Este artigo foi traduzido para o português, a partir do francês Lire Ellen White, por Ruth Mª C. Alencar. Título do original em inglês, Reading Ellen White: How to Understand and Apply Her Writings (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1997, escrito pelo pastor George Knight.
Era meu primeiro dia como diretor de um colégio metropolitano. Era também a época das minissaias. Não esquecerei jamais o primeiro telefonema: “Irmão Knight, disse uma voz feminina no outro lado da linha, estamos muito agradecidas por termos enfim um diretor que vai fazer cumprir as regras de conduta!” Percebi rapidamente que ela achava o comprimento das saias de sua filha muito curto. Meu primeiro pensamento foi de lhe perguntar por que ela não fazia, ela mesma, mas o Senhor me ajudou a frear a língua enquanto ela falava bastante sobre as saias curtas.
Ao mesmo tempo em que controlava minha língua, não podia impedir que meus pensamentos vagabundassem. Eu a escutei dizer que em alguns colégios, existia uma regra que determinava que uma saia não podia ter que mais que cinco centímetros acima do joelho. Eu me imaginei então circulando em minha escola, com uma régua na mão, para interpelar as estudantes e medir diariamente a altura de suas saias.
Enquanto a mãe continuava seu discurso, minha mente continuava a se evadir. Eu imaginava uma garota de 1,82. Cinco centímetros acima do seu joelho dariam uma saia bem longa. Mas, eu tinha também garotas de dezesseis anos, com 1,45. Cinco centímetros acima de seu joelho fariam a metade do seu tamanho. Veio, então, à mente uma sugestão feita por Ellen White no ano de 1860, na qual ela encorajava as mulheres a encurtar suas saias em 25 centímetros. Não sei o que isto teria dado em meu caso.
Talvez você se pergunte aonde quero chegar. É bem simples. É necessário levar em consideração a época e as circunstâncias dos diversos conselhos de Ellen White. Ela não escreveu fora de todo contexto. A maioria deles visava os problemas com os quais pessoas ou grupos específicos eram confrontados em contextos históricos muito diferentes.
Agora, em plena época das minissaias, não é muito significativo saber que é completamente inadequado citar Ellen White para encurtar as saias em vinte centímetros. Era evidente. Mas, eis aqui um ponto importante, para outras declarações, também não é tão claro saber se elas se aplicam exatamente a uma pessoa particular em uma outra época e em outras circunstâncias. É preciso estudar o conselho em seu contexto histórico para se determinar. Vários capítulos que se seguirão nos ajudarão nesta tentativa.
Por que Ellen White recomendou às mulheres reduzirem em 25 centímetros suas saias? Porque nesta época as saias se arrastavam pelo chão. Elas tocavam assim, entre outras coisas, as imundícias de uma sociedade que usava o cavalo e a carroça para se locomover. Tais saias apresentavam outros problemas que Ellen White e os reformistas de sua época levantavam continuamente. Assim, ela pode escrever que “uma das invenções extravagantes e nocivas da moda são as saias que varrem o chão. Desasseadas, desconfortáveis, inconvenientes, anti-higiênicas – tudo isso e mais ainda se verifica quanto às saias que arrastam.”(A Ciência do Bom Viver, 291)
Mas o que é verdade na sua época não é geralmente verdade na nossa. É claro, podemos pensar em alguma cultura tradicional reproduzindo as condições do século 19. Em civilizações que lhes são próximas, os conselhos são válidos sem acomodações. Mas devemos ajustá-los para a maioria das culturas atuais.
Uma parte de adaptação necessária nasce da citação do livro “Ciência do Bom Viver” que lemos mais acima. O problema das saias que se arrastam sobre o chão vem do fato de que elas eram desasseadas, desconfortáveis, inconvenientes e anti-higiênicas. Podemos então logicamente concluir que um dos princípios de um vestuário correto exige que ele seja limpo, confortável, adaptado e higiênico. Tais princípios são universais, mesmo se a ideia de um encurtamento de saias esteja ligada a uma época e a circunstâncias precisas. Outras leituras da Bíblia e dos escritos de Ellen White fornecem outros princípios de vestuário que podem se aplicar à nossa época. A modéstia, por exemplo, nos vem à mente.
