Nos dias da rainha Ester

por Ellen White  
Profetas e Reis, Cap.49.

Graças ao favor que lhes fora mostrado por Ciro, aproximadamente cinquenta mil dos filhos do cativeiro tinham tirado vantagem do decreto que lhes permitia voltar. Esses, entretanto, em comparação com as centenas de milhares espalhados através das províncias da Medo-Pérsia, eram apenas um simples remanescente. A grande maioria dos israelitas tinha escolhido permanecer na terra do seu exílio, antes que enfrentar as durezas da jornada de retorno e o restabelecimento de suas desoladas cidades e lares.
Uma vintena ou mais de anos havia passado, quando um segundo decreto, tão favorável quanto o primeiro, foi baixado por Dario Histaspes, o rei que governava então. Assim proveu Deus em misericórdia outra oportunidade para os judeus na Medo-Pérsia, a fim de que voltassem à terra de seus ancestrais. O Senhor previra os tempos turbulentos que se seguiriam durante o reinado de Xerxes — o Assuero do livro de Ester — e Ele não somente operou uma mudança de sentimentos no coração dos homens em autoridade, mas inspirou também Zacarias a que se empenhasse com os exilados para que voltassem.
“Olá, oh fugi agora da terra do norte”, era a mensagem dada às tribos dispersas de Israel que se tinham estabelecido em muitas terras longe do seu antigo lar, ‘porque Eu vos espalhei como os quatro ventos do céu, diz o Senhor. Oh Sião livra-te tu, que habitas com a filha de Babilônia. Porque assim diz o Senhor dos Exércitos: Depois da glória ele me enviou às nações que vos despojaram; porque aquele que tocar em vós toca na menina do Seu olho. Porque eis aí levantarei a Minha mão sobre eles, e eles virão a ser a presa daqueles que os serviram; assim sabereis vós que o Senhor dos Exércitos me enviou’. Zacarias 2:6-9.
                                                                           
