A Bíblia no banco dos réus – parte 1

Este texto é uma transcrição do BibleCast 20a para o formato de texto, realizado por Ruth Alencar

Os Pastores Junior e Diego iniciam uma conversa que intenta levar a Bíblia a julgamento. Isso mesmo! Será que podemos confiar nela? Será que nos quase 2000 anos em que seu ultimo livro supostamente foi escrito, não é possível que muitas alterações tenham ocorrido ao longo do tempo? Para o processo dessa busca de respostas eles colocam a Bíblia no banco dos réus.

É preciso que digamos que esta é uma dúvida importante de muitos que estão em fase universitária ou que simplesmente pararam para pensar a respeito disso. Confesso para vocês que muitas dessas dúvidas eu também tinha. Quando cheguei no curso de teologia dizia para mim mesmo que eu precisava resolver algumas questões básica, como por exemplo, a origem da Bíblia: De onde veio? Como foi montada? Como saber se os livros que a compõem realmente deveriam estar nela inseridos? Será que não alteraram nada em todo esse tempo?

Vamos começar analisando o que a bíblia fala de si mesmo, para depois usar outras fontes:

Em II Timóteo 3:16 lemos: ‘Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, […].’

A ideia de inspiração, para que fique claro, nos diz que a Bíblia foi feita por alguém que tinha o dom de profecia. Alguém que recebia as revelações diretamente de Deus. Ou seja, Deus para falar conosco usou este canal. Ele falava com uma pessoa a qual chamamos de profeta e esta pessoa transmitia a informação para o povo. Ou de forma falada, ou de forma escrita como é o caso da Bíblia.

Em II Pedro 1:21 lemos: ‘pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo.’ Aqui está a descrição do dom de profecia.

A Bíblia se declara como sendo toda inspirada e esta inspiração não veio de homens, mas é dada por Deus. Deus falava com pessoas escolhidas por Ele, e esse então, escrevia em sua linguagem as mensagens divinas. A linguagem do escritor e não de Deus.

Em João 17:17 o próprio Cristo fala a respeito da Bíblia: ‘Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.’  Usamos muito esses versosquando estamos dando estudos bíblicos. Só que isso é para os que já creem na bíblia. Para quem não crê isso não serve de nada! É o mesmo que chamar o réu e perguntar: Você é culpado ou inocente?

A bíblia está falando de si mesma e é muita ingenuidade de nossa parte acreditar que isto é suficiente para tentar convencer alguém ou até a nós mesmos. A bíblia se declara inspirada por Deus, mas acontece que o livro dos muçulmanos, o Corão, também diz. A Torá, o livro dos hindus, e todos os outros livros sagrados se declaram assim também. Como saber se toda a Escritura é realmente inspirada por Deus!

Quando Pedro escreveu, por exemplo, ou qualquer um dos discípulos escreveram seus livros, não tinham ideia de que os livros deles um dia seriam reunidos para compor um grande livro chamado Bíblia. Eles escreviam para pessoas de sua época acreditando também que o homem não teria tanto tempo pela frente. Então, quando eles estão dizendo que ‘toda a Escritura foi inspirada por Deus’ , na verdade estão se referindo as Escrituras que eles conheciam na época deles. O que precisamos saber é se as Escrituras que eles conheciam na época deles é a mesma que conhecemos na nossa época.  Quanto da bíblia pode ser verdadeiro depois de 2000 anos?

Quando a bíblia diz que é inspirada, ela está falando do texto da época, que é diferente do texto de hoje. Na verdade, se resumia apenas ao Antigo Testamento. Alguns podem dizer assim: ‘Ah, mas a gente tem que crer pela fé. Se a gente for procurar uma resposta para tudo a gente não vai encontrar! A gente tem que crer pela fé.’

Acredito que temos que ter fé de verdade, mas Deus nos dá as razões para crer. Tem gente que não precisa de razão para crer, mas se você quer crer por razões, Deus lhe dá todas elas. Então, será que tem uma saída para a gente encontrar todas essas respostas para as questões que estamos levantando aqui? Será que tem um jeito de descobrir com certeza ou ter mais firmeza na nossa crença olhando para algumas razões? Será que existe alguma disciplina que nos ajude quanto a isso? Existe. Existe uma disciplina que estuda isso!