Você pode se perguntar o que minha escola fez para resolver o problema das minissaias. Certamente não nos servimos impensadamente das exortações de Ellen White para reduzir o comprimento das saias. Muito menos passeei com uma régua para medir a distância entre o joelho e a bainha. Ao contrário, empregamos os princípios recomendados pela Bíblia e os escritos de Ellen White e os aplicamos à nossa época e às nossas circunstâncias. Quando reunimos as garotas, dissemos que esperávamos que suas roupas fossem limpas, simples e de bom gosto, modestas e assim por diante. Porém, a aplicação de princípios a partir dos escritos de Ellen White não é o assunto deste capítulo. Voltaremos a este assunto no capítulo 16.
Seus conselhos sobre a forma de cortejar são outros exemplos úteis da necessidade de levar em conta o tempo e circunstância. Em 1897, Ellen White escreveu aos estudantes da escola de Avondale, na Austrália: “Não queremos, e não podemos permitir de qualquer forma que se corteje e que se teçam relações entre meninas e meninos e entre meninos e meninas.” (Lettre de Ellen White 193, 1987) No mesmo ano, ela escreveu: “Temos trabalhado duro (em Avondale) para prevenir na escola tudo que poderia parecer favoritismo, ligações e frequentações. Temos dito aos estudantes que não permitiríamos a menor destas coisas que poderiam interferir em seus trabalhos escolares. Sobre este ponto, somos tão firmes quanto uma rocha.” (Lettre de Ellen White 145, 1987)
Um regulamento foi publicado no boletim escolar de Avondale. Não há dúvida que C. W. Irwin, o diretor da escola, de 1903 à 1908, tenha sido “tão firme quanto uma rocha” sobre o assunto das relações entre moças e rapazes. Em 1913, Irwin, então presidente do Pacif Union College na Califórnia, foi chamado para ler o manuscrito do livro de Ellen White ainda a ser publicado: Conselhos para Professores, Pais e Estudantes.
Irwin ficou chocado ao ver que o texto relativo a uma forte disciplina nas relações entre meninas e meninos faltava no novo livro. Em seu lugar, ele encontrou uma declaração mais conciliadora: “Em todo o nosso trato com os estudantes, devem-se tomar em consideração a idade e o caráter. Não podemos tratar os menores e os de mais idade da mesma maneira. Circunstâncias há em que, a rapazes e moças de sólida experiência e de bom comportamento, se podem conceder alguns privilégios não dispensados a estudantes mais novos. A idade, as condições e o modo de pensar devem ser tomados em conta. Devemos ser prudentemente considerados em toda a nossa obra. Não devemos, porém, diminuir a firmeza e a vigilância no lidar com alunos de todas as idades, tampouco a estrita proibição das associações sem proveito e imprudentes de jovens e imaturos estudantes.” (Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, 101)
Esta mudança de tom em relação a sua declaração precedente perturbou Irwin. Ele escreveu a W. C. White declarando que a instrução era “algo inteiramente nova” e que estava “em desacordo com as coisas que Ellen White havia escrito em outras ocasiões, as quais […] tinham sido perfeitamente ditas por ela mesma.” (C. W. Irwin à W. C. White, 12 de fevereiro 1913).
O que Irwin não tinha levado em conta é a diferença das circunstâncias nas quais Ellen White tinha dado os conselhos aparentemente divergentes. Seu apelo à escola de Avondale em 1987 dizia respeito a uma situação na qual quase a metade dos alunos tinha menos de 16 anos. Mas, em 1913, a maioria dos estudantes nos colégios adventistas era composta de estudantes mais velhos, mais experimentados, mais maduros. Ellen White ao dar conselhos gerais para a Igreja, em seu conjunto, tinha levado em consideração as mudanças das circunstâncias.