Era ainda o propósito do Senhor como tinha sido desde o início, que Seu povo fosse um louvor na Terra, para glória do Seu nome. Durante os longos anos do seu exílio, Ele lhes havia dado muitas oportunidades de retornar a sua obediência a Ele. Alguns tinham escolhido ouvir e aprender; outros tinham encontrado salvação em meio de aflições. Muitos desses deviam ser contados entre o remanescente que retornaria. Eles foram assemelhados pela Inspiração ao “topo do cedro”, que devia ser plantado “sobre um monte alto e sublime, no monte alto de Israel”. Ezequiel 17:22, 23.
Eram esses aqueles “cujo espírito Deus despertou” (Esdras 1:5), que tinham retornado sob o decreto de Ciro. Mas Deus não cessou de apelar aos que voluntariamente permaneceram na terra do exílio; e através de múltiplas providências Ele tornou-lhes possível o retorno. O grande número, entretanto, dos que deixaram de responder ao decreto de Ciro, permaneceram insusceptíveis a posteriores influências; e mesmo quando Zacarias os advertiu a que fugissem de Babilônia sem mais delongas, eles não deram ouvidos ao convite.
Nesse tempo, as condições no reino da Medo-Pérsia estavam rapidamente mudando. Dario Histaspes, sob cujo reinado os judeus tinham recebido mostras de evidente favor, foi sucedido por Xerxes o Grande. Foi durante o seu reinado que aqueles judeus que haviam deixado de atender à mensagem para fugir, foram chamados a enfrentar terrível crise. Tendo recusado tomar vantagem do caminho de escape que Deus havia provido, foram agora postos face a face com a morte.
Por intermédio de Hamã o agagita, um homem inescrupuloso colocado em elevada autoridade na Medo-Pérsia, Satanás operou neste tempo para contrapor-se aos propósitos de Deus. Hamã acalentava amargo ódio a Mardoqueu, um judeu. Mardoqueu não havia feito a Hamã nenhum mal, mas simplesmente havia recusado mostrar-lhe reverência que traduzia culto. Desdenhando “pôr as mãos só em Mardoqueu”, Hamã conspirou no sentido de “destruir todos os judeus que havia em todo o reino de Assuero, ao povo de Mardoqueu”. Ester 3:6.
Mal orientado por falsas acusações de Hamã, Xerxes foi induzido a baixar um decreto determinando o massacre de todo povo judeu “espalhado e dividido entre os povos em todas as províncias” (Ester 3:8) do reino da Medo-Pérsia. Foi apontado um certo dia no qual os judeus deviam ser destruídos e suas propriedades confiscadas. Mal imaginava o rei os vastos resultados que teriam acompanhado a completa execução deste decreto. O próprio Satanás, o instigador oculto deste plano, estava procurando aliviar a Terra dos que preservavam o conhecimento do verdadeiro Deus.
“E em todas as províncias aonde a palavra do rei e a sua lei chegavam, havia entre os judeus grande luto, com jejum, e choro, e lamentação, e muitos estavam deitados em saco e cinza”. Ester 4:3. O decreto dos medos e persas não podia ser revogado; aparentemente não havia esperança; todos os israelitas estavam condenados à destruição.
Mas a trama do inimigo foi derrotada por um Poder que reina entre os filhos dos homens. Na providência de Deus, Ester, judia que temia ao Altíssimo, tinha sido escolhida como rainha do reino da Medo-Pérsia. Mardoqueu era um seu parente chegado. Na sua situação extrema, eles decidiram apelar a Xerxes em favor do seu povo. Ester devia aventurar-se a ir a sua presença como intercessora. “Quem sabe”, dizia Mardoqueu, “se para tal tempo como este chegaste a este reino?” Ester 4:14.
A crise que Ester enfrentava demandava ação fervorosa e imediata; mas tanto ela como Mardoqueu sentiam que a menos que Deus operasse poderosamente em seu favor, seus próprios esforços seriam vãos. Assim Ester tomou tempo para comunhão com Deus, a fonte de sua força. “Vai”, mandou ela dizer a Mardoqueu, “ajunta todos os judeus que se acharem em Susã, e jejuai por mim, e não comais nem bebais por três dias, nem de dia nem de noite, e eu e as minhas moças também assim jejuaremos; e assim irei ter com o rei, ainda que não é segundo a lei; e, perecendo, pereço”. Ester 4:16.
Os acontecimentos que se seguiram em rápida sucessão — a apresentação de Ester perante o rei, o assinalado favor a ela mostrado, os banquetes do rei e da rainha com Hamã como o único comensal, o sono perturbado do rei, a honra pública mostrada a Mardoqueu, e a humilhação e queda de Hamã após a descoberta de sua ímpia trama — tudo pertence a uma história familiar. Deus operou maravilhosamente por Seu penitente povo; e um decreto em contrapartida baixado pelo rei, permitindo-lhes lutar por sua vida, foi rapidamente comunicado a toda parte do reino por correios a cavalo, que “apressuradamente saíram, impelidos pela palavra do rei”. E “em toda a província, e em toda a cidade, aonde chegava a palavra do rei e a sua ordem, havia entre os judeus alegria e gozo, banquetes e dias de folguedo; e muitos, entre os povos da terra, se fizeram judeus, porque o temor dos judeus tinha caído sobre eles”. Ester 8:14, 16.
No dia apontado para a sua destruição, “os judeus nas suas cidades, em todas as províncias do rei Assuero, se ajuntaram para pôr as mãos naqueles que procuravam o seu mal; e nenhum podia resistir-lhes, porque o seu terror caiu sobre todos aqueles povos”. Anjos magníficos em poder tinham sido comissionados por Deus para proteger Seu povo, enquanto eles se punham “em defesa de sua vida”. Ester 9:2, 16.
A Mardoqueu foi dada a posição de honra anteriormente ocupada por Hamã. Ele foi “o segundo depois do rei Assuero, e grande para com os judeus, e agradável para com a multidão de seus irmãos” (Ester 10:3); e ele procurou promover o bem-estar de Israel. Assim Deus levou o Seu povo escolhido uma vez mais ao favor da corte medo-persa, tornando possível assim a promoção de Seu propósito de restituir-lhes a sua própria terra. Mas não foi senão sete anos mais tarde, no sétimo ano de Artaxerxes I, o sucessor de Xerxes o Grande, que um número considerável retornou a Jerusalém sob a liderança de Esdras.
As duras experiências que o povo de Deus enfrentara nos dias de Ester não foram peculiares a esse tempo somente. O Revelador, olhando para os séculos no fim do tempo, declarou: “O dragão irou-se contra a mulher, e foi fazer guerra ao resto da sua semente, os que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de Jesus Cristo”. Apocalipse 12:17. Alguns que hoje estão vivendo na Terra verão cumpridas essas palavras. O mesmo espírito que nos séculos passados levou os homens a perseguirem a verdadeira igreja, levará no futuro à adoção de uma conduta similar para com os que mantêm sua lealdade a Deus. Mesmo agora estão sendo feitos preparativos para este último grande conflito.
O decreto que finalmente sairá contra o remanescente povo de Deus será muito semelhante ao que Assuero promulgou contra os judeus. Hoje os inimigos da verdadeira igreja veem no pequeno grupo de guardadores do sábado, um Mardoqueu à porta. A reverência do povo de Deus por Sua lei, é uma constante repreensão aos que têm deixado o temor do Senhor, e estão pisando o Seu sábado.