Por exemplo, Paulo escreveu seus livros, Daniel escreveu seu livro. Enfim, cada um escreveu seu livro, mas onde estão, hoje, esses livros que eles escreveram? Os originais, também chamados de autógrafos, ficaram aonde? Aí é que está! Eles não estão. O original, aquele escrito pelo autor, não existe mais. Não temos os originais porque eles se perderam com o tempo.  Pense em sua certidão de nascimento e como ela ficou velhinha com o tempo em nosso tipo de papel, você acha que um papiro duraria tanto tempo! Você acha que um pergaminho duraria quanto tempo, sendo lido e manuseado a todo o momento? Não aguentou!

Havia pessoas que tinham a profissão de copiar documentos. Quando o autógrafo de Paulo ia se deteriorando alguém copiou. Na época não tinha máquinas de fazer cópias ou de digitalização. Então, quando um livro estava se perdendo eles copiavam manualmente.  Isto era o procedimento natural. Várias pessoas foram copiando ao passar dos séculos. Os chamados copistas e escribas iam copiando novos rolos e/ou pergaminhos conforme a necessidade. E se analisarmos as cópias existentes hoje, encontraremos o que é chamado de variante.

A variante é uma diferença entre um copista e outro. Pode ser que, apesar de todo zelo dos copistas, alguns tenham errado uma palavra, ou adicionado notas de rodapé. Um podia estar com sono, por exemplo, e pular um parágrafo. São pessoas copiando! E temos que lembrar também que são várias pessoas copiando ao mesmo tempo em vários lugares diferentes. Tinha gente copiando na Alexandria, gente copiando na Ásia Menor. No Novo Testamento, existe inclusive, cópia em massa, onde um ditava e vários escreviam. E é, através dessas cópias, que provavelmente chegamos ao que era o original. E a disciplina que se encarrega de tentar descobrir se um texto que está na sua Bíblia, na sua mão aí agora foi realmente escrito pelo apóstolo ou pelo profeta, é a disciplina denominada Crítica Textual. Ou seja, ela critica o texto. A palavra crítica aqui está sendo usada no sentido de análise.

Essa é uma ciência secular. Não é teológica. Não é uma ciência de crente. É uma matéria acadêmica que ensina a criticar, analisar um texto. Sua origem, etc. E através disso dá para você chegar bem perto daquilo que estava no original. Bem perto mesmo! Vamos lhe mostrar como funciona a Critica Textual.

Antes de aplicar a ferramenta sobre o texto bíblico é interessante sabermos a origem do próprio Canon.  Canon é uma palavra grega que significa regra, norma ou cana, que era uma planta usada de várias maneiras para medir. Sua ideia central é de uma linha reta ou direita. Algumas palavras da nossa língua derivam da palavra Canon como caneta, canhão, canal e a própria cana de açúcar. É usada como referência a qualquer regra ou padrão ou uma lista de coisas ou itens escritos em uma coluna. Ou seja, isto inclui seu uso para indicar uma lista de obras de um autor. O que implica em que as não mencionadas não são de sua lavra. Ou uma relação oficial da igreja contendo os nomes dos que são reconhecidos como santos. Quando o nome de alguém entra na lista dizemos que a pessoa foi canonizada.

Na verdade, Canon é um ajuntamento de coisas. Uma lista padrão. No caso do Canon bíblico é o ajuntamento de livros inspirados. Está dentro do Canon é inspirado, não está, não é.

Então, quem foi o cara que sentou em uma mesa e definiu o que seria o cânon bíblico? Bom… Não foi assim. A canonização dos livros bíblicos não ocorreu num momento. Ou seja, foi um processo histórico que se arrastou por séculos e não foi realizado por uma pessoa, nem por um concílio em particular, mas foi uma obra da Igreja mundial guiada também pelo Espírito de Deus. Não veio um anjo do céu e disse: Esses são os livros de Deus.

Não, não foi assim! Não tem um livro na Bíblia dizendo quais deveriam ser aceitos ou quais deveriam ser recusados. Quando atentei para isto me senti chocado porque achei que iria encontrar uma resposta preto no branco. Porque, somos preguiçosos e é isto que a gente quer. A gente deseja que esteja escrito em algum lugar e eu alguém tenha dito. E se alguém tem autoridade para isso para confiarmos nele e pronto! Eu queria que Jesus estivesse sentado no Monte das Oliveiras e tivesse ditado, ordenando o que deveria ser anotado.

