Este artigo foi traduzido para o português, a partir do francês Lire Ellen White, por Ruth Mª C. Alencar. Título do original em inglês, Reading Ellen White: How to Understand and Apply Her Writings (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997, escrito pelo pastor George Knight.
Cometemos um erro agrupando em livros os pensamentos de Ellen White sobre diversos assuntos? Um formato que ressalte uma citação após outra sem seu contexto não prejudica a compreensão dos princípios e a visão do conjunto?
Essas são excelentes perguntas. Eu as recebi durante uma sessão de perguntas e respostas num seminário feito numa igreja local sobre Ellen White. Vamos refletir nessas perguntas de maneira específica neste capítulo, mas voltaremos ao assunto ao longo do livro.
O primeiro fato que precisamos notar sobre compilações é que elas estão no coração do ministério de redação de Ellen White. Muitas compilações, como Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes e Obreiros Evangélicos, foram concluídas quando Ellen White ainda estava viva. Além disso, os nove volumes de Testemunhos Para a Igreja foram agrupados a partir de seus manuscritos e cartas. Mas isso não é tudo. Mesmo livros como Caminho a Cristo e O Desejado de Todas as Nações são em parte compilações.
Por exemplo, por ocasião da preparação do livro Caminho a Cristo, Ellen White pediu a sua secretária para pesquisar seus artigos, cartas e manuscritos prévios para que pudesse coletá-los a fim de usá-los nesse novo livro. Claro que ela estava presente para provar a seleção e a ordenação dos textos. Ela também podia acrescentar novos materiais, se necessário, e modificar os documentos existentes para que resultasse em um livro uniforme.
É importante reconhecer que a Sra. White não esperava que o trabalho de compilação parasse com sua morte. À medida que ela ficava mais idosa, compreendia que não poderia organizar tudo o que havia escrito em livros antes de morrer. Seu testamento afirma explicitamente que os depositários do Patrimônio Literário de Ellen G. White teriam a responsabilidade da “publicação de compilações de meus manuscritos”.
Ela também escreveu: “Abundante luz tem sido comunicada a nosso povo nestes últimos dias. Seja ou não poupada a minha vida, meus escritos falarão sem cessar, e sua obra irá avante enquanto o tempo durar. Meus escritos são conservados em arquivo no escritório, e mesmo que eu não viva, essas palavras que me têm sido dadas pelo Senhor terão vida ainda e falarão ao povo” (Mensagens Escolhidas, v. 3, p. 76).
Antes de prosseguirmos em nosso estudo sobre compilações, é necessário definirmos alguns termos. Os livros de Ellen White que chamamos de compilações normalmente consistem em um grande número de citações breves sobre determinado assunto, colocados numa ordem lógica e agrupadas em capítulos pelo compilador (que, para as compilações “oficiais”, geralmente é a equipe do Patrimônio White). Livros como Orientação da Criança e Conselhos Sobre o Regime Alimentar pertencem a essa categoria. Para sermos claros, chamaremos tais obras de “compilações temáticas”.
Essas compilações têm grande valor, porque tendem a ser enciclopédicas. Isto é, elas buscam apresentar num só lugar todas as declarações mais importantes de Ellen White sobre um tema. Esse é o tipo de material que deve ser procurado por alguém que pretenda ter uma boa noção das ideias de Ellen White sobre temas tão diversos como a escolha do cônjuge, o controle do apetite ou a Escola Sabatina como instrumento missionário.
Uma desvantagem potencial das compilações temáticas é que elas retiram a maioria das declarações de seu contexto literário e histórico. O contexto é muito importante, uma vez que ajuda o leitor a compreender mais facilmente a intenção do autor e o sentido completo do texto. Para minimizar esse inconveniente e dar acesso ao contexto, as fontes de cada declaração são indicadas em todas as publicações oficiais editadas depois da morte de Ellen White. Os capítulos seguintes deste livro lhe ajudarão a lidar com várias questões de interpretação levantadas pelas compilações temáticas.
