Ellen G. White e o “Movimento Social da Saúde”

Fonte: A Relação entre Religião e Saúde no Discurso de Ellen White (1827-1915)*
Escrito por Everton Ferreira Fróes
As Condições Sociais dos Estados Unidos da América na Segunda Metade do Século XIX

Alguns fatos sociais contribuíram de uma forma significativa para as perspectivas e propostas de Ellen White quanto à temática de saúde. Portanto é pertinente a afirmação de que todos nós, bem com a Senhora White, “em grande parte somos filhos de nosso tempo”. (Douglass, 2001, p. 45). Isto porque o ambiente geográfico, cultural, social, político, econômico, religioso, bem como movimentos da saúde poderiam ter influenciado, em parte, as convicções da escritora com relação ao tema de saúde, que é a proposta deste estudo. Mas, por agora iremos estudar estas abordagens sociais acima que possam ter influenciado Ellen White, embora essas situações não determinem por si mesmas, a natureza e os desdobramentos do caráter e personalidade de Ellen White.

O tempo de recorte no qual teremos uma visão geral será da segunda metade do século XIX até o início do século XX, mas incluiremos de forma geral a abrangência de toda a vida da Senhora White que vai de 1827 à 1915. Esse foi um período de efervescência de rápidas mudanças. Sobre isso escreveu C. F. Teixeira que “embora não se tenha deixado determinar pelas circunstâncias de seu tempo e lugar, Ellen White com elas conviveu e a elas foi sensível, demonstrando atenção e preocupação com certas ideias e práticas. Mostrou determinação ao criticar, de forma categórica, muitas ocorrências do seu tempo.” (Teixeira, 2012, p. 33)

Portanto, é preciso conhecer o ambiente geográfico de Ellen White para melhor compreender suas citações e o contexto em que elas se inserem.
Ambiente geográfico:

Ellen White viveu os 20 primeiros anos no Estado de Maine, nas proximidades Portland, que era a maior cidade do Estado, em 1840, com uma população de 15.218 habitantes. Embora esse número hoje pareça pequeno, na década de 1840, Portland, superava em tamanho as cidades de New Haven e Hartford, Connecticut e Savanah, Geórgia. Portland tinha um movimentado porto, o que colocava o Maine em terceiro lugar no total de carregamentos, atrás apenas de Massachusetts e Nova Iorque. O transporte a vapor regulares para Boston, frequentemente, sofria uma guerra de preços, e o custo da passagem chegava a cair para apenas 50 centavos no ano de 1841.

Nessa região, o verão era ameno e agradável, porém o inverno, conforme já registrado, as temperaturas chegavam a cair a 31º (graus) negativo. Frequentemente o porto ficava coberto de gelo durante dias ou até mesmo semanas, e o mesmo acontecia com o campo, que permanecia coberto de neve. Com relação à área educacional da cidade, Portland, tinha “um sistema escolar progressista” para estudantes entre os quatro e os 21 anos de idade. Depois da escola primária básica com quatro anos de estudo, o aluno podia entrar para a escola primária superior onde cursaria mais quatro anos de estudos. A educação gratuita para as meninas, contudo, acabava na escola primária superior, enquanto os meninos podiam prosseguir na escola secundária quatro anos de estudo, especializando-se no ensino avançado do inglês, depois de passar noutro exame público. Estudo este, com vistas a preparar mão de obra para a demanda comercial e industrial da época. Contudo, o papel do negro, da mulher e do estrangeiro era limitado na educação.

É importante ressaltar o quesito saúde, que em Portland, Maine, era deficiente, pois o sistema de saúde não contava com hospitais e os médicos atendiam em casa. Não houve em Portland hospital até 1855. Os doentes eram tratados em casa ou no consultório de algum médico. Um doutoramento em medicina podia ser obtido a cerca de 40 quilômetros de Portland, após três meses de aulas expositivas, uma tese escrita e um exame final diante do corpo docente do departamento de medicina equivalente às melhores escolas norte-americanas de medicina da época. A situação local em Portland, Maine era:

A estatística da cidade enumera uma ampla relação de causas mortis, indo “desde uma extensa variedade de febres (tifoide, tifo, ‘febre pútrida’) e doenças comuns da época (cólera e sarampo) até algumas designações hoje consideradas estranhas ou arcaicas (escrófula, ‘súbita’ e gravela). De longe, a mais comum causa de óbito era a tísica pulmonar (tuberculose), seguida por ‘febres’, hidropisia, ‘distúrbios intestinais’ e outras doenças que haviam atingido proporções epidêmicas (como o sarampo em 1835 e escarlatina em 1842).“Os jovens eram os mais gravemente atingidos; os de 10 anos para baixo constituíam muitas vezes cerca de 50% das mortes anuais(sem contar os natimortos). “Em outras palavras, a expectativa de vida média em 1840 era de 22,6 anos, a qual, segundo pretendia o Advertiser, demonstrava o ‘nível superior de saúde desfrutado em Portland’” (Douglass, 2001, p. 45).

Essa situação caótica no tocante à saúde da região onde ela viveu por tantos anos foi um dos fatores que mais incentivou os escritos de Ellen White quanto ao tema.
Ambiente Político e social:

Quanto ao ambiente político que envolve os EUA nos tempos da Senhora White Camargo (1989), referiu o seguinte: “Da estreita faixa de terra das treze colônias inglesas, os Estados Unidos lograram, em menos de um século de vida independente, transformar-se num imenso conglomerado territorial de sete milhões e oitocentos mil quilômetros quadrados (7.800.000 Km²),” (Camargo, 1989, p. 49). Na segunda metade do século XIX, houve um novo período de expansão territorial nos EUA. Alguns eventos influenciaram diretamente a metodologia e o conteúdo da política do novo país, tornando-o independente. Entre a década de1830 a 1840, os EUA se unificaram de costa a costa, Teixeira (2012) afirmou:

Os eventos mais marcantes para a política norte-americana do século XIX foram o fim da guerra contra o México e a consequente anexação territorial de novos Estados, (…) formando uma nação continental; o aumento rápido da população nacional; as crescentes e ininterruptas chegadas de imigrantes; e os conflitos acerca das relações raciais, que tiveram na abolição da escravatura seu ponto nevrálgico, culminando mais tarde com a sangrenta e enfraquecedora Guerra Civil (Teixeira, 2012, p. 33).