Há, porém um detalhe, muitos dos livros bíblicos são citados por Jesus e se Ele os citou o problema está resolvido. Ou seja, Jesus usava as Escrituras. E quando Ele diz, como está escrito em João 17:17 : ‘Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade’, Ele está dizendo que os livros que estão na Bíblia dEle são os livros santos. Então, os livros da Bíblia de Cristo estão resolvidos já. E ai resta a pergunta: Como eu sei se os livros que estão no Canon são livros inspirados por Deus?Ora,Jesus citando textos bíblicos fica fácil saber qual era o Canon sagrado na época de Cristo. Qual a Bíblia que Jesus lia? A Bíblia dos judeus.

O cânone usado por Jesus era o cânon dos judeus. Nos dias de Jesus já havia três cânon:

. Cânon dos judeus palestinos que moravam em Israel e incluía os 39 livros do Antigo Testamento. Por que não incluía do Novo? Porque não existia Novo Testamento ainda. Este Canon dos judeus palestinos eram aceitos pelos Fariseus e pelo povo que vivia em Israel.

. Havia o Cânon chamado de Septuaginta, ou Cânon alexandrino já existia no tempo de Cristo. Ele abrangia os 39 livros do Antigo Testamento e mais os livros chamados apócrifos, os quais eram aceitos pelos judeus da dispersão (aqueles que viviam fora de Israel).

. E o terceiro, Cânon dos Saduceus, cânon abreviado e que era composto apenas pelo Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio).

Então, essas eram as bíblias na época de Jesus Cristo. Lembrando que apócrifos são os livros rejeitados do cânon bíblico. Apócrifo quer dizer oculto, secreto ou de autoria incerta. E eles faziam parte da Septuaginta. Os apócrifos foram escritos pelos judeus no período que vai de 200 a.C. e 100 D.C.

Existiam vários apócrifos e não somente aqueles que temos hoje nas bíblias católicas.  Só para dar exemplo tínhamos apócrifos também do Novo Testamento como o Apocalipse de Paulo, de Pedro, de Tomé, tinha o Pastor de Hermas, etc.

A Septuaginta era a bíblia dos setenta anciãos, escrita em Alexandria no Egito por volta dos anos 284 a 247 a.C. durante o reinado de Ptolomeu II, Filadelfo. O símbolo da Septuaginta na Teologia é LXX porque foi escrita pelos 70 anciãos. Ela é a primeira tradução feita do Antigo Testamento hebraico para o grego antes mesmo de Cristo. Sendo assim, temos um cânon bíblico existente já no tempo de Cristo que veio sendo formado naturalmente.

Agora veja, todo o Israel sabia que Samuel era profeta. Ele escreveu Samuel 1 e 2, logo você sabe que aquele texto foi escrito por um profeta. E esses textos passam a fazer parte da sua cultura local. Depois que Samuel morre, as pessoas ficam com o livro contendo seus ensinamentos e acontecimentos da vida para a posteridade.

Por exemplo, Moisés escreveu os cinco primeiros livros da bíblia mais o livro de Jó. E assim ficaram para todas as gerações que vieram em seguida. Todos os conheciam como os livros de Moisés. E assim o cânon do Antigo Testamento foi sendo formado naturalmente. Ou seja, quando surgia outro profeta, primeiro para saber se ele era profeta ele tinha que passar pelo teste das Escrituras já aceitas, a de Moisés por exemplo. Se viesse um profeta dizendo diferente do que fora dito antes e houvesse uma contradição, ele não era profeta. O livro era rejeitado.

Assim, muitos livros começaram a ser rejeitados. Você acha que falsos profetas é coisa nova?

Havia inclusive os livros pseudoepígrafos, que são escritos por pessoas comuns e que para dar credibilidade ao que elas escreviam, não colocavam o próprio nome. Era colocado o nome de uma pessoa famosa para que fossem considerados como de algum valor, como o livro de Enoque, por exemplo, que não escreveu livro nenhum.

E como sabemos que o livro de Enoque não foi escrito por Enoque? Crítica Textual! No conteúdo do livro de Enoque há menções de coisas que só passaram a existir muito tempo depois. Assim como as muitas contradições teológicas ali existentes.

E como foi formado o Cânon do Antigo Testamento?