A resposta de Willie White a Irwin é esclarecedora no que concerne a importância da época e das circunstâncias nos conselhos de Ellen White. “Um dos problemas mais embaraçantes que tivemos de lidar ao preparar os escritos de minha mãe para sua publicação, se situa justamente sobre questões como esta, quando as condições de uma família, de uma igreja ou de uma instituição lhe foram apresentadas e advertências ou instruções lhe foram dadas em relação com essas condições. Neste caso, minha mãe escreveu claramente e energicamente, e sem precisão sobre a situação que lhe foi apresentada, e é uma graça para nós termos estas instruções para nosso estudo, quando somos confrontados a condições similares, em outro lugar. Mas, quando pegamos o que ela escreveu e o publicamos sem descrições, ou sem referência particular às condições e às circunstâncias do testemunho, existe sempre uma possibilidade do conselho ser empregado como se ele se aplicasse a um lugar e a condições completamente diferentes.
Temos sido muito embaraçados em nosso trabalho pelo emprego do que minha mãe escreveu sobre a alimentação, sobre medicamentos, e sobre outros assuntos nos quais você pode pensar sem que eu os enumere; quando for necessário dar instruções a tal pessoa, ou a tal família ou a tal igreja, mostrando a boa maneira de proceder nas diferentes condições como estas em que as cartas foram escritas, as exceções que foram feitas […] os que pensaram que as instruções que eles estudaram eram uma aplicação universal foram sempre surpreendidos.” (W. C. W. Irwin à C. W. Irvin, 18 de fevereiro 1913).
Não podemos ressaltar muito que os lugares e as circunstâncias constituem fatores determinantes para nossa compreensão dos escritos de Ellen White. No mesmo sentido, a Sra. White escreveu que: “coisa alguma é ignorada; coisa alguma é rejeitada; o tempo e o lugar, porém, têm que ser considerados. Coisa alguma deve ser feita inoportunamente. Alguns assuntos precisam ser retidos porque algumas pessoas fariam uso impróprio do esclarecimento dado.” (Mensagens Escolhidas – Volume 1, p. 57) Ignorar as implicações da época e das circunstâncias, e procurar aplicar na letra e de maneira universal seus conselhos, constitui uma maneira inadequada de utilizar seus escritos.
O papel da época e das circunstâncias é também importante para a interpretação da Bíblia. Assim, por exemplo, a maioria dos cristãos não retira suas sandálias quando entra em uma igreja, embora Deus tenha ordenado a Moisés de fazê-lo para LHE encontrar. (Êxodo 3:5)
Nos escritos de Ellen White, os conselhos, tais como os que exortam as escolas a ensinar as meninas “a arrear, cavalgar” afim de que estejam “melhor adaptadas a enfrentar as emergências da vida” (Fundamentos da Educação Cristã 216) que convidam jovens e velhos, em 1894, a evitar a “influência feiticeira” da “moda as bicicletas” (8, Testemonies for the Church 51-51), que encorajam um administrador, em 1902, a não comprar um automóvel para transportar pacientes da estação ao sanatório porque isto seria uma despesa inútil e tornar-se-ia “uma tentação para outros a fazer a mesma coisa” (Lettre de Ellen White 158, 1902), estão claramente condicionados pela época e circunstâncias. Outras declarações que poderiam estar, também, dependentes de uma época e de um lugar, não são assim tão evidentes (particularmente estas que temos tendência a ter), mas é preciso permanecermos abertos.
Um outro aspecto é que, pelo número de seus conselhos, o contexto histórico é muito pessoal, porque Sra. White escreveu a um indivíduo, em sua situação particular. É preciso sempre lembrar-se que atrás de um conselho, existe uma situação específica ou um indivíduo com suas possibilidades e seus problemas particulares. Suas situações talvez não sejam idênticas às nossas. Assim, o conselho pode ou não pode ser aplicável nas circunstâncias dadas.