Em 1850, houve um espantoso aumento da população dos Estados Unidos, que se elevou de cerca de cinco milhões em 1800 para mais de 20 milhões em 1850. Ondas crescentes de imigrantes alteraram a estrutura das cidades. Na década de 1820 entraram nos EUA 150 mil imigrantes, enquanto que na década de 1850 esse total já era de 2,5 milhões. Essa imigração maciça trouxe por um lado “vigor e variedade”, mas também “temor, suspeitas e hostilidade”. Pois centenas de milhares deles eram católicos romanos, vindos da Irlanda, Itália e de outros países europeus. Isso despertou ressentimento, não só porque a sua totalidade inundou o mercado com mão-de-obra barata, mas, também, porque sua homogeneidade religiosa era uma ameaça à uniformidade anterior de uma América branca, protestante e anglo-saxônica.

Embora fosse um fenômeno mais de ordem social e demográfica, as relações raciais influíram grandemente nas questões políticas nos Estados “livres” da escravidão. A questão escravista aumentou progressivamente na primeira metade do século XIX, culminando na Guerra Civil que abalou e debilitou a União na década de 1860. Enquanto a jovem nação cambaleava rumo à escura noite do conflito civil, muitos abolicionistas brancos arriscaram a própria vida, falando abertamente contra a escravidão e a favor de sua imediata extinção. (Douglass, 2001). Dessa forma, o período de vida da escritora Ellen G. White, ocorreu em meio a uma época de turbulência e de grandes mudanças sociais. Por isso, ela escreveu muito sobre os tenebrosos anos da guerra civil e a situação difícil dos escravos, o impacto do êxodo rural entre outros assuntos de cunho social de sua época.

Por sua vez, os historiadores dão conta que, por volta da metade do século XIX, as mudanças sociais que abalaram o jovem país, ajudaram na expansão do individualismo. O país não estava preparado para lidar com as diferenças que se evidenciaram com a chegada massiva de imigrantes em seu território. O sonho de liberdade que impulsionou o início do país parece não haver amadurecido o suficiente para o convívio pacífico e respeitoso entre pessoas de etnias, nacionalidades e classes distintas, muitas vezes até opostas. Segundo Douglass (2001), durante a presidência de Andrew Jackson, a porta foi aberta para que o “homem comum” procurasse se inteirar de temas ligados à reforma de costumes. Muitos frequentavam o circuito Chautauqua, que eram reuniões anuais educacionais. Nas quais se realizavam conferências públicas, concertos e apresentações dramáticas. Essas atraíam milhares de pessoas para ouvir palestras sobre temas tão diversos como escravatura, fourierismo (pequenas comunidades cooperativas), reforma agrária, perfeccionismo, mesmerismo (hipnose), não violência, pão integral, e outros temas ligados à saúde. E os textos sobre essas “reformas” inundavam o mercado. Havia periódicos sobre temperança, revistas dedicadas ao espiritualismo, socialismo, frenologia, homeopatia, hidroterapia, direitos femininos, sociedade secreta Odd Fellows, maçonaria, antimaçonaria e todos os conceitos, movimentos e sensações de uma comunidade de mente extremamente dinâmica.

O jovem País também era um caldeirão de polarizações sociais e as relações raciais assustavam a maior parte das comunidades em cada Estado. Grupos étnicos que incluíam determinados europeus, orientais, hispânicos, negros e índios norte americanos, tinham que enfrentar o preconceito cego que afetava tanto o local de trabalho como a vizinhança.

Também, por causa da imigração na segunda metade do século XIX, houve um aumento significativo das populações das cidades. Todos em busca de empregos, principalmente pelos novos empreendimentos industriais. O surgimento das cidades  industrializadas e urbanizadas, e o constante aumento populacional fez com que a nação, nascida na zona rural, tornasse urbana. O número de norte-americanos, que vivia em centros com mais de 2.500 habitantes, havia crescido de 19% em 1900 para 52% em 1920. A mudança de ritmo natural, tradicional, da fazenda para a vida artificial da cidade exigiu a adoção de novos e difíceis mecanismos de ajustes e adequação.

Outro fenômeno social que polarizava as cidades eram os conflitos de classe. Ricos ilustres eram invejados pelos que trabalhavam nas fábricas, e eram, em sua grande maioria, imigrantes. O êxodo rural, a falta de adaptação à vida urbana. Isso provocou um aumento significativo no consumo de álcool, tornando o alcoolismo uma preocupação nacional. Douglass, (2001), considerou os Estados Unidos daquela época como uma “república de alcoólatras”. O consumo de álcool anual per capita havia subido de 11,3 litros em 1800 para 15,1 litros em 1830.

Perto de 1839, a Sociedade Norte-Americana de Temperança, por intermédio de suas mais de oito mil sociedades locais, havia convencido 350 mil pessoas a assinar um voto de abstinência total, sendo considerado esse “total” um grande passo, mesmo para os defensores da temperança. A União Feminina de Temperança Cristã, organizada em 18/11/1874, era particularmente eficaz na região de atuação. (Douglass, 2001).

Ambiente religioso

Segundo alguns historiadores, seria difícil encontrar na história dos EUA um período que se aproximasse da efervescência religiosa de meados do século XIX. Todos os locais do País experimentaram efeitos dessa efervescência religiosa, ao longo de todo o século, e, ainda, as mais diversas crenças eram alimentadas pela intensificação dos rumores de que o mundo chegaria ao fim (Sepúlveda, 1998).

Vários fatores contribuíram para essa inquietação religiosa. Alguns atribuem à mesmo que cada um dos itens mencionados tenha sua importância, é possível que a condição religiosa tenha sido a maior motivadora, conforme se informa: Em parte, estes reavivamentos religiosos alcançaram o auge em razão da condição estática das religiões existentes na Nova Inglaterra e Nova Iorque. As igrejas estabelecidas haviam se transformado em instituições que apaziguavam a consciência dos ricos. Em suas origens essas igrejas estabelecidas haviam sido organismos reformadores que criticavam a ordem estabelecida; seus pastores buscavam a liberdade religiosa e o serviço a humanidade. Porém com o passar do tempo os congrecionalistas, unitários e episcopais se converteram em igrejas do status quo. Geralmente, essas comunidades não tinham desejos de reformar a ordem existente, do contrário, haviam se convertido em instituições que apoiavam aos que controlavam a sociedade e desejavam conservar sua condição (Sepúlveda, 1998 p. 30).