O Cânon do Antigo Testamento, tradicionalmente aceito, foi completado nos dias de Esdras e Neemias.  Foram eles que resumiram os livros sagrados, formando ai uma única coleção por volta do ano 420 a.C.

A tradição assim indica.

Esdras e Neemias fecharem o Cânon do Antigo Testamento porque não apareceram outros profetas. Não foram eles que determinaram isso. O que aconteceu é que depois disso veio o período do silêncio. Tempo em que Israel ficou 400 anos sem profetas, ou houve profetas neste período e que não deixaram escritos.

Assim como existem profetas inspirados que escreveram e seus livros não entraram no Cânon simplesmente porque se perderam como o profeta Natan, por exemplo. Temos uma citação na Bíblia falando sobre o livro de Natan, só que ninguém sabe onde está este livro. Ninguém sabe que livro é este. Sumiu, desapareceu!

Alguns podem dizer que isso foi providência divina, mas a verdade é que isso não interessa. A maioria dos livros que não estão no Cânon é porque tinham assuntos só para a época que foram escritos. Por alguma razão Deus não quis que se incluíssem e com o tempo sumiu. Definitivamente não temos explicação para justificar suas ausências.

E as cartas de Paulo perdidas? 1 Coríntios que não é a primeira, mas a segunda. Em 1ª Coríntios 5:9 você vai vê que lá que, aparentemente, Paulo enviou mais duas cartas à igreja de Corinto totalizando 4 cartas e não duas.

A razão pela qual as outras não fizeram parte do Cânon é desconhecida. Não sabemos, podemos conjecturar, mas é desconhecida. Definitivamente não temos uma resposta para sabermos a razão pela qual essas cartas não estão inseridas no Cânon bíblico! Mas, conhecendo Paulo como conhecemos certamente não deve ter nada diferente da uma grande quantidade de escritos paulinos que a gente tem. Paulo não ia escrever uma carta dizendo: ‘olha gente tudo o que escrevi está errado’. Sim, nas cartas de Paulo que estão perdidas, Paulo não deixou escrito que tudo o que escrevera estava errado.

Não! As teorias de conspiração estão sempre dizendo que está todo mundo errado o tempo todo. Simplesmente, elas não estão inseridas no Cânon bíblico. Aliás, existem muitos livros que não estão: Há o livro de Natã, as Crônicas de Gade, Natã e Samuel. Tem muitas coisas que Samuel escreveu e não está inscrito no Cânon! Escritos de Aías e Ido. Eles eram profetas. Então, existem muitos escritos que não temos acesso porque se perderam com o tempo. Podemos relacionar isto a uma ação divina… O fato é que não estão lá e isto, então, não importa! O  que temos é o suficiente e é o que precisamos.

A formação do Cânon do Novo Testamento começa com a história de um homem chamado Marcion, natural da Ásia Menor que hoje é a Turquia.

Esse Marcion tinha ideias gnósticas. O gnosticismo era uma mistura do cristianismo com a religião grega. Explicando basicamente o que criam os gnósticos: Os gnósticos criam que havia um Deus Todo Poderoso, acima de todas as coisas e esse Deus era tão poderoso que dEle emanava poder. Imagine a cena quando você joga uma pedra na água e ela sai formando aquela expansão, ondas. Essas ondas de poder eram denominadas Eons (ᴁons).

Esses ᴁons, emanados do Deus Supremo, eram tão poderosos que davam vida, Essas emanações criavam outros seres que eram também deuses, porém menores do que Ele, pois, eram uma emanação do Deus Supremo. E quanto mais longe essa emanação, esse ᴁons, estivesse do Deus Supremo mais fraco era esse deus. Quanto mais próximo, mais forte era esse deus. E numa dessas emanações mais distantes nasceu o deus Demiurgo. Isto que estou falando é o que crê o gnosticismo!

Demiurgo era um deus, porém, um deus com menos poder! E foi esse deus Demiurgo, segundo os gnósticos, quem criou o nosso planeta. Essa é a razão de haver morte e sofrimento na Terra, pois Demiurgo não era habilidoso ao criar. Era um trapalhão! Para os gnósticos, Demiurgo é o deus do Antigo Testamento. É o como o Jar Jar Bings dos deuses (os fãs da saga de Star Wars entenderão). 

