Por Ellen White
O Desejado de Todas as Nações
Este capítulo é baseado em Levítico 23: 40; Mateus 8: 19 – 20; João 1:45; 6: 5 – 7; João 14:5 – 8; 2 Coríntios 4:7; Hebreus 5:2, Marcos 3:13-19; Lucas 6: 12 – 16
E subiu ao monte, e chamou para Si os que Ele quis; e vieram a Ele. E nomeou doze para que estivessem com Ele e os mandasse a pregar”. Marcos 3:13, 14.19
Foi sob as protetoras árvores da encosta da montanha, pouco distante do mar da Galileia, que Jesus chamou os doze para o apostolado e proferiu o sermão do monte. Os campos e as colinas eram os Seus retiros favoritos, e muitos de Seus ensinos foram ministrados sob a abóbada celeste, de preferência a templos ou sinagogas. Sinagoga nenhuma poderia haver comportado as multidões que O seguiam; mas não foi somente por essa razão que preferiu ensinar nos campos e bosques. Jesus amava as cenas da natureza. Para Ele, todo quieto retiro era um sagrado templo.
Fora sob as árvores do Éden que os primeiros habitantes da Terra encontraram seu santuário. Ali Se comunicara Cristo com o pai da humanidade. Quando banidos do paraíso, nossos primeiros pais ainda adoraram nos campos e bosques, e ali os procurava Cristo com o evangelho de Sua graça. Fora Cristo que falara com Abraão sob os carvalhais do Manre; com Isaque, quando saía orar no campo à tardinha; com Jacó nas colinas de Betel; com Moisés nas montanhas de Midiã; e com o jovem Davi, quando apascentava os rebanhos. Fora por instruções de Cristo que, por quinze séculos, os hebreus haviam deixado suas habitações durante uma semana todos os anos, vivendo em cabanas feitas de ramos verdes “de formosas árvores, ramos de palmas, ramos de árvores espessas, e salgueiros de ribeiras”. Levítico 23:40.
Preparando Seus discípulos, Jesus buscou de preferência afastar-Se da confusão da cidade para o sossego dos campos e colinas, como estando mais em harmonia com as lições de abnegação que lhes desejava ensinar. E durante Seu ministério apreciava reunir o povo em torno de Si, sob o céu azul, em alguma relvosa encosta, ou na praia do lago. Ali, circundado pelas obras de Sua própria criação, podia dirigir o pensamento dos ouvintes do artificial para o natural. No crescimento e desenvolvimento da natureza, revelavam-se os princípios de Seu reino. Ao erguerem os homens o olhar para as montanhas de Deus, contemplando as maravilhosas obras de Suas mãos, poderiam aprender preciosas lições de verdade divina. Os ensinos de Cristo ser-lhes-iam repetidos nas cenas da natureza. O mesmo acontece com os que se dirigem aos campos com Cristo no coração. Sentir-se-ão circundados de santa influência. As coisas da natureza evocavam as parábolas de nosso Senhor, e repetem-Lhe os conselhos. Pela comunhão com Deus na natureza, eleva-se o espírito e o coração encontra paz.
O primeiro passo devia ser dado agora na organização da igreja que, após a partida de Cristo, O devia representar na Terra. Não tinham a sua disposição nenhum custoso templo, mas o Salvador conduziu os discípulos ao retiro que amava, e no espírito dos mesmos ficaram para sempre ligados os sagrados incidentes daquele dia com a beleza das montanhas, do vale e do mar.
Jesus chamara os discípulos para que os pudesse enviar como testemunhas Suas, a fim de contarem ao mundo o que dEle tinham visto e ouvido. Seu encargo era o mais importante a que já haviam sido chamados seres humanos, sendo-lhe superior apenas o do próprio Cristo. Deviam ser coobreiros de Deus na salvação do mundo. Como no Antigo Testamento os doze patriarcas ocupam o lugar de representantes de Israel, assim os doze apóstolos deviam servir de representantes da igreja evangélica.
O Salvador conhecia o caráter dos homens que escolhera; todas as suas fraquezas e erros Lhe eram patentes; sabia os perigos por que deviam passar, a responsabilidade que devia pesar sobre eles; e o coração afligiu-se-Lhe por esses escolhidos. Sozinho sobre a montanha junto ao Mar da Galiléia, passou a noite inteira em oração pelos discípulos, enquanto eles mesmos dormiam ao pé do monte. Aos primeiros clarões da aurora, chamou-os para junto de Si; pois tinha alguma coisa importante a lhes comunicar.