Aqui está, por exemplo, o caso de M. L. Andreasen, um teólogo adventista de renome nos anos de 1930-1940. A experiência de Andreasen ilustra a situação de uma pessoa que admite voluntariamente que se engajou abusivamente na reforma sanitária e provocou sobre si mesmo um problema aplicando de forma escrupulosamente um conselho sobre os excessos na mesa. Escutemos sua narrativa sobre sua história:
“Eu atravessei o período da reforma sanitária ao longo do início do século. Seguimos seriamente e em seu sentido absoluto a reforma sanitária. Eu só vivia praticamente de granola [mingau à base de aveia] e de água. […] Não consumia leite, nem manteiga, nem ovos (durante muitos anos). Minha filha mais velha tinha dez anos quando ela experimentou pela primeira vez manteiga. Não consumíamos carne, é claro, nem leite, nem ovos e sal e açúcar, quase nada. Não nos restava muito coisa, senão granola. Eu fazia publicidade da granola. Nunca aceitei um convite para comer na casa de alguém. Eu conduzia granola comigo em minha bolsa. Eu vendia também granola. Isto fazia parte da reforma sanitária. Eu comia minha granola e bebia água três vezes por dia. Depois minha atenção foi atraída para o fato de que duas vezes era mais conveniente e assim, comecei a comer minha granola duas vezes por dia. […]
Mas, a partir de um certo tempo, eu me cansei da granola. Comecei a me perguntar se não seria bom comer com uvas. Eu comprei, com um pouco de apreensão e ansiedade, algumas uvas. Eu estava com a granola e uvas, mas minha consciência me incomodava, também abandonei as uvas. Depois, comprei um abacaxi e o comi inteiro, minha boca ficou irritada. Eu conclui que era uma punição por ter comido abacaxi. Retornei a minha granola. Depois, li nos escritos de Ellen White que as pessoas, no geral, comiam muito. Eu o apliquei então às minhas duas refeições de granola por dia. Esta declaração era verdade em si, mas não aplicável em tais condições. Reduzi então minha ração de granola e vivi essencialmente de granola, de alguns legumes e de amendoins, não durante um dia ou um mês ou um ano, mas durante dez anos.
Éramos sérios e honestos fazendo isto e pensávamos que estávamos fundamentados em um testemunho – não um testemunho em sua aplicação mais ampla – mas somente no sentido estreito que alguns empregam os testemunhos hoje. Os princípios dos testemunhos, no que concerne a reforma sanitária, são verdadeiros e aplicáveis hoje como eles eram antes, nas mesmas condições. Que ninguém deixe de lado os testemunhos. Eles foram dados por Deus. Mas que cada um esteja ciente do fato de que se aplica (os conselhos de Ellen White), sob condições diferentes daquelas em que foram dadas.” (M. L. Andreasen, mensagem não publicada, 30 de novembro de 1948)
Andreasen era evidentemente sincero, mas ele estava evidentemente no erro ao aplicar sobre ele mesmo as recomendações de Ellen White sobre os excessos na mesa. Os anos passando, ele compreendeu melhor a maneira de ler Ellen White. Ele não somente reviu sua maneira de alimentar-se, mas reconheceu que existe situações específicas e pessoais atrás de inúmeras de suas declarações que não têm relação com ele nem com sua época. Ele descobriu mesmo que o contexto geral tinha mudado. Ele abandonou suas posições extremas quando ele compreendeu que a pasteurização e a refrigeração haviam “mudado as condições” (idem) de certos alimentos que ele havia considerado antes como impróprios. Ele compreendeu progressivamente que a época e as circunstâncias são de uma importância decisiva na compreensão dos conselhos de Ellen White.
Infelizmente, a Igreja Adventista não publicou muita coisa sobre o contexto histórico dos escritos de Ellen White. Tentei suprimir essa lacuna no livro Ellen White’s World: A Fascinating Look at the Times in Which She Lived (Review and Herald, 1998). Veja também meu livro Mitos na educação adventista: um estudo interpretativo da educação nos escritos de Ellen G. White (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2010). Dores E. Robinson trouxe uma contribuição nesse sentido em The Story of Our Health Message (Southern Publishing, 1955). Paul Gordon participa neste trabalho histórico no que ele tentou chamar Testimony Backgrounds. Sobre um plano geral, o livro organizado por Gary Land, The World of Ellen G. White (Review and Herald, 1987), e o livro escrito por Otto L. Bettmann, The Good Old Days: They Were Terrible! (Random House, 1974), constituem uma ajuda útil. O livro de Bettmann é particularmente interessante, porque ilustra as condições do mundo de Ellen White.
Você pode ver todos os capítulos aqui