Então o que Demiurgo fez? Antes era tudo espiritual. Demiurgo foi quem criou a matéria sólida como conhecemos. Com a bagunça feita ele não conseguiu resolver, foi, então, que o Deus supremo, pra resolver a bagunça do Demiurgo, mandou um deus mais poderoso que Demiurgo. Esse outro deus é o Cristo, que vem e escolhe uma pessoa aqui na Terra, um carpinteiro, que é Jesus, e no dia do batismo de Jesus o Deus Supremo fala ‘este é o meu filho amado que me dá prazer’. Neste momento Cristo (que é o Deus maior que Demiurgo) entra no homem Jesus e eis o Cristo entre nós. É por isso, que João quando escreve o Apocalipse ele usa a expressão Jesus Cristo. Porque João não quer separar os dois como o faz o gnosticismo baseado na dicotomia grega de mundo físico e mundo das ideias.

O gnosticismo separava Jesus do Cristo, e na cruz segundo o gnosticismo, o Cristo sai do corpo de Jesus. É por isso que Ele fala: ‘Deus meu, por que me desamparaste!’

É como se o Cristo viesse, fizesse tudo certinho e na hora do problema deixasse o Jesus na mão!

Então, o que Cristo veio fazer na Terra? Ele veio contar a verdadeira história. A história de que o deus do Antigo Testamento era um deus atrapalhado, um deus mau, e que o verdadeiro Deus é o Deus Supremo. E que a Salvação era pelo conhecimento dessa história. Aplicando aqui a frase do Cristo: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.

Dessa ideia gnóstica surgiu o docetismo1 , que diz quase a mesma coisa, só que eles dizem que Jesus era uma ilusão. Que Jesus não havia sido crucificado, apenas parecia que tinha sido. Ou seja, os docetas eram um grupo de grupo de gnósticos.

Essa teoria gnóstica foi amplamente atacada no Novo Testamento, a Bíblia!

A pergunta que fica é: O que tudo isso tem haver com o cânon bíblico?

Marcion era gnóstico e baseado na filosofia grega de Platão nutria a ideia de que tudo que era matéria era mau. É por isso que Paulo em I Timóteo 4:1-3: ‘O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios. Tais ensinamentos vêm de homens hipócritas e mentirosos, que têm a consciência cauterizada e proíbem o casamento e o consumo de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ação de graças pelos que creem e conhecem a verdade.Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, se for recebido com ação de graças […]’.

Eles proibiam o casamento porque achavam que a matéria era má em si. Paulo está combatendo o gnosticismo ao dizer que o nosso Deus criou a matéria e tudo o que Ele criou é bom. Paulo está refutando a ideia gnóstica de que foi Demiurgo quem criou a matéria.

Isto reflete uma ideia engraçada, pois segundo o gnosticismo todos os heróis do Antigo Testamento estavam enganados, pois serviam a Demiurgo. Isto nos leva a concluir, seguindo a ideia gnóstica, que os verdadeiros heróis são os vilões. Golias é quem tinha o conhecimento da verdade. Jezabel é quem sabia das coisas! Uma releitura realmente cômica!

Recentemente foi descoberto o evangelho de Judas. E neste evangelho Judas é o herói. Ele não está traindo Jesus, mas cumprindo a salvação através do conhecimento do verdadeiro deus. Porque ele sabia do verdadeiro deus ele tinha que matar o corpo.

Com o resultado dessa compreensão, o camarada chamado Marcion, que era gnóstico, rejeitou a maior parte da Bíblia. Ele recomendou aos seus correligionários que aceitassem apenas 11 dos livros da Bíblia: 10 cartas de Paulo e o evangelho de Lucas. Assim, tudo que tinha relação com ira, Lei, Deus do Antigo Testamento foi rejeitado. Ele pregava a salvação através da renúncia do Deus do Antigo Testamento e aceitação do Deus do Novo Testamento que era outro.

É claro que a igreja combateu isto! Porém, isto fez com que a igreja tomasse uma posição pela primeira vez. Até então, não havia sido necessário tomar uma posição, pois tudo ocorria naturalmente.

Por causa do ataque de Marcion ao Cânon Bíblico, criando o seu próprio cânon, a igreja teve que se manifestar oficialmente. Eles sentiram a necessidade de divulgar a lista oficial, pois alguém estava ensinando inverdades.  Só lembrando que a igreja nessa época não era uma instituição formada e sim os cristãos livres.

