Por Ellen White
O Desejado de Todas as Nações
Este capítulo é baseado em Isaías 9:6; Salmo 46: 10; Mateus 9: 38; Marcos 1: 35; Lucas 5:15 – 16; 6:12; Efésios 4: 11 – 13; Tiago 1: 5
Volvendo de sua viagem, “os apóstolos ajuntaram-se a Jesus, e contaram-Lhe tudo, tanto o que tinham feito, como o que tinham ensinado. E Ele lhes disse: Vinde vós, aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco. Pois havia muitos que iam e vinham, e não tinham tempo para comer”.
Os discípulos foram ter com Jesus e Lhe contaram tudo. Sua intimidade com Ele os animava a expor-Lhe os incidentes favoráveis e os desfavoráveis que lhes sucediam; sua alegria ao ver os resultados de seus labores, e a tristeza que sentiam em face dos fracassos, das faltas e fraquezas de sua parte. Haviam cometido erros em sua primeira obra como evangelistas, e ao falarem com franqueza dessas coisas a Cristo, notou Ele que necessitavam de muitas instruções. Viu, também, que se haviam fatigado em seus labores e necessitavam repousar.
Onde estavam, porém, não lhes era possível o necessário sossego; “pois havia muitos que iam e vinham, e não tinham tempo para comer”. O povo aglomerava-se após Jesus, ansioso por ser curado e ouvir-Lhe a palavra. Muitos se sentiam atraídos para Ele; pois lhes parecia a fonte de todas as bênçãos. Muitos dos que então se apinhavam em torno de Cristo para receber a preciosa graça da saúde, aceitavam-nO como seu Salvador. Muitos outros, atemorizados então de O confessar, por causa dos fariseus, se converteram por ocasião da descida do Espírito Santo, e, perante os irados sacerdotes e principais, reconheceram-nO como o Filho de Deus.
Agora, porém, Cristo ansiava um retiro, para que pudesse estar com os discípulos; tinha muito que dizer-lhes. Em seu labor, passaram pela prova da luta e enfrentaram oposição em suas várias formas. Até então haviam consultado a Cristo em tudo; tinham, porém, estado sós por algum tempo e ficado por vezes muito perplexos quanto ao que deviam fazer. Tinham recebido muita animação em sua obra, pois Cristo os não enviara sem o Seu Espírito, e pela fé nEle operaram muitos milagres; necessitavam, todavia, alimentar-se agora do pão da vida. Precisavam retirar-se para um lugar solitário, onde pudessem estar em comunhão com Jesus e receber instruções quanto à sua obra futura.
“E Ele disse-lhes: Vinde vós aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco.” Cristo é cheio de ternura e compaixão para com todos os que se acham ao Seu serviço. Queria mostrar aos discípulos que Deus não exige sacrifício, mas misericórdia. Eles haviam posto toda a alma no trabalho em favor do povo, e isso lhes estava esgotando as energias físicas e mentais. Cumpria-lhes descansar.
Como os discípulos houvessem visto o êxito de seus labores, estavam em risco de atribuir a honra a si mesmos, em risco de nutrir orgulho espiritual, caindo assim sob as tentações de Satanás. Achava-se diante deles uma grande obra, e antes de tudo deviam aprender que sua força não se encontrava neles mesmos, mas em Deus. Qual Moisés no deserto do Sinai, qual Davi entre os montes da Judéia e Elias junto à fonte de Querite, necessitavam os discípulos pôr-se à parte das cenas de sua atarefada atividade, para comungar com Cristo, com a natureza e com o próprio coração.
Enquanto os discípulos haviam estado ausentes em sua viagem missionária, Jesus visitara outras cidades e aldeias, pregando o evangelho do reino. Foi mais ou menos por esse tempo que Ele recebeu a notícia da morte do Batista. Esse acontecimento apresentou-Lhe vivamente a ideia do fim a que Seus passos O conduziam. As nuvens adensavam-se em torno da vereda que percorria. Sacerdotes e rabinos espreitavam para tramar-Lhe a morte, espias Lhe rondavam os passos, e multiplicavam-se por toda parte as conspirações para cavar-Lhe a ruína. A notícia da pregação dos apóstolos através da Galileia chegara a Herodes, chamando-lhe a atenção para Jesus e Sua obra. “Este é João Batista”, disse; “ressuscitou dos mortos”; e exprimiu o desejo de ver a Jesus. Herodes estava em contínuo temor de que se tramasse secretamente uma revolução com o intuito de o destronar e sacudir o jugo romano da nação judaica. Entre o povo, lavrava o espírito de descontentamento e insurreição. Era evidente que o trabalho público de Cristo na Galileia não podia continuar por muito tempo. Aproximavam-se as cenas de Seu sofrimento, e Ele desejava estar por algum tempo retirado do bulício da multidão.
