele Se lhes viesse juntar. Ao verem, porém, que as trevas se adensavam rapidamente, “entrando no barco, passaram o mar em direção a Cafarnaum”. Com o coração insatisfeito, deixaram a Jesus, mais impacientes com Ele do que nunca, desde que O tinham reconhecido como Seu Senhor. Murmuravam por não lhes haver sido permitido proclamá-Lo rei. Acusavam-se por terem tão prontamente submetido às Suas ordens. Raciocinavam que, houvessem sido mais persistentes, e teriam talvez conseguido o seu desígnio.
A incredulidade se estava apoderando de seu espírito e coração. Cegava-os o amor da honra. Sabiam que Jesus era odiado pelos fariseus, e estavam ansiosos por vê-Lo exaltado como pensavam que devia ser. Estarem ligados a um mestre que podia operar tão grandes milagres, e ainda serem injuriados como enganadores, era provação que mal podiam suportar. Deveriam ser sempre considerados seguidores de um falso profeta? Não haveria Cristo nunca de afirmar Sua autoridade como rei? Por que não havia Ele, que possuía tal poder, de revelar-Se em Seu verdadeiro caráter e tornar-lhes a eles o caminho menos penoso? Por que não salvara João Batista de uma morte violenta? Assim raciocinavam os discípulos, até que trouxeram sobre si mesmos grande treva espiritual. Perguntavam: Poderia ser Jesus um impostor, como afirmavam os fariseus?
Os discípulos haviam testemunhado naquele dia as maravilhosas obras de Cristo. Dir-se-ia que o Céu baixara à Terra. A lembrança daquele dia precioso, glorioso, deveria tê-los enchido de fé e esperança. Houvessem, da abundância de seu coração, estado a conversar entre si a respeito dessas coisas, e não teriam caído em tentação. Sua decepção, porém, lhes absorvera os pensamentos. Esqueceram-se das palavras de Cristo: “Recolhei os pedaços que sobejaram, para que nada se perca.” Foram horas de grandes bênçãos para os discípulos, aquelas, mas tudo esqueceram. Achavam-se em meio das turbadas águas. Tinham os pensamentos tempestuosos e desarrazoados, e o Senhor lhes deu alguma coisa mais para lhes afligir a alma e ocupar a mente. Deus assim faz muitas vezes, quando os homens criam preocupações e aflições para si mesmos. Os discípulos não tinham necessidade de criar perturbação. Já se avizinhava o perigo.
Violenta tempestade se viera imperceptivelmente aproximando deles, e não estavam preparados para ela. Era um súbito contraste, pois o dia fora perfeito; e, quando o vento soprou sobre eles, atemorizaram-se. Esqueceram o aborrecimento, a incredulidade e impaciência. Todos trabalharam para impedir que o barco fosse a pique. Era pequena a distância, por mar, de Betsaida para o ponto em que esperavam encontrar-se com Jesus, e com um tempo normal não levava senão poucas horas; agora, porém, eram tangidos cada vez mais longe do local que buscavam. Até a quarta vigília da noite, lutaram com os remos. Então, deram-se por perdidos. O mar, tempestuoso, imerso em trevas, fizera-os sentir seu desamparo, e anelavam a presença de seu Senhor.
Jesus não os esquecera. O Vigia vira, da praia, aqueles homens possuídos de temor, em luta com a tempestade. Nem por um momento perdeu de vista aos discípulos. Com a mais profunda solicitude acompanhavam Seus olhos o barco, sacudido pela tempestade, com sua preciosa carga; pois esses homens deviam ser a luz do mundo. Como a mãe amorosa a velar o filho, assim cuidava dos discípulos o compassivo Mestre. Rendidos os corações, acalmadas as ambições profanas, e pedindo eles humildemente auxílio, este lhes foi dado.
No momento em que se julgavam perdidos, o clarão de um relâmpago revela-lhes um misterioso vulto que deles se aproxima, vindo sobre as águas. Não sabem, todavia, que é Jesus. Consideram um inimigo, Aquele que os vinha ajudar. Apodera-se deles o terror. Afrouxam-se as mãos que haviam empunhado o remo com pulso de ferro. O barco ondula ao sabor das ondas; os olhares acham-se voltados para essa visão de um homem a caminhar sobre as alvacentas vagas do mar todo espumejante.