Com isso surgiu a confecção do Cânon Muratoriano (170 a 210 d.C) um dos mais antigos e que não incluía as cartas de Pedro ou de Tiago, mas incluía Sabedoria de Salomão e o Pastor de Hermas (dois livros apócrifos). E, interessante, eles  recomendavam que eles não fossem lidos publicamente.

Depois, Orígenes de Alexandria, em 254 d.C., afirmou que havia duas classes de livros, os reconhecidos e os discutidos.  Os já reconhecidos eram os quatro evangelhos, 14 cartas de Paulo, Atos dos Apóstolos, I Pedro, I João e Apocalipse de João. Os discutidos eram Tiago, II e III João, II Pedro, Judas, Epístola de Barnabé e o Pastor de Hermas.

Depois, Eusébio de Cesareia em 326 d.C., peça fundamental no concílio de Niceia. (Só para você saber, o ponto principal do concílio de Niceia não era a discussão dos livros bíblicos, embora eles o tenham feito) dividiu a lista de livros em três categorias:

1- os reconhecidos: 4 evangelhos, 14 cartas de Paulo, Atos dos Apóstolos, I Pedro, I João e Apocalipse de João)

2- os discutidos: Tiago, II e III João, II Pedro e Judas

3- os espúrios (Epístola de Barnabé, Pastor de Hermas, Atos de Paulo, Apocalipse de Pedro, Didaquê e o Evangelho Segundo os Hebreus.

Foi somente no Século IV que o Cânon do Novo Testamento foi fixado praticamente universal. O documento mais antigo que contém uma lista com os nomes dos 27 livros aceitos na atualidade foi a Carta de Atanásio, Bispo de Alexandria, enviada às igrejas em 367 d.C.

O Cânon de Atanásio foi o que acabou sendo adotado pela cristandade em toda parte, tendo sido ratificado pelos Concílios de Hipona (em 393dC) e o de Cartago (em 397d.C). Lembrando que os concílios apenas oficializavam o que era a opinião geral das igrejas, eles não eram a autoridade que determinava.

Temos hoje 27 livros no Novo Testamento não porque o Concílio de Cartago falou, mas porque as igrejas, os pais da Igreja, já aceitavam esta ordem dos livros há muito tempo. O Concílio apenas colocou no papel.

Mas, como é que as igrejas aceitaram? Tinha algumas regras. Prestem atenção porque essas quatro maneiras, para saber se um livro é ou não de Deus, você vai ter que aplicar também se você estiver realmente interessado em descobrir isso por si mesmo. Para você ter a certeza você vai ter que fazer estes testes.

. Primeiro, eles viam a inspiração do livro, seu valor intrínseco. O livro era julgado pelo que ele dizia, por seu conteúdo. Se você não ler e estudar o texto você não tem como julgá-lo. Muitos dizem que não são inspirados, mas nunca os leram.

A escritora Ellen White vive sofrendo com isto. Muitos a criticam, mas nunca leram um só dos seus escritos. Nunca leu o Desejado, nunca leu o Grande Conflito, por exemplo. Então, para saber se a Bíblia é real realmente, vai ter que lê-la. Não vamos resolver seu problema de preguiça espiritual aqui com este estudo. Você vai ter que correr atrás. Vai ter que ler com seus próprios olhos, julgar com sua mente, com o seu raciocínio se realmente é assim ou não!

. O segundo era a aceitação universal e não apenas regional.  Ou seja, o conteúdo tinha que ser bem julgado não somente por você ou as pessoas que moram perto de você, mas bem julgado por várias pessoas em várias partes. Essa é a razão pela qual alguns livros demoraram a serem aceitos, por certas comunidades, por falta de ampla circulação. Por exemplo, os livros de Paulo, na verdade cartas regionais. Então, demorava a circular.

. O terceiro ponto é a coerência na doutrina. Esse é um dos mais importantes porque se o livro falasse alguma coisa diferente ele não era aceito. Só para explicar porque não aceitamos os apócrifos, como os que citamos, e que contem na Bíblia católica, por exemplo, o livro de Tobias.

No capítulo 12 verso 9, por exemplo, diz assim: ‘A esmola liberta da morte e purifica de todo pecado. Os que praticam esmola terão vida eterna; ’ Este texto ensina que se você der esmola você estará salvo pelo ato de dar. Imagina, vai pecando por ai e depois você dá esmola e fica tudo resolvido.