Segundo Flávio Teixeira (2012), essa frieza cristã diante da miserável realidade social das massas religiosas, logo começou a produzir seus efeitos, aumentando a dinâmica da religiosidade nos âmbitos sociais, institucionais, e o resultado veio de incontáveis ideias, cada qual pretendendo ter a resposta e a solução para a crise social vivida pela sociedade estadunidense. Até mesmo no âmbito político, a religiosidade mostrou-se influente e ativa. No lado social, pode-se notar que:

Revivamentistas e milenistas, comunitários e utopistas, espiritualistas e prognosticadores, celibatários e polígamos, perfeccionistas e transcendentalistas – todos adicionavam tempero ao cenário religioso anteriormente dominado pelas organizações religiosas convencionais. Igrejas oficiais foram desfeitas pelo conflito, especialmente os calvinistas da antiga e da nova escola. A ênfase wesleyana sobre a graça livre fomentou impressionantemente a “preeminência da experiência religiosa”. Surgiam novos grupos religiosos com estrondoso sucesso, mas em nenhum lugar eles prosperavam em maior variedade que no cálido viveiro do norte do Estado de Nova Iorque (Douglass, 2001, p.47).

Para Halley Schünemam, (2002), com a modernização da sociedade, a religião, na sua forma tradicional, exerce cada vez menos apelos nos EUA. Na década de 1850, a marca foi o crescente antagonismo devido à questão da escravatura. Após a Guerra Civil, principalmente após 1870, surgem movimentos de reavivamento e santificação que dão um novo rumo à experiência religiosa nacional.

Porém, após e durante a Guerra Civil, sobrou para os religiosos a tarefa de explicar qual a razão da potencial ruína da nação; do lado norte e da União havia o medo de fragmentação dos estados e um enfraquecimento do país, correndo o risco de ser sobrepujado por nações que ainda praticavam o colonialismo como a Espanha, Inglaterra e França. Para os empresários havia o medo de que, com essa realidade, voltassem a cobrança de altos tributos, caso o país fosse conquistado. Sobrou para os religiosos a tarefa de reforçar a questão da convicção na eleição dos Estados Unidos como um povo escolhido de Deus. Devido ao possível fracasso da nação buscou-se na religião evitar o insucesso da pretensa escolha divina. Em 1863, pastores reunidos em Xênia, Ohio se ocuparam de dar uma resposta à sociedade, afirmando que a guerra e a decadência da nação eram resultados da corrupção moral da sociedade. Afirmaram também que o governo havia falhado em não reconhecer a autoridade de Jesus Cristo e não fazer cumprir a lei moral; apontando as novas religiosidades e a imigração como principal motivo para esse estado de coisas. Acusaram o fato, de católicos, judeus, agnósticos e ateus estarem imigrando para os EUA em cifras assombrosas, sendo esse um dos motivos que comprometia a ordem política, social e religiosa nesse país. Segundo Schünemam (2002), após 1870 surge uma nova onda de movimento reavivacionista, e Moddy se tornou o grande pregador das multidões no pós-guerra, fazendo uma série de cruzadas evangelísticas pelas grandes cidades como Boston, New York, Philadelphia e Chicago. Esta fenomenologia religiosa foi intensa com encontros campais e uma quantidade significativa de crentes e igrejas envolvidos nesse reavivamento. Douglass assim descreve tal clima religioso:

As reuniões campais, principalmente metodistas, eram estufas espirituais onde emergiam diversos estágios de exuberância com o senso de “nova revelação”, a possibilidade de santidade imediata e a consciência de participar no cumprimento de “antigas esperanças mileniais”… O “espírito” da reunião campal era levado para os cultos semanais das igrejas e para os tabernáculos evangélicos da cidade. Evangelistas profissionais davam continuidade ao legado das reuniões campais com pregações de alta voltagem. O respeito pela “religião do tempo antigo” refletia-se nos cânticos das reuniões campais, realizadas até o dia de hoje. Como era de se esperar, os primeiros adventistas (muitos deles ex-metodistas) frequentemente expressavam seus sentimentos espirituais como os outros protestantes evangélicos. “Bradar” por algum tempo era provavelmente o modo mais característico de expressão pública. (Douglass, 2001, p.47).

Novas religiosidades surgiram próximo a este período. Igrejas, comunidades e grupos como A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, o Espiritismo norte-americano, a Comunidade dos Shakers, a Comunidade dos Irmãos Universais, a Comunidade Oneida, a Igreja Unitarista, Ciência Cristã e a Igreja Adventista do Sétimo Dia. A década de 1840 foi uma época turbulenta também para reivindicações proféticas do tipo shakers, o mormonismo ou da Ciência Cristã.

É digno de nota, que cada um desses movimentos religiosos modernos tenha sido concebido por líderes carismáticos que afirmavam possuir o dom de profecia. Jemina Wilkinson (29/11/1752 à 01/07/1819) e Ann Lee (29/02/1736 à 08/09/1784) foram às primeiras profetisas norte-americanas.Lee, mais conhecida por ser “mãe dos shakers, passou pela experiência do que parecia ser “transes e visões nas quais lhe foi revelado que a raiz e o fundamento da corrupção humana e fonte de todo mal era o ato sexual”. Durante os quatro últimos anos de sua vida, relata-se que a Mãe Ann realizou milagres capazes de convencer a seus seguidores de que era o Cristo em sua “segunda vinda”.