Esses discípulos tinham estado por algum tempo unidos a Jesus em labor ativo. João e Tiago, André e Pedro, com Filipe e Natanael, e Mateus, estiveram mais intimamente ligados a Ele do que os outros, e testemunharam mais de Seus milagres. Pedro, Tiago e João estavam ainda em convívio mais íntimo com Ele. Achavam-se quase continuamente ao Seu lado, presenciando-Lhe os milagres e ouvindo-Lhe as palavras. João achegava-se a Ele em intimidade maior ainda, de maneira que se distingue como aquele a quem Jesus amava. O Salvador os amava a todos, mas João era o espírito mais apto a receber-Lhe a influência. Era mais jovem que os outros, e com mais infantil confiança abria a Cristo o coração.
Chegou assim a uma afinidade maior com Jesus, e por intermédio dele foram comunicados a Seu povo os mais profundos ensinos espirituais do Salvador.
À testa de um dos grupos em que são divididos os apóstolos, acha-se o nome de Filipe. Foi ele o primeiro discípulo a quem Jesus dirigiu a positiva ordem: “Segue-Me.” Filipe era de Betsaida, a cidade de André e Pedro. Escutara a pregação de João Batista, e ouvira-o anunciar que Cristo era o Cordeiro de Deus. Filipe era um sincero indagador da verdade, mas tardio de coração para crer. Conquanto se houvesse unido a Cristo, a comunicação que a Seu respeito fizera a Natanael, mostra que não estava inteiramente convencido da divindade de Jesus. Conquanto Cristo houvesse sido proclamado, pela voz do Céu, como o Filho de Deus, para Filipe era “Jesus de Nazaré, filho de José”. João 1:45.
De outra vez, quando foram alimentados os cinco mil, revelou-se a falta de fé de Filipe. Foi para prová-lo que Jesus perguntou: “Onde compraremos pão, para estes comerem?” A resposta de Filipe foi de incredulidade: “Duzentos dinheiros de pão não lhes bastarão, para que cada um deles tome um pouco”. João 6:5, 7. Jesus Se magoou. Embora Filipe tivesse visto Suas obras e experimentado Seu poder, não tinha fé. Quando os gregos interrogaram Filipe acerca de Jesus, não se aproveitou da oportunidade para apresentá-los ao Salvador, mas foi ter com André. Mais tarde, naquelas últimas horas antes da crucifixão, as palavras de Filipe foram de molde a desanimar a fé. Quando Tomé disse a Jesus: “Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho?” o Salvador respondeu: “Eu sou o Caminho, e a Verdade e a Vida. […] Se vós Me conhecêsseis a Mim, também conheceríeis a Meu Pai.” De Filipe partiu a resposta de incredulidade: “Senhor, mostra-nos o Pai, o que nos basta”. João 14:5-8. Tão tardio de coração, tão fraco na fé era aquele discípulo que por três anos estivera com Jesus.
Em feliz contraste com a incredulidade de Filipe, estava a infantil confiança de Natanael. Era homem de natureza intensamente fervorosa; homem cuja fé se apoderava das realidades invisíveis. Todavia, Filipe foi aluno na escola de Cristo, e o divino Mestre lidou pacientemente com sua incredulidade e espírito tardio. Quando o Espírito Santo foi derramado sobre os discípulos, Filipe tornou-se um mestre segundo as normas divinas. Sabia de que falava, e ensinava com uma certeza que levava convicção aos ouvintes.
Enquanto Jesus estava preparando os discípulos para sua ordenação, um que não fora chamado se esforçou para ser contado entre eles. Foi Judas Iscariotes, que professava ser seguidor de Cristo. Adiantou-se então, solicitando um lugar nesse círculo mais íntimo de discípulos. Com grande veemência e aparente sinceridade, declarou: “Senhor, seguir-Te-ei para onde quer que fores.” Jesus nem o repeliu, nem o acolheu com mostras de agrado, mas proferiu apenas as tristes palavras: “As raposas têm covis, e as aves do céu ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Mateus 8:19, 20. Judas acreditava que Jesus fosse o Messias; e, ao unir-se aos discípulos, esperava assegurar para si alta posição no novo reino. Essa esperança quis Jesus tirar com a declaração de Sua pobreza.
Os discípulos estavam ansiosos por que Judas fosse contado entre eles. Tinha imponente aparência, era dotado de perspicácia e habilidade executiva, e eles o recomendaram a Jesus como pessoa que Lhe seria de grande utilidade na obra. Surpreenderam-se de que o recebesse tão friamente.
