Religião faz bem à saúde?


Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Faculdade de Humanidades e Direito, da Universidade Metodista de São Paulo, para a obtenção do grau de Mestre em Ciências da Religião.

Fonte: A Relação entre Religião e Saúde no Discurso de Ellen White (1827-1915)

Escrito por Everton Ferreira Fróes
 

“Muito íntima é a relação que existe entre a mente e o corpo. Quando um é afetado, o outro se ressente. O estado da mente atua muito mais na saúde do que muitos julgam. Muitas das doenças sofridas pelos homens são resultadas de depressão mental. Desgosto, ansiedade, descontentamento, remorso, culpa, desconfiança, todos tendem a consumir as forças vitais, e a convidar a decadência e a morte. […] ‘O coração alegre serve de bom remédio’. Prov. 17:22. Gratidão, regozijo, benignidade, confiança no amor e no cuidado de Deus – eis as maiores salvaguardas da saúde. Elas deviam ser, para os israelitas, as notas predominantes da vida”.      Ellen G. White

 

 
Religião faz bem à saúde?
 
De forma mais veemente, apenas na década de 1990, com o aparecimento, principalmente nos Estados Unidos, de vários estudos médicos quantitativos que pesquisaram a associação entre vida religiosa e as condições de saúde e recuperação de doenças, é que este tema passou a merecer o reconhecimento de setores acadêmicos importantes das ciências da saúde.
 
Uma das obras que se tornou best-seller na França foi o livro Guérir, The Instinct to Heal, (O Instinto de Cura), de autoria do médico francês David Servan-Schreiber. A obra é um estudo de tratamento de doenças crônicas, incluindo depressão, explorando a conexão entre a mente e o corpo. Ao ser perguntado por que escreveu o livro, ele disse que “descobriu que a maioria dos seus pacientes com problemas médicos apresentava também problemas psiquiátricos. Isto aprofundou sua consciência da conexão mente-corpo.” Ele afirmou ainda que os estudos mostraram que em torno de 50% a 70% de problemas de cuidados primários em saúde tem o estresse como maior fator desencadeador. Medicação para pressão sanguínea e anti-inflamatória, bem como antidepressivos, são simplesmente paliativos para problemas interiores. Segundo Servan-Schreiber, não é novidade o fato de que o amor é importante para a saúde. Mas, não sabíamos, até muito recentemente, que a harmonia e conexões emocionais são necessidades biológicas, que se situam praticamente no mesmo nível de alimentação, ar e controle de temperatura. Várias suposições têm sido levantadas para justificar os achados de que fé e vida religiosa pessoal beneficiam à saúde. Para alguns pesquisadores, a vivência religiosa, ao inspirar pensamentos de esperança e de otimismo, bem como expectativas positivas, pode funcionar como um placebo. O efeito placebo não acontece apenas por mecanismos psicológicos, mas também porque desencadeia efeitos fisiológicos no organismo (Taylor 1989). Crenças subjetivas profundas geram alterações imunológicas, hormonais e bioquímicas por mecanismos fisiológicos que apenas recentemente começaram a ser desvendados (Weil, 1988).
 
Atualmente há epidemiologistas americanos que passaram a estudar o tema. Enquanto isso, o National Institutes of Health, órgão do governo dos EUA voltado para o apoio a pesquisas no campo da saúde, passou a financiar várias pesquisas e a organizar reuniões de especialistas sobre este tema. Todos estes estudos quantitativos ampliaram muito a legitimidade do tema da espiritualidade na saúde nos EUA, a ponto de um terço das suas escolas de medicina já terem algum tipo de programa (projetos de pesquisa, disciplinas, cursos, ciclos de estudos, matérias optativas, grupos de estudo) de ensino sobre o tema em seus currículos (Levin, 2003). Já vimos até aqui como esses resultados de pesquisas indicam que a religião no momento leva o crente a acreditar em algo, a ter esperanças, possibilitando a harmonização interior, principalmente na situação de estresse, portanto, chegando à conclusão de que religião pode fazer bem a sua saúde.
 