O jovem Joseph Smith (23/12/1805 à 27/06/1844) ficou muito perturbado com a mixórdia de escolhas religiosas: No meio desta guerra de palavras e tumulto de opiniões, ele dizia muitas vezes para si mesmo: “Que devo fazer? Qual desses grupos tem razão? Ou todos estão errados?” Logo sua oração foi respondida pela “aparição” tanto do Pai como do Filho. Segundo ele conta, Pai e Filho lhe disseram que ele não devia ingressar em denominação nenhuma, pois todas eram corruptas. Depois de um período adicional de estudo, relatou que o anjo Morôni lhe aparecera e o conduzira às “placas de ouro”. Essas contam a história da última tribo de Israel, que, séculos antes, havia vivido no continente americano. Posteriormente em 1930, Smith publicou o livro do Mórmon.

O Movimento Pró– Saúde nos Estados Unidos da América no Século XIX

Após termos uma ideia geral do ambiente geográfico, social, político, religioso norte-americano no século XIX, vejamos, agora, qual era a realidade da saúde nessa época e nesse país, bem como o movimento de reforma pró – saúde que ocorria por ocasião em que Ellen White também participou e propôs a reforma de saúde no meio adventista de forma oral, por meio dos seus escritos e instituições para os não adventistas, inicialmente nos Estados Unidos, depois, para o mundo, o que será mostrado na última parte deste capítulo.

Para conseguir entender as dificuldades e problemas da saúde na jovem América do Século XIX e o motivo pelo qual surge a intenção de reformas pró-saúde, será necessário ainda abordarmos os seguintes temas elucidativos: urbanização desordenada, vícios perniciosos, diversões degradantes e estilo de vida desumano e as intervenções medicina do século XIX. Como estes são temas periféricos, para melhor compreensão, utilizaremos de alguns trabalhos nesta questão que ajudarão, Principalmente a tese de Carlos Flávio Teixeira(2013), Ciro Sepulvida(1996), Hebert Douglass,(2001) Glauber Souza(2011), Schünemam (2002), Garry Land (1995) entre outros. Por fim, ainda no item 2 deste capítulo, abordaremos alguns tratamentos médicos mais comuns nesta época e o movimento pró-saúde nos EUA.
Urbanização desordenada

Na primeira metade do século XIX, os EUA experimentavam um crescimento para o Oeste, levando ao surgimento de novos estados como o Arkansas, Michigan, Iowa, Flórida e Wisconsim, que eram agregados à União. A revolução industrial havia alcançado os Estados Unidos, levando-o a deixar uma posição de produtor de bens de segunda categoria para o primeiro lugar em produção de bens. O país construiu uma malha ferroviária que unia o país de leste a oeste, de norte a sul, auxiliando no crescimento e tornando-o símbolo do período pós-guerra Civil. Além da expansão territorial, o país obteve um crescimento populacional muito grande, com a chegada diária de milhares e milhares de imigrantes aos EUA. No final do século XIX, o País já havia alcançado uma população em torno de uns 100 milhões de habitantes, que se aglomeravam em torno das cidades, tornando as condições de vida paradoxais.

Houve, na segunda metade do século XIX, uma aglomeração, que Teixeira chama de “urbanização desordenada” devido ao êxodo rural. Era a busca de oportunidade de novos empregos que eram oferecidos por meio da expansão industrial. As cidades incharam de tal maneira que os governantes locais não estavam preparados para atender a tantas demandas. Só na década de 1840, enquanto a população do país aumentou cerca de 36%, as cidades cresceram 90%. Pequenas aldeias e vilarejos rapidamente se transformaram em grandes cidades com a migração. O motivo deste crescimento, além da busca de empregos, era a educação gratuita, as inovações úteis, como: telégrafo, telefone, lâmpada elétrica, bonde elétrico e no aspecto cultural: teatro e sinfonias estavam entre os atrativos.

Muitos estudiosos destacam aspectos negativos da vida urbana norte-americana no século XIX, a falta de preparo do governo, pois só em Nova Iorque estima-se que 11 toneladas de estrumes e 227 mil litros de urina eram depositados nas ruas pelos cavalos e animais de transportes. Junto a isso, toneladas de lixo atraíam enxames de moscas, mosquitos, e insetos. A maioria das cidades não tinha saneamento público, abrindo as portas para ameaças constantes de doenças como a cólera, malária, febre tifoide, caxumba e outras doenças. (Land 1995, pp. 80, 81). Devido à falta de infraestrutura das ‘cidades, ocorriam incêndios de grandes proporções, poluição excessiva do ar, aparência descuidada dos prédios, construção de ambientes apertados e extremamente aglomerados sem ventilação, ruas não pavimentadas. Tudo fazia com que um fétido depósito de estrume de cavalos misturado com lama e enxames de moscas, infestações de ratos, esgotos correndo ao céu aberto, água sem tratamento ou com tratamento deficiente ou ineficaz. Tudo isso, um conjunto de situações alimentando uma bomba relógio para a saúde pública de quem vivia nesses centros (Teixeira, 2012). Land (1995), registrou o seguinte:

A historiadora médica Judith Leavitt havia descrito acertadamente os problemas sanitários da vida da cidade, com suas moradias abarrotadas de ocupantes, escuras e sem ventilação adequada; ruas sem pavimentação, repletas de esterco de cavalos e cheias de restos de alimentos espalhados; abastecimento de água inadequado ou inexistente, poços vedados que permaneciam todo ano sem ser esvaziados; caixas d’água com vazamentos; sistemas de esgoto abertos em mau funcionamento e odor insuportável. (Land 1995, p. 177).

Este ambiente impróprio à saúde tornou-se um compêndio para a literatura médica. O relato da incidência, em assustadoras proporções, de vários tipos de doenças, sem possibilidade de cura para a medicina da época, como a cólera, a malária e a febre tifoide. Ocorriam mortes em massa que desafiavam o inoperante e ou inexistente sistema de saúde. Os edifícios construídos com pouco espaço agigantavam os problemas de saúde pública. Segundo relata (Teixeira, 2012) estes apartamentos eram apertados, sem ventilação e com pouca luz solar.