No extremo oposto das compilações temáticas, com suas breves citações alinhadas de maneira enciclopédica,existe o que a maioria das pessoas considera como “livros” de Ellen White. Exemplos dessa categoria são Patriarcas e Profetas e Parábolas de Jesus. Como já vimos, eles também são compilações produzidas a partir de publicações anteriores. Mas oferecem a vantagem de terem tido o acompanhamento pessoal de Ellen White. Portanto, ela podia escrever textos adicionais que fossem necessários e modificar antigas declarações para dar equilíbrio ao conjunto. A vantagem dos “livros” é que apresentam o material em seu contexto completo.
No meio do caminho entre as compilações temáticas e os livros originais de Ellen White, se encontram obras como Testemunhos Para a Igreja, Mensagens Escolhidas e Fundamentos da Educação Cristã. São geralmente seleções de artigos e manuscritos completos (ou quase completos) que formam capítulos inteiros do livro, o que fornece um contexto muito maior do que as compilações temáticas.
Ellen White começou a publicar compilações do tipo Testemunhos Para a Igreja quando se deu conta que os conselhos que Deus lhe havia dado para certos indivíduos ou para situações particulares poderiam também ser aplicados a outras pessoas ou em outras circunstâncias. Ela escreveu em 1868: “Como as advertências e as instruções dadas sob forma de testemunhos, em casos particulares, podem se aplicar com a mesma força a muitos outros que não foram colocados em evidência desta maneira, senti-me no dever de publicar os testemunhos pessoais para benefício da Igreja.” (Testemunhos Para a Igreja vol. 5 pág. 658,659; cf. 1 Testemunhos Para a Igreja vol.1 631,632)
A criação das compilações temáticas é de certa forma uma extensão deste procedimento. Assim, deveríamos considerar a publicação de outras compilações, depois da morte de Ellen White, como uma continuação de algo que começou enquanto estava viva.
Entretanto, as compilações surgidas depois de 1915 têm limites que não têm as que foram publicadas anteriormente, afinal Ellen White não estava mais aqui para dar o seu retoque final. É por isso, que se tornou imperativo para a Fundação White, elaborar um regulamento preciso e um processo de publicação que permita assegurar que cada livro mostre seus conselhos e exprima fielmente sua intenção e seu pensamento original.
É triste que as pessoas e grupos de interesses particulares apegados a um ponto ou a outro e que queriam se servir da autoridade de Ellen White para apoiar suas conclusões, não tomem geralmente, o mesmo cuidado.
Durante sua vida, senhora White muito se preocupou com os que produziam compilações próprias de suas declarações. Ela era prudente com relação aos seus ‘assistentes’, mesmo aqueles que tinham as melhores motivações credenciais. Em 1894, ela escreveu: “Muitos dentre nosso próprio povo me escrevem pedindo com ansiosa determinação o privilégio de usarem meus escritos para dar força a certos assuntos que desejam apresentar ao povo de modo a deixar sobre eles profunda impressão.
É verdade que há razão para que alguns desses assuntos devam ser apresentados; mas não me arriscaria a dar minha aprovação ao uso dos testemunhos dessa maneira, ou a sancionar que ponham matéria, em si mesma boa, pela maneira por que eles propõem.
As pessoas que fazem essas propostas, quanto eu saiba, podem ser capazes de conduzir o empreendimento acerca do qual escrevem com prudência; não obstante, não ouso dar a mínima permissão para usarem meus escritos na maneira que elas propõem. Tomando em consideração tal empreendimento, há muitas coisas a serem levadas em conta; pois se servindo dos testemunhos para apoiar algum assunto que possa impressionar a mente do autor, os extratos poderão dar uma impressão diferente daquela que dariam, fossem eles lidos em sua relação original.” (Mensagens Escolhidas vol 1, 58)
Ellen White não tratou somente com pessoas aparentemente equilibradas que podiam cometer, inadvertidamente, uma má impressão através das compilações de sua obra, ela também enfrentou personalidades excessivas que empregavam, de uma maneira ou de outra, textos de seus escritos para dizer o contrário do que ela queria dizer.