Efeitos diretos da religião sobre a saúde:
 
Mas, uma grande questão em debate sobre religião e saúde é: Será que os efeitos da fé sobre a saúde é algo que a pesquisa científica pode examinar? O debate cresce, envolvendo cientistas crentes, não crentes, nos EUA e fora dos EUA. Inúmeras escolas de medicina alteram seu currículo de formação dos futuros profissionais médicos para estudar a questão e ensinar aos estudantes como lidar com esta questão doença/saúde/fé/cura. Harold Koenig é diretor do “Centro para Teologia, Espiritualidade e Saúde” e Professor de Psiquiatria e Ciências do Comportamento, da Duke University, nos EUA. Koenig escreveu mais de 40 livros, mais de 300 artigos científicos, e 60 capítulos de livros. É considerado a maior autoridade médica no assunto. Em seu livro Medicina, Religião e Saúde ressalta a importância das emoções nos sistemas de cura do corpo. No capítulo intitulado “religião e saúde” ele faz uma investigação com vários pesquisadores no Handbook of Religion and Helth (Manual de Religião e Saúde), e para responder a essa pergunta, sugere, no livro, um modelo de análise da religião em pesquisas feitas nos EUA e no mundo em três tópicos a seguir:


A religião como comportamento de enfrentamento:
 
A religião é um comportamento poderoso de enfrentamento em todo o mundo. As pessoas de todas as épocas, de culturas e crenças diversas buscaram um antídoto comum: a religião para combater os problemas da vida, como doenças, e emoções negativas. E o ditado popular: “Não há ateu em trincheiras” reflete bem isto. Segundo Koenig (2012), uma pesquisa feita por Rammohan e colaboradores pesquisaram 60 cuidadores hindus de pacientes esquizofrênicos na Índia, constatando que 97% acreditavam em Deus, 58% consideram suas crenças religiosas parte integral da vida e 50% viam a religião como fonte de consolação, força e orientação. Outro estudo comparou pacientes com câncer na Suíça e no Egito, em relação à forma de enfrentamento das doenças. Nesta comparação, Kessering e colaboradores descobriram, 38% dos pacientes suíços indicaram que a fé em Deus e a oração como fonte de suporte e enfrentamento, e entre pacientes egípcios mulçumanos, 92% afirmaram o mesmo. Pesquisas na Austrália e em outros diferentes países, tomando como objeto religiões cristãs, hindus, mulçumanas, entre outras, demonstraram que as crenças e as práticas religiosas, ajudam as pessoas a enfrentar e reduzir o nível de estresse. Uma dessas práticas usa como ferramenta a oração. Tais atividades se relacionam à saúde física, considerando o que sabemos sobre o efeito do estresse psicológico e da depressão sobre o corpo: a fé diminui o risco de doenças cardiovasculares por reduzir ansiedade e depressão.


Religião como fonte de suporte social
 
Segundo Koenig (2012), pessoas religiosas não oferecem suporte aos outros só porque querem ou aleatoriamente, mas porque, amar ao próximo e cuidar dos necessitados, é parte do próprio sistema de crença religiosa. Em muitas religiões, a crença é a de que Deus as recompensará por tais ações altruístas, seja nesta vida ou na próxima. Na pesquisa de Koenig com 4.522 indivíduos, por meio de uma amostra aleatória no nordeste do estado de Alabama, entre todas as variáveis medidas, o contato interpessoal informal foi o mais forte indicador de satisfação com a vida. Porém, isto só se torna verdadeiro, quando as amizades são feitas na igreja. Em um grupo de afro-americanos idosos, participantes desse estudo, a maior satisfação com a vida foi quase completamente devido ao maior contato com amigos da igreja. Nós nos incluímos nessa, os profissionais de saúde, constatamos isso a todo o momento. E por quê? Porque o suporte religioso pode ser particularmente durável em momentos de doença clínica, quando as pessoas são menos capazes de sustentar sua parte no contrato social. O suporte social de fontes religiosas é motivado por mais do que contato social, sobre o qual muitas vezes, baseiam-se fontes seculares de suporte. Como já foi dito acima.