Somados a tudo isto, estava o problema de desemprego e acidentes de trabalho nas indústrias, que ainda não contavam com seguro social. Essa situação aumentava a pobreza e a miséria, fazendo deste um problema não só de saúde pública e social, mas também governamental e político. E da parte do sul dos EUA, onde a sociedade era ainda mais de caráter rural e a norte mais urbano, criou-se uma polêmica sobre como tratar a situação e problemas surgidos. Esses conflitos ajudam no entendimento da proposta de reforma de saúde, que empolgou Ellen White e os adventistas desde então. White foi motivada a escrever um livro, defendendo a vida no campo, em resposta àquela urbanização desordenada e prejudicial à saúde. Até porque, membros da Igreja passavam por problemas de saúde.

Os Vícios perniciosos (álcool e fumo)

Os primeiros conselhos de Ellen G. White em sua reforma de saúde atacaram os vícios de fumar e beber bebidas alcoólicas. Porém, esses eram artigos usados até mesmo como terapia médica nos EUA do século XIX. Isso é bem retratado nos antigos filmes de “velho oeste”, produto muito comum e largamente consumido na América. Naqueles tempos, o número de usuários e consumidores de álcool era enorme, sem respeitar até mesmo a idade, classe, raça e sexo, nem sequer a religião. Nada ficava de fora dessa degradação da saúde, pois muitos deixavam sua igreja devido aos vícios de bebedeiras e outros frequentavam, normalmente, uma igreja mesmo usando bebidas alcoólicas. Segundo (Teixeira, 2012), o ativismo das sociedades de temperança ganhou força por volta de 1840, quando o consumo per capita de álcool começou a diminuir. Em 1850, havia um ativismo contra o álcool que ia, diretamente, contra as tabernas ou cantinas, que eram locais em que, além de vender bebidas, promovia a prostituição e o uso de drogas como ópio e fumo.

Segundo Land (1995), referiu que em 1851, o Estado de Maine foi o primeiro a aprovar lei de abstinência ao álcool em qualquer de suas formas, e em 1854, outros treze estados aprovaram legislação como ou/ de mesmo teor. Todavia, em anos subsequentes forças contrárias conseguiram revogar tais leis em 9 de 14 Estados. Políticos e a religião participavam de cruzadas contra vícios e lugares de promoção, as cantinas eram fechadas e reabertas, num movimento que, até o final do século, demonstrou a evidência de constantes lutas entre os interesses financeiros e a saúde pública, como ainda acontece até os dias atuais. As campanhas eram, principalmente, contra as cantinas. Land (1995) informa:

Sentimos que, como organização, bem podemos convencer às igrejas, as escolas, as organizações de temperança, a consciência e o sentido comum dos homens da erradicação definitiva do hábito de beber por meio das cantinas. A cantina é a fonte principal do crime. […] se nos livrarmos das cantinas, poderemos ter esperança de que o tempo, a educação e a propagação da imoralidade e das religiões reprovem e erradiquem qualquer outra forma de consumo de álcool. (Land, 1995 p. 158)

Land (1995), também menciona que somente no tempo da Primeira Guerra Mundial é que o clamor por temperança encontrou eco nas propostas políticas para o estabelecimento de uma lei seca nacional nos Estados Unidos. Ellen G. White, nesse sentido, pode ser considerada uma ativista contra os vícios perniciosos, e durante seu ministério de 70 anos escreveu, deu palestras, aconselhou e conseguiu colocar como ponto doutrinário de sua religião, a abstinência de álcool e fumo. Assim, até os dias de hoje, um dos votos batismal adventista diz respeito à temperança ou à abstinência destas duas substâncias nocivas à saúde. Sobre isto ela escreveu um livro intitulado: Temperança.

O estilo de vida degradante

Ora, como já foi exposto anteriormente, a explosão populacional nas regiões urbanas dos Estados Unidos, em cidades sem infraestrutura adequada, e, mesmo, com aumento tecnológico e início do florescimento da ciência, paradoxalmente, a população estava caminhando para um estilo de vida degradante, prejudicial à saúde individual e coletiva. Os efeitos da guerra, do racismo e da exploração no trabalho agravaram os desafios à saúde pública. Os operários trabalhavam com uma carga semanal de 40-70 horas semanais, com salários baixos, sem nenhum seguro saúde, havia discriminação com relação a imigrantes, a índios e a negros. A sociedade amargava as estatísticas do novo estilo de vida pelo qual tinha optado. A taxa da mortalidade infantil era alarmante, chegando à cifra média de 150 mortes por grupo de 1.000 crianças nascidas com vida no período de 1865 a 1895. Na década de 1830, a média de vida era de no máximo 35 anos, segundo de relato de historiadores como Schoepflin. Esse número aumentou para 47,3 em 1900 continuando absurdo comparado aos dias de hoje. Muito trabalho e ansiedade, somados a uma dieta alimentar extremamente prejudicial à saúde e a prática de diversões degradantes, resultava num estilo de vida que estava vitimando a população (Land, 1995). O relato histórico a seguir, segundo Arthur White (1982), dá uma ideia da situação:

Muitos fatores comuns aos habitantes da Nova Inglaterra na metade do século XIX determinavam o seu estilo de vida:

1. Hábitos alimentares. Havia bem poucas opções de comida, com exceção da carne, batata, sal e açúcar. Os invernos eram longos e frios. As pessoas compensavam a escassez de frutas frescas e vegetais com pães e pastelarias. Bolos, tortas e frituras eram comidas comuns nos lanches. Não havia óleos vegetais nem castanhos. A carne era cara e a de porco era a mais acessível.

2. Vestimentas. Havia bem poucas opções de roupas. Invernos frios necessitavam pesadas vestimentas e roupas de cama.

3. Não havia encanamento interior. Não havia eletricidade. Não havia máquinas de lavar.

4. Aquecimento. Os lares eram aquecidos com fogões a lenha e lareiras. As janelas permaneciam completamente fechadas à noite. O ar noturno era considerado prejudicial.

5. O uso de chá, café, álcool, tabaco e sidra. Esses artigos formavam os hábitos de consumo como hoje. Numa vida com pouca recreação ou mudanças, eles ofereciam uma espécie de consolo!

6. Expectativa de vida. Em 1900, nos Estados Unidos a expectativa média de vida era de 47,3 anos.

7. Propensão para enfermidades. Era causado pela espantosa ignorância acerca da higiene, saneamento e as causas das doenças (WHITE,1982 p.101).