“Eu sei,” escreveu ela, “que muitos homens tomam os testemunhos que o Senhor tem dado, e aplicam-nos como lhes parece que deviam ser aplicados, pegando uma sentença aqui e ali, tirando-a de sua devida ligação, e aplicando-a segundo sua ideia. Assim ficam pobres almas perplexas quando, pudessem elas ler em ordem tudo quanto foi dado, veriam a verdadeira aplicação, e não ficariam confundidas. Muita coisa que pretende ser mensagem da irmã White serve ao desígnio de representar mal a irmã White, fazendo-a testificar em favor de coisas que não estão em harmonia com seu espírito ou juízo.” (Mensagens Escolhidas vol. 1, 45)
Outros, citando Ellen White misturam suas próprias palavras com as dela e dão a impressão que suas idéias são as dela. (ver Testemunhos Para a Igreja vol. 6, pág. 122, 123). Enfim, tem os que, querem “reforçar suas posições, colocam a princípio textos dos testemunhos os quais eles pensam apoiar seus pontos de vista e elaboram sobre eles a mais sólida construção possível” (Testemunhos Para a Igreja vol. 5, 688).
A última frustração que conheceu Ellen White proveio destes que deturparam seus escritos para apoiar sua própria opinião, seja em declarações isoladas, seja através de suas próprias compilações. Escutem o grito de seu coração: “O que eu disse em conversações particulares é repetido de tal maneira que signifique exatamente o oposto ao que eu queria dizer, caso os ouvintes fossem santificados na mente e espírito. Tenho receio de falar até com os meus amigos; pois depois eu ouço: A irmã White disse isto; ou: A irmã White disse aquilo.
Minhas palavras são tão torcidas e desvirtuadas que estou chegando à conclusão de que o Senhor deseja que me afaste das grandes reuniões e rejeite as entrevistas particulares. Aquilo que eu digo é relatado de um modo tão deturpado que se torna novo e estranho para mim. É mesclado com palavras proferidas por homens para apoiar suas próprias teorias.” (Mensagens Escolhidas vol.3 82,83)
Ellen White não podia, com certeza, controlar estes que empregavam mal seus escritos, mas ela advertiu que “Deus julgará estes que tomam de liberdades injustificadas e empregam de meios desonrosos para dar força e influência ao que consideram como verdade.” (Testem. Ministros e Obreiros Evangélicos 32-33)
E qual é seu conselho com relação a estes que têm um forte desejo de empregar seus escritos para apoiar suas idéias? Isto é nítido e claro: “que os testemunhos falem por si mesmos. Não apanhem os indivíduos as declarações mais fortes, feitas a pessoas e famílias, impondo essas coisas porque desejam usar o açoite e ter algo para impor.” (Mensagens Escolhidas vol. 3 pág. 286-287).
Sua própria solução para compartilhar seus conselhos sobre os assuntos que ela não teve tempo de desenvolver plenamente em seus livros, antes de sua morte, foi de dar ao comitê encarregado de seus bens a autoridade de fazer compilações póstumas. Ela suspeitava que tais obras teriam limites, mas ela sentia-se à vontade com um sistema que ela utilizou antes de sua morte para publicar suas obras. Ela sabia também que tal sistema, com toda vigilância, equilíbrio e precaução que comporta, garantiria a transmissão de suas idéias da maneira mais fiel possível.
Em conclusão, em toda a sua vida, Ellen White se manteve a distância de toda compilação independente e fez o necessário para o desenvolvimento organizado de obras oficiais após a sua morte.
Neste capítulo, reconhecemos a necessidade de um desenvolvimento das compilações pela Fundação White. Mas, mesmo se o maior cuidado foi tomado, tais documentos podem ser mal empregados. O próximo capítulo propõe um plano de leitura dos escritos de Ellen White e os capítulos seguintes estabelecem os princípios de interpretação e de aplicação de seus conselhos. Numerosas idéias figuradas neste livro ajudarão os leitores a abordar mais facilmente os problemas temáticos.
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