Consternados, haviam os discípulos de João levado a sepultar seu mutilado corpo. Depois, “foram anunciá-lo a Jesus”. Esses discípulos tiveram inveja de Cristo, quando Este parecia estar atraindo a Si os que seguiam a João. Juntaram-se aos fariseus em acusá-Lo, quando Ele Se sentara com os publicanos no banquete de Mateus. Puseram em dúvida a divindade de Sua missão, por não haver Ele libertado o Batista. Agora, porém, morto seu mestre, e anelando eles consolo em sua grande dor, e guia quanto a sua obra futura, foram ter com Jesus, unindo aos Seus os interesses deles. Também necessitavam de um período de sossego para comunhão com o Salvador.
Próximo a Betsaida, na extremidade norte do lago, havia um lugar solitário, então embelezado pelo verdor da primavera, o qual oferecia convidativo refúgio a Jesus e aos discípulos. Para ali partiram eles, fazendo de barco a travessia do lago. Ali estariam distantes do trânsito das ruas e do burburinho e agitação da cidade. As próprias cenas da natureza, por si mesmas, já constituíam um descanso, uma aprazível variação para os sentidos. Ali poderiam escutar as palavras de Cristo sem ouvir zangadas interrupções, réplicas e acusações de escribas e fariseus. Podiam ali fruir breve período de precioso convívio na companhia de seu Senhor.
O repouso que Cristo e os discípulos fizeram, não era uma complacência consigo mesmos. O tempo que passaram afastados, não foi consagrado à busca do prazer. Falavam entre si a respeito da obra de Deus, e da possibilidade de torná-la mais eficiente. Os discípulos tinham estado com Cristo e podiam compreendê-Lo; para eles não precisava o Mestre falar em parábolas. Ele lhes corrigia os erros, e os esclarecia quanto à devida maneira de se aproximarem do povo. Abria-lhes mais plenamente, a eles, os preciosos tesouros da verdade divina. Eram revigorados pelo poder divino, e animados de esperança e coragem.
Embora Jesus tivesse poder de operar milagres e houvesse outorgado aos discípulos o mesmo poder, dirigiu Seus extenuados servos a um lugar à parte, no campo, para ali descansarem. Quando disse que a seara era grande, e poucos os obreiros, não acentuou para os discípulos a necessidade de incessante labuta, mas disse: “Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande ceifeiros para a Sua seara”. Mateus 9:38. Deus designou a cada um a sua obra, segundo a sua capacidade (Efésios 4:11-13), e não pretendia que uns poucos ficassem sobrecarregados de responsabilidades, enquanto outros não têm nenhum fardo, nenhuma angústia.
As compassivas palavras de Cristo dirigem-se hoje aos obreiros, da mesma maneira que aos discípulos outrora. “Vinde vós, aqui à parte […] e repousai um pouco”, diz aos que se acham fatigados e esgotados. Não é sábio estar sempre sob a tensão do trabalho e da agitação, mesmo em atender às necessidades espirituais dos homens; pois por essa maneira é negligenciada a piedade pessoal, ao mesmo tempo que se sobrecarregam as energias mentais, espirituais e físicas. Exige-se abnegação dos discípulos de Cristo, e são precisos sacrifícios; convém, todavia, cuidar para que, mediante seu excesso de zelo, Satanás não se aproveite da fragilidade humana e seja prejudicada a obra de Deus.