Segundo Teixeira (2012), na segunda metade do século XIX nos EUA, por causa das mudanças trazidas pelo espírito de reforma e temperança, parte da realidade mencionada passou por sensível melhora, mas, mesmo assim, o novo estilo de vida, despreocupado com a saúde integral, perduraria por anos e deixaria rastros de degradação física, psíquica e até espiritual que perduraria por anos. Tal estilo degradante e despreocupado fez com que Ellen White o classificasse como potencialmente danoso e de provável ruína para a alma humana. Havia nesse atentado à vida uma mistura de doenças físicas e emocionais, algo que afetava a dimensão da espiritualidade. Muitos indivíduos, sem perspectiva, que foram atraídos pelas propostas da economia industrial, se matavam, adoeciam, e outros se entregavam à prática dos mais diversos tipos de crimes e vícios como fumo, álcool e ópio, na tentativa de fugir da realidade da qual haviam se tornado parte. (Teixeira, 2012).

Enquanto os vícios, de todos os tipos, flagelavam o corpo, a ansiedade, o medo e a confusão das ideologias confundiam a mente e a religiosidade do povo. De um modo geral enfraquecia o espírito. E a este estilo de vida miserável que Ellen White chamou de “praga desoladora”, pois que estava diretamente relacionado ao uso da liberdade em aberta desconsideração à integralidade dos seres humanos. Sobre isso vale a pena continuar citando Teixeira:

Em suma, a violência da guerra e a violência urbana, o racismo e o escravismo, a urbanização desordenada, a industrialização selvagem, os vícios perniciosos, como fumo, álcool e ópio, as diversões degradantes, a imoralidade sexual e a falta de cuidado com a saúde integral haviam levado a nação para uma crise existencial sem precedentes, o estilo de vida da época denunciava tal realidade. Ellen White percebia isso e reagia contra esses males de seu tempo. (Teixeira, 2012 p. 79).

Agora, veremos a seguir como era a medicina de sua época e os movimentos sociais de reforma pró – saúde norte-americana durante sua época.


A medicina e a reforma pró –saúde nos EUA no século XIX

Antes do século XIX, A história da medicina está intimamente ligada à forma de vida dos seres humanos, com força principal, em seu modo de produção e cultura, o trabalho era manual, ou com auxílio de animais, da água ou do vento. Com a revolução industrial, houve uma transformação do modo de vida, pois o homem começou a usar máquinas movidas à energia a vapor, ou ligada a motores de combustão, aeronaves, telefones, rádio, dentre outros. Por sua vez, as classes trabalhadoras se uniram por melhores condições de trabalho e salários. Foi nessa mesma época que as mulheres começaram a luta pelos seus direitos (Melo, 1989).

Esse estilo de vida era diferente dos ensinos que foram adotados por Ellen White e seus seguidores até hoje. Como citado, os ambientes eram fechados, sem entrada de ar e luz solar, a pessoas se banhavam semanalmente no verão e mensalmente no inverno. Com expectativa de vida de 39,4 anos em 1850 (Schaerfer, 1997). No âmbito da medicina houve também uma maior organização dos médicos, com criação de faculdades e tentativas de monopolizar as atividades terapêuticas (Pimenta, 2003). Apesar disso, a teoria microbiana no início do século era totalmente desconhecida, e consequentemente, não existiam antibióticos e vacinas (Douglass, 2001). As pessoas não relacionavam sua maneira de viver com as doenças.

A medicina daquela época divergia em muito dos tratamentos dos conceitos defendidos hoje. Métodos propostos pela alta cúpula de médicos americanos do século XIX eram, muitas vezes, mais prejudiciais do que benéficos, mostrando a distância da medicina dessa época e da atual. Entre os vários métodos de tratar os doentes, encontramos a medicina “heroica” promovida por Benjamim Rush (1745-1813), em que os pacientes eram submetidos a violentos purgantes e vomitórios (Araújo, 2011). Além disso, segundo podemos ver abaixo, os pacientes passavam por sangrias neste método de tratamento: Rush copiosamente sangrava seus pacientes para relaxar a tensão vascular, a qual ele acreditava ser o responsável primário por ela [febre]. O controle desse fluído corporal era a chave para uma intervenção positiva. Sob sua influência, uma geração de médicos passou a sangrar americanos, muitas vezes suprindo o trabalho com doses de um purgante poderoso – Colomel. (Land, 1995 p.145). Porém, apesar do aumento do conhecimento científico aplicado à medicina crescia paralelamente a ela o número de curandeiros e da medicina caseira. Antes do final do século XIX, os médicos conheciam e utilizavam só uns poucos medicamentos específicos para o tratamento das enfermidades. Entre esses poucos remédios, o limão era usado para curar e prevenir o escorbuto. A estriquinina, que continha quinina, era vista como capaz de tratar afecções cardíacas ou para tratar distintos tipos de febres. Os médicos quase não admitiam um tipo de relação entre enfermidades e tratamentos específicos. Os pacientes e os médicos criam na recuperação da saúde seguindo uma ordem designada pela natureza: a febre, a diarreia, o vômito e outros sintomas assinalavam o progresso do processo de recuperação da saúde. Os médicos intervinham na luta do organismo tratando de regular, desde a forma dos fluídos e das secreções corporais, por meio de sangrias, a purgação até o vômito e a transpiração. (Land, 1995)

Segundo o historiador Ciro Sepúlveda, a medicina no noroeste dos Estados Unidos, como em outras regiões dos EUA apenas engatinhava nesta época. A maioria dos remédios e ideias referentes à saúde tinha suas raízes na ignorância e na superstição. Uma minoria tinha formação profissional, e a maioria usava receitas medicinais que mesclavam a superstição e a ignorância. Como por exemplo, achar que o ‘ar da noite’ era “prejudicial” e “perigoso”. Por esta razão se fechavam as janelas e portas de todas as casas e não permitiam a entrada de ar fresco. É fácil imaginar o odor e os micróbios que poluíam estes lugares durante a noite, principalmente em lugares onde as galinhas os cachorros e os gatos dormiam dentro de casa. Outro inimigo da saúde era o sol direto, muitos lugares e casas se mantinham escuros de dia e de noite. Largas cortinas impediam a entrada de luz nos quartos. Sem a luz solar e com a obscuridade promovia-se a multiplicação de micróbios e enfermidades, ajudando na propagação de todos os tipos de enfermidades. A estas terríveis manias, baseados na ignorância, podia-se agregar também os graves hábitos com a alimentação. A maioria dos norte-americanos seguia um regime alimentar que quase assegurava um corpo enfermo e débil. A carne de porco havia se tornado parte importante do cardápio nacional e de dia e de noite mantinha o estomago trabalhando (Sepúlveda, 1997).