Julgam-nO um fantasma a lhes anunciar a ruína, e gritam atemorizados. Jesus avança como se lhes quisesse passar adiante; reconhecem-nO, porém, e clamam por socorro. Seu amado Mestre volve-Se, Sua voz acalma-lhes os temores: “Tende bom ânimo; sou Eu, não temais.”
Logo que puderam acreditar no assombroso fato, Pedro ficou como fora de si de alegria. Como se ainda mal pudesse crer, exclamou: “Senhor se és Tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas. E Ele disse: Vem.”
Olhando para Jesus, Pedro caminha firmemente; como satisfeito consigo mesmo, porém, volta-se para os companheiros no barco, desviando os olhos do Salvador. O vento ruge. As ondas encapelam-se, alterosas, e interpõem-se exatamente entre ele e o Mestre; e ele teme. Por um momento, Cristo fica-lhe oculto, e sua fé desfalece. Começa a afundar. Mas ao passo que as ondas prenunciam morte, Pedro ergue os olhos para Jesus e brada: “Senhor, salva-me!” Jesus segura imediatamente a estendida mão, dizendo: “Homem de pequena fé, por que duvidaste?”
Andando lado a lado, a mão de Pedro na do Mestre, entraram juntos no barco. Mas Pedro estava agora rendido e silencioso. Nenhuma razão tinha de se vangloriar sobre os companheiros, pois por causa da incredulidade e da exaltação quase perdera a vida. Ao desviar de Cristo o olhar, foi-se-lhe o pé, e ei-lo a submergir-se.
Quantas vezes, ao sobrevir-nos aflição, fazemos como Pedro! Olhamos para as ondas, em lugar de manter os olhos fixos no Salvador. Os pés vacilam, e as orgulhosas águas passam por sobre nossa alma. Jesus não disse a Pedro que fosse ter com Ele para que perecesse; não nos chama a segui-Lo, para depois nos abandonar. “Não temas”, diz-nos; “porque Eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és Meu. Quando passares pelas águas, estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti. Porque Eu sou o Senhor teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador”. Isaías 43:1-3.
Jesus lia o caráter dos discípulos. Sabia quão dolorosamente seria provada a sua fé. Nesse incidente no mar, desejava mostrar a Pedro sua própria fraqueza — que sua segurança dependia constantemente do poder divino. Em meio das tempestades da tentação, só podia andar em segurança, quando, desconfiando inteiramente de si mesmo, descansasse no Salvador. Era no ponto que mais forte se julgava, que Pedro era fraco; e enquanto não discernisse sua fraqueza, não poderia compreender quanto necessitava de confiar em Cristo. Houvesse aprendido a lição que Jesus lhe buscou ensinar naquele incidente no lago, e não teria fracassado quando a grande prova lhe sobreveio.
Dia a dia instrui Deus a Seus filhos. Pelas circunstâncias da vida diária, prepara-os para a parte que têm de desempenhar naquele mais vasto cenário que Sua providência lhes designou. É o resultado de sua diária prova que determina a vitória ou derrota deles na grande crise da vida.
Os que deixam de compreender sua contínua dependência de Deus, serão vencidos pela tentação. Podemos entender agora que nosso pé se acha firme e jamais seremos abalados. Podemos dizer com confiança: “Eu sei em quem tenho crido; coisa alguma pode abalar minha confiança em Deus e Sua Palavra.” Mas Satanás está planejando aproveitar-se de nossos traços de caráter hereditários e cultivados, e cegar-nos os olhos para nossas necessidades e defeitos. Unicamente compreendendo a própria fraqueza e olhando firmemente para Jesus, podemos caminhar com segurança.
Tão depressa tomou Jesus lugar no barco, o vento cessou, “e logo o barco chegou à terra para onde iam”. A noite de horror foi seguida pelo raiar da aurora. Os discípulos e outros que se achavam no barco, inclinaram-se aos pés de Jesus, corações agradecidos, dizendo: “És verdadeiramente o Filho de Deus.”