Religião como modificador comportamental:
 
Analisando amostra aleatória de cinco mil estudantes do ensino superior, conduzido pela Universidade de Michigan, Wallace e Forman observaram que, a importância religiosa foi inversamente relacionada a levar uma arma à escola, praticar violência interpessoal, dirigir alcoolizado, não usar cinto de segurança, adotar hábitos como usar maconha, falta de exercícios e sono deficiente. A frequência de comparecimento religioso também foi inversamente relacionada ao comportamento de lesão, uso de substâncias ilegais e outros comportamentos de estilo de vida arriscado.
 
Estudos no Handbook of Religion and Helth apontam para os seguintes pontos:
 

Comportamento criminoso: 80% desses estudos relatam índices significativos menores de delinquência ou de comportamento criminoso entre pessoas que eram mais religiosas.
 

Álcool: De 86 estudos sobre a relação entre religiosidade e álcool, 76 constataram que maior religiosidade estava associada a menor consumo e dependência do álcool.
 

Uso de drogas: Assim como ocorre com álcool, o envolvimento religioso apresenta uma correlação inversa ao uso de drogas ilícitas, e muitos desses estudos concentravam-se em adultos mais jovens. Os resultados indicaram que o fato de ter amigos que abusam de substâncias e maior religiosidade protegeu contra uso futuro de maconha e de outras substâncias. Pesquisadores também enfatizaram a função que a espiritualidade pode exercer na recuperação ou na prevenção, destacando no envolvimento de fé, a facilitação da mudança comportamental, mesmo em viciados.
 

Promiscuidade sexual e doenças venéreas: Uma revisão de pesquisas, publicadas antes de 2000, constatou que 38 estudos haviam examinado a relação entre religião e atitudes, ou comportamentos sexuais. Desses 38 estudos, 37 desses, ou seja, aproximadamente 97% constataram que as pessoas com maior envolvimento religioso mostraram índices menores de relações sexuais não conjugais que indivíduos menos religiosos. Sobretudo, o envolvimento em atividades sexuais de alto risco. Talvez os ensinamentos éticos e morais ensinados nas igrejas possam não entrosar bem com os valores culturais atuais, mas apresentam uma série de consequências em termos de estabilidade, satisfação e confiança conjugal, assim como diminui o risco de se contrair HIV/AIDS, herpes, gonorreia, e outras doenças sexualmente transmissíveis.
 

Agente Pró-social: Atividades pró-social como atos altruístas e voluntariado também se intensificam com o envolvimento religioso, e a maioria das religiões incentiva atividades de ajuda ao próximo. Segundo Koenig (2012), o pesquisador Schwartz e colaboradores demonstraram em sua pesquisa que ajudar ao próximo pode provocar aumento da satisfação com a vida, e melhora a saúde mental. O aumento do envolvimento religioso melhora a probabilidade das pessoas em se tornarem mais generosas com o tempo e as finanças. Essas pesquisam apontam os caminhos psicológicos e sociais para uma saúde plena.
 
Sumarizando aqui este tópico, podemos afirmar que, tomando por base as pesquisas de Koenig (2012) e Levin (2003), as evidências quantitativas de forte associação estatística entre o envolvimento religioso e a melhora de situações de doença, de prevenção, de complicações e de bem-estar têm sido correlacionadas com o reforço a comportamentos saudáveis. Quer dizer, alívio do estresse, inspiração de emoções positivas, estimulação do sistema endócrino e imunológico, consequentemente promovendo a melhora de fatores de risco cardiovascular, de hipertensão, de diabetes e de se de câncer devido incentivo a crenças e estilos de vida mais saudável, e, também, de incentivo à personalidade adequada ao enfrentamento de situações de crise e fortalecimento de redes sociais de apoio mútuo. Portanto, “crer” pode muitas vezes reduzir comportamentos de saúde negativos, como já foi dito e estimular comportamento seguro, positivo e saudável. Consumo excessivo de álcool, uso de drogas, tabagismo e promiscuidade sexual e menor risco de doenças sexualmente transmissíveis entre os jovens, entre outros fatores não citados aqui.


Everton Ferreira Fróes 
 
 
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