Ellen White em contrapartida às ideias da época, enfatizava os malefícios do fumo, chá, café e outras bebidas, porém no meio adventista centralizou-se a questão do fumo. Segundo Roger Coon – do centro White State que se situa em Washington, D.C. EUA, ele pesquisou, por relatos históricos, a população adventista que viveu entre1850 e 1863. Eles morriam: 50%, antes dos 30 anos, 25%, antes dos oito anos. As principais causas eram problemas pulmonares, tifo, disenteria e outras enfermidades comuns à época. Até metade do século XIX, eram vagas as noções da causa das doenças e enfermidades.

Nessa época, para aliviar o sofrimento dos pacientes, “os médicos ainda usavam ópio, colomeliano, mercúrio, arsênico e estriquinina para ‘curar’ doenças. Não se conhecia a aspirina, máquina de raio X, antibióticos, pasteurização, imunizações e transfusões de sangue” (Douglass, 2001). A difteria, a febre amarela, a tifoide, a cólera, a varíola, eram presentes constantemente. A tuberculose era conhecida como a “praga branca”, a maior causa das mortes em algumas regiões urbanas, no entanto, (…) aceita como um tipo de aflição divina. A febre malárica, chamada: “sesão” era considerada uma condição normal dos colonos. Este era o contexto sociocultural em que viveu a senhora White. Havia apenas dois métodos principais de para cura das doenças, através de sangrias utilizando sangue ou através das drogas mencionadas. Para ilustrar, como primeiro método, citamos o exemplo do ex-presidente norte-americano, George Washington, que foi sangrando até a morte, pois acreditava-se que o sangue em excesso causava inflamação e febre, então faziam sangria de gota a gota, e com isso, geralmente, a temperatura do paciente diminuía. Por volta de 1850, as farmácias tinham, em suas prateleiras, vasilhas cheias de sanguessugas (Schaefer,1997).

A situação era tão crítica que o Oliver Holmes, professor de anatomia da Universidade de Harvard, escreveu em 1860, que se jogassem todo o conhecimento médico utilizado na época no fundo do mar, seria bem melhor para a humanidade, e bem pior para os peixes (Douglass, 2001).

No século XIX, Geord Reid, em um livro intitulado A Sound of Trumpts, dividiu o século citado em dois movimentos de saúde americanos. O primeiro, entre 1800 e 1850, onde foram consideradas as reformas de saúde desenvolvidas por Sylvester Graham. Essas perderam sua força devido à falta de novidades das cruzadas e envelhecimento do autor das reformas. Já o segundo movimento, apesar de notório entre 1850 e 1862, começou a perder sua significância em 1871, quando o médico James Jackson, conhecido por tratamentos realizados em clínicas hidroterápicas, se aposentou (Douglass, 2001).

Graham, autodidata, obteve conhecimento sobre saúde com os livros da época, inclusive com a obra de John Wesley: Primitive Physik. Dr. Graham, como ficou conhecido, foi um reformador teórico, que chegou a profunda convicção de que os alimentos naturalmente integrais deveriam ser a preferência para a saúde.

Numa época em que a sociedade ansiava por reformas de saúde, o grahamismo cresceu rapidamente, suas reformas higiênicas alcançaram restaurantes, pousadas, padarias, tornando-se um estilo de vida para milhares que a seguiam. Palestras publicadas por Graham temos: O guia sobre castidade para jovens. Discursos sobre uma vida sóbria e temperante, Tratado sobre pão e a Arte de fazer pão. A obra mais ambiciosa de Graham foi: Palestras sobre a Ciência da vida humana, publicada em 1839, essa se tornou o texto principal sobre sua reforma de saúde (Ribeiro, 2006).

Em suas preleções, assegurava que “[…] Deus produziu o homem e enquanto o homem obedece às leis da constituição e do regulamento que deveriam governá-lo, no que diz respeito à sua alimentação, conserva a saúde e a integridade de seus órgãos digestores e através deles toda a sua natureza” (Reid, 1982, p. 38).

Graham promoveu a teoria que uma força ou resistência vital adquirida desde o nascimento, ao ser atacada pela doença, respondia em forma de conflito, se essa força fosse enfraquecida por fator externo e o interno, a doença encontraria espaço no organismo. Seria importante, então, manter a força vital. Advogou também, que quase tudo o que uma pessoa faz inclusive as atividades físicas ou mentais afetam sua força vital. Seus escritos e palestras continham detalhes sobre como manter a força vital do organismo e, resumidamente, defendia uma dieta moderada incluindo produtos integrais; eram receitados banhos diários, ar fresco para difteria, reforma de vestuário, higiene sexual. Sua cruzada era contra o tabaco, o café e o chá, licores, tônicos. Uma de suas maiores preocupações era mudar os hábitos da nação quanto à fabricação de pão com farinha refinada. Produziu um biscoito integral que ficou conhecido na nação como o “pão de Graham” (Ribeiro, 2006).

Esse puritano praticante, que associava implicações espirituais às suas ideias de reforma social, escreveu: 

O Novo Testamento está repleto de passagens que afirmam o relacionamento íntimo entre as influências carnais e o caráter moral do homem, exortando e insistindo fervorosamente os crentes cristãos a manter a vontade carnal sob sujeição, um sacrifício vivo o templo do Espírito Santo do Deus vivo. E, portanto, a piedade ou a estrita obediência às leis que Deus estabeleceu constitucionalmente na natureza animal, intelectual e moral do homem, é proveitosa e útil para todos, tendo a promessa da vida que agora temos e da vida porvir (Reid, 1982, p. 42).