Na opinião dos rabinos, o mais alto grau da religião mostrava-se por contínua e ruidosa atividade. Dependiam de alguma prática exterior para mostrar sua superior piedade. Separavam assim sua alma de Deus, apoiando-se em presunção. O mesmo perigo existe ainda hoje. À medida que aumenta a atividade, e os homens são bem-sucedidos em realizar alguma obra para Deus, há risco de confiar em planos e métodos humanos. Vem a tendência de orar menos e ter menos fé. Como os discípulos, arriscamo-nos a perder de vista nossa dependência de Deus, e fazer de nossa atividade um salvador. Necessitamos olhar continuamente a Jesus, compreendendo que é Seu poder que realiza a obra. Conquanto devamos trabalhar ativamente pela salvação dos perdidos, cumpre-nos também consagrar tempo à meditação, à oração e ao estudo da Palavra de Deus. Unicamente o trabalho realizado com muita oração e santificado pelos méritos de Cristo, demonstrar-se-á afinal haver sido eficaz.
Nenhuma outra vida já foi tão assoberbada de trabalho e responsabilidade como a de Jesus; todavia, quantas vezes estava Ele em oração! Quão constante, Sua comunhão com o Pai! Repetidamente, na história de Sua vida terrestre, se encontram registros como esses: “E, levantando-Se de manhã muito cedo, fazendo ainda escuro, saiu, e foi para um lugar deserto, e ali orava.” “Ajuntava-se muita gente para O ouvir, e para ser por Ele curada das suas enfermidades. Porém Ele retirava-Se para os desertos, e ali orava.” “E aconteceu que naqueles dias subiu ao monte a orar, e passou a noite em oração a Deus”. Marcos 1:35; Lucas 5:15, 16; Lucas 6:12.
Numa vida toda dedicada ao bem dos outros, o Salvador achou necessário afastar-Se dos lugares movimentados e da multidão que O acompanhava, dia a dia. Precisava retirar-Se de uma vida de incessante atividade e contato com as necessidades humanas, para buscar sossego e ininterrupta comunhão com o Pai. Como uma pessoa identificada conosco, participante de nossas necessidades e fraquezas, dependia inteiramente de Deus, e no lugar oculto de oração buscava força divina, a fim de poder sair fortalecido para o dever e provação. Num mundo de pecado, Jesus suportou lutas e torturas de alma. Em comunhão com Deus, podia aliviar as dores que O esmagavam. Ali encontrava conforto e alegria.
Em Cristo, o grito da raça humana chegava até ao Pai de infinita piedade. Como homem, suplicava ao trono de Deus, até que Sua humanidade fosse de tal modo carregada com a corrente celestial, que pudesse estabelecer ligação entre a humanidade e a divindade. Mediante contínua comunhão recebia vida de Deus, de maneira a poder comunicar vida ao mundo. Sua experiência deve ser a nossa.
“Vinde vós aqui à parte”, convida-nos Ele. Marcos 6:31. Déssemos nós ouvidos às Suas palavras, e seríamos mais fortes e mais úteis. Os discípulos buscaram a Jesus e Lhe contaram tudo; e Ele os animou e instruiu. Se dedicássemos hoje tempo a ir ter com Jesus e contar-Lhe nossas necessidades, não seríamos decepcionados; Ele estaria à nossa mão direita para nos ajudar. Precisamos de mais simplicidade, mais confiança em nosso Salvador. Aquele cujo nome é “Deus forte, Pai da eternidade, Príncipe da Paz”; Aquele de quem se acha escrito: “O principado está sobre os Seus ombros”, é o Maravilhoso Conselheiro. Somos convidados a pedir-Lhe sabedoria. Ele “a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto”. Isaías 9:6; Tiago 1:5.
Em todos quantos se acham sob a direção de Deus, deve-se ver uma vida que não se harmonize com o mundo, seus costumes ou práticas; e todos têm de ter experiência pessoal na obtenção do conhecimento da vontade divina. Precisamos ouvir individualmente Sua voz a nos falar ao coração. Quando todas as outras vozes silenciam e em sossego esperamos perante Ele, o silêncio da alma torna mais distinta a voz de Deus. Ele nos manda: “Aquietai-vos, e sabei que Eu Sou Deus”. Salmos 46:10. Somente assim se pode encontrar o verdadeiro descanso. E é essa a preparação eficaz para todo trabalho que se faz para Deus. Por entre a turba apressada e a tensão das febris atividades da vida, a alma que assim se refrigera será circundada por uma atmosfera de luz e paz. A vida exalará fragrância, e há de revelar um divino poder que atinge o coração dos homens.