Obesidade Mental

“O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades”
por João César das Neves*

O professor Andrew Oitke, catedrático de Antropologia em Haward, publicou em 2001 o seu polêmico livro “Mental Obesity”, que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral.
Nessa obra, o catedrático de Antropologia em Harvard introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna.
“Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física por uma alimentação desregrada. Está na altura de se notar que os nossos abusos no campo da informação e conhecimento estão a criar problemas tão ou mais sérios que esses.”
Segundo o autor, a nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares-comuns que de hidratos de carbono. As pessoas viciaram-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos, condenações precipitadas. Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada.
Os cozinheiros desta magna “fast food” intelectual são os jornalistas e comentadores, os editores da informação e filósofos, os romancistas e realizadores de cinema. Os telejornais e telenovelas são os hamburgers do espírito, as revistas e romances são os donuts da imaginação.
O problema central está na família e na escola. Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem apenas doces e chocolate.
Não se entende, então, como é que tantos educadores aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas. Com uma “alimentação intelectual” tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção… é normal que esses jovens nunca consigam depois uma vida saudável e equilibrada.
Um dos capítulos mais polêmicos e contundentes da obra, intitulado “Os Abutres”, afirma: “O jornalista alimenta-se hoje quase exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, de restos mortais das realizações humanas. A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular.”
O texto descreve como os repórteres se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polêmico e chocante. Só a parte morta e apodrecida da realidade é que chega aos jornais. Outros casos referidos criaram uma celeuma que perdura.
O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades. Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem teto, mas ninguém suspeita para que é que ela serve. Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê. Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto.
As conclusões do tratado, já clássico, são arrasadoras. Não admira que, no meio da prosperidade e abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência. A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizou-se, o folclore entrou em queda, a arte é fútil… paradoxal ou doentia. Floresce a pornografia, o cabotinismo, a imitação, a sensaboria, o egoísmo.
Não se trata de uma decadência, uma “idade das trevas” ou o fim da civilização, como tantos apregoam. É só uma questão de obesidade. O homem moderno está adiposo no raciocínio, gostos e sentimentos. O mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos. Precisa, sobretudo, de “Dieta Mental.”
*Professor catedrático e presidente do Conselho Científico da Faculdade de Ciências Econômicas e Empresariais da Universidade Católica Portuguesa.

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7 respostas para Obesidade Mental

  1. Neste momento olho com certa nostalgia a boa e velha Enciclopédia Britânica Barsa, outrora ponto de referência para tudo. Agora substituída pelo site de buscas GOOGLE. Fim dos tempos? Não. Início da Era Ponto Com.

  2. Puxa, Werton, vc sintetizou tudo!!!!

    Eu sempre penso neste texto quando me vejo diante da TV. Quanta banalidade há na TV e mesmo na internet…

    A programação infantil é simplesmente indigna das mentes infantis tão ávidas por conhecimento!

    Quanta publicação literária pobre temos expostas à venda!!! O mais admirável, porém, é encontrar quem as adquira!

  3. Verdade, Werton!

    Gosto de livros, aprendi a gostar. Fazer a pesquisa na fonte. O GOOGLE ajuda para fins imediatos, mas atraplha no conhecimentos dos adolescente s jovens que ao fazerem seus trabalhos copiam e colam. Início da Era Ctrl C Ctrl V.

    Fim do conhecimento… inicil da facilidade de apenas copiar , fim do pensamenteo e da produção de suas idéias a partir do que os outros pensam.

  4. Ah… Werton, que bom ver você sempre aqui, nos prestigiando com sua presença!

  5. Pedro diz:

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    A partir das dezenove horas começa a minha caminhada "informativa". Assisto o tele jornal local, depois fico mudando de canais para acompanhar a Record e a Band, e a seguir é a vez do Jornal Nacional. Para variar, assisto a novela das nove, e depois começo a jornada do computador.

    Apesar disso, infelizmente, ainda tenho que concordar com tudo que foi dito nesta página. Agora, imagine quem escolhe programação ainda "mais informativa"!

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  6. Mateus.. diz:

    Discordo de afirmações no sentido de que a "era ponto com" seja prejudicial.. nunca se teve tanto acesso a qualquer informação que seja..e isso é maravilhoso para quem nunca teve grana suficiente para ter uma Barsa ou uma Britanica mas hoje tem acesso ao mundo tecnológico..

    O que falta é professores que valorizem os livros e o conhecimento e, além disso, que saibam mostrar o que é conhecimento para seus alunos e os motivem a buscá-lo.. não adianta simplesmente ter uma enciclopédia em casa, deve-se saber quando usá-la..

    Outro problema que noto é que a maioria das pessoas hoje procura apenas diversão e, durante sua infancia e mocidade, são ensinados apenas a buscar isto.. o que se vai esperar destas pessoas além de buscarem o prazer pelo prazer nas suas atividades cibernéticas?

    a família está desestruturada e a rede de ensino escolar (pública e privada)também o está.. enquanto estas instâncias não forem remodeladas, não há muita esperança de melhoria neste sentido.. infelismente, muitos professores e pais também só querem a busca do prazer e não do conhecimento puro como deveria saber..

    não dá pra esperar que uma bananeira dê frutos de laranja.. nossos filhos são nosso reflexo..

  7. Penso que se a gente unir o que disse o Werton e o que disse o Mateus dá um "texto" bem legal!

    São duas faces de uma mesma moeda.

    Excelente comentáro Mateus.

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