Satanás suscitará indignação contra a minoria que recusa aceitar costumes populares e tradições. Homens de posição e reputação unir-se-ão com os marginais e os vis para tomar conselho contra o povo de Deus. Riqueza, gênio, educação, combinar-se-ão para cobri-los de desprezo. Governantes perseguidores, pastores e membros de igreja conspirarão contra eles. De viva voz e pela pena, ameaças e ridículo, procurarão subverter-lhes a fé. Mediante falsas representações e irados apelos, os homens suscitarão as paixões do povo. Não possuindo um “Assim dizem as Escrituras” para apresentar contra os advogados do sábado bíblico, eles recorrerão a opressivos preceitos de lei que lhes supram a falta. A fim de assegurar popularidade e sua aprovação, os legisladores se renderão aos reclamos de leis dominicais. Mas os que temem a Deus não podem aceitar uma instituição que viole um preceito do Decálogo. Neste campo se travará o último grande conflito na controvérsia entre a verdade e o erro. E nós não somos deixados em dúvida quanto ao desfecho. Hoje, como nos dias de Ester a Mardoqueu, o Senhor vindicará Sua verdade e Seu povo. 

Ellen White

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Uma resposta para Nos dias da rainha Ester

  1. Li este comentário escrito por Roney Tavares e gostaria de compartilhar com vc leitor:

    "É interessante considerar Ester em relação a Daniel. A diferença de tom da narrativa e postura e entre os livros é intrigante.

    Em primeiro lugar, as semelhanças. Ambos os livros tratam de situações similares – judeus sobrevivendo em países pagãos. Ambos passam situações de perseguição nas cortes persas. Ambos são selecionados primeiramente por terem uma "boa aparência". A mesma expressão, "tovei mareê" (literalmente "bom para os olhos"), aparece em Daniel 1:4 e Ester 2:2. Ambos passaram por um período de preparação para estar diante do rei, mas negaram os preparos (Dn 1:5, 8; Et 2:15). Ainda assim, ambos são considerados superiores aos outros (Dn 1:19-20; Et 2:17) e ganham o favor do rei.

    Mas as semelhanças não vão muito além disso. As diferenças começam pelos nomes. O nome pagão dado a Daniel, Beltessazar [que significa "Possa Bel [ou Marduque] preservar a sua vida"] (Dn 1:7) é usado poucas vezes, enquanto o nome hebraico, Daniel, é preferido e usado no livro todo. Já no livro de Ester, o nome hebraico Hadassa aparece uma única vez (Et 2:7), enquanto o nome pagão Ester [derivado de "Ishtar", a deusa babilônica do amor e do sexo], que é persa, é usado no restante do livro.

    Além disso, vemos que Daniel e seus amigos estão constantemente desafiando os reis e autoridades para não negar a sua identidade nacional e religiosa (Dn 2:27-28; 3:17-18; 6:10). Já Ester esconde a sua origem até o desenrolar final da narrativa (Et 2:10, 20; 7:4). É como se o uso do nome persa Ester ao invés do nome hebraico Hadassa fosse um recurso do autor para "esconder" a identidade judaica da protagonista.

    E por último, no livro de Daniel, Deus se manifesta com frequência, até fisicamente (Dn 3:25; 10:5-6), interferindo na história de forma miraculosa e sobrenatural. Já em Ester não há sequer uma única menção a Deus, e a única referência a alguma manifestação religiosa é o jejum do povo (Et 4:3, 16; 9:31). A história toda é guiada pela ação de pessoas, com eventos estranhamente coincidentes. A ação divina é apenas insinuada.

    Daniel e Ester têm mensagens diferentes que são complementares, não excludentes entre si. Os dois livros mostram uma tensão constante da religião bíblica entre o aspecto sobrenatural e o aspecto prático. De um lado, a entrega nas mãos de Deus e a espera da intervenção divina, com o protagonismo exclusivamente divino; e de outro, a iniciativa humana para estabelecer o livramento, com Deus agindo através das ações dos homens. Um olha para os céus e espera por um milagre; outro olha para o lado, planeja e age. Um aguarda a justiça no advento do Messias. O outro trabalha para que a justiça seja estabelecida.

    A religião sem o primeiro aspecto, o sobrenatural, enfatizado no livro de Daniel, é secular, alegórica, e não tem esperança nem significado. A religião sem o segundo aspecto, o prático, enfatizado no livro de Ester, é mística, passiva e egoísta."

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