No desenvolvimento do nosso conversar sobre 1 Samuel 15 muitos comentários surgiram. Esses comentários se perderam com minha saída do Google Plus.
Em um desses comentários nosso leitor Pedro pergunta:
“Como o clichê ‘Deus é amor’, mas, também é ‘justiça’ explica onde Deus é amor e onde Ele é justiça em ‘dente por dente’ e ‘oferece-lhe também a outra face’?”
Falemos um pouco sobre a ira, a raiva e como lidamos com ela. Você disse: “Eu não creio que Deus manda matar nem destruir; não creio que Ele se vinga, castiga, amaldiçoa, odeia, se ira…”
Certa vez vi um vídeo do pastor Rob Bell em que ele fez uma pergunta muito interessante: “O que é mais perturbador? Um Deus que fica com raiva ou um Deus que vê a exploração, abuso e injustiça e não fica com raiva?”
E ele acrescenta: “Na verdade há raivas saudáveis e necessárias (…) Deus é amor. E quando um humano é abusado, maltratado, desumanizado, haverá uma raiva divina, o tipo de raiva que se identifica com quem está sendo maltratado ou ferido.”
Deus mata sim, Pedro. Vimos em 1 Samuel 15, por exemplo, que Ele manda matar sim, também. Na verdade, a justiça de Deus também se expressa nos Seus juízos. O Diluvio foi uma intervenção de Deus na vida na Terra devido a grande corrupção humana. Cidades como Sodoma e Gomorra foram palcos desse agir em juízo divino. No fim da história deste Planeta testemunharemos novamente esse agir de Deus. Sua criação não foi concebida para morrer, sofrer… Então, a intervenção divina se dá neste contexto: justiça e santidade.
Quando Deus, no Antigo Testamento, fulmina Finéias e Hofni e no Novo tira a vida de Ananias e Safira a razão, a relação se dá no contexto do Seu zelo e graça: proteger Seus filhos que optam pela vida. Como sacerdotes Fineias e Hofini lidavam com aquilo que era o Evangelho para Seu povo. O Santuário, seus ritos e utensílios eram as ‘letras’ de uma carta de amor escrita com sangue: o Messias viria para trazer justiça e salvação. Morreria pela humanidade e isto era a mensagem da salvação. Esses dois homens trataram com desrespeito o que representava salvação para eles mesmos também. A falta de compromisso deles como líderes religiosos e autoridades em Israel desencaminhava o povo da fé.
Ananias e Safira por seu ato de amor próprio e vaidade poderiam facilmente ter instaurado na igreja em seu estágio inicial, a corrupção espiritual. Deus não poderia ficar omisso ante tão grande risco.
A corrupção moral das cidades pagãs colocavam em risco a própria sobrevivência da humanidade. O mal, a morte, a violência, o desamor, etc., não fazem parte do mundo que Deu planejou para a humanidade, por isso Ele intervirá no futuro de forma definitiva. Somente os que decidirem estar sob a Sua soberania e autoridade gozarão da vida eterna. Por isso, o convite das escrituras é que discernamos com temor a Sua glória , caráter e bondade, pois Ele é o criador de todas as coisas e voltará a essa Terra e com justiça aplicará o Seu juízo: aos que Lhe amarem a vida eterna, aos que Lhe odiarem a perda do direito à vida eterna.
Com Sua graça e amor perdoador Ele nos convida a andarmos em novidade de vida, amarmos Sua justiça, Seus princípios de governo e autoridade.
Pedro, insiste em nos perguntar::
“Deus recomenda a vingança”:
Êxodo 21: 23-24: “Mas, se houver morte, então, darás vida por vida. Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé…”
Levíticos 24: 19 “quebradura por quebradura, olho por olho, dente por dente; como ele tiver desfigurado algum homem, assim lhe será feito.”
Deuteronômio 19: 21 “O teu olho não terá piedade dele; vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão pé por pé.”
“Jesus prega o amor”:
Mateus 5: 38-39 “Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra.”
Não vou analisar esses versos individualmente. Não seria honesto fazê-lo sem o seu contexto. Alguém já disse certa vez que um texto fora do contexto vira um pretexto. E eu concordo com isto. Esses versos bíblicos não podem ser esquartejados do todo, haja vista fazerem parte de um contexto maior: as novas leis civis que deveriam ser observadas a partir de então pelos hebreus. Então, nos limitaremos ao tema do texto.
Não podemos nos esquecer que o mundo antigo tinha suas leis:
“A lei de talião (do latim lex talionis: lex: lei e talis: tal, aparelho que reflete tudo), também dita pena de talião, consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena — apropriadamente chamada retaliação. Esta lei é freqüentemente expressa pela máxima olho por olho, dente por dente. É uma das mais antigas leis existentes.”
“Os primeiros indícios da lei de talião foram encontrados no Código de Hamurabi , em 1780 a.C., no reino da Babilônia. Essa lei permite evitar que as pessoas façam justiça elas mesmas, introduzindo, assim, um início de ordem na sociedade com relação ao tratamento de crimes e delitos, “olho por olho, dente por dente”.
Escreve-se com inicial minúscula, pois não se trata, como muitos pensam, de nome próprio. Encerra a ideia de correspondência de correlação e semelhança entre o mal causado a alguém e o castigo imposto a quem o causou: para tal crime, tal pena. O criminoso é punido ‘taliter’, ou seja, ‘talmente’, de maneira igual ao dano causado a outrem. A punição era dada de acordo com a categoria social do criminoso e da vítima.