Os discípulos tinham ficado muito decepcionados de que Jesus não houvesse buscado obter a cooperação dos guias de Israel. Achavam que era erro não consolidar Sua causa com o apoio desses homens de influência. Houvesse Ele repelido a Judas, e teriam, em seu íntimo, posto em dúvida a sabedoria do Mestre. A história posterior de Judas revelar-lhes-ia o perigo de permitir qualquer consideração mundana influir no julgar a capacidade de homens para a obra de Deus. A cooperação de homens como os que os discípulos estavam ansiosos por conseguir teria entregue a obra nas mãos dos piores inimigos.
Todavia, quando Judas se uniu aos discípulos, não era insensível à beleza do caráter de Cristo. Sentia a influência daquele poder divino que atraía pecadores ao Salvador. Aquele que não viera quebrar a cana trilhada nem apagar o fumegante pavio, não repeliria essa pessoa enquanto nela houvesse um único desejo que a atraísse para a luz. O Salvador lia o coração de Judas; sabia as profundezas de iniquidade a que, se o não livrasse a graça de Deus, havia ele de imergir. Ligando a Si esse homem, colocou-o numa posição em que poderia ser dia a dia posto em contato com as torrentes de Seu próprio abnegado amor. Abrisse ele o coração a Cristo, e a graça divina baniria o demônio do egoísmo, e mesmo Judas se poderia tornar um súdito do reino de Deus.
Deus toma os homens tais como são, com os elementos humanos de seu caráter, e os prepara para Seu serviço, caso queiram ser disciplinados e dEle aprender. Não são escolhidos por serem perfeitos, mas apesar de suas imperfeições, para que, pelo conhecimento e observância da verdade, mediante a graça de Cristo, se possam transformar à Sua imagem.
Judas teve as mesmas oportunidades que os outros discípulos. Escutou as mesmas preciosas lições. Mas a observância da verdade, exigida por Cristo, estava em desarmonia com os desejos e desígnios de Judas, e este não queria ceder suas ideias a fim de receber sabedoria do Céu.
Quão ternamente tratou o Salvador àquele que havia de ser Seu traidor! Em Seus ensinos, demorava-Se sobre os princípios de generosidade que feriam pela raiz a cobiça. Apresentava diante de Judas o odioso caráter da ganância, e muitas vezes compreendeu o discípulo que seu caráter fora descrito, apontado seu pecado; mas não queria confessar e abandonar sua injustiça. Era cheio de presunção e, em lugar de resistir à tentação, continuava em suas práticas fraudulentas. Cristo estava diante dele, exemplo vivo do que se devia tornar, caso colhesse o benefício da mediação e ministério divinos; mas lição após lição caiu desentendida aos ouvidos de Judas.
Jesus não lhe passou, por sua cobiça, nenhuma repreensão de molde a ferir, mas com divina paciência lidou com esse homem faltoso, mesmo quando lhe demonstrava que lia em seu coração como num livro aberto. Apresentou-lhe os mais altos incentivos para proceder retamente, rejeitando a luz do Céu, Judas não teria desculpa.
Ao invés de andar na luz, Judas preferiu conservar seus defeitos. Maus desejos, vingativas paixões, sombrios e maus pensamentos eram nutridos, até que Satanás tomou inteiro domínio sobre o homem. Judas tornou-se um representante do inimigo de Cristo.
Quando ele se pôs em contato com Jesus, tinha alguns preciosos traços de caráter que se poderiam haver tornado uma bênção para a igreja. Houvesse ele estado disposto a tomar o jugo de Cristo, e ter-se-ia contado entre os principais apóstolos; mas endureceu o coração quando lhe eram apontados os defeitos, e, orgulhosa e rebeldemente, preferiu suas próprias ambições egoístas, incapacitando-se assim para a obra que Deus lhe teria dado a fazer.
Todos os discípulos tinham sérias falhas de caráter quando Jesus os chamou ao Seu serviço. O próprio João, que chegou a ter mais íntimo convívio com o Manso e Humilde, não era de si mesmo dócil e submisso. Ele e seu irmão foram chamados “filhos do trovão”. Marcos 3:17. Durante o tempo em que viveram com Jesus, todo menosprezo a Ele mostrado lhes despertava a indignação e a combatividade. Mau gênio, vingança, espírito de crítica, tudo se encontrava no discípulo amado. Era orgulhoso e ambicioso de ser o primeiro no reino de Deus. Mas dia a dia, em contraste com seu próprio espírito violento, contemplava a ternura e longanimidade de Jesus, e aprendia-Lhe as lições de humildade e paciência. Abriu o coração à divina influência, e tornou-se, não somente ouvinte, mas cumpridor das palavras do Mestre. O próprio eu escondeu-se em Cristo. Aprendeu a levar o jugo de Jesus, a suportar-Lhe o fardo.