O motivo religioso estava presente nesse primeiro esforço de reforma, pois, Graham anunciou que o homem de Deus deveria refrear seus desejos físicos e que tal disciplina resultaria na vantagem secular de boa saúde. “Por volta de 1840, o público começou a se cansar de Graham e da maior parte do programa da reforma” (Reid, 1982, p.42). Sua cruzada era contra o álcool, mas a sociedade o ingeria como fortificante; contra o tabaco, mas o hábito de fumar e mascar eram populares. Sua posição era contrária ao pão de farinha refinada e ao pão fresco, afirmando que a pessoa deveria permitir que o álcool e o bióxido de carbono no processo de fermentação evaporassem para evitar a dispepsia. E a oposição daqueles que se sentiam ameaçados economicamente, como os donos de tavernas, os moleiros (que defendiam a farinha branca), os açougueiros e os médicos, estiveram entre os motivos que tornaram sua cruzada enfraquecida (Reid, 1982, p. 40, 41). Falando a plateias cada vez menores, descontinuou a reforma. Morreu antes de completar A Filosofia da História Sacra, uma coleção de suas palestras relacionando suas teorias de hábitos da vida com as Escrituras (Ribeiro, 2006).

O segundo movimento de reforma de saúde americano está relacionado ao poder terapêutico da água. Não teve um grupo organizado com um único nome que pudesse representar essa fase de mudanças, mas foi liderado por alguns profissionais de alguma proeminência e muitos outros menos esclarecidos (Reid, 1982). Esses manifestaram o total interesse pelo tratamento hidroterápico bem como total desacordo com o tratamento heroico, que consisti em vomitório, laxantes, purgantes e outros métodos de aceitação popular sobre como “expulsar” a doença.

Ao mesmo tempo em que Graham demonstrava sua reforma fisiológica nos EUA, Vincenz Priessnitz, um austríaco leigo, desenvolvia a hidroterapia na Europa. Priessnitz observou que animais recorriam à água para tratar seus ferimentos e que a aplicação de água trazia alívio ao desconforto humano e ao seu próprio. Logo, estabelecimentos de cura com água surgiram por toda a parte. Os médicos Joel Shew, James Jackson e Russel Trall foram inspirados pelo tratamento hidroterápico de Priessnitz e abriram instituições hidroterápicas nos Estados Unidos. O segundo movimento de reforma de saúde ganhou força imediatamente antes de 1850; de certa maneira, era parecido com o primeiro movimento, mas também apresentavam diferenças importantes. Os participantes da segunda reforma reconheciam livremente o legado da primeira, mas também reconheciam o avanço que davam às ideias anteriores. Por exemplo: Graham deu ênfase ao pão integral como chave para a reforma dietética, mas os líderes do segundo movimento consideravam esse elemento como apenas um item em um programa completo; Graham pressionou a questão da dieta na prevenção contra a doença, mas os reformadores da segunda reforma acrescentaram a cura (Ribeiro, 2006).

A reforma de saúde da IASD está relacionada à visão de saúde de Ellen White, em Otsego, Michigan, em junho de 1863. As visões anteriores motivaram timidamente os White no desenvolvimento de cruzadas sobre saúde e não provocaram mudanças nos hábitos dos Adventistas em geral. Quando as reformas lideradas por Graham começaram a declinar, no final da década de quarenta, a IASD ainda não havia nascido. Mas, durante o segundo movimento de reformas, a Igreja já estava se estruturando e definindo suas doutrinas fundamentais. Nesse período, apesar dos conselhos de sua Mensageira a respeito de suas visões de saúde, os Adventistas estavam mais preocupados com a unidade doutrinária, relegando a mensagem de saúde a planos secundários.

As primeiras declarações sobre o cuidado com a saúde no meio adventista centralizaram-se, em grande parte, na questão do fumo. Os fortes apelos para o seu abandono se amparavam em questões relacionadas ao prejuízo para a saúde, ao efeito pernicioso sobre a moral e ao desperdício econômico. Naturalmente, a oposição ao uso do fumo não era algo novo para os estadunidenses; muitas vozes haviam se levantado contra a sua prática nos séculos anteriores, e essa também foi uma das bandeiras dos líderes da primeira reforma de saúde americana na década de 1830.

Fazendo-se um sumário dos princípios da reforma de saúde proposto por Ellen White, a contribuição, pelo menos para seu grupo de adeptos, foi uma maior compreensão da saúde e da doença que pode ser atribuída aos seguintes fatores:

1º) Uma sistematização de conceitos de saúde que segundo acredita-se, no meio adventista, através de suas visões;

2º) Sua capacidade de perceber o que estava em harmonia com essa percepção em meio ao labirinto de opiniões corrente em seus dias;

3º) seu princípio unificador do tema do grande conflito que colocava a saúde dentro do contexto da motivação espiritual do compromisso e da preparação pessoal para o Advento.

Acredita-se que seus registros de reforma de saúde sejam singulares, no sentido que os reformadores de saúde de sua época fizeram previsões em algumas áreas, mas falharam redondamente em outras. Muitos mantinham pontos de vistas extremados como: deixar totalmente “o uso do leite do açúcar e do sal.” Outros criam que repouso, e não o exercício físico, era recomendado para os que estavam se restabelecendo de alguma doença. O que aconteceria se ela tivesse concordado em tudo com seus contemporâneos? Sua credibilidade teria sido demolida, pois com o passar dos anos muitos dos conceitos daquela época caíram por terra. Mas o que ela escreveu no século 19 e início do século 20 parecem estar suportando a prova do tempo, seus princípios relacionados com a prevenção de doenças e restauração da saúde não são hoje vistos como modismo. O estilo de vida adventista tem-se refletido no acúmulo de ensaios de pesquisas publicados. Ao que parece, esse tem sido um dos grupos religiosos mais estudados pela ciência médica, devido taxas de menor risco de câncer e doenças coronarianas naqueles que praticam as recomendações de saúde da sua co-fundadora (Douglass, 2001).

Everton Ferreira Fróes

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* – Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Faculdade de Humanidades e Direito, da Universidade Metodista de São Paulo, para a obtenção do grau de Mestre em Ciências da Religião.

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