Diferentes ideias sobre as origens da lex talionis existem, mas a mais conhecida é de que ela se desenvolveu ao mesmo tempo em que as civilizações também se desenvolviam; e a falta de um sistema de leis para a retribuição de erros, feudos e vinganças, ameaçou o tecido social. Apesar de ter sido substituído por novas formas de teoria jurídica, o sistema da Lei de Talião, a “lex talionis” serviu a um objetivo fundamental no desenvolvimento dos sistemas sociais – a criação de um órgão cuja finalidade foi a de aprovar as retaliações e garantir que este fosse o único castigo. Este organismo foi o estado em uma das suas primeiras formas.
(…) É fácil presumir-se que em sociedades não vinculados pela regra de direito, se uma pessoa se feriu, então a vítima (ou seu parente) terá direito vingativo sobre a pessoa que causou o prejuízo. A retribuição pode ser muito pior do que o crime, talvez até mesmo a morte. A lei Babilônica colocava um limite para tais ações, restringindo o castigo para não ser pior do que o crime, enquanto vítima e agressor ocupassem o mesmo status na sociedade, enquanto castigos fossem menos proporcionais de litígios entre os estratos sociais: como blasfêmia ou laesa maiestatis (contra um deus, vizinho, monarca, ainda hoje, em certas sociedades), crimes contra um bem social foram sistematicamente punidos como pior.” (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_tali%C3%A3o)
O primeiro ponto a ressaltar: não foi Deus quem criou a regra do “olho por olho, dente por dente”. O que estava sendo agora estabelecido por Deus, com as novas leis civis que deveriam ser observadas a partir de então pelos hebreus, era um novo caráter para essas leis. Deus estava educando e civilizando um povo após este ter sido submetido a 430 anos de escravidão. Devemos nos lembrar que os hebreus tinham a mentalidade de escravos. Não sabiam lidar com a liberdade. No mundo antigo a escravidão era universalmente a base do sistema trabalhista. A lei mosaica, inclusive, permitia que os israelitas também tivessem seus escravos. Dá para entender as razões de um povo que foi escravo querer ainda escravizar outros?
Pois bem, era com essa mentalidade que Deus estava tratando. Não devemos nos esquecer que analisamos este contexto moral e social com os nossos olhos modernos já habituados a leis mais libertárias e humanas.
Embora, nos pareça estranho vindo de Deus tal sanção a estas leis devemos compreender que essa sanção divina trouxe a essas antigas leis uma lei sem paralelo. Eles queriam manter seus escravos? Ok. Mas Deus não permitiria isto por muito tempo. Aos hebreus foi permitido guardar escravos, mas seria temporário. Após 6 anos ou ainda por ocasião do jubileu eles deveriam ser libertados. Dá para entender a nova essência da lei aqui?
A nova lei sancionada por Deus trouxe o estabelecimento de regras que preservavam os direitos de personalidade individual dos escravos, pois eles recuperariam sua liberdade. Com a nova lei o servo não podia mais ser considerado um bem móvel. Em caso de crime a lei de punição teria que ser aplicada. Mas, com a nova lei a partir da sanção de Deus, passaram a existir os “poréns”.
Veja Êxodo 21:12, mas não esqueça de ver o 13. O ato de ferir a outro era a partir de agora distinguido. Daí as cidades de refúgio para proteger o criminoso contra os parentes vingativos. A nova lei fazia diferença entre o homicídio premeditado do homicídio involuntário. Note que passou a existir também o princípio da multa e este com o tempo tornou-se costumeiro.
A antiga lei semita considerava os escravos como propriedade absoluta de seus senhores. Ao “olho por olho”, com a nova lei, foi introduzido o direito ao injuriado de reivindicar sua liberdade como compensação. Em resumo, o critério da misericórdia (compensação em dinheiro, liberdade) foi introduzido à lei que eles conheciam até então.
Devemos guardar na mente que Deus estava lidando com um povo em um determinado contexto moral e social específico. Eram homens livres com mentalidade de escravos. Jesus não veio corrigir a imagem de Deus, veio para corrigir o pensamento equivocado dos homens a respeito de Deus. Veio Ele mesmo mostrar e viver o que Ele queria que os homens tivessem aprendido ao longo de sua própria experiência humana.
“Jesus prega o amor”, certo. Mas, eu complemento… Jesus prega o amor assim como Deus, pois eles são um. O mesmo que disse: “Não adulterarás” é o mesmo que disse: “os teus pecados estão perdoados, vai e não peques mais.”
Jesus não trouxe a permissão para adulterar, ao contrário confirmou que o pecado deve ser abandonado. Por isso, disse: “Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.” Essa era a lei de Talião, a de Deus era aquela que introduzia a misericórdia (multa e as cidades de refúgio). Não vejo diferença naquela sanção divina do AT e estas palavras do NT: “Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” (possibilidade de perdão – multas e cidades de refúgio).
“Então, Deus é misericórdia plena só em Jesus?”
Não, Pedro. Jesus é a demonstração da misericórdia plena de Deus.
“-Antes de Cristo, Deus não mandava oferecer a outra face?”
Sim, mandava sim! As cidades de refúgio e as multas foram medidas práticas da outra face.
“Jesus veio mudar a Deus ou dá-Lo a conhecer?”
Jesus veio viver o que os homens se recusavam a compreender e aceitar. Alguns, mesmo assim, não compreenderam ou não quiseram aceitar, tanto é que O mataram por isso. Mas, Deus O ressuscitou para que tivéssemos vida e vida em abundância. Deus é amor. Essa é a mensagem da cruz. Deus é justiça. Essa é a mensagem do Diluvio e será a do juízo final também.
Ruth Alencar