Jesus reprovava Seus discípulos, advertia-os e avisava-os; mas João e seus irmãos não O deixavam; preferiam a Jesus, apesar das reprovações. O Salvador não Se afastava deles por causa de suas fraquezas e erros. Continuaram até ao fim a partilhar-Lhe as provações e aprender as lições de Sua vida. Contemplando a Cristo, transformaram-se no caráter.
Os apóstolos diferiam largamente em hábitos e disposição. Havia o publicano Levi Mateus e o ardente zelote Simão, o intransigente inimigo da autoridade romana; o generoso e impulsivo Pedro, e Judas, de vil espírito; Tomé, leal, se bem que tímido e temeroso; Filipe, tardio de coração e inclinado à dúvida, e os ambiciosos e francos filhos de Zebedeu, com seus irmãos. Estes foram reunidos, com suas diferentes faltas, todos com herdadas e cultivadas tendências para o mal; mas, em Cristo e por meio dEle, deviam fazer parte da família de Deus, aprendendo a tornar-se um na fé, na doutrina, no espírito. Teriam suas provas, suas ofensas mútuas, suas divergências de opinião; mas enquanto Cristo habitasse no coração, não poderia haver discórdia. Seu amor levaria ao amor de uns pelos outros; as lições do Mestre conduziriam à harmonização de todas as diferenças, pondo os discípulos em unidade, até que fossem de um mesmo espírito, de um mesmo parecer. Cristo é o grande centro, e eles se deveriam aproximar uns dos outros exatamente na proporção em que se aproximassem do centro.
Quando Cristo concluiu as instruções aos discípulos, reuniu em torno de Si o pequeno grupo, bem achegados a Ele e, ajoelhando no meio deles e pondo-lhes as mãos sobre a cabeça, fez uma oração consagrando-os à Sua sagrada obra. Assim foram os discípulos do Senhor ordenados para o ministério evangélico.
Cristo não escolheu, para Seus representantes entre os homens, anjos que nunca pecaram, mas seres humanos, homens semelhantes em paixões àqueles a quem buscavam salvar. Cristo tomou sobre Si a humanidade, a fim de chegar à humanidade. A divindade necessitava da humanidade; pois era necessário tanto o divino como o humano para trazer salvação ao mundo. A divindade necessitava da humanidade, a fim de que esta proporcionasse meio de comunicação entre Deus e o homem. O mesmo se dá com os servos e mensageiros de Cristo. O homem necessita de um poder fora e acima dele, para restaurá-lo à semelhança com Deus e habilitá-lo a fazer Sua obra; isso, porém, não faz com que o instrumento humano deixe de ser essencial. A humanidade apodera-se do poder divino, Cristo habita no coração pela fé; e, por meio da cooperação com o divino, o poder do homem torna-se eficiente para o bem.
Aquele que chamou os pescadores da Galileia, chama ainda homens ao Seu serviço. E está tão disposto a manifestar por nosso intermédio o Seu poder, como por meio dos primeiros discípulos. Imperfeitos e pecadores como possamos ser, o Senhor estende-nos o oferecimento da comunhão com Ele, do aprendizado com Cristo. Convida-nos a colocar-nos sob as instruções divinas, para que, unindo-nos a Cristo, possamos realizar as obras de Deus.
“Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós”.2 Coríntios 4:7. Foi por isso que a pregação do evangelho foi confiada a homens falíveis e não aos anjos. É manifesto que o poder que opera através das fraquezas da humanidade é o poder de Deus; e somos assim animados a crer que o poder que auxilia a outros, tão fracos como nós, nos pode ajudar a nós. E os que se acham rodeados de fraqueza, devem “compadecer-se ternamente dos ignorantes e errados”. Hebreus 5:2. Havendo eles próprios estado em perigo, acham-se familiarizados com os riscos e dificuldades do caminho, e por esse motivo são chamados a esforçar-se por outros em perigo idêntico. Pessoas existem perplexas pela dúvida, opressas pelas fraquezas, débeis na fé, incapazes de apegar-se ao Invisível; mas um amigo a quem podem ver, indo ter com eles em lugar de Cristo, pode ser um elo para firmar-lhes a trêmula fé no Filho de Deus.
Devemos ser coobreiros dos anjos celestes em apresentar Jesus ao mundo. Com quase impaciente ansiedade esperam os anjos nossa cooperação; pois o homem deve ser o instrumento para comunicar com o homem. E, quando nos entregamos a Cristo numa consagração completa, os anjos se alegram de poderem falar por meio de nossa voz, para revelar o amor de Deus.