Outro exemplo é o Evangelho de Tomé que fala que Jesus matou um menino durante sua infância em uma brincadeira de pique-esconde. Porque foi achado e não gostou… Imagina?

Tobias 4:10 ainda diz assim: ‘Pois a esmola livra da morte e não deixa ir para as trevas.’

Tobias 2:9-10 diz: ‘Nessa mesma noite, depois de tomar banho após tê-lo enterrado, saí para o pátio de minha casa e adormeci junto à parede, com o rosto descoberto por causa do calor. Eu não sabia que havia pardais aninhados na parede, acima de mim, e seu excremento, quente, me caiu nos olhos, produzindo manchas brancas. Fui aos médicos, para me tratar. Mas quanto mais pomadas aplicavam, tanto mais os olhos cegavam, com as manchas, até que fiquei totalmente cego.’

Ainda no livro de Tobias 6:8 há uma mandinga com peixe para espantar demônios, diz assim: ‘O anjo respondeu: “O coração e o fígado do peixe, se os queimares diante de homem ou mulher que sofram investida de um demônio ou espírito malvado, a investida cessará e não ficará mais com eles.’

Enfim, a doutrina tinha que ser coerente com o restante. Era assim que eles viam se podia fazer parte do todo. Não podia ser diferente daquilo que havia sido ensinado por Cristo.  Ele mesmo dizia qual o Canon que lia: o de Moisés e os profetas. Se Jesus cita a Torah, então todo o Novo Testamento tem que ser coerente com o antigo.

Então, os livros apócrifos e todos os que ficaram fora do Cânon não passaram neste teste de coerência e de doutrina.

. O quarto teste era a autoria. Era verificado se o texto era dos apóstolos ou dos discípulos. Os apóstolos e discípulos tinham essa autoridade porque eles haviam sido testemunhas oculares no seu período. Por exemplo, eles diziam que Jesus morreu e ressuscitou, e se isso fosse mentira as pessoas iriam acusar essa mentira, pois eram contemporâneos aos fatos. Por exemplo, eles diziam que Jesus morreu e ressuscitou, e se isso fosse mentira as pessoas iriam acusar essa mentira, pois eram contemporâneos aos fatos. A autoria deles era aceita, pois além de terem passado pelas experiências, eles também passaram pelo crivo da análise de sua geração.

Se eu escrever num jornal, numa revista ou num livro que hoje em 20102 o Lula foi deposto, por exemplo, e isto não for verdade o que vai acontecer? Os jornais, os blogs, a imprensa, os twitters vão dizer que minha informação é mentirosa, que está errada. É natural.

Não encontramos textos da época que condenem o que esses homens estão dizendo, pelo contrário, encontramos textos de outras pessoas que não são cristãs, como Flávio Josefo e outros autores não cristãos, confirmando informações dadas no Novo Testamento por esses apóstolos e discípulos de Cristo.  

Hoje é possível reconstruir toda a bíblia, apenas com escritos de outras pessoas da época citando a bíblia.

E assim termina a formação do cânone bíblico. Você viu que não foi de uma hora para outra. Você viu que foi a mão de Deus que inspirou os profetas e fez esses livros inspirados chegar até nós.

Na parte 2 usaremos a ferramenta da Crítica Textual e a parte 1 fará mais sentido ainda. Para terminar desafio você pesquisar a Bíblia. Às vezes recebemos argumentos que falam contra a Bíblia e o desafio que lhe faço é procurar evidências na Bíblia para saber o que a Bíblia diz como sendo verdadeiro ou não para você. Busque isto. Envolva-se com a Bíblia para entender o que ela fala, seu contexto, sua mensagem, para que sua fé tenha base. Entenda a Bíblia e você saberá se ela é inspirada ou não.

Pastores Diego Ignácio e José Flores Junior

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1- era uma heresia que considerava o corpo de Cristo como pura aparência. Negando a humanidade de Cristo, rejeitava o mistério da Encarnação, e, por conseguinte toda a sua obra redentora realizada por sua morte na cruz. Esta heresia foi definitivamente condenada pelo concílio de Calcedônia (451).

2- Este estudo foi realizado em 2010, inclusive publicamos o podcast em nossa página em 2012 

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